Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4415/19.2T8MAI.P1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
TRÂNSITO EM JULGADO
DECISÃO
SUBSIDIARIEDADE
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art. 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior acção, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


Banco de Investimento Imobiliário, S.A.” (incorporado por fusão no “Banco Comercial Português S.A. – Sociedade Aberta) intentou a presente ação declarativa com processo comum contra AA e BB, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €30.797,75€, acrescida dos juros de mora vincendos, contados desde a data da petição, sobre a quantia de 26.383,186, calculados à taxa de 1,592%, acrescido da sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou que:

O Autor, instituição financeira que se dedica ao comércio bancário e tem por objecto a concessão de crédito, no exercício da sua atividade, celebrou com a Ré, AA, e marido, CC, um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual lhes entregou a quantia de 13.500.000$00 (correspondente à quantia de 67.337,70€).

Em .../.../2015, o mutuário CC faleceu, tendo deixado como únicos herdeiros a sua mulher, AA, e o seu filho, BB, que, por escritura de habilitação notarial, assim foram reconhecidos.

No âmbito do dito contrato de mútuo com hipoteca, ficou, além do mais, expressamente convencionado que o empréstimo era concedido pelo prazo de 18 anos e seria pago pelos mutuários em 216 prestações mensais, de capital e juros, e nos demais termos previstos na cláusula 4.a das condições particulares do documento complementar que integra o documento junto sob o n.°1.

Nos termos da cláusula 2.a das condições gerais constantes do documento complementar anexo à escritura junta sob o documento n.°1, ficou estipulado que o pagamento da quantia mutuada, respectivos juros ou outros montantes devidos em virtude do presente empréstimo seria efectuado "por débito dos seus montantes na conta de depósito acima identificada", débito esse que os mutuários autorizaram.

Sucede, porém, que apesar do acordado no contrato de mútuo descrito nos artigos anteriores, por manifesto lapso do Autor, o serviço de dívida do empréstimo concedido aos mutuários foi calculado com base num prazo de 300 meses e não com base num prazo de 216 meses, conforme o estipulado na escritura de mútuo.

Nesta conformidade, foi carregado em sistema informático do Autor que o pagamento das prestações mensais ocorreria no prazo de 25 anos, quando o empréstimo foi contratado pelo prazo de 18 anos.

Neste contexto, as prestações mensais, automaticamente debitadas na conta de depósitos à ordem titulada pelos mutuários, eram de montante inferior àquelas que seriam devidas para que o empréstimo fosse integralmente liquidado no prazo contratualmente previsto de 18 anos.

Assim que o Autor deu conta do erro, de imediato contactou os mutuários para regularizarem a situação existente, expondo-lhes o lapso verificado e sugerindo a correcção do mesmo através de uma de duas hipóteses:

a) os Réus poderiam optar pela manutenção do serviço que estava a ser feito e, nesse caso, subscreveriam um aditamento ao contrato de mútuo consagrando um aumento do prazo do empréstimo para 25 anos; ou b) os Réus poderiam escolher o recálculo do montante da sua prestação mensal com base no prazo de 18 anos inicialmente acordado entre as partes e, nesse caso, tal correcção implicaria a reposição do diferencial entre os pagamentos efectuados e os que seriam devidos, correspondente ao montante que os Réus deixaram de suportar em virtude do empréstimo ter sido erroneamente alargado para os 25 anos.

Os Réus sempre pagaram uma prestação mensal inferior àquela que seria correcta, caso o mútuo fosse liquidado no prazo de 18 anos.

Foram realizadas diversas reuniões entre o Autor e os Réus, com o intuito de resolver a situação exposta, tendo estes mantido uma posição intransigente de não permitirem a correcção do lapso referido, apesar de aceitarem a sua existência.

A manutenção do erro verificado implica um prejuízo para o Autor correspondente ao montante devido pelo acerto dos valores das prestações já vencidas (e pagas) pelos Réus, face à redução do prazo para pagamento do empréstimo e, bem assim, do valor global mutuado e referido na escritura pública junta sob o documento n.° 1.

Tal montante em dívida corresponde à quantia de 26.383,186.

