Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24623/16.7T8LSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO DE PRÉ-REFORMA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:

-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 143;
-António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 17.ª Edição, 478 e ss, 479;
-Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, Wolters Kluwer Portugal, 2010, 1.ª Edição, 766;
-Jorge Miranda, Rui Medeiros, Anotação ao artigo 13.º, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, 226 e ss.;
-José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 645 e ss.;
-Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, 6.ª Edição, 2016, 635 e ss., 703 e ss.;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 438 e ss..
Legislação Nacional:

CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO (CT): - ARTIGOS 285.º, 294.º, N.º 2, ALÍNEA B), 295.º, 296.º, 298.º, 308.º, 317.º, 318.º, 319.º, ALÍNEA C), 320.º, N.º 1, 321.º, N.º 3, 322.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) E C), 2 E 3, 338.º, N.º 1, 339.º, N.º 1 E 366.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003, APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGOS 356.º E 357.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 236.º, 238.º E 406.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 527.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-11-2001, PROCESSO N.º 00S4098;
- DE 04-06-2003, PROCESSO N.º 3607/02, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-10-2007, PROCESSO N.º 07S1045, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 4720/04;
- DE 11-05-2011, PROCESSO N.º 2766/07.8TTLSB.L1.S1.;
- DE 05-06-2012, PROCESSO N.º 2083/06.0TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 05-05-2013, ACÓRDÃO N.º 187/2013.
Sumário :
I – A suspensão do contrato de trabalho pode derivar de um acordo das partes mediante a celebração de um Acordo de Pré-reforma.
II – O Acordo de Pré-reforma entre o trabalhador e o empregador está sujeito a forma escrita, deve conter o demais que o regime jurídico de tal instituto estabelece nos arts. 319º e segts, e pode findar com a cessação do contrato de trabalho.

III – Tendo a Empregadora promovido o despedimento colectivo dos seus trabalhadores, nos termos legais, e no qual foi abarcado o Autor, tal despedimento produziu a cessação do contrato de trabalho deste e, também, a cessação do Acordo de Pré-reforma.

IV - Nessa medida, os efeitos decorrentes da cessação da pré-reforma, no que concerne à indemnização devida ao trabalhador, são os produzidos em função de tal causa, isto é, os estatuídos no art. 322º, nº 2, do Código do Trabalho de 2009, pelo que deverá o Autor ser indemnizado segundo essa regra, calculando-se o montante das prestações nesses termos, e não de acordo com a compensação prevista no nº 1, do art. 366.º, do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA

Instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:

DD, S.A.

Pedindo a condenação deste a pagar-lhe:
a) A título de indemnização pela cessação da pré-reforma a quantia de € 309.631,34, deduzindo-se a já paga como compensação pela cessação do contrato de trabalho, pelo que, tem o A. a receber a quantia de € 199.367,83, sem prejuízo do diferencial que resultar do aumento da idade legal de reforma, a liquidar em sede de sentença;
b) A título subsidiário, caso o pedido anterior seja julgado improcedente, a condenação do Banco R. a proceder ao cálculo da compensação por cessação do contrato de trabalho com base na antiguidade, reportada a 2/01/1996, ascendendo aquele valor a € 232.099,73, deduzindo-se a quantia já paga a este título, o que dá o pagamento da quantia de € 121.836,22;
c) Quantias acrescidas de juros de mora legais, vencidos desde 24 de Agosto de 2016, e vincendos;
d) Por fim, a quantia de € 70.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos.

Alegou para o efeito, e em síntese, que:

O Autor foi contratado pelo BB, em 11/Setembro/2006, para exercer funções de coordenação na Administração da Sociedade “BB – …, S.A.”, que integrava o Grupo BB.

Com a resolução do “BB, S.A.”, a “BB, S.A.” entrou em processo de liquidação tendo o Banco Réu proposto ao A. a passagem à situação de pré-reforma; e, por isso, Autor e o Banco Réu celebraram um acordo de pré-reforma, com efeitos a partir de 30/01/2015, tendo já o Autor, nessa data, 62 anos de idade.

Em 23 de Agosto de 2016, o A. foi integrado num procedimento de despedimento colectivo promovido pelo Banco Réu, e foi-lhe paga, a título de compensação, a quantia ilíquida de € 110.263,51, calculada nos termos do disposto no art. 5.º, da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto e do art. 366.º do Código do Trabalho, quando, no entender do Autor, a sua indemnização deveria ter sido calculada nos termos do art. 322.º, nº 1, al. c), e nº 2, do Código do Trabalho.

Pelo que, conclui, é-lhe devida a diferença quantitativa aqui peticionada.

Quanto ao pedido subsidiário formulado defende o Autor que a sua antiguidade, para efeitos de cálculo de indemnização, deve reportar-se a 2/01/1996 e não a 2006, porquanto foi naquela data que o Autor começou a trabalhar para a Banca.

No que respeita ao pedido dos danos não patrimoniais alega que sofreu danos pela preocupação grave que lhe causou a forma como todo o processo foi conduzido, bem como o facto de ter sido privado do seu rendimento com a idade de 64 anos, com a inerente dificuldade em arranjar outro meio de rendimento, o que lhe provocou um estado depressivo, com dificuldades em dormir e o consequente recurso a apoio médico e medicamentoso.

  

2. O Banco Réu apresentou contestação argumentando, em síntese, que:

São publicamente conhecidas as razões conjunturais que o levaram a ter de enveredar para o despedimento colectivo de 56 trabalhadores, não restando à Ré alternativa.

Acontece que o acordo celebrado com o A., ao contrário do que este alega, não configurou um verdadeiro acordo de pré-reforma, mas antes um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho, pelo que o regime jurídico subjacente a esta figura é diferente do regime de pré-reforma. Tanto assim que a compensação entregue ao Autor foi calculada nos termos do art. 366.º do Código do Trabalho.

Defender o entendimento do A. é violar o princípio da igualdade com os demais trabalhadores objecto do despedimento colectivo (cf. art. 13.º da CRP) e o princípio da imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho.

Relativamente ao pedido subsidiário argumenta a Ré que a convenção das partes visou apenas assegurar ao A. a atribuição dos benefícios previstos no ACT do Sector Bancário, dos quais dependia a antiguidade do trabalhador, pelo que esta não pode ser outra face à natureza imperativa das normas do Código do Trabalho.

Por fim, invoca que os danos não patrimoniais peticionados pelo A. não têm razão de ser pois não existiu da parte da Ré qualquer comportamento gerador de responsabilidade civil.
Conclui pedindo a improcedência da presente acção.

3. O A. exerceu o direito de resposta reafirmando, em síntese, que o Banco R. litiga com má-fé e abuso de Direito ao pretender vingar a tese da celebração de um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho, porquanto sabe que celebrou com o Autor um acordo de pré-reforma.
Concluiu, assim, peticionando a condenação do Banco Réu como litigante de má-fé.

4. Finda a fase dos articulados foi proferido despacho saneador que admitiu apenas parcialmente o articulado de resposta do A., considerando legalmente inadmissível o teor dos arts. 75.º a 79.º do referido articulado.
De seguida, o Tribunal de 1ª instância entendeu que os autos já possuíam todos os elementos que permitiam conhecer do mérito da causa e proferiu despacho saneador-sentença com o seguinte dispositivo:

«5. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se:
A) Julgar parcialmente procedente a presente acção interposta pelo Autor AA contra o Réu “DD, S.A.” e, consequentemente, mais se decide:
1) Condenar o Réu a pagar ao Autor a indemnização no montante de € 186.989,58 (cento e oitenta e seis mil, novecentos e oitenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), a título (de diferença) de indemnização compensatória pela cessação do contrato de trabalho em virtude de despedimento colectivo, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde a data de 23/08/2016 até ao seu integral e efectivo pagamento;
2) Absolver o Réu do demais contra si peticionado pelo Autor;
B) E julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelo Autor contra o Réu.”

5. Inconformado, o Banco Réu interpôs recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, impugnando a decisão proferida apenas quanto a questões de direito, formulando, para tal e em síntese, as seguintes conclusões:


