Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | CATEGORIA PROFISSIONAL | ||
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Data do Acordão: | 06/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / ACTIVIDADE DO TRABALHADOR. | ||
Legislação Nacional: | CCT CELEBRADO ENTRE A AOPL - ASSOCIAÇÃO DE OPERADORES DO PORTO DE LISBOA E OUTRA E O SINDICATO DOS CONFERENTES DE CARGAS MARÍTIMAS DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DOS DISTRITOS DE LISBOA E SETÚBAL PUBLICADO NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 6, DE 15/02/1994. CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 118.º, N.º1, 119.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 17.3.2010, IN WWW.DGSI.PT, E DE 15.2.2012, ESTE TIRADO NA REVISTA N.º 3284/03.9TTLSB.L1.S1. | ||
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Sumário : | I – A categoria profissional define-se, em tese, pelo conjunto de tarefas e serviços que integram o objecto da prestação laboral contratada. Enquanto categoria-estatuto (ou categoria normativa), analisa-se na designação formal atribuída, convencional/legalmente, a um determinado conjunto de tarefas típicas. II – A categoria-função, suporte daquela, é integrada pela actividade contratada, devendo ambas corresponder ao núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador, maxime em caso de alteração funcional/contratual superveniente. III – No âmbito do CCT celebrado entre a Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outro e o Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal – e atentas as funções que passou a desempenhar, a partir de Dezembro de 2005 – deve ser atribuída ao trabalhador/A. a reclamada categoria de coordenador. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA, residente na Rua ..., n.º …, 1.º …, ..., instaurou, em 14.12.2010, a presente acção, sob a forma de processo comum, contra «BB -..., S.A.», com sede na Rua ..., Edifício ..., ..., alegando em síntese: - Desde 1 de Janeiro de 2000 e até finais de Dezembro de 2005, o A. exerceu, por conta da R., funções de trabalhador de base, tipo A (conferente), concomitantemente com as de Coordenador de conferentes; - Desde Janeiro de 2006, o A. sempre desempenhou exclusivamente as funções de ‘Coordenador’; - O A. tem direito a que lhe seja reconhecida e atribuída a categoria profissional de ‘Coordenador’, porque é esta que corresponde às funções por si desempenhadas quando em trabalho efectivo, por forma ininterrupta, desde 2006, devendo a categoria corresponder às funções desempenhadas; - Na distribuição do trabalho suplementar o A. tem sido discriminado, dado que não tem sido incluído na rotatividade normal dos trabalhadores com a categoria expressa de “ Coordenador”; - O A. tem direito a ser incluído na escala de repartição do trabalho suplementar em relação aos restantes coordenadores, uma vez que também só exerce funções de ‘Coordenador’; - A Ré também não paga ao A. as férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal de acordo com a remuneração de ‘Coordenador’. Conclui, pedindo que a R. seja condenada a: a) - Reconhecer que o A. exerce exclusivamente, de forma ininterrupta, as funções correspondentes à categoria de ‘Coordenador’ e a reconhecer-lhe o direito a essa categoria profissional; b) - Incluir o A. na rotatividade normal dos coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar; c) - Pagar ao A. as faltas justificadas, com direito a retribuição, as férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal pela remuneração da categoria de ‘Coordenador’.