Nesta conformidade, estão os Réus a enriquecer, de forma injustificada e, por isso,  estão obrigados a reembolsar o Autor e a pagar a este o valor de 26.383,186, com base no enriquecimento sem causa, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 473.° do Cód. Civil.

Apesar de devidamente interpelados para o efeito, os Réus não procederam, até à presente data, à liquidação total ou parcial do montante em dívida.

Pede que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia de €30.797,756, acrescida dos juros de mora vincendos, sobre a quantia de 26.383,186, calculados à taxa de 1,592%, acrescido da sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, até efetivo e integral pagamento.


Os RR. contestaram, invocando, para além do mais, o caso julgado e a prescrição do alegado direito de crédito da A., pelo decurso do prazo estabelecido no art. 482º do Cód. Civil.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo que:

A - Se declare que está paga a dívida cujo cumprimento está garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel identificado na alínea iii) do artigo 6 desta contestação/reconvenção, e, em consequência, ordenando-se o cancelamento dessa hipoteca, bem como da penhora aí inscrita, ambas em favor do DEMANDANTE.

B - Se condene o DEMANDANTE a restituir à DEMANDADA a quantia de 4.017,06 € (com base nos factos alegados nos artigos 17 a 22 e 80 a 82 deste articulado).

C- Se condene o DEMANDANTE a pagar à DEMANDADA a quantia de 10.000,00 € a título de indemnização pelos danos que lhe causou até esta data.

D - Se condene o DEMANDANTE a pagar à DEMANDADA uma indemnização a liquidar em execução de sentença, à razão de 10,00 € por dia e a contar da notificação da reconvenção, a fim de ser indemnizada pelos danos decorrentes dos sofrimentos que persistem.


Houve réplica.


Foi proferido saneador, no qual se julgou improcedente o invocado caso julgado e procedente a excepção peremptória de prescrição, em consequência do que foram os Réus absolvidos do pedido formulado pela Autora, prosseguindo os autos para apreciação da pretensão reconvencional.

Inconformado, o A. interpôs recurso, vindo o Tribunal da Relação Porto a proferir acórdão que revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação também do pedido formulado pelo Banco/Autor.

Irresignados, os RR. recorreram estes para este Supremo Tribunal, concluindo as alegações da revista pela seguinte forma:

«1.ª

O prazo prescricional para se instaurar acção de enriquecimento sem causa, começa a correr quando o autor teve conhecimento do direito que lhe compete e das pessoas dos seus responsáveis.

2.ª

O conhecimento do direito que compete ao autor é um conhecimento fáctico dos elementos constitutivos desse alegado direito e não um conhecimento jurídico.

3.ª

No caso dos autos o autor, pelo menos em 2.7.2014, teve conhecimento quer do direito que lhe assistia quer das pessoas dos seus responsáveis e que precludiu em 2.7.2017.

4.ª

É a partir desse momento, 2.7.2014, pelos motivos invocados, que começa a correr o prazo prescricional para instaurar a acção de enriquecimento sem causa, como exprimem os art.º 306.º n.º1 e art.º 482.º do C. Civil.

5.ª

Para um prazo prescricional poder ser interrompido, é necessário que esse prazo esteja a correr, isto é, que ainda se não tenha esgotado.

6.ª

O autor ao intentar uma acção executiva, ainda por cima sem título, em data posterior ao decurso do prazo prescricional, a mesma não o pode interromper, pois não se interrompe prazo que não existe, por já ter decorrido.

7.ª

Para lá disto, para que o prazo de prescrição possa ser interrompido, é necessário que o autor manifeste, directa ou indirectamente, a intenção de desfazer a deslocação patrimonial indevida, na sua opinião.

8.ª

A instauração de acção executiva sem título, na qual não se pretende atacar o fundamento jurídico da relação contratual estabelecida, mas sim obter a efectivação de um alegado crédito, não consubstancia a intenção de desfazer a deslocação patrimonial e, também por isso, a execução em causa não interrompe coisa nenhuma.