A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida, a qual condenou o R., ora Recorrente, no pagamento ao A., aqui Recorrido, de indemnização no montante de € 186.989,58, nos termos que os autos retratam.
B) O Recorrente não se pode conformar com essa decisão, por considerar que o quantum indemnizatório pago ao A. por ocasião da cessação do contrato de trabalho, no âmbito de processo de despedimento colectivo, nos termos do art. 366.º do Código do Trabalho, se encontra correctamente calculado.
C) Resulta assente nos presentes autos que o contrato de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrido, que se encontrava suspenso, cessou no dia 23 de Agosto de 2016, no âmbito de um despedimento colectivo, no qual o Recorrido foi integrado. Discutindo-se tão-somente nestes autos o alcance do acordo celebrado entre as partes, em 26 de Dezembro de 2014, designadamente se o mesmo reveste a natureza de acordo de pré-reforma ou de suspensão atípica, bem como a forma de cálculo da compensação devida ao Recorrido pela cessação do contrato de trabalho no âmbito de um despedimento colectivo.
D) Ora, no que tange à natureza do acordo celebrado entre as partes, entende a decisão recorrida que o mesmo se reconduz a um efectivo acordo de pré-reforma – entendimento este com o qual o Recorrente não se conforma.
E) Desde logo porque, pese embora o nomen iuris dado ao negócio jurídico – acordo de pré-reforma – as partes aludiram a elementos que, no exercício interpretativo da vontade das partes, não poderão ser ignorados e que se revelam aptos a descaracterizar a referida tipicidade.
F) Com efeito, ao invés de estabelecerem a atribuição ao Recorrido de uma prestação de pré-reforma durante o período de suspensão contratual, as partes convencionaram o pagamento pelo Recorrente ao Recorrido de uma retribuição mensal, composta por diversas parcelas retributivas, o que nunca foi posto em causa pelo Recorrido durante toda o período de suspensão contratual (cf. art. 29.º dos factos provados).
G) Ora, neste contexto, resulta claro que as partes pretenderam estabelecer, e estabeleceram, o pagamento pelo Recorrente ao Recorrido de uma prestação de natureza retributiva durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o que se revela, até por definição, incompatível com a prestação de pré-reforma. No caso vertente, e tendo em conta que estamos perante uma suspensão total do contrato de trabalho, a lógica abstensiva associada à obrigação assumida pelo Recorrido sempre se revelaria apta a contrariar a materialidade subjacente ao conceito de retribuição. Neste mesmo sentido apontam os Pareceres juntos aos autos, para os quais respeitosamente se remete o Tribunal ad quem.
H) Na Cláusula Oitava do acordo de suspensão contratual, as partes previram a extinção da situação de suspensão contratual com o regresso do trabalhador ao exercício de funções se tal fosse do interesse do Recorrente (…), e a unilateralidade da possibilidade de extinção da suspensão contratual, a qualquer momento, pelo Recorrente, também diverge do regime legal de pré-reforma, dele se afastando.
I) Mas ainda que os mencionados elementos – claramente descaracterizadores de um acordo de pré-reforma – não devessem ser tidos em conta, o que apenas se admite à cautela e sem conceder no caso do instituto da pré-reforma, a vontade dos sujeitos contratuais não é suficiente para a criação da figura, na medida em que à mesma subjazem propósitos de equidade e interesses de ordem pública, incluindo articulação com a Segurança Social.
J) Impondo-se, por força do supra exposto, concluir que o acordo em análise nos presentes autos deverá ser reconduzido a uma suspensão atípica do contrato de trabalho, figura que tem vindo a ser reconhecida e aceite pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores (confira-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ, de 24/10/2007, disponível em www.dgsi.pt) e, bem assim, pela Doutrina, aqui se remetendo novamente para os Pareceres juntos aos autos.
K) Ora, tratando-se de um acordo atípico de suspensão da relação laboral, a cessação do contrato de trabalho no âmbito de um despedimento colectivo estaria exclusivamente regulada pelos arts. 359.º a 366.º do Código do Trabalho, designadamente no que respeita ao cômputo da compensação inerente, não havendo que conjugar o regime privativo da pré-reforma previsto nos arts. 318.º a 322.º do mesmo diploma.
L) Termos em que a compensação paga ao Recorrido estava bem calculada nada mais sendo devido.
M) Mas, ainda que estivéssemos perante um verdadeiro e efectivo acordo de pré-reforma, o que apenas se admite à cautela e sem conceder, a compensação a pagar ao Recorrido sempre seria calculada nos termos do art. 366.º do Cód. do Trabalho, já que a relação laboral cessa por efeito e em virtude de um despedimento colectivo.
N) Não pode, todavia, o Recorrente conformar-se com o entendimento simplista do Tribunal de 1ª instância, na medida em que, desde logo, a sustentação formal em que a sentença se ancora não se revela apta a afastar a imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho e, em consequência, o critério indemnizatório previsto no art. 366.º do Cód. do Trabalho.
O) O mencionado preceito legal (art. 339.º, n.º 1, do Cód. do Trabalho) vem consentir a derrogação da imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho apenas quando outra disposição legal permitir que um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou um contrato de trabalho possam estabelecer um regime distinto, ainda que balizado pelo próprio Código, sem que seja a própria disposição legal, enquanto tal, a estabelecer um regime pretensamente distinto.
P) A vingar o entendimento plasmado na decisão recorrida estar-se-ia a esvaziar de conteúdo a imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho, imperatividade esta determinada por razões de coerência sistemática e que visa proteger os trabalhadores do desequilíbrio económico existente entre as partes, assegurando simultaneamente o direito dos trabalhadores à compensação, por um lado, e a salvaguarda da competitividade das empresas, por outro lado.
Q) Se assim não se entendesse, estaria o legislador a estabelecer um regime totalmente desconexo com a imperatividade que o próprio legislador quis atribuir ao sistema.
R) Esta conclusão resulta, inclusivamente, dos Pareceres juntos aos autos, para os quais se remetem V. Exas., consentindo-se, porém, neste particular salientar a citação do Parecer do Prof. Romano Martinez, no qual se refere que: “ (…) a compensação decorrente do despedimento colectivo consta do art. 366.º, salientando que o legislador bloqueou genericamente a intervenção da autonomia individual e colectiva em matéria de cessação (art. 339.º, n.º 1), admitindo, no entanto, algumas excepções (por exemplo, art. 339.º, nºs 2 e 3, onde se inclui a compensação)”.
S) A tese da sentença recorrida, a proceder, o que apenas se admite à cautela e sem conceder, sempre redundaria numa flagrante violação do princípio da igualdade, na medida em que habilitará um trabalhador, admitido ao serviço com 55 anos de idade, celebrar um acordo de pré-reforma e receber de imediato uma contrapartida durante mais de uma década (até à idade legal da reforma), mesmo que, entretanto, se visse abrangido por um despedimento colectivo.
T) Mais se refira, ad absurdum, que, a vingar a tese da decisão recorrida, o despedimento do Recorrido assumiria a natureza de um prémio, na medida em que aquele ficaria claramente numa situação diferenciadora face aos demais trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, desde logo porque (i) lograria antecipar financeiramente as prestações de pré-reforma; (ii) a partir da cessação do contrato de trabalho e mediante o recebimento da suposta compensação, calculada nos moldes preconizados pela sentença recorrida, passaria a estar imunizado perante quaisquer vicissitudes negativas que pudessem ser sofridas pelo empregador (v.g. a insolvência), (iii) libertar-se-ia do cumprimento de todo e qualquer dever juslaboral e, adicionalmente, (iv) acederia ao subsídio de desemprego.
U)  Neste mesmo sentido apontam os Pareceres do Ilustres Senhores Professores, que se encontram juntos aos autos e para os quais se remete.
V) A decisão recorrida, ao aplicar o Direito, fez uma errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 322.º, n.º 2, 339.º, 366.º e 383.º, al. c), todos do Cód. do Trabalho e, bem assim, do estabelecido nos arts. 13.º, 59.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
W) Termos em que deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente os pedidos do Recorrente e confirme que o montante já pago ao Recorrido, pelo Recorrente, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho no âmbito do processo de despedimento colectivo em que aquele foi abrangido.”


6. O A. apresentou contra-alegações nas quais concluiu, em síntese, que:

1. Emergem as presentes contra-alegações do recurso interposto pelo Recorrente da douta sentença do Tribunal a quo, que condenou o primeiro no pagamento ao segundo de uma indemnização pela cessação do acordo de pré-reforma, calculada nos termos do artigo 322.°, nº 2 do Código do Trabalho. Sem prejuízo da correcção do erro de cálculo requerida pelo Recorrido, entende este que a referida decisão procedeu a uma correcta aplicação do Direito aos factos, pelo que deverá ser mantida.
2. Da factualidade provada por acordo resulta indubitavelmente que as Recorrido e Recorrente celebraram um acordo de pré-reforma, previsto nos arts. 318.° e 319.° do Código do Trabalho.
3. Na verdade, o Recorrente abordou o Recorrido, seu trabalhador, com idade superior a 55 anos, no sentido de celebrarem um acordo de pré-reforma, o qual importou a suspensão da prestação de trabalho e o pagamento de uma prestação pecuniária mensal, de montante inferior à retribuição que o Recorrido auferia.
4. A formalização do entendimento alcançado pelas partes consta do Acordo de Pré-reforma, assim mesmo designado, celebrado entre ambos, o qual contém todas as menções previstas na lei para este tipo de acordos, como tal, improcede a alegação do Recorrente de que não se trata de um acordo de pré-reforma, mas de um qualquer "acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho".
5. Durante a vigência desse acordo, o Recorrente pagou ao Recorrido uma prestação mensal no montante acordado, apesar de no processamento – ou seja, nos recibos de retribuição – continuar a decompor qualitativamente a referida prestação nas mesmas parcelas que compunham a retribuição do Recorrido, a qual serviu de base de cálculo à referida prestação mensal.
6. Da Cláusula Oitava do acordo celebrado não resulta que o mesmo pudesse ser denunciado unilateralmente pelo Recorrente, mas apenas que o eventual regresso do Recorrido ao pleno exercício de funções pressupunha o interesse do Recorrente nesse regresso, não estando previsto qualquer prazo de aviso prévio para tal eventual regresso, o qual dependeria sempre do acordo das partes, em linha com o regime legal aplicável, v.g., o art. 322.°, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho.
7. O Recorrente promoveu a cessação do contrato de trabalho do Recorrido através de um despedimento colectivo. A cessação do contrato de trabalho determinou a cessação da pré-reforma, nos termos do art. 322.°, nº 1, alínea c), do Código do Trabalho.
8. Nessa ocasião, o Recorrente pagou ao Recorrido uma compensação, calculada nos termos do art. 366.° do Código do Trabalho, como se de um trabalhador no pleno exercício de funções se tratasse. Mas o Recorrente deveria ter pago ao Recorrente a indemnização prevista no art. 322.°, nºs 2 e 3, do Código do Trabalho, aplicável aos casos em que a pré-reforma cessa em virtude da cessação do contrato de trabalho e quando esta última vicissitude conferisse ao trabalhador o direito a uma compensação.
9. Tal é o caso dos autos, tanto que pela cessação do contrato de trabalho o Recorrente pagou ao Recorrido a compensação prevista no art. 366º do Código do Trabalho.
10. Donde, conforme resulta expressamente do art. 322.°, nº 2, do Código do Trabalho, o Recorrido tinha direito a receber não essa compensação, mas a indemnização prevista naquela norma, correspondente ao montante das prestações vincendas de pré-reforma que auferiria até à data da idade legal de reforma.
11. A tese do Recorrente, no sentido em que esta indemnização apenas seria devida se a compensação pela cessação do contrato de trabalho fosse de montante superior, não tem qualquer correspondência na lei, pois a imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho não afasta a aplicação do art. 322.°, nº 2, do Código do Trabalho, desde logo porque o art. 339.°, nº 1, in fine, do Código do Trabalho, permite o afastamento daquele regime, por outra disposição legal, que, no caso, é precisamente o citado art. 322.°, nº 1, do Código do Trabalho.
12. O art. 322.°, nº  2, não enferma de qualquer inconstitucionalidade por pretensa violação do princípio da igualdade, dado que a situação de um trabalhador no activo e de um trabalhador pré-reformado não é idêntica, nem comparável.
13. Na verdade, basta comparar a situação que o mesmo trabalhador pré-reformado tinha antes e após o início da pré-reforma, em termos de montante da retribuição, expectativas de progressão na carreira e de crescimento na retribuição e na própria estrutura do empregador, para desde logo afastar qualquer igualdade (que não é igualitarismo) das duas posições.
14. A arguição da inconstitucionalidade de uma norma cuja aplicação não tem suscitado qualquer controvérsia doutrinária ou jurisprudencial tem na sua génese a utilização pelo Recorrente de mais uma instância de recurso.
15. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

7. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, a fls. 432 e segts., do 2º Vol., no sentido de que deve ser negada a revista e confirmada a sentença recorrida.