A R. contestou, alegando, em síntese, que: - A actividade da R. divide-se em duas áreas: planeamento de parque e planeamento de navios; - O A. presta a sua actividade em ambas as áreas; - Na área de planeamento de parque o A., e todos os seus colegas com a categoria profissional de trabalhador de base (tipo A), desempenham exclusivamente as funções à mesma inerentes; - Na área de planeamento de parque existe apenas um Coordenador; - Já na área de planeamento de navios, o A., tal como os seus colegas com a categoria profissional de trabalhador de base (tipo A), desempenha as funções de Coordenador; - Ao contrário do A., que na área de planeamento de navios desempenha apenas as funções de Coordenador, os seus colegas, com a categoria profissional de trabalhador de base (tipo A), desempenham igualmente as funções a esta inerentes; - A situação excepcional do A. é devida ao facto deste, após doença natural, ter ficado com uma incapacidade permanente global de 60%; - O A. continua a exercer as funções inerentes à categoria de trabalhador de base (tipo A) no âmbito da área de planeamento de parque, na qual ocupa cinquenta por cento do seu tempo de trabalho; - A R. paga ao A. como Coordenador, mesmo quando este exerce as funções trabalhador de base (tipo A); - A R. sempre pagou ao A., em duodécimos, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes à remuneração de Coordenador; - A posição do A. consubstancia uma situação de abuso do direito. Conclui pela improcedência da acção.
O A. respondeu, alegando que inexiste abuso do direito e referindo que ocorreu lapso na petição inicial quanto à data em que cessou o exercício de funções de Coordenador concomitantemente com o exercício de funções de trabalhador de base, sendo tal data a de 23/08/2004. Referiu ainda que na área de planeamento de parque não ocorre o exercício de actividades de trabalhador de base.
Discutida a causa, proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos. __
2. O A., irresignado, apelou da decisão. Com êxito, já que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado a 5.12.2012 e integrado nos Autos a fls. 170-180, acolheu as suas razões e julgou procedente o recurso, revogando a sentença e condenando a R. a reconhecer que o A. tem a categoria profissional de Coordenador, pelo que deverá incluir o mesmo na rotatividade normal dos Coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar.
É desse Aresto que a R. vem pedir Revista. Rematou a respectiva alegação recursória com este quadro de síntese: 1. O douto acórdão recorrido, ao condenar a ora Recorrente a reconhecer que o ora Recorrido tem a categoria profissional de Coordenador e a incluir o mesmo na rotatividade normal dos Coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar, violou a lei substantiva. 2. Dos factos provados, resulta que o Recorrido presta funções de Coordenador na área de Planeamento de Navios, porque, por motivos que, embora involuntários, lhe são imputáveis (e não à Recorrente), é incapaz de realizar as funções de Trabalhador de Base nessa Área. 3. E porque a Recorrente decidiu facilitar-lhe a vida. 4. Já no Planeamento de Parque, o Recorrido não é Coordenador. 5. Logo, o Recorrido, enquanto trabalhador da Recorrente, não exerce em exclusivo as funções de Coordenador. 6. Ainda que o Recorrido exercesse apenas funções de Coordenador (e tal não sucede), nunca teria o mesmo direito a ver ser-lhe reconhecida esta categoria, uma vez que o CCT aplicável não sustenta tal pretensão. 7. Também o Código do Trabalho não acautela a pretensão do Recorrido.
Termina perorando pela procedência da Revista, com revogação do acórdão recorrido e confirmação da decisão proferida na 1.ª Instância.
O recorrido respondeu, concluindo, por sua vez: - O recorrido exerce, de forma contínua e ininterrupta, as funções de Coordenador desde 1.01.2006, quer na área de planeamento de parques, quer na área de planeamento de navios, funções que lhe foram atribuídas pela recorrente. - A recorrente considera mesmo que o recorrido é Coordenador na área de planeamento de navios, pelo que o douto acórdão recorrido, reconhecendo que o exercício das tarefas que o A. desempenha configura uma promoção à categoria de Coordenador, atribuída pela entidade patronal, não viola qualquer disposição de direito substantivo. __
Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, em circunstanciado ‘parecer’, tomou posição no sentido de que o recurso deveria improceder, confirmando-se o julgado. Notificadas, as partes não reagiram. __
Colheram-se os ‘vistos’. Cumpre decidir. __
II – Dos Fundamentos.