9.ª

Com o trânsito em julgado da sentença proferida nos embargos àquela execução, o autor apenas ficou a saber, para lá do que já sabia desde 2.7.2014, que instaurou uma execução sem título e nada mais.

10.ª

O meio processual a atacar o negócio celebrado, com fundamento no erro, é a acção de anulabilidade do negócio.

11.ª

O autor, pela acção executiva, invocou incumprimento (parcial) do contrato. Agora invoca um vício do contrato (erro), mas pretende ser ressarcido com base num enriquecimento sem causa. Talvez porque percebeu que, o eventual direito de invocar tal vício, caducou em 2.7.2015. Também por isso não utilizou o meio processual adequado para atacar o negócio celebrado.

12.ª

Sendo conhecido o erro, pelo menos em 2.7.2014, o termo do prazo para pedir a anulação do negócio, terminou em 2.7.2015, como decorre do disposto no art.º 287.º n.º 1 do C.Civil.

13.ª

O autor ao não lançar mão desse meio processual, também por esse motivo, não logrou interromper o prazo prescricional para instaurar a acção com base no enriquecimento sem causa.

14.ª

Mesmo após o termo do prazo para lançar mão da acção de anulabilidade, que ocorreu em 2.7.2015, decorreram mais de três anos até à data da instauração da presente acção de enriquecimento sem causa, que aconteceu em 11.12.2019.

15ª

O Tribunal da Relação , ao considerar que a “prescrição estabelecida no artº 482º do C.Civil, só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as sua tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal”, sem mais, e ao não curar de apreciar e levar em consideração, entre outros pressupostos impeditivos ao recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, os invocados nos atºs 12º a 23º e 25º a 28º destas alegações, do que resultaria diferente determinação do início da contagem do prazo prescricional, com o respeito devido, interpretou e aplicou, incorrectamente, entre outras, as disposições dos artºs 482º, 323º 1 e 306º1 do Código Civil.

Termos em que deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância (…)»


Contra-alegou o A., pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


*


Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a tratar a de saber se, diversamente do decidido no acórdão recorrido, deve considerar-se verifica a invocada prescrição.



II


O Tribunal a quo tomou em consideração a seguinte factualidade:

«1 - Em 20.4.2018 deu entrada acção executiva que correu termos nos Juízos de Execução ... – J7 com o número 9231/18.....

2 - A acção referida em 1) foi proposta pelo Banco de Investimento Imobiliário SA (aqui Autor) contra AA (Aqui Ré) e BB (habilitado em nome de CC (seu marido e já falecido e de quem o aqui Réu BB é herdeiro).

3 - No requerimento executivo da referida acção é alegado que “No exercício da sua actividade, o Banco Exequente, por contrato de mútuo com hipoteca, outorgado em 26 de fevereiro de 1998, concedeu aos ora Executados, um empréstimo no montante de treze mil e quinhentos contos (67.337.70 euros), destinado à compra do imóvel identificado na escritura - cfr. doc. 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Nos termos do referido contrato, o capital seria reembolsado em prestações mensais, acrescido de juros remuneratórios à taxa prevista naquele documento, a qual, em caso de mora, seria acrescida da sobretaxa de 4% ao ano.

Para garantia do cumprimento das suas obrigações contratuais, os mutuários constituíram hipoteca, a favor do Banco Exequente, sobre o seguinte imóvel:

- Fração autónoma designada pela letra "B", destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1637 e inscrito na respetiva matriz sob o art. 4874.

Sucede que os mutuários não pagaram a prestação vencida em 15/04/2016, nem as que se venceram posteriormente. Nos termos do contrato de mútuo, o incumprimento das obrigações contratuais, designadamente a falta de pagamento das prestações devidas, confere ao mutuante a faculdade de considerar automaticamente vencida toda a dívida. podendo desde logo proceder à execução judicial. Não obstante, o Exequente interpelou por carta registada com aviso de receção os mutuários em 2 de janeiro de 2018 para pagamento - cfr. doc. 2 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Posteriormente, em 7 de fevereiro de 2018, enviou novas cartas registadas com aviso de receção a resolver o contrato de mútuo com hipoteca - cfr. doc. 3 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. Porque a escritura pública é título exequível, nos termos da alínea b) do artigo 703.º do C.P.Civ., pretende o Banco Exequente haver dos Executados, o montante em dívida, que actualmente ascende a 31.568,73 euros (trinta e um mil quinhentos e sessenta e oito euros e setenta e três cêntimos), valor a que acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, e despesas judiciais e extrajudiciais previstas no contratos de mútuo.