Esgrimiu, para tanto e em síntese, os seguintes argumentos:

· As partes celebraram ente si um acordo de pré-reforma, conforme resulta do conteúdo do próprio acordo reforçando o nomen iuris que as partes lhe deram;
· A cessação de pré-reforma tem o regime jurídico previsto nos arts. 322º e segts. do CT/2009, não se confundindo com a compensação por despedimento colectivo;
· O regime em matéria de compensação legal devida pela cessação do contrato de trabalho não é um regime imperativo absoluto, ao contrário do que o Banco Réu Recorrente alega;
· Inexiste qualquer inconstitucionalidade conforme Jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, pois estão em causa situações manifestamente desiguais.

8. O mencionado Parecer, notificado às partes, obteve a resposta do Banco Réu, a fls. 447 e segts., com os fundamentos aí aduzidos e onde discorda do expendido pelo MP, concluindo nos termos das alegações de recurso oportunamente apresentadas.

9. Mostram-se juntos aos autos pelo Banco Recorrente, para reforço da sua tese, dois Pareceres jurídicos:
- Um, subscrito pelos Ilustres Profs. Dr. Pedro Romano Martinez e Dr. Luís Gonçalves da Silva, a fls. 165 e segts., do 1º Vol.;
- O outro, da autoria do Ilustre Prof. Dr. José João Abrantes, a fls. 220 e segts., do 1º Vol.

10. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do Novo CPC.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Em sede recursória as questões suscitadas consistem em saber:

1. Qual a natureza jurídica do acordo celebrado entre A. e R., em 2014:

a) Se reveste a natureza de um verdadeiro Acordo de Pré-reforma;
b) Ou se, ao invés, se configura como um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho.

2. Se o cálculo da indemnização pela cessação do contrato de trabalho do Autor deve obedecer ao disposto no art. 322.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009 – que estabelece a indemnização por cessação do “Acordo de Pré-reforma” – ou se ao preceituado no art. 366.º do mesmo Código – que fixa a compensação devida por despedimento colectivo.
Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

I – DE FACTO

- Os factos provados pelo Tribunal de 1ª Instância são os seguintes:

1) Por Deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, foi determinada a transferência de activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão do BB, S.A. para o Réu DD, S.A., e todos os trabalhadores do BB foram transferidos para o Banco Réu, que, assim, assumiu a posição de empregador do Autor.

2) O Autor foi admitido ao serviço do Banco BB, S.A. em 11.09.2006.

3) Tendo ambos subscrito, na data de 11/08/2008, o escrito particular denominado «CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO», cuja cópia consta de fls. 20 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «…é celebrado o presente Contrato Individual de Trabalho por tempo indeterminado… 2ª Enquadramento profissional 2.1 Grupo I – Nível: 18 – Director; 2.2 Função: Director Coordenador; 2.3 Data de Início do Contrato: 11 de Setembro de 2006…; 3ª Antiguidade: Será considerado o tempo de serviço na Banca, desde que a Instituição seja subscritora do ACT em matéria de Segurança Social. Para este efeito é considerada a data de 2 de Janeiro de 1996, data em que se iniciou funções no Banco DD…».

4) O Autor tendo formação superior em ..., desde 1996 que exerce actividade profissional no Sector Bancário.

5) O Autor foi admitido como quadro superior, no nível mais elevado da tabela remuneratória constante do CCT para o Sector Bancário, aplicável à relação de trabalho do Autor com o Réu.

6) O Autor é associado do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários.

7) No final de 2014, no âmbito da categoria de Director, o Autor exercia funções de Administração na sociedade CC, …, S.A., que integrava o Grupo BB.

8) Com a resolução do Banco BB, a CC, S.A. entrou em processo de liquidação.

9) Por esse motivo, o Réu propôs ao Autor, pelo menos, a suspensão do contrato de trabalho, em reunião com EE, da Direcção de Recursos Humanos do Réu.

10) O Autor nasceu em ……….19….

11) O Réu, que sucedera ao BB, numa imperiosa necessidade de redução de custos, bem como de profunda reorganização interna, com a extinção de Direcções e Departamentos, pretendia a redução do número de trabalhadores no activo.

12) Um número significativo de colegas do Autor foram abordados para, pelo menos, suspenderem os respectivos contratos de trabalhos.

13) O Autor deixaria de exercer quaisquer funções no Réu, mantendo-se em vigor o seu contrato de trabalho, ainda que suspenso.

14) E o Réu assegurava ao Autor, até à idade da reforma por velhice, a percepção de uma prestação mensal, de montante um pouco inferior ao da retribuição que aquele então auferia.

15) Em 26.12.2014, o Autor e o Réu subscreveram o escrito particular denominado «Acordo de Pré-reforma», cuja cópia consta de fls. 24 a 26 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16) No qual está consignado: «Entre O DD, S.A…e AA… Considerando que: A – O Trabalhador se encontra ao serviço do Banco exercendo funções de Director Coordenador, correspondente à categoria profissional de Director, com o nível 18 da tabela remuneratória do ACT, para o Sector Bancário; B – A retribuição global mensal do Trabalhador é de 13.877,90 €, constituída pelas seguintes parcelas: Retribuição base = 2.967,89 €; Diuturnidades = 133,40 €; Remuneração Complementar = 7.206,61 €; Outros Subsídios = 3.570,00 €; C – O Trabalhador tem 62 anos de idade; D – O Banco manifestou interesse em suspender a prestação de trabalho e o Trabalhador também tem interesse nesta suspensão, É celebrado e reciprocamente aceite o presente Acordo, o qual se regerá pelo constante das Cláusulas seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA: O Trabalhador faz parte do quadro de pessoal efectivo do Banco desde 1 de Setembro de 2006, com antiguidade de reforma reportada a 2 de Janeiro de 1996. CLÁUSULA SEGUNDA: O Banco e o Trabalhador acordam em que, este, continuando a fazer parte dos seus quadros de pessoal e abrangido pelo ACT para o Sector Bancário, o contrato de trabalho que os vincula fique suspenso, a partir de 30 de Janeiro de 2015. CLÁUSULA TERCEIRA: 1 - A partir da data referida na Cláusula anterior, o Banco passará a pagar ao Trabalhador uma prestação mensal bruta de 11.607,90 € (onze mil, seiscentos e sete euros e noventa cêntimos), cuja composição inclui as parcelas referidas no “considerando B”. 2 - A prestação prevista no número anterior será paga 14 vezes por ano, devendo a 13.ª e a 14.ª prestações ser pagas até ao dia 31 de Janeiro e 30 de Novembro de cada ano, respectivamente. 3 - Será anualmente actualizada em percentagem igual à do aumento da retribuição de que o Trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções, gozando de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição. CLÁUSULA QUARTA: O tempo de suspensão do contrato de trabalho continuará a contar para diuturnidades e cálculo da pensão de reforma, por invalidez ou invalidez presumível…. CLÁUSULA SEXTA: As contribuições a que o Banco e o Trabalhador se encontram obrigados, relativas à protecção social contemplada no ACT para o Sector Bancário, incidem sobre o valor da remuneração nas percentagens actualmente em vigor, ou noutras que entretanto venham a ser negociadas em sede de ACT para o Sector Bancário. CLÁUSULA SÉTIMA: O Trabalhador será colocado na situação de reforma logo que atinja a idade para o efeito, consignada na Segurança Social, ou assim que ocorra qualquer situação que justifique a sua reforma por invalidez ou invalidez presumível. CLÁUSULA OITAVA: Este Acordo de Pré-reforma extingue-se, com o regresso do trabalhador ao pleno exercício de funções…».

17) O acordo referido em 15) e 16) produziu efeitos a partir de 30.01.2015.

18) Suspendendo-se o exercício de funções pelo Autor a partir dessa data, situação que se manteve até 23/08/2016.

19) Por carta de 23.05.2016, o Réu comunicou ao Autor a sua inclusão no procedimento de despedimento colectivo.

20) Por carta de 16.06.2016, o Réu comunicou ao Autor a decisão de despedimento e a consequente cessação do contrato de trabalho, com efeitos a 23/08/2016.

21) Com o processamento do mês de Julho, o Autor recebeu, a título de compensação, a quantia ilíquida de € 110.076,92.

22) Ainda antes da referida data de 23/08/2016, o Autor recebeu nova comunicação do Réu, de 19/08/2016, através da qual lhe foi comunicada a rectificação dos montantes devidos pela cessação do contrato por despedimento colectivo, nomeadamente da compensação, cujo montante foi objecto de um ligeiro acerto, para € 110.263,51.

23) O contrato de trabalho do Autor cessou em 23/08/2016, tendo o Réu efectuado o processamento dos créditos emergentes desta cessação, incluindo o referido acréscimo da compensação.

24) Por carta de 23/08/2016, o Réu remeteu ao Autor a Declaração de Carreira Profissional e a Declaração da Situação de Desemprego.

25) Na data de 23/08/2016, a prestação mensal consignada na Cláusula 3ª do Acordo referido em 15) e 16) ascendia ao valor total € 11.652,36.

26) A qual foi auferida pelo Autor até 23/08/2016.

27) O Acordo referido em 15) e 16) não foi submetido nem comunicado à Segurança Social.

28) As taxas contributivas sobre a prestação mensal consignada na Cláusula 3ª do Acordo referido em 15) e 16) mantiveram-se exactamente iguais às existentes em momento anterior à celebração desse acordo.

29) A prestação mensal consignada na Cláusula 3ª do Acordo referido em 15) e 16) foi sempre paga pelo Réu ao Autor com o processamento e emissão de recibos de vencimento, no qual o valor dessa prestação era integrada por valores a título de «vencimento base», «diuturnidades», «remuneração complementar» e «S. Remun. Outras Empresas».