A – De Facto. Vem seleccionada, das Instâncias, a seguinte factualidade: 1 - O autor é trabalhador portuário no porto de Lisboa desde 12/3/1992 e pertencia aos quadros da AETPL – Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa. 2 - Por contrato individual de trabalho de 01.01.2000, o autor foi admitido para trabalhar sob autoridade e direcção da ré, a partir dessa data, como seu trabalhador permanente. 3 - Desde a sua admissão e até 23 de Agosto de 2004, o autor exerceu as funções de trabalhador de base, tipo A (conferente), concomitantemente com as de coordenador de conferentes, categoria hierárquica superior àquela, dedicando a cada uma delas períodos temporários sensivelmente iguais, mas separados, isto é, quando exercia uma não exercia outra. 4 - O IRCT que vigora no Porto de Lisboa é o CCT celebrado entre a AOPL – Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outra e o Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal (cf. BTE, 1.ª Série, n.º 6, de 15/02/1994, e Portaria de Extensão publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 37, de 08/10/1995). 5 - O autor é o sócio n.º ... do Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores de Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, o qual resultou da fusão dos três sindicatos subscritores do CCT anteriormente referido: Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal; Sindicato dos Estivadores do Porto de Lisboa e Centro de Portugal e Sindicato dos Trabalhadores do Tráfego Portuário de Lisboa e Centro de Portugal. 6 - O autor é oriundo do contingente comum, onde ingressara em 12/3/1992. 7 - O trabalho efectivamente prestado pelo autor tem sido remunerado como Coordenador, sendo-lhe paga também a remuneração extraordinária correspondente a essa categoria quando presta trabalho extraordinário. 8 - A actividade da ré divide-se em duas áreas: planeamento de parque e planeamento de navios. 9 - O autor presta a sua actividade em ambas as áreas, desempenhando as funções de Coordenador nas áreas de planeamento de navio. 10 - O autor, na área de planeamento de parques, dirige as equipas de trabalho de acordo com instruções recebidas do superintendente, elabora relatórios e notas de faltas, avarias e ocorrências no decurso das operações e com elas relacionadas, colhe os elementos necessários ao prosseguimento das operações e colabora com os coordenadores de estiva/tráfego na coordenação das operações. 11 - Em 23 de Agosto de 2004, o autor entrou numa situação de incapacidade temporária para o trabalho, motivada por uma lesão medular, mantendo-se ininterruptamente de baixa até Dezembro de 2005. 12 - Em 23 de Novembro de 2005, foi fixada ao autor uma incapacidade permanente global de 60%. 13 - Em 10 de Janeiro de 2006, o autor recebeu uma ficha de aptidão da qual constava que não devia efectuar esforços físicos, tais como levantar, deslocar ou transportar objectos pesados, permanecer de pé, de forma prolongada, deslocar-‑se por terrenos irregulares e prestar trabalho curvado, acocorado ou em locais elevados (documento de fls. 62 cujo teor se considera integralmente reproduzido). 14 - As funções de planeamento de navio obrigam a deslocações constantes aos mesmos, tendo a ré, na sequência da situação de incapacidade, supra descrita, que afectou o autor, decidido atribuir-lhe funções de escritório ( Coordenador) nessa área – planeamento de navios. __
São estes os factos. Com base neles – que não foram postos em crise, nada justificando que o sejam por não se prefigurar o cenário prevenido no n.º 3 do art. 729.º do C.P.C. – se resolverá a questão que constitui o objecto da impugnação. __
B – Os Factos e o Direito.
B.1 – O ‘thema decidendum’. Como resulta das conclusões da alegação recursória – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação, como é consabido, exceptuadas as temáticas de conhecimento oficioso, se as houver – a questão nuclear consiste em saber se deve ou não conferir-se ao A. a categoria profissional de ‘coordenador’, com inclusão do mesmo na rotatividade normal dos coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar.