4. A acção referida em 1) foi declarada extinta na sequência de sentença proferida, em 16 de outubro de 2019 (e transitada em julgado em 20 de novembro desse mesmo ano), que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos, por apenso a essa execução, pelos aqui Réus.

5. Escreveu-se na sentença proferida nos embargos à execução referida em 1), e entre o mais que: “Refere a exequente que o empréstimo foi calculado e facturado junto do sistema informático da exequente com base em 25 anos e não em 18, que teria sido o acordado, pelo que as prestações liquidadas (216 – correspondentes aos 18 anos) não amortizaram o total do empréstimo concedido (porque para tal teria de ter sido liquidadas 300 prestações (25 anos).

Contudo, o que foi referido no requerimento executivo é que deixaram os executados de liquidar a prestação vencida em 15/4/2016, bem como as restantes, e que por essa via considerou vencida toda a dívida. Ora, tal não foi o que sucedeu. E o título dado à execução não reflecte essa versão dos factos apresentada pela exequente, não se verificando o requisito da certeza da sua existência, determinação ou exigibilidade, julgando-se necessário que a situação dos autos tenha que passar pelo crivo de uma acção judicial declarativa. De qualquer forma, o agora decidido não implica que se considere extinta a obrigação assumida pela executada, mas apenas que o título dado à execução não suporta os factos invocados pela exequente e que foram os supra descritos – nomeadamente, que os executados deixaram de liquidar a prestação vencida em 15/4/2016, bem como as restantes, e que por essa via considerou vencida toda a dívida.”

6. Na presente ação que corre termos no Juízo Local Cível ... o Banco de Investimento Imobiliário SA instaura a acção contra AA e contra BB pedindo que sejam aos réus condenados a pagar ao autor a quantia de 30.797,75€ acrescidos de juros, tendo estes sido citados para a mesma em 20 de dezembro de 2019.

7. É causa de pedir na presente ação e referida em 6) que o autor celebrou com a Ré mulher e com o seu marido (entretanto falecido) um contrato de mútuo com hipoteca nos termos do qual este entregou aqueles a título de empréstimo a quantia de 13.500.000$00 (correspondente à quantia de 67.337,70€), o que fez através de escritura pública. Que ficou convencionado no contrato celebrado que o empréstimo era concedido pelo prazo de 18 anos e seria pago pelos mutuários em 216 prestações mensais de capital e juros contudo “por manifesto lapso do autor, o serviço de dívida do empréstimo concedido aos mutuários foi calculado com base num prazo de 300 meses e não com base num prazo de 216 meses (…) e “nesta conformidade foi carregado em sistema informático do autor que o pagamento das prestações mensais ocorreria no prazo de 25 anos quando o empréstimo foi contratado pelo prazo de 18 anos.” Pelo que as prestações mensais automaticamente debitadas na conta de depósitos à ordem titulado pelos mutuários eram de montante inferior àquelas que seriam devidas para que o empréstimo fosse integralmente liquidado no prazo contratualmente liquidado previsto de 18 meses. Diz que quando se apercebeu do erro fez propostas aos Réus (que descreve no artigo 12.º) mas que os mesmos não as aceitaram mas com o prazo de empréstimo erroneamente ampliado para 25 anos os réus sempre pagaram uma prestação mensal inferior aquela que seria caso o mútuo fosse liquidado no prazo de 18 anos pelo que optando pelo recalculo do montante da sua prestação com base no prazo de 18 anos teriam que repor aquilo que deixaram de suportar. Concluem que a manutenção do erro verificado implica um prejuízo para o autor correspondente ao montante devido pelo acerto dos valores das prestações vencidas e pagas pelos réus face a redução do prazo para pagamento do empréstimo e bem assim do valor global mutuado e referido na escritura publica montante que corresponde a 26.383,18€. Defende assim que os réus estão a enriquecer de forma injustificada no montante correspondente ao que bem sabem ser devido ao autor pelo acerto de valores de prestações já vencidas desde a data da celebração do mútuo até à presente data.»