30) Na data de 16/12/2014, através da sua Direcção de Recursos Humanos, o Réu remeteu ao Autor o mail cuja cópia consta de fls. 153 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consignou «… junto envio cópia do acordo de pré-reforma. Juntamos uma carta compromisso separada relativa a temas da viatura e da actividade profissional, uma vez que, como no seu caso temos de enviar uma cópia do acordo para a Segurança Social, não será conveniente que estas condições sejam enviadas para S.S….».

31) Sendo que com tal mail foi também remetida ao Autor a carta, cuja cópia consta de fls. 154 dos autos e cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido, na qual está consignado: «… Na sequência das conversações havidas, a seguir indicamos as condições acordadas para a sua pré-reforma no BB, nomeadamente: O colaborador continuará a usufruir da sua viatura de serviço, até ao terminus do actual AOV, em 11 de Abril de 2015; Durante a pré-reforma, o colaborador pode exercer actividade profissional remunerada;…».
32) O Autor apôs a sua assinatura na carta referida em 31), após a declaração que estava previamente nela consignada: «concordo com a presente proposta».

II – DE DIREITO

1. Resulta dos autos que a questão fulcral se centra em saber qual a natureza jurídica do contrato celebrado entre A. e R. e intitulado de “Acordo de Pré-reforma”.

Importa, nomeadamente, saber se:
- Tal acordo constitui efectivamente um Acordo de Pré-reforma;
- Ou se, ao invés, e como defende o Banco Recorrente, reveste a natureza de um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho.

Uma vez decidida a qualificação jurídica do acordo aqui em causa impõe-se determinar qual o critério legal a que deve obedecer o cálculo da indemnização que é devida ao Autor pelo fim desse contrato.
 
A este propósito, a sentença recorrida entendeu que o acordo firmado entre as partes se reconduz a um efectivo Acordo de Pré-reforma, porquanto, para além de ter sido esse o nome atribuído pelas partes, o seu conteúdo replica, na íntegra, o regime legal de pré-reforma, o que reforça o argumento de que foi esse o objectivo que norteou a vontade das partes aquando da celebração desse acordo.

Entendimento com o qual o Recorrente não se conforma.
Defende o Banco Réu, amparado pelos doutos Pareceres que juntou, que o acordo celebrado entre as partes assume a natureza jurídica de um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho, conforme ressalta do seu clausulado em que, v.g., as partes convencionaram uma retribuição mensal, composta por diversas parcelas retributivas, como pagamento devido pelo Banco Réu ao Autor.
Sendo que o pagamento de uma prestação mensal de natureza retributiva durante o período de suspensão do contrato de trabalho é, segundo o Recorrente, incompatível com o Acordo de pré-reforma e, claro, com o seu regime jurídico.

Equacionada a questão, importa resolvê-la com a dilucidação das suas componentes jurídicas.
Destarte, temos que:

2. A suspensão do contrato de trabalho: a pré-reforma

2.1. No Código do Trabalho de 2009[2] encontramos nos arts. 285º e segts., e integrado no Capítulo que o Código denomina de “Vicissitudes Contratuais”, a “Redução da actividade e a suspensão do contrato de trabalho”, quer por facto respeitante ao trabalhador, quer por facto respeitante ao empregador (cf. arts. 294º, 296º, 298º e segts.), culminando na figura jurídica de “Pré-reforma”, enquanto situação de redução ou suspensão da prestação de trabalho constituída por acordo entre ambas as partes: empregador e trabalhador.  

Assim, no Livro I, Capítulo V, Secção III (arts. 285º e 294º), sob a epígrafe da redução da actividade e suspensão do contrato de trabalho, ao longo das suas 5 Subsecções, regulam-se as seguintes matérias:

- Das Disposições gerais sobre a redução e suspensão (Subsecção I, art. 294º);
- Da Suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador (Subsecção II, art. 296º);
- Da Redução temporária do período normal de trabalho ou Suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador (Subsecção III, art. 298º);
- Das Licenças sem retribuição (Subsecção IV, art. 317º), e
- Da Pré-reforma (Subsecção V, art. 318º).

Interpretando o amplo conceito de “Vicissitudes Contratuais”, explicita Maria do Rosário Palma Ramalho que as vicissitudes do contrato de trabalho são “as ocorrências que, não integrando o programa de execução do contrato de trabalho, afectam o seu desenvolvimento”.[3]

Mas não se fica por aqui.
E fazendo referência à classificação tradicional da teoria geral do negócio jurídico, que distingue entre factos jurídicos modificativos e extintivos[4], classifica a suspensão do contrato de trabalho como uma vicissitude modificativa (por oposição às vicissitudes extintivas), na medida em que “decorrem de eventos que interferem no programa normal de execução do contrato de trabalho, introduzindo uma alteração substancial e estável num dos seus elementos”.[5]

E continua:
“No elenco das vicissitudes modificativas do contrato de trabalho é ainda útil estabelecer uma classificação, que toma como critério a origem do efeito modificativo do contrato”:
- Por acordo das partes – nos termos gerais da liberdade contratual (art. 406º do CC) e desde que tal alteração respeite as normas legais e convencionais imperativas que se apliquem ao caso;
- Por uma ocorrência unilateral respeitante ao empregador (i.e., uma razão de gestão);
- Ou por um facto atinente ao trabalhador.

Classificação que encontra eco no Código do Trabalho de 2009, na sistematização encontrada e no conteúdo das normas que o integram.

2.2. Com efeito, no âmbito do Código do Trabalho e em termos gerais, a redução da actividade e a suspensão do contrato de trabalho estão previstas nos arts. 294º e segts.
Nesse normativo, sob a epígrafe “Factos determinantes de redução ou suspensão”, explicita a lei quais os motivos que podem originar essa redução ou suspensão de contrato de trabalho.

E enuncia expressivamente:
1 - A redução temporária de período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respectivamente parcial ou total, de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador.
2 - Permitem também a redução do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, designadamente:
a) A necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de trabalho, em situação de crise empresarial;
b) O acordo entre trabalhador e empregador, nomeadamente acordo de pré-reforma.
  3 - Pode ainda ocorrer a suspensão de contrato de trabalho por iniciativa de trabalhador, fundada em falta de pagamento pontual da retribuição” – (sublinhado nosso).
 
Relativamente aos efeitos da suspensão, matéria com relevância para o caso dos autos, prevê o art. 295.º do mesmo diploma legal que:
 
“1 - Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.
 2 - O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.
3 - A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
4 - Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho” – (sublinhado nosso).
     (…)

Nos arts. 298.º a 308.º do Código do Trabalho estão prognosticadas situações por factos respeitantes ao empregador, como sejam, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, prevendo-se naqueles normativos as condições em que o empregador pode recorrer a essa via, v.g., em situação de crise empresarial, por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, bem como quais os direitos e deveres que empregador e trabalhadores mantêm durante o período de vigência do regime de redução ou da suspensão dos contratos de trabalho, inclusivamente em situação económica difícil ou em caso de processo de recuperação de empresa.
Ou seja: estão contempladas em concreto as possíveis razões relacionadas com situação de crise económico-financeira das empresas derivadas de contingências de mercado.
Todas incorporadas na Divisão I, da Subsecção III, do Capítulo V, que abrange no seu âmbito as referidas situações na ampla denominação de “Vicissitudes contratuais” (cf. arts. 285º e segts, do Código do Trabalho de 2009).

2.3. No que aqui releva, a ilustre Professora supra citada integra a suspensão do contrato de trabalho determinada por uma situação de pré-reforma nessas vicissitudes do contrato de trabalho, tal como o faz o Código do Trabalho, que determinam a sua suspensão nos termos da alínea b), do nº 2, do art. 294º, e se prendem com motivos atinentes ao trabalhador, distinguindo depois as diferentes situações que podem dar origem à suspensão do contrato de trabalho, bem como o respectivo regime jurídico que lhes é aplicável.[6]

Desse excerto, conjugado com os normativos legais por nós enunciados do Código do Trabalho de 2009, conclui-se, desde logo, que a suspensão do contrato de trabalho determinada por uma situação de pré-reforma, com a subsequente aplicação do seu regime legal plasmado nos arts. 318º e segts., constitui uma forma típica e não uma forma atípica de suspensão do contrato de trabalho.
Estando prevista expressamente na lei enquanto uma das modalidades vicissitudinárias modificativas do negócio jurídico celebrado entre as partes, que conflui para a consequente suspensão do contrato de trabalho nos termos gerais.
Dotada, pois, de um regime jurídico próprio.

Nessa medida, importa definir o alcance e sentido do regime jurídico em causa.

3. A Pré-reforma: conceito e regime jurídico

3.1. A pré-reforma está incrustada no referido Capítulo, Secção e Subsecção correspondentes, nos arts. 318º a 322º do Código do Trabalho de 2009.
Merecendo desde logo destaque a noção de pré-reforma que nos é conferida pelo art. 318.º:

Considera-se pré-reforma a situação de redução ou suspensão da prestação de trabalho, constituída por acordo entre empregador e trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos, durante a qual este tem direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal, denominada de pré-reforma – (sublinhado nosso).

E o art. 319.º sob a epígrafe “Acordo de pré-reforma” prescreve os requisitos formais deste acordo:
“O acordo de pré-reforma está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Data de início da pré-reforma;
c) Montante da prestação de pré-reforma;
d) Organização do tempo de trabalho, no caso de redução da prestação de trabalho” – (sublinhado nosso).

Estes dois preceitos correspondem, na sua essência, aos arts. 356.º e 357.º do anterior Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que, por sua vez, já havia englobado no seu corpo jurídico o regime introduzido no nosso ordenamento pelo Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho[7], diploma conhecido como a “Lei da Pré-reforma” e que teve por finalidade a de estabelecer o regime jurídico aplicável às situações de pré-reforma (cf. art. 1.º do mesmo), sendo que a noção de pré-reforma dada por tal diploma, no seu art. 3.º, era similar à que agora consta do actual art. 318.º do CT.

Podia então ler-se no referido art. 3.º:
Noção de pré-reforma Para efeitos do presente diploma considera-se pré-reforma a situação de suspensão ou redução da prestação de trabalho em que o trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos mantém o direito a receber da entidade empregadora uma prestação pecuniária mensal até a data da verificação de qualquer das situações previstas no n.º 1 do art. 11º”.

No que respeita à forma o art. 4.º também exigia, para além do acordo entre o empregador e o trabalhador, a forma escrita, podendo ler-se no n.º 2 do mesmo artigo:

2. O acordo a que se refere o número anterior está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações:
a) Data de início da situação de pré-reforma;
b) O montante da prestação de pré-reforma;
c) Forma de organização do tempo de trabalho no caso de redução da prestação de trabalho (…)”.

Daqui se conclui que desde a aprovação do citado diploma legal de 1991, passando pelo Código do Trabalho de 2003, nos seus arts. 356.º e 357.º, até ao Código do Trabalho de 2009, nos arts. 318.º e 319.º, a noção legal de pré-reforma e as exigências formais para empregador e trabalhador celebrarem um acordo desta natureza mostram-se consagradas nas referidas normas e têm-se mantido inalteradas.
E embora muito específicas não foram particularizadas exaustivamente, quiçá para permitir às partes um ampla convergência noutros segmentos a incorporar no acordo.
Daí que não seja de estranhar que um acordo desta natureza – o acordo de pré-reforma – se encontre sujeito à forma escrita, como meio nobre e especial de assegurar a validade da declaração negocial, nos termos em que a própria ressalva, prevista na segunda parte do art. 219º do Código Civil, permite, quanto à liberdade de forma.
Um acordo assim celebrado oferece maiores garantias em face do conteúdo prescrito e convencionado pelas partes, porquanto sendo escrito, melhor ponderado é o seu clausulado, que necessariamente retratará a vontade negocial das partes envolvidas, maxime quanto aos seus elementos essenciais e às declarações negociais que lhe subjazem.
Ressalvado, naturalmente, o caso de tais declarações tiverem sido obtidas com base em erro ou dolo, viciando essa vontade, o que, no caso sub judice, não ocorre, pois não se mostra sequer alegado ou provado.

3.2. Incidindo a sua análise sobre as causas de suspensão do contrato de trabalho e as modificações que podem ocorrer neste, especificamente sobre a situação de Pré-reforma, pronunciou-se Monteiro Fernandes nos seguintes termos:
 
Uma modalidade particular de modificação dos efeitos do contrato de trabalho encontra-se na pré-reforma. Na esteira de inúmeras experiências de cariz convencional, e tendo em conta a possibilidade de uma convergência de interesses entre trabalhador e entidade empregadora quanto à gradualização da passagem da vida plenamente activa à situação de reforma, a lei, veio admitir, relativamente a trabalhadores com 55 ou mais anos, a suspensão ou redução da prestação de trabalho, ficando o trabalhador com direito a receber uma prestação pecuniária mensal, enquanto a situação durar”.[8]  

Reportando-se ao respectivo regime legal, maxime sobre a exigência de forma escrita, refere expressamente que:
A situação de pré-reforma tem que fundar-se em acordo escrito de que constem as condições em que passarão a desenvolver-se as relações entre as partes”.

Para acrescentar de imediato:
Trata-se de um acordo novatório que não afecta a subsistência do vínculo entre trabalhador e empregador”.
(…)

E explicita:
É seu fundamento um acordo específico entre as partes; e os efeitos deste acordo não são provisórios, destinam-se a permanecer, em regra, até que o trabalhador e o empregador fiquem definitivamente desvinculados o que pode suceder pela passagem (do trabalhador) à situação formal de reforma, pelo retorno ao regime normal de trabalho ou pela cessação do contrato de trabalho (art. 322º, nº 1).
A reversão da situação – isto é, o retorno à plena eficácia do contrato de trabalho -, cuja possibilidade é pressuposto do regime da suspensão, depende, em todo o caso, de acordo das partes ou do incumprimento culposo da prestação a cargo do empregador (arts. 321º, nº 3 e 322º, nº 1, alínea b))”.

Ora, tratando-se de um acordo entre as partes envolvidas enquanto sujeitos de uma relação jurídica laboral (empregador, por um lado e, trabalhador, por outro), daqui se conclui igualmente que intrínseco ao seu regime jurídico se encontra a indispensável consensualidade vertida nas declarações negociais expressas pelos intervenientes nesse acordo.
Até porque, sendo embora verdade que subjacente à aceitação desta figura jurídica é normalmente apontada, por parte dos empregadores, como razão principal, a de facultar a estes um meio de gestão dos quadros de pessoal das suas empresas, renovando-o ou reduzindo-o, não é menos verdade que tal medida de gestão tem, grosso modo, a ampla aceitação dos seus trabalhadores.
Aceitação associada ao estádio comummente designado de “antecâmara da reforma”, no sentido em que se permite ao trabalhador, sem prejuízo da subsistência do vínculo laboral e da reversibilidade da situação, de transitar de uma vida inteiramente activa para a reforma”. [9]
Fazendo-o paulatinamente.

3.3. Sobre a presente temática também esta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou, nos arestos que se transcrevem, fixando o seguinte entendimento:

- No Acórdão de 5/06/2012, no âmbito da Revista n.º 2083/06.0TTLSB.L1.S1, relatado por Gonçalves Rocha[10], pode ler-se que:

A pré-reforma corresponde à situação de suspensão ou redução da prestação do trabalho em que o trabalhador, com idade igual ou superior a 55 anos, mantém o direito a receber uma prestação pecuniária mensal paga pela sua entidade patronal até à data em que passe à situação de pensionista por limite de idade ou invalidez, até à data em que regresse ao pleno exercício das suas funções por acordo com a sua entidade patronal ou até à data da cessação do contrato de trabalho.

- Ainda do mesmo Relator, no Acórdão de 13/04/2011, proferido no âmbito do recurso nº 4720/04, pode ler-se que:

 (…)
 “II – Na verdade, durante a vigência da pré-reforma o contrato de trabalho mantém-se” (…).
  III – Por isso, a pré-reforma não faz extinguir o vínculo laboral entre empregador e trabalhador, verificando-se antes uma modificação dos deveres contratuais do trabalhador que se pode traduzir na redução ou até mesmo na suspensão da prestação de trabalho, conforme o que for acordado entre as partes”.

- No Acórdão de 14/11/2001, relatado por Alípio Calheiros, proferido no processo nº 00S4098, também se exarou o entendimento de que a cessação da pré-reforma pode resultar das causas que determinam a cessação do contrato de trabalho:

   (...)
“II – A cessação da pré-reforma pode ocorrer não só pelas causas que determinam a cessação do contrato de trabalho, mas também pelo retomar do exercício pleno das funções, se as partes em tal acordarem, ou por incumprimento do empregador”.

Cessação que o Código do Trabalho consagra categoricamente na alínea c), do nº 1, do art. 322º.

3.4. De entre os requisitos legais do acordo de pré-reforma ressalta o estabelecido no art. 319º, na sua alínea c), onde se prevê que, além de estar sujeito à forma escrita, deve conter o montante da prestação de pré-reforma.

Contudo, sabedor das dificuldades que uma matéria desta natureza envolve, o legislador não deixou à inteira vontade das partes a fixação de um qualquer montante como prestação/contrapartida da pré-reforma.

Na verdade, o art. 320.º do Código do Trabalho estabeleceu limites mínimos e máximos para a prestação da pré-reforma, prevendo-se expressamente que:
1. O montante inicial da prestação de pré-reforma não pode ser superior à retribuição do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25% desta ou à retribuição do trabalho, caso a pré-reforma consista na redução da prestação de trabalho” – (sublinhado nosso).

E no seu n.º 2 fixou-se que:
2 - Salvo estipulação em contrário, a prestação de pré-reforma é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse em pleno exercício de funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.

Ou seja: a prestação inicial não pode ser superior ou inferior à estatuída no nº 1, do art. 320º, do Código do Trabalho, pelo que as partes só podem conformar a sua vontade nesta matéria entre os limites mínimos e máximos fixados pelo legislador.
Mas já no que respeita às actualizações anuais, existe uma maior elasticidade quanto ao seu aumento, com margem de manobra para as partes acordarem.
Por sua vez, o n.º 3 do referido artigo envereda também pelo trilho da protecção do trabalhador ao consagrar que: A prestação de pré-reforma goza das garantias dos créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho.”

Sobre o regime legal desta prestação acordada entre trabalhador e entidade patronal, afirma Monteiro Fernandes:

Nesse acordo, assume natural relevo a fixação da «prestação de pré-reforma», que pode surgir como contrapartida de trabalho realizado (com redução proporcional da remuneração normalmente auferida) ou como prestação de segurança social «privada», uma vez que, em qualquer caso, deve ser paga pelo empregador”.[11]   

Salienta, contudo, que “respeitado esse valor” “existe plena liberdade de estipulação”.

Por conseguinte, conclui-se que a fixação da prestação de pré-reforma se desenvolve com plena liberdade das partes na sua determinação.
Ponto é que a mesma seja aprazada observando os limites mínimos e máximos estatuídos no art. 320º e que, o acordo de pré-reforma, que deve ser escrito, a consigne – cf. art. 319º, alínea c).
3.5. A especificidade do regime de pré-reforma levou a que o próprio legislador sentisse a preocupação de estabelecer algumas das condições decorrentes dessa situação de pré-reforma, de modo a salvaguardar direitos do trabalhador que, de outro modo, poderiam não ficar devidamente acautelados.
Estão entre esses direitos os enunciados no art. 321º do Código do Trabalho, nos quais:
1. “O trabalhador em situação de pré-reforma pode exercer outra actividade profissional remunerada”.
2. “O acordo de pré-reforma pode atribuir ao trabalhador outros direitos não decorrentes na lei.”

E não descurando a possibilidade de incumprimento por parte do empregador da falta de pagamento da prestação de pré-reforma acordada, o n.º 3 veio conferir ao trabalhador formas específicas de este reagir, aí se prevendo, expressis et apertis verbis que:
“Em caso de falta culposa de pagamento da prestação de pré-reforma ou, independentemente de culpa, se a mora se prolongar por mais de 30 dias, o trabalhador tem direito a retomar o pleno exercício de funções, sem prejuízo da antiguidade, ou a resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos dos n.º 2 e 3 do artigo seguinte” – cf. nº 3 do art. 321º (sublinhado nosso).

Por último, neste regime jurídico específico, o art. 322.º do Código do Trabalho prevê quais as circunstâncias que determinam a “cessação de pré-reforma” e a consequência em termos indemnizatórios que daí advêm.

Temos, assim, que a pré-reforma cessa:
 
a) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez;
b) Com o regresso do trabalhador ao pleno exercício de funções, por acordo com o empregador ou nos termos do n.º 3 do artigo anterior;
c) Com a cessação do contrato de trabalho.

2 - Na situação prevista na alínea c) do número anterior, caso a modalidade de cessação do contrato de trabalho conferisse ao trabalhador direito a indemnização ou compensação se estivesse no pleno exercício de funções, aquele tem direito a indemnização no montante das prestações de pré-reforma até à idade legal de reforma por velhice.
3 - A indemnização referida no número anterior tem por base o montante da prestação de pré-reforma à data da cessação do contrato de trabalho” – (sublinhado nosso).
Por conseguinte, daqui resulta que:
- Cessando o contrato de trabalho, o acordo de pré-reforma cessa igualmente;
- Caso em que o trabalhador passa a ter direito à indemnização estipulada no nº 2, do art. 322º, do Código do Trabalho de 2009, calculada nos seus precisos termos.

Trata-se de um regime específico consagrado pelo legislador em caso de cessação do contrato de trabalho e consequente termo da situação de pré-reforma, no que concerne ao pagamento da respectiva indemnização devida ao trabalhador, que se viu confrontado com uma alteração substancial da sua situação jurídica, passando da suspensão da sua prestação de trabalho para o término do respectivo contrato de trabalho.
A indemnização devida em tais casos, no âmbito do regime jurídico próprio da pré-reforma, é a estabelecida no art. 322º, nos seus nºs 2 e 3.

3.6. O enquadramento jurídico mostra-se efectuado.
É tempo, pois, de proferir decisão em face da análise que antecede, explanada in extenso.

4. O caso sub judice:

4.1. Reportando-nos ao caso concreto importa ter presente, antes de mais, o seguinte circunstancialismo fáctico:

(…)

O Réu propôs ao Autor, pelo menos, a suspensão do contrato de trabalho, em reunião com EE, da Direcção de Recursos Humanos do Réu – (ponto fáctico provado nº 9).

O Autor deixaria de exercer quaisquer funções no Réu, mantendo-se em vigor o seu contrato de trabalho, ainda que suspenso - (ponto fáctico provado nº 13).

E o Réu assegurava ao Autor, até à idade da reforma por velhice, a percepção de uma prestação mensal, de montante um pouco inferior ao da retribuição que aquele então auferia - (n º 14).

Em 26.12.2014, o Autor e o Réu subscreveram o escrito particular denominado «Acordo de Pré-reforma» - (nº 15).

Na data de 16/12/2014, através da sua Direcção de Recursos Humanos, o Réu remeteu ao Autor o mail cuja cópia consta de fls. 153 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consignou:

«… junto envio cópia do acordo de pré-reforma. Juntamos uma carta compromisso separada relativa a temas da viatura e da actividade profissional, uma vez que, como no seu caso temos de enviar uma cópia do acordo para a Segurança Social, não será conveniente que estas condições sejam enviadas para S.S….» – (nº 30).  

Sendo que com tal mail foi também remetida ao Autor a carta cuja cópia consta de fls. 154 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual está consignado:

«… Na sequência das conversações havidas, a seguir indicamos as condições acordadas para a sua pré-reforma no BB, nomeadamente: O colaborador continuará a usufruir da sua viatura de serviço, até ao terminus do actual AOV, em 11 de Abril de 2015; Durante a pré-reforma, o colaborador pode exercer actividade profissional remunerada;…» - (nº 31).
O Autor apôs a sua assinatura na carta referida em 31), após a declaração que estava previamente nela consignada: «concordo com a presente proposta» – (nº 32).

No referido acordou ficou consignado que:
«Entre O DD, S.A…. e AA…
 Considerando que:
 (…)
C - O Trabalhador tem 62 anos de idade;
D - O Banco manifestou interesse em suspender a prestação de trabalho e o Trabalhador também tem interesse nesta suspensão;

É celebrado e reciprocamente aceite o presente Acordo, o qual se regerá pelo constante das Cláusulas seguintes:
(…)
 CLÁUSULA SEGUNDA: O Banco e o Trabalhador acordam em que, este, continuando a fazer parte dos seus quadros de pessoal e abrangido pelo ACT para o Sector Bancário, o contrato de trabalho que os vincula fique suspenso, a partir de 30 de Janeiro de 2015.
(…)
CLÁUSULA QUARTA: O tempo de suspensão do contrato de trabalho continuará a contar para diuturnidades e cálculo da pensão de reforma, por invalidez ou invalidez presumível….
(…)
CLÁUSULA SÉTIMA: O Trabalhador será colocado na situação de reforma logo que atinja a idade para o efeito, consignada na Segurança Social, ou assim que ocorra qualquer situação que justifique a sua reforma por invalidez ou invalidez presumível.
CLÁUSULA OITAVA: Este Acordo de Pré-reforma, extingue-se, com o regresso do trabalhador ao pleno exercício de funções…» - ( nº 16).

O acordo referido supra (nos pontos de facto nºs 15 e 16) produziu efeitos a partir de 30.01.2015, suspendendo-se o exercício de funções pelo Autor a partir dessa data, situação que se manteve até 23/08/2016 – (nºs 17 e 18).

Por carta de 23.05.2016, o Réu comunicou ao Autor a sua inclusão no procedimento de despedimento colectivo; e por carta de 16.06.2016, o Réu comunicou ao Autor a decisão de despedimento e a consequente cessação do contrato de trabalho, com efeitos a 23/08/2016 – (nºs 19 e 20).

Com o processamento do mês de Julho, o Autor recebeu, a título de compensação, a quantia ilíquida de € 110.076,92, posteriormente rectificada para € 110.263,51 – (nºs 21 e 22).

O Acordo referido (nos nºs 15 e 16) não foi submetido nem comunicado à Segurança Social – (nº 27).



4.2. Do que antecede resulta que:

1º. As partes celebraram inequivocamente um Acordo de Pré-reforma, tendo para o efeito observado todos os requisitos formais previstos no art. 319.º do Código do Trabalho de 2009.

2º. As Cláusulas que fizeram constar desse Acordo observaram o estipulado no regime jurídico de pré-reforma – cf. arts. 318.º a 322.º.

3º. O nomen iuris atribuído pelas partes ao referido acordo corresponde ao seu conteúdo, tendo sido designado como “Acordo de Pré-reforma” e não qualquer outro, sendo que há que atender às declarações estabelecidas nesse mesmo acordo (Cláusulas), interpretando-as no respeito pelo preceituado nos arts. 236.º e 238.º, ambos do Código Civil.

Com efeito, não ocorrendo qualquer falta, erro ou vício da vontade, a declaração negocial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
E sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida – art. 236.º do Cód. Civil.

Sendo embora inequívoco que o nomen iuris não define juridicamente, por si só, o acordo celebrado, nem o Tribunal está vinculado à denominação pela qual os contraentes tenham optado, a verdade é que, no caso sub judice, o nome corresponde ao conteúdo do regime jurídico de Pré-reforma, não só nos termos legalmente estabelecidos, mas também em face do sentido real das declarações de vontade expressas por ambas as partes, e vertidas nas cláusulas correspondentes.
Pelo que, não pode deixar de se considerar que, in casu, as partes celebraram um Acordo com essa natureza jurídica e que corresponde à denominação que deram ao mesmo.

A este propósito, cf. o Acórdão desta Secção Social, do STJ, de 11 de Maio de 2011, proferido no âmbito da Revista n.º 2766/07.8TTLSB.L1.S1, relatado por Fernandes da Silva, onde se pode ler o seguinte:
“(…)
II - A suspensão do contrato de trabalho pode fundar-se em acordo das partes, mediante a celebração de um acordo de pré-reforma.
III - Não ocorrendo qualquer falta ou vício de vontade, a declaração negocial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
IV – Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

. O trabalhador Autor preenchia cabalmente os requisitos para a pré-reforma, uma vez que aquando da celebração do referido acordo contava já com 62 anos de idade, sendo que tal regime só pode ser aplicado a trabalhadores com 55 anos de idade ou mais.

5º. A prestação de pré-reforma que foi convencionada entre ambas as partes observou o estabelecido na lei, na medida em que era superior a 25% da retribuição do Autor, mas não ultrapassava a retribuição que aquele auferiria se se mantivesse ao trabalho.

6º. Na Cláusula Sétima do referido acordo, pode ler-se: “O trabalhador será colocado na situação de reforma logo que atinja a idade para o efeito, consignada na Segurança Social, ou assim que ocorra qualquer situação que justifique a sua reforma por invalidez ou invalidez presumível”, o que é bem demonstrativo do objectivo com que o mesmo acordo foi celebrado.

Atento o exposto e ressaltando do acervo fáctico provado que o referido acordo (designado pelas partes de “Acordo Pré-reforma”) observa todos os requisitos estabelecidos nos arts. 318.º a 322.º, do Código do Trabalho de 2009, não é defensável a posição assumida nos autos pelo Banco R. no sentido de que o mesmo não reveste as características de um verdadeiro acordo de pré-reforma, sujeito ao regime dos arts. 318.º a 322.º do Código do Trabalho, mas sim de um acordo atípico de suspensão do contrato de trabalho.

Atipicidade essa que não se vislumbra e carece do respectivo suporte, quer na factualidade provada quer na sua subsunção jurídica, dadas as normas que disciplinam tal matéria e fixam o regime jurídico de pré-reforma.
Resultando assaz comprovado que o acordo firmado entre as partes, para além de nada possuir de atípico, constitui de facto et de jure um “Acordo de Pré-reforma”, submetido ao regime jurídico supra analisado e com consagração legal nos arts. 318º a 322º.
4.3. O Banco Recorrente defende o contrário argumentando, a propósito do montante da prestação de pré-reforma, nomeadamente que:
- “Ao invés de estabelecer a atribuição ao Recorrido de uma prestação de pré-reforma durante o período de suspensão contratual, as partes convencionaram o pagamento pelo Recorrente ao Recorrido de uma retribuição mensal, composta por diversas parcelas retributivas, o que nunca foi posto em causa pelo Autor durante todo o período de suspensão contratual (cf. art. 29.º dos factos provados)”.
- Pelo que, as partes o que pretenderam “foi estabelecer o pagamento pelo Recorrente ao Recorrido de uma prestação de natureza retributiva durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o que se revela, até por definição, incompatível com a prestação de pré-reforma”.

Argumentos que não podem ser acolhidos.

Desde logo porque provado ficou que “o Réu assegurava ao Autor, até à idade da reforma por velhice, a percepção de uma prestação mensal, de montante um pouco inferior ao da retribuição que aquele então auferia” – (cf. nº 14 dos factos provados).
E o teor do Acordo de Pré-reforma e os compromissos escritos assumidos entre as partes, que os autos retratam, revelam bem que ambas estavam cientes do que pretendiam com esse acordo, conheciam o alcance das condições acordadas e o objectivo que presidiu à sua celebração.
Cf., a este propósito, nomeadamente o ponto nº 30, dos factos provados, bem como o ponto factual nº 31, onde se pode ler que: 
“Sendo que com tal mail foi também remetida ao Autor a carta cuja cópia consta de fls. 154 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual está consignado: «…Na sequência das conversações havidas, a seguir indicamos as condições acordadas para a sua pré-reforma no BB, nomeadamente: (…) O colaborador continuará a usufruir da sua viatura de serviço, (…); Durante a pré-reforma, o colaborador pode exercer actividade profissional remunerada; …».

Por outro lado, o facto de o Banco Recorrente ter integrado no montante da prestação valores que enumerou como sendo “a título de «vencimento base», «diuturnidades», «remuneração complementar» e «S. Remun. Outras Empresas»”, (cf. ponto 29, dos factos provados), não afasta a referida qualificação. Tanto mais que tal matéria remete para a Cláusula 3ª do Acordo de Pré-reforma.

Ora, tal Cláusula o que nos diz é que:

“CLÁUSULA TERCEIRA:
1 - A partir da data referida na Cláusula anterior, o Banco passará a pagar ao Trabalhador uma prestação mensal bruta de 11.607,90 € (onze mil, seiscentos e sete euros e noventa cêntimos), cuja composição inclui as parcelas referidas no “considerando B”.
 2 - A prestação prevista no número anterior será paga 14 vezes por ano, devendo a 13.ª e a 14.ª prestações ser pagas até ao dia 31 de Janeiro e 30 de Novembro de cada ano, respectivamente.
3 - Será anualmente actualizada em percentagem igual à do aumento da retribuição de que o Trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções, gozando de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição” – cf. ponto 16) dos factos provados.

E dela se extrai que foi fixada a prestação mensal exigida pelo art. 319º, alínea c), do Código do Trabalho, decomposta nos seus diversos elementos, prevendo-se a respectiva actualização como se o trabalhador estivesse no exercício das suas funções.
Aliás, tal como se assinalou nos pontos anteriores, a pré-reforma não faz extinguir o vínculo laboral entre o trabalhador e o empregador. Apenas produz a suspensão da prestação de trabalho.

Daí que se entenda Jurisprudencialmente que a retribuição de pré-reforma assume natureza diversa da pensão de reforma: enquanto esta tem natureza previdencial, aquela tem natureza salarial” – cf., neste sentido, o Acórdão do STJ, desta Secção Social, de 04/06/2003.[12]
E sendo essa a sua natureza não se pode estranhar que as partes tenham querido enunciar as referidas parcelas.

4.4. No que concerne ao facto de o Banco Réu invocar que a situação de pré-reforma não foi comunicada à Segurança Social, importa ter presente que a comunicação a esta entidade não é condição de validade do acordo em causa.
O Código do Trabalho não a enuncia no elenco dos requisitos formais como conditio indispensável à existência de um acordo de pré-reforma, nem tão pouco a exige como factor essencial e juridicamente imprescindível à sua validade.
Mesmo que assim não fosse, uma alegação desta natureza poderia, quiçá, assumir-se como um “venire contra factum proprium”, porquanto era ao Banco Réu a quem cabia essa comunicação, na sua qualidade de empregador, caso pretendesse usufruir da diminuição das prestações contributivas; e se, podendo fazê-lo, não o fez, não pode agora esgrimir esse argumento da falta de cumprimento de tal formalidade.

Por outro lado, da factualidade dada como provada resulta, também, de forma inequívoca, que o Banco informou o trabalhador Autor que iria proceder à comunicação à Segurança Social da sua situação de pré-reforma, o que, depois, não veio a acontecer.

4.5. Por fim, dir-se-á que as partes, incluindo o próprio Banco Recorrente, não põem em causa a celebração de tal acordo e que a relação laboral que os ligava (com o contrato de trabalho então suspenso) cessou em 23/08/2016, em virtude do despedimento colectivo promovido pelo Banco Réu e que abrangeu o Autor.
O que o Recorrente discorda é da natureza jurídica do acordo celebrado – que considera como uma suspensão atípica do contrato de trabalho e não como um acordo de pré-reforma – bem como do cálculo do valor da indemnização a arbitrar ao Autor após a cessação do contrato de trabalho.
Quanto à primeira questão, já a decidimos.
       
       Resta-nos, agora, apurar qual a indemnização devida ao Autor:

a) Se a estipulada no art. 322º, nº 2, do Código do Trabalho, por força da alínea c), do seu nº 1, prevista para as situações específicas de pré-reforma;
b) Se a compensação a que alude o art. 366º, nº 1, do mesmo Código, estatuída expressamente para os casos de despedimento colectivo.

5. Da indemnização/compensação devida

5.1. Resulta da matéria de facto provada que existia um contrato de trabalho entre as partes, celebrado entre o Autor e o então Banco “BB”, em 11/09/2006, e que, posteriormente, o Banco ora Réu – DD – assumiu a posição contratual de empregador mantendo-se a relação laboral entre os sujeitos processuais destes autos.
Mais se provou que o Autor se encontrava na referida situação de Pré-reforma, na sequência do Acordo firmado com o Banco Réu nesse sentido, quando o seu contrato de trabalho veio a cessar, tendo o Banco Réu pago ao Autor, a título de compensação legal, a quantia de € 110.263,51.

Através da presente acção o Autor coloca em causa o pagamento dessa quantia, alegando que, na data do início do despedimento colectivo, a Ré lhe deveria ter pago a indemnização prevista no art. 322º, nº 2, do Código do Trabalho, e não a referida compensação preceituada no art. 366º, nº 1, do mesmo Código.

- Quid juris?

5.2. Da análise efectuada por alguns autores ao regime jurídico de pré-reforma, e sobre a questão de saber qual o normativo aplicável em sede indemnizatória, ressalta o entendimento que um regime dessa natureza não pode ser considerado, em abstracto, mais vantajoso para o respectivo trabalhador pelo simples facto de se considerar que a indemnização, nas referidas circunstâncias, é fixada nos termos dos nºs 2 e 3, do art. 322º, do Código do Trabalho, e não de acordo com qualquer outra norma que determine uma indemnização a pagar ao trabalhador em caso de despedimento.

Com efeito, sobre tal matéria pode ler-se, da autoria de Júlio Gomes, o seguinte:

A situação de pré-reforma não é destituída de riscos para o trabalhador até porque este vê significativamente reduzida a sua indemnização caso seja despedido, já que não terá direito à indemnização pela antiguidade.
Com efeito, quando o contrato de trabalho cesse, extinguindo-se a situação de pré-reforma, de modo que, se o trabalhador estivesse no pleno exercício das suas funções, teria direito a uma compensação ou indemnização, o trabalhador passa a ter direito a uma indemnização correspondente ao montante das prestações de pré-reforma até à idade legal da reforma, sendo que será tida como base para o efeito do cálculo da indemnização a última prestação de pré-reforma devida à data da cessação do contrato de trabalho.[13]

O regime indemnizatório preceituado no art. 322º do Código do Trabalho é, assim, específico da figura jurídica de pré-reforma.

Também Maria do Rosário Palma Ramalho[14], ao delimitar o conceito jurídico de pré-reforma e os seus traços mais emblemáticos, que se referem ao conteúdo desta situação, ao modo de a instituir, aos direitos dos trabalhadores e à cessação deste regime, enuncia como seus efeitos, no que aqui releva, os seguintes:

(…)
iii) Efeitos da pré-reforma: durante a situação de pré-reforma, o trabalhador tem direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal, cujo montante não pode ser superior à que vinha auferindo nem inferior a 25% desse montante (art. 320.º, n.º 1). (…) O trabalhador pode desenvolver outra actividade profissional remunerada na vigência do acordo de pré-reforma (art. 321.º, n.º 1). No acordo de pré-reforma, as partes podem ainda estabelecer outros efeitos, nos termos do art. 321.º, n.º 2;
iv) Cessação da situação de pré-reforma: a situação de pré-reforma cessa nos termos do art. 322.º, n.º 1, i.e., se o trabalhador regressar às funções que detinha anteriormente, por acordo com o empregador, se o trabalhador passar à situação de reformado ou se o contrato de trabalho cessar por outra via, cabendo, neste último caso, adaptar à situação o valor da indemnização a que o trabalhador tenha, eventualmente, direito, em virtude da cessação do contrato (art. 322.º, nºs 2 e 3). A necessidade do acordo do empregador para a reversão da situação de pré-reforma evidencia a irreversibilidade tendencial desta figura: quase sempre, ela prossegue o objectivo de, a prazo, fazer cessar o contrato de trabalho.”  
 
Remete, pois, para o regime jurídico da indemnização devida pela cessação de pré-reforma consagrado no art. 322º, nº 2, do Código do Trabalho de 2009.

5.3. Posto isto e tendo presente a análise efectuada, sabe-se que no caso sub judice o contrato de trabalho que vigorava entre o Autor e o Banco Réu se encontrava suspenso por força do Acordo de Pré-reforma convencionado entre as partes. Mais se provou que esse acordo cessou, em 23/08/2016, devido ao despedimento colectivo promovido pelo Banco empregador, que abarcou o Autor.

Ou seja: tal despedimento produziu a cessação do contrato de trabalho do Autor e, consequentemente, também cessou o acordo de pré-reforma aqui em causa.
Cessação essa prevista expressamente no art. 322º, nº 1, alínea c), do Código do Trabalho.
Nessa medida, temos para nós que os efeitos decorrentes da cessação da pré-reforma são os produzidos em função desse fundamento, isto é, os estatuídos no art. 322º, nº 2.

O mesmo é dizer que às situações em que estão em causa o recebimento de uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho de um trabalhador que se encontrasse, anteriormente, em situação de pré-reforma, é aplicável o art. 322.º, n.º 2, do Código do Trabalho, com a indemnização a ser paga nos termos estabelecidos nesse normativo.  
Não há assim lugar à limitação imposta pelo disposto no nº 1, do art. 366.º, do Código do Trabalho, pois não existe fundamento legal para que seja afastada a aplicação, in casu, do disposto no art. 322.º, n.º 2, do mesmo Código.

5.4. Não se acolhe o argumento aduzido pelo Banco Recorrente de que estando a cessação do contrato de trabalho subordinada à imperatividade do regime estatuído no art. 339º do Código do Trabalho, no qual se abarcam os critérios de definição da indemnização, estes, para o caso concreto, só poderão ser os do art. 366º, nº 1.

Desde logo porque a imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho não é absoluta.

É o que resulta da própria norma onde se estabeleceu esse regime, porquanto o art. 339º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, tem a seguinte redacção:

1. O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.

A parte final do n.º 1, do art. 339.º, salvaguarda expressis verbis que outra disposição legal possa afastar a imperatividade do regime da cessação do contrato de trabalho.

O que não permite é que o regime da cessação do contrato de trabalho seja excluído por convenção colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, v.g., quanto aos respectivos pressupostos, causas ou consequências.

Mas não veda a possibilidade de outra disposição legal do mesmo Código prever modalidades diferentes, em consonância com o que o próprio normativo seguinte estipula – corpo do art. 340º.
Pelo que, a outra disposição legal ali ressalvada só pode ser a do nº 2 do art. 322º.

Acresce que o art. 338º, nº 1, delimita também essa imperatividade ao regime estabelecido no presente capítulo. Ou seja: no Capítulo VII, da Cessação do Contrato de Trabalho.
Quando, na verdade, a Pré-reforma se integra noutro Capítulo: no já inicialmente citado Capítulo V – das Vicissitudes Contratuais (arts. 285º e segts.).
O que permite concluir que o legislador, sabedor da existência dos dois institutos fixou regimes distintos, a que atribuiu também, e coerentemente, formas de cálculo autónomas quanto à indemnização/compensação que considerou como contrapartidas adequadas para a cessação do contrato de trabalho.

Por conseguinte, ao invés do que o Banco Recorrente defende, este regime imperativo estabelecido no art. 338º, nº 1, do Código do Trabalho, comporta excepções, e uma delas é essa, a do art. 322º, nº 2, porquanto constitui uma norma específica do regime de pré-reforma, aplicável, por isso, às situações em que está em causa o recebimento de uma indemnização pela cessação de um contrato de trabalho de alguém (um trabalhador) que se encontrasse nessa situação de pré-reforma (cf. alínea c), do nº 1, do art. 322º).

Destarte, calcular a indemnização do Autor, aqui descrito nessas circunstâncias, com base no critério estabelecido no referido art. 322º, nº 2, não constitui violação a nenhum princípio, nem colide com o regime de imperatividade da cessação do contrato de trabalho.
Foi o próprio legislador que consagrou, ao abrigo da ressalva da parte final do nº 1, do art. 339º, e do corpo do art. 340º, ambos do Código do Trabalho de 2009, essa excepção ao regime, harmonizando-a com as regras legais instituídas para o acordo de pré-reforma.
E ressalvou-a sem limitações.

Ou seja: a aplicação do art. 322º, nº 2, não depende nem dos valores a arbitrar ao trabalhador, nem do estatuto deste, nem da causa da cessação do seu contrato de trabalho. Apenas depende da natureza jurídica do Acordo de Pré-reforma e do preceituado no seu regime, nomeadamente do disposto no art. 322º, nº 1, alínea c).

Conclusão reforçada, quer pela inserção dessa norma na subsecção própria designada de Pré-reforma, e não na da cessação do contrato de trabalho, quer pelo elemento literal do preceito que estabelece o seguinte:

“2. Na situação prevista na alínea c) do número anterior, caso a modalidade de cessação do contrato de trabalho conferisse ao trabalhador direito a indemnização ou compensação se estivesse no pleno exercício de funções, aquele tem direito a indemnização no montante das prestações de pré-reforma até à idade legal de reforma por velhice” – art. 322º.

E é precisamente neste normativo que se integra o caso em análise. Com o legislador a reconhecer ao trabalhador que se encontre em tal circunstância de pré-reforma, secundada pela cessação do contrato de trabalho, o direito a uma indemnização “no montante das prestações de pré-reforma até à idade legal de reforma por velhice”.
Indemnização esta a que o Autor tem direito como ressarcimento imposto por lei pela perda da prestação de pré-reforma, em consequência da cessação do contrato de trabalho, enquanto acto lícito operado pelo Banco Recorrente.

5.5. O cálculo da indemnização a pagar ao Autor tem, pois, de observar o preceituado na norma citada, onde se apela, como factor referencial, à idade legal da reforma, não tendo aqui aplicação o regime compensatório estabelecido no nº 1, do art. 366º, do Código do Trabalho de 2009, que assenta na retribuição base e respectiva antiguidade do trabalhador.

Sendo devida essa indemnização nos termos do nº 2, do art. 322º, e independentemente do seu valor: quer este seja inferior ou superior àquele.
O que releva é a modalidade do cálculo e o princípio legal que lhe subjaz em função da realidade fáctica e laboral do trabalhador.
E é essa dissemelhança de regimes jurídicos que legitima a distinção.

Assim sendo, improcede a revista nesta parte.

6. O princípio constitucional da igualdade: a alegada violação

6.1. Foi invocada por parte do Banco Réu a inconstitucionalidade da sentença recorrida por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade. Mas desde já se adianta que não lhe assiste razão.

Com efeito, tal como é reconhecido doutrinária e jurisprudencialmente, o princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13º da CRP tem duas vertentes: uma que impõe que se trate de forma igual, o que é igual, e outra que exige que se trate de forma diferente o que é diferente, porquanto se entende que igualdade e igualitarismo não são sinónimos.
O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções. Proíbe apenas o arbítrio, ou seja, proíbe diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante ou sem justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.[15]
Aos Tribunais, na apreciação deste princípio “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem”.[16]

Ora, no caso sub judice, nenhuma dessas circunstâncias se verifica já que a lei prevê para todas as situações que se encontrem em pré-reforma, e a que se aplique o art. 322º nº 1, alínea c), do Código do Trabalho de 2009, iguais consequências para o caso de cessação do contrato a nível indemnizatório: as previstas no art. 322º, nº 2, do CT.
E para todos os trabalhadores que sejam despedidos, em igualdade de circunstâncias, as indemnizações legais que o Código do Trabalho consagra terão forçosamente que variar em função da retribuição base de cada um e respectivas diuturnidades por cada ano completo de antiguidade – cf. art. 366º, nº 1, do mesmo Código.
Sem que por tal facto se possa concluir que existe violação do princípio da igualdade.

6.2. Assim sendo, pretender que o regime jurídico de pré-reforma fosse afastado só para que o Banco Réu efectuasse as contas do A. de forma igual à dos trabalhadores que se encontravam ao seu efectivo serviço, em plena prestação laboração, e que foram abarcados pelo despedimento colectivo, para além de não constar do acordo firmado, redundaria, isso sim, num tratamento igual de situações objectiva e substancialmente diferentes.
Com efeito, o Autor encontrava-se numa situação de pré-reforma, com a suspensão da sua prestação de trabalho. Já os restantes trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo exerciam a sua actividade laboral em pleno. Estavam no activo.
Por isso, e ao contrário do que argumenta o Recorrente, igualar tais situações, de natureza diferente, seria incorrer em violação do princípio da igualdade.

Não se vislumbra, em síntese, fundamentos fácticos e jurídicos, face à diferença dos regimes, para se concluir no sentido de violação do referido princípio constitucional da igualdade ou outro.

7. Pelo exposto, decide-se sufragar o entendimento inserido na sentença proferida pela primeira instância e, consequentemente, improcede a presente revista.


III – DECISÃO:

- Face ao exposto acorda-se em julgar improcedente a revista interposta pelo Banco Réu, confirmando-se a sentença proferida pela 1ª instância.

- Custas a cargo do Banco Réu, parte vencida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 12 de Outubro de 2017.



Ana Luísa Geraldes (Relatora)



Ribeiro Cardoso



Ferreira Pinto

                      _______________
                      [1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
                      [2] O regime legal aqui aplicável é o do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro. Pertencem, pois, a este diploma todas as normas que forem citadas sem qualquer outra menção.
                      [3] Neste sentido, cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 6.ª Edição, 2016, págs. 635 e seguintes.
                      [4] Citando, a este propósito, no referido excerto, Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I, págs. 438 e segts.
                      [5] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Ibidem. Os sublinhados que se seguem são nossos.
                      [6] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Ibidem, págs. 636 e segts.
                      [7] Cf. art. 21º, alínea o), da Lei Preambular  que aprovou o Código do Trabalho de 2003, Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto. Para maior desenvolvimento sobre os traços essenciais do regime da pré-reforma que transitaram para o Código do Trabalho do regime anterior, cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Ibidem.
                      [8] Neste sentido, cf. António Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, Almedina, 17.ª Edição, págs. 478 e segts. Sublinhados nossos.
                      [9] Cf. Diogo Vaz Marecos, in “Código do Trabalho Anotado”, Wolters Kluwer Portugal, Setembro de 2010, 1.ª Edição, pág. 766.
                      [10] Todos os Acórdãos do STJ, aqui citados, encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt.
                      [11] Neste sentido, cf. António Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, Almedina, 17.ª Edição, pág. 479.
                      [12] Acórdão do STJ, Relatado por Vítor Mesquita, no âmbito do recurso nº 3607/02, e disponível em www.dgsi.pt.
                      Não sendo aplicável ao caso presente o Acórdão do STJ, de 24/10/2007, citado pelo Banco Recorrente, por versar factualidade diferente (Ac. proferido no âmbito do processo nº 07S1045, da Secção Social, relatado por Vasques Dinis, e disponível em www.dgsi.pt.). 
                      [13] Neste sentido, cf. Júlio Gomes, Ibidem, obra citada, pág. 868. Sublinhado nosso.
                      [14] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Ibidem, obra citada, págs. 703 e segts. Sublinhado nosso.
                      [15] Cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Anotação ao artigo 13.º”, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 226 e segts.
                      [16] Neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/2013, de 5/05/2013.