B.2 – Conhecendo: A solução das Instâncias não foi coincidente. Enquanto a sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa não acolheu a pretensão do A., basicamente com o fundamento de que inexiste no domínio do CCT aplicável qualquer norma que imponha uma classificação ou reclassificação automática só pelo facto de se exercerem determinadas funções – não sendo a mesma igualmente atendível à luz das disposições adrede constantes no Código do Trabalho, seja o de 2003 ou o actualmente em vigor –, a deliberação sob protesto, julgando procedente a Apelação interposta, revogou a sentença e condenou a R. a reconhecer que o A. tem a categoria profissional de Coordenador, pelo que deverá incluir o mesmo na rotatividade normal dos Coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar (sic, no dispositivo, a fls. 180).
O Acórdão recorrido serviu-se, no essencial, desta fundamentação jurídica (transcrevemos os passos mais impressivos): (…) «…[I]mporta em primeiro lugar salientar que a decisão sobre a matéria de facto considerou não provados os factos alegados sob os arts. 23º e 24º da contestação, que referem que o autor continua a exercer as funções inerentes à categoria de Trabalhador de Base (tipo A) no âmbito da área de planeamento de parque. Quanto à área de planeamento de navios, ambas as partes admitiram que o autor exerce apenas as funções de Coordenador. Quanto à área de planeamento de parque resultou provado [que] o autor, na área de planeamento de parques, dirige as equipas de trabalho de acordo com instruções recebidas do superintendente, elabora relatórios e notas de faltas, avarias e ocorrências no decurso das operações e com elas relacionadas, colhe os elementos necessários ao prosseguimento das operações e colabora com os coordenadores de estiva/tráfego na coordenação das operações. Ora, ao contrário do que defende a recorrida, todas estas funções são próprias da categoria de Coordenador, conforme resulta da cláusula 8.ª, n.º3, do Anexo para o porto de Lisboa do IRCT aplicável (CCT celebrado entre a AOPL - Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outra e o Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15/02/1994). Resulta, assim, dos factos provados que o A. exerce apenas funções de coordenador, quer na área de planeamento de navios, quer na área de planeamento de parque. Tal alteração foi devida à situação de doença do A. a partir de Agosto de 2004. Tais funções não são exercidas a título transitório, mas sim a título permanente. Tem o autor direito ao reconhecimento da categoria correspondente às funções que efectivamente exerce? O Tribunal ‘a quo’ deu resposta negativa, por considerar que não ocorreu uma situação de baixa de categoria e, conforme resulta do CCT aplicável, a competência para a promoção compete à entidade patronal. Vejamos. Importa, em primeiro lugar, distinguir a categoria-estatuto da categoria-função. Acerca desta distinção diz o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/04/2012 ( www.dgsi.pt ), na sequência de posições doutrinárias e jurisprudenciais : ”A categoria-função identifica o essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações que este vai sofrendo em resultado da sua própria dinâmica. Resulta do contrato de trabalho e deve corresponder às funções efectivamente delineadas, constituindo, assim, uma determinação qualitativa da prestação de trabalho, contratualmente prevista e deve ser respeitada pela entidade patronal, pois na parte em que tenha sido contratualmente acordada é intangível, salvo acordo das partes e o caso particular do ‘jus variandi’ (…). A categoria-estatuto identifica o núcleo de direitos garantidos àquele complexo de funções pela lei e pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Equivale, por isso, à designação dada, nas fontes, a certa situação laboral, a fim de lhe associar a aplicação de diversas normas; resulta da categoria-‑função, isto é, de um juízo de integração do trabalhador nessa categoria – é a categoria-função que comanda a determinação da categoria-estatuto a aplicar, pois esta assenta nas funções efectivamente exercidas pelo trabalhador – e repercute-se em diversos aspectos da relação laboral, designadamente na hierarquia salarial, operando a integração do mesmo na estrutura hierárquica da empresa …” No caso vertente, o autor exerce efectivamente funções que, de acordo com o CCT aplicável, deverão ser enquadradas na categoria profissional de Coordenador, conforme acima referimos. Não resulta do factos provados que o exercício de tais funções resulte do exercício do ‘jus variandi’, previsto no art. 314.º do CT do Trabalho de 2003 – aplicável à data da alteração verificada – uma vez que o recurso a este direito só pode ser transitório. De acordo com o disposto no art. 111.º, n.º 1, do CT de 2003, “cabe às partes definir a actividade para que o trabalhador contratado”. E, de acordo com o n.º 2 deste preceito legal: “ A definição a que refere o número anterior pode ser feita por remissão para a categoria constante do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou de regulamento interno de empresa.” Este preceito corresponde ao art. 115.º, nºs 1 e 2, do CT de 2009.