III


O A. intentou a presente acção invocando o enriquecimento sem causa por parte dos RR..

Os RR. defendem que se verifica a prescrição do direito do A..


Dispõe o art. 482º do C. Civil:

«O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.


Pires de Lima e Antunes Varela referem, no Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 482, que se estabelecem aqui dois prazos de prescrição: um, de três anos, a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável; outro, o ordinário (de 20 anos) a contar, segundo as regras gerais, do momento em que a restituição pode ser exigida.

Como resulta das transcritas conclusões, os Recorrentes defendem que o conhecimento do direito do credor é um conhecimento fáctico dos elementos constitutivos desse alegado direito e não um conhecimento jurídico e, no caso, o Autor, pelo menos em 02-7-2014, teve conhecimento quer do direito que lhe assistia quer das pessoas dos seus responsáveis, começando a correr o prazo prescricional para instaurar a acção de enriquecimento sem causa, como exprimem os arts. 306.º n.º1 e 482.º do C. Civil.

Consideram que o Autor, ao intentar uma acção executiva, ainda por cima sem título, em data posterior ao decurso do prazo prescricional, não podia ver interrompido um prazo que já decorrera, sendo que, com a instauração de acção executiva, não se pretende atacar o fundamento jurídico da relação contratual estabelecida, mas sim obter a efectivação de um alegado crédito, não consubstanciando, assim, a intenção de desfazer a deslocação patrimonial.

Acrescentam que:

Com o trânsito em julgado da sentença proferida nos embargos à execução, o Autor apenas ficou a saber, para lá do que já sabia desde 02-7-2014, que instaurou uma execução sem título e nada mais.

O meio processual a atacar o negócio celebrado, com fundamento no erro, seria a acção de anulabilidade do negócio. Sendo conhecido o erro, pelo menos em 02-7-2014, o termo do prazo para pedir a anulação do negócio terminou em 02-7-2015, como decorre do disposto no art.º 287.º n.º 1 do C. Civil.

O Autor, ao não lançar mão desse meio processual, também por esse motivo, não logrou interromper o prazo prescricional para instaurar a acção com base no enriquecimento sem causa e, mesmo após o termo do prazo para  se socorrer da acção de anulabilidade, decorreram mais de três anos até à data da instauração da presente acção de enriquecimento sem causa, que aconteceu em 11-12-2019.

Vejamos.

O Tribunal a quo chamou a atenção para o facto de, no que respeita ao prazo de três anos previsto no art. 482º do C. Civil, se vir discutindo se o «conhecimento do direito» se reporta ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito do credor na vertente fáctica, ou se se refere ao conhecimento do próprio direito e não apenas dos seus elementos constitutivos e continuou, referindo o seguinte (com destaque nosso):

«Atendendo à natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, consagrado no artigo 474º Cód. Civil - nos termos do qual não há lugar à restituição por enriquecimento enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento – a doutrina e jurisprudência majoritárias (que igualmente acolhemos) vêm sufragando a segunda das enunciadas posições.

Na verdade, se o empobrecido elegeu outra via, ainda que sem sucesso, não pode recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa enquanto essa via não estiver esgotada, sob pena de lhe ser oposto o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa (que, como exceção perentória de direito material, neutralizaria o exercício do direito que, por essa via, se pretendia fazer valer). Não faria, pois, sentido que, nestas situações, o prazo, aliás curto, da prescrição começasse a correr.