No caso sub judice ocorreu uma alteração contratual das funções desempenhadas pelo autor após a situação de doença do mesmo. Têm toda a pertinência para a resolução da primeira questão colocada os ensinamentos de Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 15ª edição, pag. 217, quando refere que “ A correlação entre a categoria e a função efectivamente desempenhada não é, assim, biunívoca: a categoria deve ser atribuída com base na correspondência entre a sua descrição funcional e actividade contratada, mas esta pode não se conter na primeira. Quando muito, poderá dizer-se que os elementos centrais e característicos da actividade contratada se espelham na descrição da categoria atribuída. E daqui resulta um condicionamento para a margem de manobra do empregador na atribuição de tarefas ao trabalhador: o primeiro não pode obrigar o segundo a dedicar-se, exclusiva ou principalmente, e a título permanente ou definitivo, à execução de tarefas sem nenhuma correspondência na categoria. Se isso ocorrer, verificar-se-á uma de duas hipóteses: ou tais tarefas caracterizam uma categoria superior, e esta deverá ser reconhecida (configurando uma promoção), ou correspondem a uma categoria inferior, e estar-se-á perante uma (encapotada) baixa de categoria, que a lei proíbe fora do apertado condicionamento do art. 119.º do CT” (sublinhado nosso). Cumpre ainda referir que a cláusula 37.ª, n.º3, do CCT aplicável prevê como “possível o desempenho de funções próprias de categoria profissional superior, no âmbito profissional respectivo, a título precário, e em função das necessidades de serviço, independentemente de se tratar de trabalhadores do quadro da ETP ou de quadros da empresa” (sublinhado nosso). Ora, no caso em apreço, não resulta o exercício pelo recorrente de funções de coordenador a título precário. A atribuição de funções de coordenador ao recorrente pela entidade patronal configura uma promoção, que o primeiro tacitamente aceitou, sendo irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pela recorrida. Conforme resulta do Ac. do STJ de 20/04/2005 (www.dgsi.pt) e do Ac. STJ de 02/07/1997 (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, 1997, tomo II, pág. 297), o exercício, a título não transitório, pelo trabalhador de funções de determinada categoria confere a este o direito a essa categoria. No caso concreto, resultou ainda provado que o trabalho efectivamente prestado pelo autor tem sido remunerado como Coordenador, sendo-lhe paga também a remuneração extraordinária correspondente a essa categoria quando presta trabalho extraordinário. Mas a protecção legal da categoria não se esgota no estatuto remuneratório. A este respeito refere Monteiro Fernandes, op. cit., págs. 217 e 218: “ a tutela da categoria não visa apenas a garantia dos ganhos do trabalhador, tem igualmente em vista a salvaguarda da sua profissionalidade.” O não reconhecimento da nova categoria do autor permitiria baixar a categoria, o que a lei expressamente veda. Vejamos, agora, a segunda questão colocada. Estabelece a cláusula 38.ª, n.º 1, do CCT aplicável que “nos quadros da empresa e no quadro da ETP deverão ser estabelecidos, tanto quanto possível, esquemas de divisão equitativa do trabalho suplementar”. Assim e de acordo com o princípio da igualdade, o autor deve ser incluído na rotatividade normal dos Coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar.»
A este fundado entendimento contrapõe a ora recorrente, em síntese, que: - Por um lado, o recorrido presta funções de Coordenador na área de Planeamento de Navios porque, por motivos que lhe são imputáveis, embora involuntários, é incapaz de realizar funções de Trabalhador de Base, nessa área. (E porque a R., sensível à incapacidade do recorrido, decidiu atribuir-lhe funções com ela compatíveis). - Todavia, por outro, o recorrido não é Coordenador na área do Planeamento de Parque, antes colaborando com os coordenadores de estiva/tráfego na coordenação das operações, ou seja, o recorrido, enquanto trabalhador da recorrente, não exerce, em exclusivo, as funções de Coordenador. - E mesmo que exercesse apenas funções de Coordenador, nunca teria direito a ver ser-lhe reconhecida esta categoria, pois tal pretensão não tem acolhimento no CCT aplicável. __
Tudo (re)visto e ponderado, diremos que a razão não está com a recorrente.
A Relação ajuizou com acerto, sufragando-se a solução que elegeu, e, no essencial, a fundamentação que a suporta.
À noção do instituto categorial, na sua dupla vertente, acima dilucidada, associam-se, para além do já dito, a que nos reportamos, os princípios da efectividade (no domínio da categoria-função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (no domínio da categoria-estatuto, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode, por regra, ser dela retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto assenta nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
Devendo corresponder ao núcleo essencial das funções ou da actividade predominante a que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho – …ou das alterações posteriores dele decorrentes –, não é necessário que o trabalhador as exerça integralmente para que se enquadre na respectiva categoria. Em caso de dúvida quanto ao enquadramento categorial-formal, o trabalhador deve ser classificado na categoria-estatuto mais elevada que se aproxime das funções realmente desempenhadas. (Vide, por todos, os Acórdãos, deste Supremo Tribunal e Secção, de 17.3.2010, in www.dgsi.pt, e de 15.2.2012, este tirado na Revista n.º 3284/03.9TTLSB.L1.S1).
Como resulta do ponto 3 da Fundamentação de Facto, o A., desde a sua admissão e até 23 de Agosto de 2004, exerceu também funções de trabalhador de base, tipo A (conferente), concomitantemente com as de coordenador de conferentes, categoria hierarquicamente superior à primeira, dedicando a cada uma delas períodos de tempo sensivelmente iguais, mas separados, como se disse.
Prestando a sua actividade em ambas as áreas por que se reparte a actividade global da R., o A. desempenha, por determinação da R., as funções de coordenador na área de planeamento de navio, não havendo qualquer indicação de facto no sentido de que, a partir de Agosto de 2004, tenha continuado (…) a executar tarefas de trabalhador de base. Na área de planeamento de parques, o A., como se estampou no ponto 10. da mesma FF, dirige as equipas de trabalho de acordo com as instruções recebidas do superintendente, elabora relatórios e notas de faltas, avarias e outras ocorrências, colhendo elementos necessários à prossecução das operações em colaboração com os outros coordenadores de estiva/tráfego.