Isso mesmo resulta do disposto no artigo 306º, nº 1, do Cód. Civil, de acordo com o qual o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, razão pela qual o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido utilizou, de boa fé, outro meio para ser restituído ou indemnizado. Nessa conformidade, somente após o trânsito em julgado da decisão proferida em processo a que o empobrecido recorreu em primeira linha é que se inicia o prazo prescricional relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento indevido. Em suma: a prescrição estabelecida no artigo 482º do Código Civil (prescrição do direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa) só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal


No Ac. do STJ de 24-02-1999, Rel. Ferreira de Almeida, Proc. nº 98B1201, em www.dgsi.pt, considerou-se que:

«II - Não ocorrendo a prescrição enquanto o direito não puder ser exercido - artigo 306 n. 1 do C.Civil 66 - e encontrando-se pendente controvérsia sobre uma alegada caducidade de um contrato de arrendamento (fonte do invocado enriquecimento), a qual veio a ser dirimida em sentido afirmativo pelo Supremo Tribunal de Justiça - só após o trânsito em julgado dessa decisão o empobrecimento poderia desencadear a acção de restituição por enriquecimento, pelo que só a partir de tal data se iniciaria a contagem do prazo de 3 anos contemplado no artigo 482 do mesmo diploma.»


No Ac. do STJ de 27-11-2003, Rel. Duarte Soares, Proc. 03B3091, em www.dgsi.pt, exarou-se o seguinte:

«O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (art. 482º do CC), não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído.»


No Ac. do STJ de 26-02-2004, Rel. Araújo Barros, Proc. 03B3798, em www.dgsi.pt, também se concluiu que:

«3. O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.»


Na fundamentação deste aresto, ponderou-se, de forma esclarecedora, o seguinte (com destaques nossos, a negrito):

«Estabelece o art. 482º do C.Civil que "o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento".

Assim, em derradeira análise, a solução desta questão passa por determinar a partir de que momento se iniciou o prazo de prescrição do direito dos autores de exigirem a restituição daquilo com que, alegadamente sem causa, o réu se locupletou.

Nos termos do art. 306º, nº 1, do C.Civil, "o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido".

O instituto da prescrição extintiva é endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Não lhe sendo obviamente estranhas razões de justiça, a prescrição arranca também da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. Visando a prescrição desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, esta protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. (6)

O prazo de três anos (que é o que aqui se discute) conta-se do momento em que o empobrecido tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, ou seja, conta-se o prazo desde que aquele sabe que ocorreu um enriquecimento à sua custa e quem se encontra enriquecido. Este regime representa um prazo de prescrição mais dilatado da restituição por enriquecimento sem causa em relação à obrigação de indemnização, já que na responsabilidade civil o prazo de três anos inicia-se sem que o lesado conheça a pessoa do responsável (art. 498º nº 1 do CC) enquanto na restituição por enriquecimento exige-se esse conhecimento para início do prazo.

Como escreve Menezes Leitão (7), "será, portanto natural já ter decorrido a prescrição do direito com base na responsabilidade civil, mas tal ainda não ter acontecido com base no enriquecimento sem causa, referindo a lei expressamente que tal não prejudica o recurso à acção de enriquecimento".

Tal situação não foi, também, indiferente para a redacção do citado art. 482º, na medida em que, ressalvando-se neste o decurso do prazo de prescrição ordinária, naturalmente se previu que, em diversas situações, o prazo de prescrição para o exercício do direito de restituição fundado no enriquecimento (prazo curto) poderia iniciar-se mesmo depois de decorrido o período de três anos a contar da deslocação patrimonial havida.

O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (8) (art. 474º do C.Civil), isto é, "não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento".

Donde, como lógico corolário, o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição.

Assim, "o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (art. 482º do CC), não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado". (9)»


Na mesma linha, o Ac. do STJ de 02-12-2004, Rel. Oliveira Barros, Proc. 04B3828, www.dgsi.pt:

«I - O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.482º C.Civ. conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado.

II - Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição.

III - Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído.»


No Ac. do STJ de 23-11-2011, Rel. Sérgio Poças, Proc. nº 754/10.6TBMTA.L1.S1, em www.dgsi.pt, afirmou-se, mais uma vez, esta orientação:

«I - O prazo de três anos previsto no art. 482.º do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável.

II - Não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 482.º do CC quando a acção, onde é invocado o direito à restituição por enriquecimento sem causa, é intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre o trânsito em julgado da acção que julgou improcedente o pedido de restituição com base em contrato de mútuo.»