Não obstante… …a R., apesar de ter atribuído ao A., como já se disse, funções de coordenador, na área/planeamento de navios, a título não precário – e alegando tê-lo feito sensibilizada pela situação de incapacidade permanente de que, supervenientemente, o A. passou a estar afectado – sustenta, ainda assim, que, na área do Planeamento de Parque, o recorrido não é coordenador, pois apenas dirige equipas de trabalho, de acordo com as instruções recebidas do superintendente, elaborando relatórios e notas de faltas, avarias e ocorrências no decurso das operações e com elas relacionadas, colhendo elementos necessários ao prosseguimento das operações e colaborando com os coordenadores de estiva na coordenação das mesmas. Sem válido fundamento, contudo. Com feito, reportando-nos ao teor da cl.ª 6.ª/1, integrada no Capítulo II do Anexo do CCT aplicável – sob a epígrafe ‘Categorias e classes profissionais e definição de funções’ –, nela se estampa que as categorias dos trabalhadores abrangidos são apenas três: superintendente, coordenador e trabalhador de base. Na cl.ª 8.ª seguinte define-se a categoria de coordenador (é o trabalhador que coordena os serviços que lhe são atribuídos e desempenha, nomeadamente, as funções constantes dos números seguintes), descrevendo-se aí o respectivo conteúdo funcional. A cl.ª 9.ª elenca as funções que desempenha o trabalhador de base (vão desde a estiva e desestiva de qualquer tipo de cargas, passando pela execução de tarefas relacionadas com a movimentação de granéis sólidos e líquidos, peagem, despeagem, arrumação de material sob as ordens do comandante do navio e arrumação de madeira de estiva e paletas, até à limpeza de tanques e porões, lingagem e deslingagem e movimentação de mercadorias, sua arrumação e resguardo).
Ante as previsões convencionais citadas e a factualidade apurada, não podemos deixar de secundar o juízo alcançado no Acórdão revidendo no sentido de que as tarefas desenvolvidas pelo A. se enquadram inequivocamente na categoria profissional de coordenador, concretamente após a alteração funcional operada por via da incapacidade permanente fixada ao A. a partir de finais de Novembro de 2005. (As tarefas que o A. desenvolve na área de planeamento de parques – conforme decorre do teor do ponto 10. da FF – não são essencialmente diversas das funções que o mesmo desempenhava já enquanto coordenador na área de planeamento de navio).
Bem se concluiu, por isso – interpretando correctamente a materialidade respectiva à luz das dilucidadas coordenadas normativas –, que as funções que o A. desempenha, de modo duradouro, correspondem à categoria de coordenador, em ambas as áreas em que se divide a actividade da R./recorrente, nela devendo ser enquadrado, como se decidiu. Essa categoria fora já, aliás, atribuída ao A. pela própria R., como se deixou dito acima, remunerando-o em conformidade, resultando pouco compreensível, no mínimo, que, ante a alegada motivação dessa sua decisão, a mesma não releve globalmente, pretendendo-se que o A./recorrido não tenha igual categorização na área do planeamento do parque… E, como se consignou, não é sequer exigível o exercício exclusivo das (de todas as) funções integrantes de uma categoria para que essa deva ser a eleita.
Na senda da autorizada posição de Monteiro Fernandes, adrede invocada na fundamentação do Aresto sob censura, que secundamos, as tarefas desempenhadas, a título duradouro/permanente, caracterizam uma categoria superior, que deve assim ser reconhecida. Face à sobrevinda alteração funcional, como factualizado, (implicitando consequentemente a respectiva modificação contratual, pois o novo desempenho não foi determinado a título precário), a insistência na manutenção em categoria inferior à de coordenador sempre afrontaria o injuntivo legal constante dos arts. 118.º/1 e 119.º do Código do Trabalho/2009.
Assente essa premissa, não suscita qualquer dúvida relevante o entendimento de que, ante a regra da distribuição do trabalho suplementar constante da Cl.ª 38.ª/1 do CCT vinculante – ‘Nos quadros de empresa e no quadro da ETP deverão ser estabelecidos, tanto quanto possível, esquemas de divisão equitativa do trabalho suplementar’ –, o A. deve ser incluído, como peticionou e lhe foi reconhecido, na rotatividade normal dos coordenadores para efeitos de repartição equitativa do trabalho suplementar. __ Em suma, aproximando a conclusão: Bem se decidiu. Soçobram consequentemente as asserções conclusivas da motivação recursória. __
III – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado. Custas pela recorrente. __
Anexa-se sumário do Acórdão. ***
Lisboa, 19 de Junho de 2013
Fernandes da Silva (Relator) Gonçalves Rocha Leones Dantas
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