No mesmo sentido, pode ler-se o Ac. do STJ de 10-12-2019, Rel. Assunção Raimundo, Proc. 1448/15.1T8STB.E1.S1, www.dgsi.pt:

«I - O momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil.»


Vejam-se, ainda, a título de exemplo, os seguintes acórdãos (estes das Relações de Lisboa e Guimarães):

- Ac. RL de 10-12-2009, Rel. Márcia Portela, Proc. 3189/08.7TVLSB-A.L1-6, em www.dgsi.pt:

«1. Em consonância com o regime estabelecido no artigo 306º, nº 1, CC, de acordo com o qual o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, o STJ tem entendido que o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido utilizou, de boa fé, outro meio para ser restituído ou indemnizado.

2. Nessa conformidade, apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida em processo a que o empobrecido recorreu em primeira linha é que se inicia o prazo prescricional relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento sem causa.»


- Ac. RG de 22-05-2014, Rel. Manso Raínho, Proc. 169/13.4TCGMR-A.G1, em www.dgsi.pt:

«I. A prescrição estabelecida no art. 482º do CC (prescrição do direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa) só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal.

II. Tal conclusão é imposta pela circunstância da obrigação fundada no enriquecimento sem causa ter natureza subsidiária.

III. Por outro lado, tendo o empobrecido recorrido anteriormente à reintegração fundada em responsabilidade civil, a citação do devedor na correspondente ação sempre implicará a interrupção da prescrição.»


Voltando ao caso dos autos, regista-se que, no acórdão recorrido, tendo em conta o sentido da jurisprudência citada, se considerou o seguinte:

«(…) verifica-se que, com vista a exigir dos réus a satisfação do seu direito creditório a ora autora intentou, em 20 de abril de 2018 (num momento, note-se, em que estaria ainda em tempo para lançar mão da démarche executória), ação executiva que, sob o nº 9231/18...., correu termos nos Juízos de Execução ..., a qual, no entanto, foi julgada extinta pela procedência dos embargos que aqueles deduziram por apenso a essa ação.

Assim, considerando que a decisão prolatada nesse enxerto declaratório transitou em julgado em 20 de novembro de 2019, ter-se-á de entender, na sequência das considerações anteriormente expendidas, que a ora apelante somente teve conhecimento do direito que lhe compete – isto é, do direito à restituição por enriquecimento – a partir dessa data. Dito de outro modo, apenas a partir desse momento tomou conhecimento que lhe assistia o direito à restituição, posto que só então se esgotou a possibilidade de obter a restituição com fundamento numa causa concreta que não a via do enriquecimento indevido.

Haverá ainda que atentar que, como acima se sublinhou, o instituto da prescrição é justificado (a par da necessidade social de segurança e certeza de direitos) pela inércia ou inação do titular do direito. Ora, com a referida ação executiva que intentou contra os réus, a apelante deu um sinal de que não se verificava da sua parte, antes pelo contrário, qualquer inação ou desinteresse em ser reintegrada no direito de crédito que agora invoca, embora suportada juridicamente numa outra fonte de obrigações.»


Concluiu-se, na linha da mencionada jurisprudência, a que também aderimos, que o dies a quo do aludido prazo prescricional trienal ocorreu no dia 20 de Novembro de 2019 (data do trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de executado), razão pela qual na data em que os Réus foram citados para a presente demanda (20 de Dezembro de 2019) o mesmo ainda não havia decorrido integralmente.

O A. instaurou, na verdade, uma execução, tendo em vista a satisfação do que faltava liquidar no que concerne ao montante contemplado na escritura em que se formalizou o contrato de mútuo com hipoteca, explicando, na contestação dos embargos, como se extrai do relato feito na sentença aí proferida, que «o empréstimo invocado foi calculado e facturado junto do sistema informático da exequente com base em 25 anos e não em 18, que teria sido o acordado, pelo que as prestações liquidadas (216 - correspondentes aos 18 anos) não amortizaram o total do empréstimo concedido (porque para tal teria de ter sido liquidadas 300 prestações (25 anos)».

Ou seja, tratar-se-ia de um erro associado ao sistema informático, ou seja, paralelo ao contrato, que teria levado a um cálculo inexacto das prestações em que o pagamento do empréstimo se desdobrava.

Considerou-se, na sentença, que o título dado à execução não reflectia essa versão dos factos apresentada pela exequente, não se verificando o requisito da certeza da sua existência, determinação ou exigibilidade, julgando-se necessário que a situação dos autos tenha que passar pelo crivo de uma acção judicial declarativa. E acrescentou-se:

«De qualquer forma, o agora decidido não implica que se considere extinta a obrigação assumida pela executada, mas apenas que o título dado à execução não suporta os factos invocados pela exequente e que foram os supra descritos - nomeadamente, que os executados deixaram de liquidar a prestação vencida em 15/4/2016, bem como as restantes, e que por essa via considerou vencida toda a dívida.»


Entendeu-se, ainda, não haver razões para condenar o Exequente como litigante de má-fé, como pretendia  a Embargante, pois, face aos factos dados como provados, não se podia concluir que o Exequente tinha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.

O A. procurou, pois, através da acção executiva, estribado na escritura em que se formalizou o contrato,  satisfazer o montante que calculou estar ainda por pagar, face ao valor do crédito concedido.

Conforme é referido na decisão recorrida, estaria o A. em tempo de lançar mão da acção executiva. O problema colocou-se ao nível da insuficiência do título executivo para assegurar o prosseguimento da execução.

Os Recorrentes alegam que o A. não intentou a acção formalmente adequada ao fim pretendido, que seria uma acção de anulabilidade do negócio, por erro. Ora, poderá sempre discutir-se que meio seria o ajustado para uma situação como a presente, mas o que releva aqui é que, com boa fé (não há indícios do contrário e na decisão dos embargos entendeu-se, como se viu, não haver razões para se concluir pela litigância de má-fé da Exequente, assinalando-se, ademais, que a extinção da execução não significava que se considerasse que a obrigação estivesse extinta), o A. instaurou uma execução, com base numa escritura pública, que considerava suficiente para sustentar tal execução, tendo em vista a satisfação do crédito (do que dele, na sua perspectiva, faltava pagar) decorrente do mútuo efectuado.

Evidenciou, assim, numa atitude que é contrária a uma postura de desinteresse ou de inércia, que não abdicava do pagamento do que entendia ainda ser-lhe devido.

No que tange à inadequação da acção anterior para a recuperação do crédito, há que referir que não se trata de um argumento decisivo, já que a jurisprudência citada, no sentido da inexistência de prescrição, radica, por norma, no naufrágio, por esta ou aquela razão, de tal precedente acção e é precisamente dessa frustração que, dada a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, nasce a possibilidade de, com esta causa de pedir, se procurar obter a restituição de um montante que, falhados outros meios, se tem por subsistente.

Não se vê, além disso, que a natureza da acção executiva (com a possibilidade, como aconteceu no caso, de dedução de embargos de executado) constitua obstáculo a que ela possa encaixar-se no figurino definido pela dita jurisprudência (como uma acção anterior susceptível de desencadear o subsequente recurso ao enriquecimento sem causa)  e tanto assim é que os próprios RR. invocaram a existência de caso julgado, que apenas não procedeu, na 1ª instância, por se entender inexistir identidade de causa de pedir, considerando-se preenchidos os requisitos da identidade dos sujeitos e do pedido.

Entende-se, assim, ser de manter o decidido no acórdão recorrido, não se verificando a alegada prescrição, já que, tal como nele se concluiu, seguindo a indicada jurisprudência, o dies a quo do prazo de prescrição de três anos coincidiu, in casu, com o trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de executado, de onde se retira ter sido a presente acção atempadamente intentada.


Improcede a revista.


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Sumário (da responsabilidade do relator)



O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art. 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior acção, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito.



IV


Pelo exposto, nega-se provimento à revista.

- Custas pelos Recorrentes.


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Lisboa, 30-03-2023


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto