Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/11.4TBSRT.C1.S1
Nº Convencional: 7º SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SERVIDÃO PREDIAL
SERVIDÃO DE VISTAS
PRÉDIO DOMINANTE
PRÉDIO SERVIENTE
DIREITO REAL
OBRAS
TERRAÇOS
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 02/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / CONSTRUÇÕS E EDIFICAÇÕES / SERVIDÕES PREDIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1360.º, 1543.º, 1544.º, 1546.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/03/1995, PROC. N.º 087693, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11/12/2001, PROC. N.º 02A1992, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/12/2009, PROC. N.º 39/06.2TCFUN.S1, EM WWW.DGSI.PT,
-DE 08/05/2013, PROC. N.º 2915/06.3TBOAZ.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - As servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente. Têm natureza real e oneram todo o prédio serviente, e não apenas a parte concretamente afectada (arts. 1543.º e 1546.º do CC).

II - O âmbito da servidão – ou seja, a medida do benefício em favor do prédio dominante e da oneração do prédio serviente – define-se pelo respectivo conteúdo, que é variável consoante as “utilidades” assim possibilitadas.

III - Alegado o agravamento de uma servidão de vistas decorrente da realização de obras/alterações nas varandas/terraços que deitam sobre o prédio vizinho, é relevante para concluir pela violação do disposto no art. 1360.º do CC, saber se com as alterações introduzidas no prédio dominante se modificou a servidão de vistas previamente constituída por usucapião, ou melhor, se foram excedidos os limites do direito constituído e se os réus estão ainda a exercer o seu direito “em harmonia com o respectivo título”.

IV - Para tal, o que interessa confrontar é a devassa objectiva que o prédio dos autores sofria e sofre antes e depois das alterações introduzidas pelos réus. Resultando desse confronto que não houve qualquer alteração objectiva das possibilidades subjectivas conferidas pela servidão, não pode proceder o pedido de tapagem ou de destruição das janelas ou do murete, formulado na acção.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção contra CC e mulher, DD, pedindo que os réus, proprietários de um prédio urbano confinante com um outro de que são proprietários, fossem condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o referido prédio, “a retirar a ou as janelas que colocaram no seu terraço/varanda” que, “há cerca de 2 ou 3 anos (…), colocaram em toda a extensão de tal varanda (…), com vidros transparentes, a menos de metro e meio de distância do prédio” de que são proprietários, assim tornando “mais onerosas as vistas sobre” este prédio. Pediram ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização diária de € 5.00, desde 27 de Setembro de 2010 até à retirada da ou das janelas, com juros de mora, por estarem a enriquecer à sua custa, “beneficiando de uma maior utilização do terraço/varanda” e de uma indemnização de € 2.500,00 por danos não patrimoniais, decorrentes da actuação dos réus; finalmente, pedem a condenação dos réus a retirar do seu prédio “as águas pluviais, resultantes das obras” que realizaram e que “canalizaram todas as águas pluviais do seu prédio para o prédio dos autores”.

Os réus contestaram, sustentando a improcedência da acção, pois que sobre o prédio dos réus e em benefício do prédio de que são proprietários “existem e estão constituídas por usucapião servidões de vistas, luz, ar e estelicídio”; que a colocação das janelas não alterou “as condições em que o RR. e arrendatários do seu prédio exerciam as vistas e a devassa sobre o prédio dos AA., conforme servidão de vistas, ar e luz (…), sendo que a alteração ocorreu antes foi no sentido de limitar aquele direito…”; que também se manteve o escorrimento das águas pluviais; que não há qualquer fundamento para os pedidos de indemnização.

Em reconvenção, pediram, para além da declaração do direito de propriedade sobre o seu prédio, que se declare que se encontram constituídas “sobre o prédio” dos autores e favor do seu “servidões de vistas e luz relativamente ao terraço situado no 1º andar” do seu prédio, “servidão de vistas relativamente ao terraço situado no 2º andar do prédio” e “servidão de estelicídio relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado que é cobertura de terraço situado no 1º andar do prédio” dos réus, “para o prédio dos AA:”.

Pediram ainda a condenação dos autores a absterem-se de quaisquer actos que viessem perturbar o exercício destas servidões, nomeadamente obras.

Na réplica, os autores alteraram o pedido e a causa de pedir, passando a pedir ainda a condenação dos réus a “tapar a varanda existente no 1º andar do prédio” dos réus (é a mesma cujas janelas pedem que sejam retiradas), “a tapar o terraço existente no 2º andar do prédio” dos réus, ou, pelo menos, “a demolir o murete nele existente, na parte que confronta directamente com o prédio dos AA.”, repondo a situação anterior à sua construção. Ampliaram ainda o pedido de retirar as águas pluviais e de obras a desfazer, com elas relacionadas, “a demolir a parte do telhado e caleira existente sob a varanda do 1º andar, na parte que invade o espaço aéreo do prédio dos AA.”.

Os réus treplicaram, impugnando os factos alegados na réplica e mantendo a reconvenção.

No despacho saneador, a fls. 224, foram admitidas a reconvenção e a alteração do pedido e elaboradas a lista de factos assentes e a base instrutória.

A sentença de fls. 455 julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção. Em síntese, e recordando que, no caso, os autores se insurgem “contra três diferentes construções existentes no prédio dos réus, reportando-se duas delas a espaços devassadores da privacidade do seu prédio e uma outra a uma alteração do curso das águas em prejuízo do seu prédio”, considerou que:

– se constituiu por usucapião, a favor do prédio dos réus, uma servidão de vistas relativamente à “varanda no 1º andar” e ao “terraço ao nível da cobertura” do mesmo prédio;

– as “modificações efectuadas nas construções já existentes” não agravaram a servidão de vistas, que tem como objecto a possibilidade de o prédio dominante “usufruir livremente de ar e luz” e “não propriamente a devassa do prédio vizinho ou a possibilidade de avistar o que lá se passa, não obstante esse proveito possa acabar por decorrer indirectamente daquela servidão”;

“não existe (…) a favor de quem está onerado (…) qualquer direito de controlo ou fiscalização da fruição das utilidades proporcionadas pela servidão”;

– ficou provada a realização de obras no telhado situado mais a poente do prédio dos réus, mas que não se provou “que essa alteração tivesse como consequência a condução para o prédio dos autores de todas as águas pluviais que caem no prédio dos réus” , que a caleira foi retirada e os tubos de escoamento que estão em discussão estão “desactivados/fechados”, o que de qualquer modo torna inútil o pedido que lhes respeita;

– não tem fundamento, portanto, qualquer pedido de indemnização;

– estão provados os factos necessários à constituição do direito de servidão de vistas e de estilicídio.

Os autores recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo acórdão de fls. 559, confirmou por unanimidade a sentença recorrida.

2. Os autores interpuseram recurso de revista excepcional, com fundamento em contradição de jurisprudência (al. c) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil). O recurso foi admitido.

Nas alegações que apresentaram, formularam conclusões, que delimitam o objecto do recurso (artigo 635º, nº, do Código de Processo Civil). Deixando agora de lado as que se destinaram a justificar a admissibilidade da revista excepcional, transcrevem-se aquelas nas quais se identificam e fundamentam as questões a tratar:

«7 - ASSIM, O Tribunal a quo, salvo o devido respeito – que é, sempre, muito – ao confirmar a sentença recorrida, fez uma errónea interpretação e aplicação dos mais elementares princípios, conceitos jurídicos e das normas jurídicas em vigor, aplicáveis ao caso sub judice, designadamente dos arts. 1565º, 1566º, 1360º, 1362º, 1365º e 483º e ss. todos do Código Civil.

8 - Resulta dos factos dados como provados e não provados que a acção deveria ter sido dada totalmente como procedente, por provada, bem como o pedido reconvencional (para além do reconhecimento dos RR. como proprietários do prédio identificado em 3), dado como improcedente, por não provado.

VEJA-SE:

9 - No que se refere à varanda/terraço do 1º andar do prédio dos RR./ Recorridos, o Tribunal a quo, no seguimento do já entendido pelo Tribunal de primeira instância, confunde varandas com janelas, como se de uma mesma realidade física, arquitectónica e jurídica se tratasse.

10 - Ora, resulta provado, entre outros factos, que por volta de 2009 (sendo que a acção entrou em Juízo em 2011), no local onde havia uma varanda com um comprimento de 7,22 metros e um parapeito com 76 cm de altura, e coberta com um telhado que dista na vertical 1,67 metros desde o parapeito até à parte interior/exterior do mesmo telhado – na parte em que tal construção dos RR. confronta com o prédio dos AA. (factos provados em 40., 41., 43.), foram colocadas pelos RR./recorridos janelas, em toda a extensão da varanda (Facto Provado em 8.).

11 - Essas janelas foram divididas em oito partes contínuas, com vidros
transparentes (factos provados 12., 59.), estando a menos de metro e
meio de distância do prédio dos AA./ recorrentes e a menos de um metro e meio de altura do piso do terraço do prédio dos RR./recorridos (facto provado 13.).

12 - As oito janelas foram colocadas no comprimento da varanda 0,95 metros de largura e 2,25 e 1,65 metros de altura (facto provado em 14.), sendo possível abrir 4 dessas 8 janelas em simultâneo (facto provado 59.).

13 - Assim, desde 2009, que não existe uma varanda/terraço no prédio dos RR., mas sim uma nova divisão coberta e tapada por 8 janelas (vulgarmente designada por marquise).

14 - Os RR. transformaram tal varanda/terraço numa divisão fechada, colocando 8 janelas onde antes existia tal varanda.

(…)

21 - Assim, não existindo desde 2009, no prédio dos RR./recorridos, qualquer realidade física, arquitectónica ou jurídica, que se classifique como varanda/terraço e, sendo que o pedido reconvencional dos RR./recorridos teve por objecto o reconhecimento da servidão de vistas das janelas colocadas onde antes existia uma varanda/terraço, já se vê que devia ter sido revogada a decisão da 1ª Instância em A) – parte final referente à absolvição dos RR; e em B) ii), iii), iv), e também revogado o douto acórdão ora recorrido.

22- A colocação das 8 janelas pelos RR., no local onde antes existia uma varanda/ terraço, consiste num agravamento da servidão de vistas (a existirem), que onera o prédio dos AA. Assim,

23 - O Tribunal a quo deu como provado que:

   - A luz do sol, ao incidir sobre os vidros das janelas referidas no ponto 8, faz com que os mesmos fiquem com efeito espelhado, dificultando quem quer que esteja no logradouro do prédio identificado no ponto 1 de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar. Situação, essa, que se pode agravar com a colocação de cortinas (facto provado 15);

- A colocação das janelas referidas nos pontos 8 e 12 a 14, os réus ou quem quer que habite o prédio identificado no ponto 3 podem, com maior facilidade, estar na varanda a observar, sem serem vistos, o prédio identificado no ponto 1 e quem se encontre no respectivo quintal (facto provado 16);

- Após a colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por parte dos réus ou de quem esteja no prédio identificado no prédio descrito no ponto 3 aumentou (facto provado 17);

- Por causa da colocação das janelas referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio. (facto provado 18).

- A existência das janelas leva a que os autores não se sintam à vontade no seu quintal, por não saberem se alguém está por detrás das janelas. (facto provado 19).

24 -  Ora, de acordo com o entendimento constante do já supra referido Acórdão fundamento proferido pelo TRP, (…)

25 - (…)

26 - Ora, o prédio dos RR/ recorridos, prédio dominante nos presentes autos, é habitado e habitável. Sendo habitado, actualmente, por inquilinos dos R.R./ recorridos.

27 - As oito janelas deitam vistas directamente para o quintal/pátio do prédio dos A.A./ recorrentes.

28 - Com a construção e colocação de tais janelas, os RR. tornaram mais onerosas as vistas sobre o prédio dos AA./ recorrentes.

29 - Os RR./ recorridos ou quem quer que ocupe ou habite no prédio dos RR./ recorridos, podem estar no terraço a observar, sem serem vistos, o prédio dos A.A./ recorrentes e, bem assim, quem se encontre no respectivo quintal/pátio.

30 - O que leva a que os AA./ recorrentes se sintam reprimidos no gozo do seu direito de propriedade – os recorrentes não andam à vontade no seu quintal/pátio- pois inibem-se de tomar determinados comportamentos, correspondentes ao conteúdo do seu direito de propriedade. Pois, não sabem se estão a ser observados ou não, por alguém que esteja por de trás da ou das janelas.

31 - Sendo que, caso tal ou tais janelas não estivessem colocadas, os A.A./ recorrentes teriam a plena percepção se estão ou não a ser observados. (factos provados em 15, 16, 17, 18, 19).

32 - Por outro lado, com a colocação de tal ou tais janelas, a utilização de tal varanda por parte dos R.R./ recorridos ou de quem quer que esteja em tal prédio, e a forma de utilização da mesma, aumentou.

33 - Pois, tais varanda/terraço foi transformada agora numa divisão, que tem ou pode ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva, de vento e de frio.

34 - O que antes de tal obra não sucedia. Pois, quem estivesse na varanda/terraço, estava sujeito às intempéries, que como é público e notório, condicionavam tal utilização.

35 - Quando, antes da colocação das janelas, a varanda/terraço, era um espaço aberto onde entrava a chuva, o frio, o vento e o calor.

36 - Tais janelas, como resulta da prova produzida e, bem assim, do entendimento jurisprudencial retro exposto, tornam mais gravosa a servidão de vistas que incide sobre o prédio dos AA., propiciando maior devassa.

37 - Em termos objectivos, ocorre maior devassa do prédio dos AA., porquanto a obra passa a ter maior utilização (é utilizada independentemente das circunstâncias atmosféricas) e, por outro lado, os ocupantes do prédio serviente (maioritariamente os AA./ recorrente) não conseguem ter a percepção e saber se estão a ser vigiados ou apenas observados quando se encontram no pátio, circunstância que reprime o gozo do seu direito de propriedade, de forma mais grosseira do que quando só existia a varanda/ terraço.

38 - Sendo entendimento jurisprudencial que (…)

(…)

44. Os RR./recorridos, com a colocação de janelas na varanda transformaram a obra existente: passou a existir uma “marquise” no lugar de uma varanda.

45. - Ou seja, o uso dado a tal varanda passou a ser diferente, porquanto a mesma foi transformada numa divisão interior e coberta no prédio dominante, dos RR./ recorridos.

46. – Facto que é, aliás, público e notório, resultando da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de primeira instância, confirmada pelo acórdão recorrido.

Por outro lado,

47 - Com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas dos RR./ recorridos, os mesmos ficam espelhados, impossibilitando quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA. de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar.

48 - Situação, essa, que se pode agravar com a normal colocação de cortinas em tais janelas.

49 - Aliás, o próprio Tribunal de primeira instância chega a espelhar o seguinte entendimento na “ III.2 -Motivação da matéria de facto”:

“(…) resulta das mais elementares regras da experiência que um espaço que tanto permite a entrada de ar e luz, como pode estar fechado e abrigado do frio e da chuva, proporciona uma utilização mais frequente e alargada (…)”

50 - Ora, sendo mais utilizado, implica uma mais devassa do prédio dos
AA./ recorrentes.

51 - Devassa, essa, agravada pelo facto do sol bater nas vidraças das janelas e pela colocação de cortinas, que impossibilitam quem quer que esteja no logradouro do prédio dos AA./recorrentes de saber se existe alguém no prédio dominante, perto dessas janelas, a observar o que se passa no pátio do prédio serviente.

52 - Assim, por um lado, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que uma varanda/ terraço e uma janela são realidades jurídicas iguais, para efeitos de servidão de vistas, tendo rectificado a sentença recorrida, de forma a que conste do ponto B ii). da decisão do Tribunal de primeira instância: “Declaro que se encontra constituída sobre o prédio descrito no ponto 1 dos factos provados e a favor do prédio descrito no ponto 3 uma servidão de vistas relativamente à varanda situada no 1º andar daquele prédio (varanda antes aberta e que, a partir de 2009, foi tapada, em toda a sua extensão- na parte que confina com o prédio referido em 1- com 8 janelas de corre, assentes em calhas de alumínio paralelas, com vidro transparente, apenas sendo possível abrir 4 das 8 janelas em simultâneo, permanecendo as outras 4 fechadas) e também relativamente ao terraço situado no 2º andar do mesmo prédio.”

53 - Pois, o que existe é uma nova divisão com 8 janelas no local onde
antes existia uma varanda/terraço.

54 - Realidades, materiais e jurídicas, distintas (conforme é do entendimento jurisprudencial supra espelhado) que não podem ser equiparadas para efeitos de constituição de servidão de vistas, designadamente na contagem dos prazos de usucapião.

55 - Sendo certo que os RR./ recorridos, pediram a condenação dos AA./ recorrentes, na servidão de vistas dessa nova realidade (janelas) e não da realidade anterior (varanda).

56 - Devendo – mesmo atendendo à matéria de facto dada como provada, em observância com a lei aplicável – ter sido revogada a sentença recorrida, sendo julgado procedente o pedido dos AA./ recorrentes e os RR./ recorridos condenados a tapar a expensas suas a varanda/terraço, ou in minime, serem condenados a retirar a suas expensas as janelas aí colocadas.

57 - Tudo de acordo com os arts. 1360º e 1362º do Código Civil, que foram violados no douto acórdão recorrido.

58 -   Relativamente à varanda/terraço situada na cobertura do prédio
dos RR.,
mais uma vez, no acórdão recorrido o Tribunal a quo, decidiu contra a matéria de facto dada como provada.

59 - O Tribunal de primeira instância deu como provado que:

- Os RR./ recorridos, entre finais e 1998 e 1999, realizaram obras ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3 (facto provado 20).

- Antes de realizarem tais obras no prédio dominante (prédio identificado no ponto 3) na parte poente, era coberto por um telhado com três águas, no qual se localizava uma chaminé e um pequeno terraço (facto provado 21).

- Tal terraço estava ladeado, nos seus limites, com o prédio serviente (identificado no ponto 1) com um pequeno muro e com um varão de metal fixo em pilares de cimento (facto provado 31);

- Com as obras realizadas pelos RR./ recorridos, tal terraço passou a ter, na parte que confronta directamente com o prédio serviente (identificado no ponto 1, propriedade dos AA) um murete com 0,75 metros de altura e uma extensão de 4,40 metros (facto provado 32);

- Tal murete serve de parapeito, permitindo as pessoas debruçarem-se (facto provado 33) e oculta, em parte, as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete (facto provado 34);

60 - Assim, mais uma vez resulta dos factos provados pelo Tribunal de primeira instância, confirmados pelo Tribunal a quo, que o murete construído em tal terraço, onera e agrava o modo como se encontra constituída a servidão de vistas, sobre o prédio dos AA./ recorrentes.

61 - Pois, por um lado, o murete construído em 1998/1999, permite que as pessoas se debrucem sobre o prédio dos AA./ recorrentes, servido de parapeito. Por outro lado, tal murete oculta, em parte, as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete.

62 - Sendo que, por via dessa obra, foi transformado um terraço numa varanda.

63 - Ou seja, numa realidade arquitectónica e jurídica diferente, à semelhança do que os RR. já haviam feito, transformando uma varanda numa marquise.

64 - Pelo que, devia o Tribunal a quo ter revogado a sentença recorrida, ordenado que tal varanda fosse tapada ou in minime, ter ordenado a demolição de tal murete, nos termos do pedido deduzido.

65 - Tudo de acordo com os arts. 1360º e 1362º do Código Civil, que foram violados no douto acórdão recorrido.

66 - Por outro lado, a causa de pedir do pedido reconvencional, reporta-se à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção das 8 janelas.

67 - Ora, provado ficou, que desde meados de 2009, não existe ao nível do 1º andar do prédio dos recorridos, qualquer varanda/terraço. Pois, a mesma foi transformada em divisão (marquise) com a colocação de 8 janelas. (ver fotos de fls. 195). Sucede que, o pedido reconvencional dos recorridos, tem em conta tal nova realidade (as janelas e sua manutenção) existente desde meados de 2009 e não, já se vê, uma varanda/terraço, que já há muito (desde 2009) não existe.

68 - Existindo, contradição entre o pedido reconvencional e a causa de pedir do mesmo, bem como entre os factos provados e a sentença recorrida. Pelo que, mesmo por esse motivo, devia ter sido julgado improcedente tal pedido.

69 - Pois, pede-se a constituição de servidão de vistas de uma varanda, que desde 2009 já não existe.

70 - Assim, o acórdão recorrido mantém o erro de condenar os recorrentes no reconhecimento de numa servidão de vistas de uma varanda que não existe.

71 - Em todo o caso, os RR., nem sequer lograram provar, como retro exposto, os elementos subjectivos – animus – referente à constituição de tal servidão de vistas da varanda sobre o prédio dos AA..

72 - No que toca à varanda existente ao nível da cobertura do prédio dos recorridos, na parte que confronta directamente com o prédio dos recorrentes., resultou provado, que os recorridos., em finais de 1998, 1999, construíram no mesmo um muro/parapeito com 0,75 metros de altura, colocando tal muro/parapeito, num local, onde antes só existia um pequeno murete (de uma fiada de tijolo), pilares e um varão.

73 - Ora, é publico e notório, que um pequeno muro, pilares e varão, ocultam incomensuravelmente menos, que um muro com 0,75 m de altura. Sendo público e notório, e foi provado, que após tais obras, ou seja na situação actual, é possível debruçar-se com mais segurança, por via desse parapeito com 0,75 metros, sobre o prédio dos AA./ recorrentes.

74 - Sendo igualmente público e notório que, antes com o terraço aberto, isto é, só vedado por um varão e pilares, era possível do prédio dos AA./ recorrentes, visualizar se alguém se aproximava desse varão. O que agora é impossível constatar, porquanto de acordo com a resposta da peritagem, e o facto provado 34. “Tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete.”

75 - Pelo que, as vistas sobre o prédio dos recorrentes, e a sua devassa, com tal varanda, tornou-se maior, por via dessa obra, da realidade anterior, referente a um terraço.

76 - Por outro lado, a causa de pedir do pedido reconvencional, reporta-se à situação fáctica, existente à data em que o mesmo foi deduzido (2011), com vista à manutenção de tal terraço tal como se encontrava à data.

77 - Ora, provado ficou, que a situação, actualmente existente, reporta-se a finais de 1998, 1999.

78 - Sucede que, o pedido reconvencional dos recorridos, tem em conta tal nova realidade, varanda com murete/parapeito com 0,75 metros, existente desde finais de 1998, 1999 e não, já se vê, um terraço com as características anteriores a essa data.

79 - Desde finais de 1998, 1999, até a data da acção em juízo, em 2011, nos termos do art. 1362º do Cód. Civil, ainda não decorreu o tempo necessário e bastante para que tal varanda tenha constituída uma servidão de vistas sobre o prédio dos recorrentes

80 - No que concerne à servidão de estilicídio, os RR./recorridos, fundamentaram o seu pedido de servidão de estilicídio, no seguinte facto:“ T. No telhado referido no ponto 49 está colocada uma caleira de recolha e encaminhamento das águas pluviais há mais de 30 anos, protegendo o terraço das águas pluviais e encaminhando-as para um tubo, que as escoa para o logradouro do prédio identificado no ponto 1, o que sempre se manteve até ao presente.”

81 - Tal facto suportava o pedido de servidão de estilicídio que onerava o prédio dos recorrentes, a favor do prédio dos recorridos, referente ao modo de como as águas pluviais escoavam sobre o prédio dos recorrentes.

82 - Sendo que, as mesmas, segundo os RR./ recorridos, escoavam para o prédio dos AA./ recorrentes, conduzidas por uma caleira para um tubo.

83 - Porém, os RR./recorridos, não lograram provar tal facto, tendo o mesmo sido dado como Facto não Provado.

84 - No que se refere à servidão de estilicídio, fixa o art. 1365º do Cód. Civil:“1º O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco centímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evita-lo.”

85 - Assim, não tendo sido dado como provados os elementos constitutivos dessa servidão de estilicídio, não se provando esse modo de alegada servidão invocada pelos recorridos, de como se fazia tal servidão, é manifestamente ilegal o acórdão recorrido, na parte em que reconhece/ confirma a constituição de tal servidão de estilicídio sobre o prédio dos recorrentes, não atendendo a tal modo de escoamento, expressamente alegado pelos recorridos, e que era a causa de pedir e suportava o pedido dos recorridos.

86 - Assim, o acórdão recorrido, ao manter a decisão recorrida, violou, entre outros, o disposto nos arts. 1360º, 1362º, 1365º, todos do Código Civil.

SEM PRESCINDIR,

87 - As condutas ilegais supra expostas, praticadas pelos recorridos, resultaram danos para os recorrentes, que pela sua gravidade, carecem de indemnização.

88 - Efectivamente, em consequência da devassa a que o seu prédio e as suas vidas estão a ser sujeitos desde pelo menos 27/08/2010 (data em que os recorrentes, reclamaram junto dos recorridos, por carta registada – por estes recebida – a retirada das janelas (facto provado 6.), a vida destes – o gozo do direito de propriedade sobre o prédio serviente - é condicionada pela existência de tais janelas e varanda.

89 - Os recorrentes sentem-se observados e incomodados, com a agravante de não saberem se, em concreto, estão ou não a ser observados pois, as janelas (com 7,22 metros de comprimento), e as cortinas nelas colocadas, impedem constatar se alguém e quem os está a observar, permitindo que os recorrentes e demais ocupantes do prédio serviente, sejam observados por quem não é visto. Se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam maior percepção se estavam ou não a ser observados.

90 - Os recorrentes não dão utilização devida ao pátio, pois sentem-se incomodados, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar. Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos recorridos.

91 - Os recorrentes não usufruem do pátio existente no prédio serviente como podiam fazer, sentindo-se coibidos de gozar do mesmo.

92 - Os recorrentes pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto I, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas. Tendo condicionado as obras realizadas em função de tais janelas.

93 - Toda esta situação, já se arrasta há, pelo menos, cinco anos!

94 - Isto enquanto, por via das ilegalidades cometidas, os recorridos
beneficiam de uma maior fruição do seu espaço, do seu prédio, à custa
de uma maior devassa do prédio dos recorrentes. Pois, “
17. Após a
colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por
parte dos réus ou de quem esteja no prédio identificado no prédio
descrito no ponto 3 aumentou. 18. Por causa da colocação das janelas
referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter
utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio
.”

Ora,

95 - Tais danos - sofridos pelos recorrentes, impedem que estes usufruam o seu prédio e a obtenção pelos recorrentes de benefícios com uma maior utilização do espaço, anteriormente destinado a varanda, à custa do direito de propriedade dos recorrentes, bem como dos seus direitos de personalidade- pela sua gravidade carecem de indemnização, nos termos dos arts. 483º e ss. do Código Civil.

96 - Pelo que, deviam ter sido julgados procedentes os pedidos deduzidos em c) e d) da Réplica. Bem como, atendendo a todo o retro exposto, à prova produzida e ao Direito aplicável, deviam todos os pedidos deduzidos da réplica, terem sido julgados procedentes por provados e, assim, todos os pedidos reconvencionais, sido julgados improcedentes por não provados.

97 - Ao ter decidido em contrário, e ao confirmar a sentença recorrida, cometeu o Tribunal a quo, por errónea interpretação da Lei e do Direito ao caso sub judice, nomeadamente dos arts. 1565º, 1566º, 1360º, 1362º, 1365º e 483º e ss. todos do Código Civil que foram violados com a sentença e acórdão recorrido.

98 - Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido e, em consequência, ser proferido acórdão onde se adopte o entendimento constante dos acórdãos fundamento (cujas certidões seguem anexas ao presente recurso) e, bem assim, em conformidade com o supra exposto.»

Os réus contra-alegaram, concluindo desta forma:

« 1 -   Mantendo-se a dimensão das vistas ou o espaço que à frente se pode avistar ou devassar, a luz e ar que se recebem e a possibilidade de as pessoas se debruçarem no peitoril de varanda / terraço do prédio dominante, as obras de colocação de caixilharia de alumínio amovível com janelas de correr em vidro transparente que não alteraram a possibilidade de ver e devassar o prédio serviente, bem como de receber luz e ar. não constituem agravamento ou maior onerosidade da servidão, devendo manter-se a servidão de vistas constituída considerando as obras realizadas.

2 -    Assim, a possibilidade de ver sem ser visto a partir do prédio dos Recorridos para o prédio os Recorrentes já se verificava antes das referidas obras, tanto mais que o tribunal deu como não provado que se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam a percepção se estavam ou não a ser observados.

3 -    Mesmo sem a caixilharia e vidros de correr era possível, querendo, observar deforma oculta o prédio dos autores que se situa a um nível inferior, bastando para tanto procurar o ângulo certo, ou colocar-se atrás da roupa estendida, o que é notório nas fotografias que da mesma constam nos autos.

4 -    As obras efetuadas no terraço do segundo andar do prédio dos Recorridos, de alteração de murete com varão metálico, para muro com 0,75 mts não alteraram o objeto e conteúdo da servidão de vistas, nem a tornam mais onerosa, mantendo-se a possibilidade de as pessoas se debruçarem no muro terraço, como antes o faziam no murete com varão e assim a possibilidade de ver e devassar, bem como, de receber luz e ar à custa do prédio dos Recorrentes, em benefício do prédios dos Recorridos.

5 -   Assim é desde há mais de 30 anos e assim continua, quanto às servidões constituídas, que se mantêm, mesmo após a colocação de caixilharia de alumínio e vidro transparente, no primeiro andar e alteração do murete no terraço do 2º andar, o que basta para que se provem os requisitos da aquisição do direito de servidão de vistas pelos Recorridos em benefício do seu prédio à custa do prédio dos Recorrentes.

6 -    Os requisitos do corpus e animus da aquisição da servidão de vistas por usucapião bastam-se com a prova, como sucede nos autos, de que a varanda / terraço coberto no primeiro andar e o terraço no segundo andar existem no prédio dominante, desde há mais de 30 anos, independentemente do seu uso, o que resultou provado nos autos.

7 -    O mesmo se diz para a servidão estilicídio, existindo o telhado há mais de 30 anos no prédio dos Recorridos, que é a cobertura da varanda do Io andar, tem inclinação para o exterior da parede sul sobre o prédio dos Recorrentes, onde as águas escorreram sempre livremente para o prédio dos Recorrentes desde há mais de 30 anos.

(..)

21 -    Sem prescindir, cautelarmente, invoca-se por seu turno, por se tratarem, aqui sim, de factos IDÊNTICOS aos dos presentes autos, da mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, o Douto Acórdão do STJ, de 10/12/2009 (…)

(…)

22 -    E ainda o Douto Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-03-2015 (…)

23 -     Ora, quanto à servidão de vistas, a lei no artigo 1360° do Código Civil estipula que: (…)

24 -    O artigo 1362° do Código Civil prescreve que: (…)

25 -     O Prof. Abílio Neto em Código Civil anotado 1997, 11a edição, art.° 1362° página 941, Anot. 2, refere que "O que importa para a constituição desta servidão ê a existência de obras e não a utilização (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 19'67,154".

26 -    E em Anot. 3, "Adquirida a servidão pode ser mantida em caso de demolição e subsequente reconstrução desde que a abertura e obras não excedam as medidas originárias e mantenham a mesma localização, salvo quanto à distância entre os prédios que pode ser maior" Henrique Mesquita, Direitos Reais,1967, 154".

27 -    Ainda em CÓDIGO CIVIL ANOTADO - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Vol. III, 2a EDIÇÃO, Coimbra Editora, 1984, Anotação ao artigo 1360° do Código Civil, pág. 214 -nota 6 : "O artigo 2325° do Código Civil de 1867, referia-se não só às portas e janelas, como às varandas e eirados: o novo texto (n° 2) refere-se ainda aos terraços e às obras semelhantes, que podem ser mirantes, sacadas, balcões, etc.

28 -    E em página 215: "Começam somente os prejuízos a ser atendíveis ser existir um parapeito, porque neste caso, como numa janela a pessoa pode debruçar-se, ocupando parcialmente o prédio alheio e arremessar com facilidade objetos para dentro deste. (...) Basta que do parapeito duma janela ou dum terraço, a pessoa se debruce numa atitude natural, ou estenda um braço para que haja violação da propriedade alheia, e ê isso o que importa evitar" (..) Não pode porém esquecer-se ... que é exigido um Parapeito (...). Ele deve ter as dimensões suficientes para que possa servir de apoio à pessoa, para que esta possa debruçar-se, apoiando-se nele, sobre o terreno vizinho".

29 - E Anotação ao artigo 1362°, n° 1, do Código Civil, página 219; "a designação de servidão de vistas não é impecável, e já se tem prestado a equívocos. O objecto da restrição não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, da janela, da varanda, do terraço, do eirado ou de obra semelhante, que deite sobre o prédio nas condições previstas no artigo 1360°. Não se exerce a servidão com o facto de se disputarem as vistas, mas mantendo-se a obra em condições de poder ver e devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida"'(...).

30 - Assim, seguindo este entendimento, da matéria de facto provada resultam reunidos os pressupostos para que tais servidões sejam reconhecidas como o foram na sentença de primeira instância e no Acórdão recorrido, nos exatos termos por este decididos.

31 - As obras concretizadas pelos Recorridos, quer ao nível do primeiro andar, quer no terraço do segundo andar, não constituíram qualquer mudança no conteúdo das servidões de vistas e de estilicídio, não estamos perante uma MUDANÇA / MODIFICAÇÃO DA SERVIDÃO, as aberturas e o telhado mantêm-se imutáveis desde há mais de 30 anos.

32 - A DEVASSA sobre o prédio serviente até diminuiu por existir menos espaço de devassa no parapeito da varanda/ terraço no primeiro andar para que as pessoas se possam debruçar

33 - De nada releva que do prédio dominante se possa ver sem ser visto como os Recorrentes expandem na sua argumentação e conclusões, quando isso sempre sucedeu e tal possibilidade se manteve inalterada não se traduzindo num maior encargo para o prédio serviente.

54 - Até porque o conteúdo da servidão de vistas e o seu exercício, se bem entendem os Recorridos, não tem que ver com a possibilidade de ver sem ser visto, nem é limitado por existir essa possibilidade.

35 - No caso dos autos estamos perante dois prédios pertencentes a proprietários diferentes proporcionando um deles um benefício ao outro (art.° 1543° do C.C.), não só a possibilidade de devassa de entrada de luz e ar mas também de disfrutar das vistas.

36 - Para que a mesma se constitua basta a existência de quaisquer das obras referidas no artigo 1362° n° 1 do CC, pelo tempo necessário à aquisição das mesmas pelo decurso do tempo, por usucapião, o que sucede no caso concreto como resulta dos factos provados.

31 - As servidões aparentes (art.° 154-8°, n° 2 a contrario do CC) adquirem-se com a posse mantida durante o lapso de tempo previsto na lei, no caso, há mais de 30 anos.

38 - Perante a matéria de facto provada estão reunidos os pressupostos, para que ambas as instâncias reconhecessem, como reconheceram, a existência de tais servidões de vistas e de estilicídio, por usucapião.

39 - Dos factos provados resulta não ter ocorrido qualquer mudança de servidão; a colocação da caixilharia na varanda constitui até um menor prejuízo para o prédio serviente / onerado, haja em vista a redução da dimensão / extensão / largura do peitoril em que é possível alguém debruçar-se, sendo que a varanda primeiro andar e o terraço do segundo andar mantiveram as medidas respetivas desde há mais de 30 anos.

40 - Não se verifica ter existido qualquer ampliação abusiva do conteúdo da servidão, nem foram executadas inovações que afetem o conteúdo, a extensão e a modalidade da servidão -Vide Mário Tavareda Lobo — Mudança e Alteração de Servidão - pgs. 23 e ss. Coimbra Editora, 1984.

41 - Ver sem ser visto, ou a maior ou menor dificuldade nisso, não faz parte do conteúdo da servidão de vistas, pelo que, a colocação da caixilharia de alumínio e janelas vidro na varanda, com manutenção do local e das medidas da varanda, não se traduz na mudança de janela ou sacada de um sítio para outro da parede de uma casa, ou de abertura de janela em parede pre-existente, foi-o em cumprimento do disposto no artigo 1565°, n°s 1 e 2 do CC, sendo inovações permitidas ao proprietário do prédio dominante no uso de uma faculdade, que não tornaram mais onerosas as servidões de vistas.

42 - O espaço do prédio em frente não se alarga, nem se encurta, com a colocação da caixilharia com janelas, nem estas permitem incidir sobre áreas diferentes do prédio serviente, mantém-se pois o conteúdo da servidão, o mesmo sucedeu com as obras executadas no terraço no segundo andar.

43 - Quanto á servidão de estilicídio a favor o telhado da varanda do primeiro andar igualmente, tal resulta da matéria de facto provada, da posse mantida há mais de 30 anos, tratando-se também de servidão aparente e usucapível, conforme o disposto o art.° 1365°, n° 2 do CC.

44 - Ao decidir-se pelo reconhecimento da existência de tais servidões, o Acórdão Recorrido não violou qualquer norma jurídica das invocadas em sede de Recurso nem qualquer das supra referidas, tendo procedido à correta aplicação do Direito à matéria de facto provada.

45 - Fundamentalmente, não existindo identidade de factos entre os Acórdãos fundamento e o Acórdão recorrido, nem os mesmos se contradizendo sobre a mesma questão fundamental de Direito no domínio da mesma legislação, deverá ser negado provimento ao Recurso por inobservância do disposto em artigo 672, n° 1 al. c) e n° 2 do CPC.

Termos em que,

e nos melhores de Direito, com o suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao Recurso de Revista Excecional mantendo-se a decisão recorrida».


3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

« 1. O direito de propriedade do prédio urbano, composto por casa de habitação e quintal anexo, sito na Rua …, n.º …, da freguesia de Cernache do Bonjardim, concelho da Sertã, inscrito sob o artigo 4364-P, descrito sob o nº 3863/…, encontra-se inscrito a favor de AA e BB, através da Ap. 1165, de 2010.07.20 (1).

2. Em 20 de Julho de 2010, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, AA e BB declararam comprar a EE, o qual declarou comprar, o prédio referido no ponto 1, sendo este o seu anterior dono e possuidor (2).

3. O direito de propriedade do prédio urbano, sito na Rua …, da freguesia de Cernache do Bonjardim, concelho da Sertã, inscrito sob o artigo 14…, descrito sob o nº 993/…, encontra-se inscrito a favor de CC e DD, através da Ap. 3 de 1998.09.16 (3).

4. Os réus, por si e antepossuidores, vêm agindo sobre o prédio identificado no ponto 3 como seus donos e legítimos possuidores desde há pelo menos 30 anos, fazendo obras de ampliação, conservação e melhoramento, pintando paredes, substituindo portas e janelas, reparando os telhados, substituindo canalização de água e instalação eléctrica, pagando as contribuições pelo mesmo devidas, dando o mesmo de arrendamento a terceiros, para comércio e habitação onde estes exercem actividades lucrativas, onde dormem, confeccionam e tomam as refeições, recebem amigos e familiares e aceitam a correspondência, pagando em contrapartida aos réus as correspondentes rendas, que assim as recebem e fazem suas, a título de rendimento (35).

5. Os réus têm ainda ali mantido e guardado móveis, roupas utensílios e outros bens, designadamente nos espaços daquele prédio urbano não arrendados, praticando todos os demais actos afectos à utilização de um prédio com a natureza do apontado (36).

6. Todos os actos acima referidos foram praticados pelos réus e antepossuidores durante mais de 30 anos, de forma continuada, mantendo-se ao presente, sem interrupção temporal, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sempre convictos do exercício de um direito próprio e absoluto, o de propriedade, e de não lesarem direitos de terceiros (37).

7. O prédio identificado no ponto 3 é habitável e habitado por inquilinos dos réus (5).

8. O prédio referido no ponto 1 confronta do lado norte/nordeste com o prédio referido no ponto 3 (9).

9. O prédio referido no ponto 3 confronta com o prédio referido no ponto 1 pelos seus lados sul e poente (38).

10. No prédio referido no ponto 3, ao nível do primeiro andar, existe um terraço com varanda que deita vistas directamente para o prédio referido no ponto 1 (4).

11. A varanda referida no ponto 4 (agora 10) tem 7,22 metros de comprimento, encontrando-se coberta por placas de acrílico, que se situam, relativamente ao piso da varanda, a 2,45 metros de altura na parte mais baixa e 2,88 metros na parte mais alta (10).

12. O compartimento referido no ponto 4 (10 na actual numeração) não tinha qualquer janela na parte que confronta com o prédio referido no ponto 1 (11).

13. A varanda identificada no ponto 4 (10 na actual numeração) está ali implantada há mais de 30 anos, desde que aquele imóvel foi construído (39).

14. Esta varanda está delimitada por todos os lados por paredes e pelo próprio corpo do imóvel, com excepção do lado sul/poente, na parte aí confinante com o prédio identificado no ponto 1, onde aquele terraço é vedado em toda extensão por um murete em alvenaria de tijolo e reboco pintado, com 76 cm de altura, fazendo um parapeito com cerca de 23 cm de largura/espessura (40).

15. Este terraço/varanda encontra-se há mais de 30 anos coberto com telhado em telha acrílica, apoiada em estrutura de ferro chumbada à parede, que dista na vertical 1,67 cm desde o parapeito até à parte inferior/exterior do mesmo telhado (41).

16. No interior do prédio identificado no ponto 3, esse telhado dista 2,45 cm desde o piso da divisória que no local configura o dito terraço/varanda até ao plano superior desse telhado (42).

17. Desde a face interior do murete dotado de parapeito, ao nível do piso, até à parte mais recuada da varanda para o interior do prédio identificado no ponto 3 distam 2,10 metros, sendo a largura da varanda ao longo do seu parapeito no comprimento total de cerca de 7,22 metros (43).

18. Desde a face superior do parapeito pelo exterior da varanda até ao solo do prédio identificado no ponto 1, que no local configura área descoberta ou logradouro, distam 4,70 metros, em altura (44).

19. Deste terraço/varanda, durante mais de 30 anos, os réus e antepossuidores, por si ou à sua ordem e nome, puderam receber e usufruir de luz e ar no seu prédio, particularmente na parte habitacional daquele situada no primeiro andar, da qual faz parte aquele terraço/varanda e ao qual acedem pelo interior daquele fogo (45).

20. Durante mais de 30 anos sempre ali acederam pessoas, assomando-se no respectivo balcão/varanda, com vistas directamente para o prédio identificado no ponto 1 e para área deste não coberta, sem qualquer distância intermédia, desfrutando das vistas para esse prédio, observando daí a paisagem, o ambiente, o clima, etc., sem que para esse lado, designadamente no prédio identificado no ponto 1, existisse algum obstáculo que o impedisse (46).

21. Nessa varanda os réus e antepossuidores colocaram estendal em corda para secagem de roupas, o que fizeram quer no exterior do mesmo, quer no seu interior, entretanto coberto para o mesmo fim nos períodos de chuva (47).

22. Durante mais de 30 anos os réus e antepossuidores, por si só ou em seu nome, puderam olhar e observar as redondezas, recebendo luz e ar naquele imóvel e expor-se ao sol naquele local (48).

23. Nunca o prédio identificado no ponto 1 ali foi vedado ou tapado (49).

24. Os réus e antepossuidores agiram nos termos descritos nos pontos 45 a 48 (19 a 22 na actual numeração) na convicção de estarem a exercer um direito próprio e legítimo, o de servidão de vistas, sempre de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os autores e antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, fazendo-o de forma contínua e sem interrupção temporal, durante mais de 30 anos (50).

25. No terraço identificado no ponto 4 (10 na actual numeração), os réus colocaram, em toda a extensão da varanda, janelas (8).

26. As janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração) foram colocadas por volta do ano de 2009, sendo divididas em seis partes contínuas, com vidros transparentes (12).

27. Com o conhecimento dos antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, os réus, por volta do ano de 2009, colocaram na varanda situada ao nível do primeiro andar, entre o parapeito e o telhado em acrílico, uma caixilharia de alumínio branco, também amovível, que está recuada da face exterior do parapeito existente para o interior do prédio identificada no ponto 3 cerca de 11cms (58).

28. Ali colocaram 8 janelas de correr, assentes em calhas de alumínio paralelas, com vidro transparente, que permitem a continuação, para além das vistas, da entrada de luz e ar para o prédio identificado no ponto 3, apenas sendo possível abrir 4 das 8 janelas em simultâneo, permanecendo as outras 4 fechadas (59).

29. O vidro das janelas é transparente (60).

30. Tais janelas estão localizadas a menos de um metro e meio de distância do prédio identificado no ponto 1 e a menos de um metro e meio de altura do piso do terraço do prédio identificado no ponto 3 (13).

31. Cada uma das janelas colocadas no comprimento da varanda tem 0,95 metros de largura e 2,45 e 1,65 metros de altura (14).

32. Com a luz do sol ao incidir sobre os vidros das janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração), os mesmos ficam com efeito espelhado, dificultando quem quer que esteja no logradouro do prédio identificado no ponto 1 de saber se alguém no interior dessas janelas os está a observar, situação essa que se pode agravar com a colocação de cortinas (15).

33. Com a colocação das janelas referidas nos pontos 8 e 12 a 14 (25, 26, 30 e 31 na actual numeração), os réus ou quem quer que habite o prédio identificado no ponto 3 podem, com maior facilidade, estar na varanda a observar, sem serem vistos, o prédio identificado no ponto 1 e quem se encontre no respectivo quintal (16).

34. Após a colocação das janelas, a forma ou modo de utilização da varanda por parte dos réus ou de quem esteja no prédio identificado no prédio descrito no ponto 3 aumentou (17).

35. Por causa da colocação das janelas referidas, tal varanda, com cerca de 15,00 m2, passou a poder ter utilização permanente, mesmo em tempo de chuva e frio (18).

36. Os réus já utilizavam tal espaço quando chovia (61).

37. As janelas referidas no ponto 8 (25 na actual numeração) já estavam colocadas aquando da aquisição do prédio identificado no ponto 1 pelos autores (63).

38. A existência das janelas leva a que os autores não se sintam à vontade no seu quintal, por não saberem se alguém está por detrás das janelas (19).

39. Os réus, entre finais de 1998 e 1999, realizaram obras ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3 (20).

40. Antes dos réus realizarem tais obras, o prédio identificado no ponto 3, composto por 2 pisos na parte poente, era coberto por um telhado com três águas, no qual se localizava uma chaminé e um pequeno terraço (21).

41. Tal telhado, na sua parte norte, deitava águas sobre o prédio localizado a norte daquele, enquanto na parte poente e sul, deitava águas sobre o terraço (22).

42. Do lado nascente, o prédio identificado no ponto 3 tem três pisos (23).

43. O telhado do lado nascente era e é composto por duas águas, tendo uma parte voltada para poente, na qual as águas vertiam sobre o telhado referido nos pontos 21 e 22 (40 e 41 na actual numeração) (telhado de três águas) (24).

44. Ao verter sobre aquele telhado, as águas eram divididas, correndo parte delas para o prédio localizado a norte do prédio identificado no ponto 3 e outra parte para o terraço (25).

45. Por sua vez, as águas que caiam sobre esse terraço escorriam, numa parte, para o logradouro do prédio identificado no ponto 3 localizado a poente de tal terraço e noutra parte para o telhado de telha de acrílico que cobre a varanda referida no ponto 4 (10 na actual numeração), daí escorrendo para o prédio identificado no ponto 1 (26).

46. O telhado referido no ponto 41 (15 na actual numeração) tem vertente ou inclinação para sul, prolongando-se para o exterior da parede sul, sobre o prédio identificado no ponto 1 em toda a sua extensão, em cerca de 15 cm (51).

47. Durante mais de 30 anos os réus e antepossuidores mantiveram ali aquele telhado, escoando livremente as águas, sem qualquer obstáculo ou desvio, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo o de servidão de estilicídio, em benefício do prédio identificado no ponto 3 e à custa do prédio referido no ponto 1 (52).

48. Tais actos foram sempre praticados de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os antepossuidores do prédio identificado no ponto 1, de forma contínua e sem interrupção temporal, mantendo-se ao presente (53).

49. Entre finais de 1998 e 1999, os réus demoliram uma chaminé e o telhado que existia na parte poente do prédio identificado no ponto 3, construindo um telhado, com cerca de 10 metros, só com uma água, inclinado para o terraço daquele prédio, deitando sobre este as suas águas (27).

50. Ao nível do terraço situado no último piso do prédio descrito em 3, estão colocados cinco tubos (28).

51. Os réus, ao realizarem obras ao nível da cobertura do seu prédio, alteraram a mesma, na parte que confronta mais a poente com o prédio identificado no ponto 1 (29).

52. Anteriormente, ao nível da cobertura do prédio identificado no ponto 3 existia um terraço (30).

53. Tal terraço estava ladeado, nos seus limites, com o prédio identificado no ponto 1 com um pequeno muro e com um varão de metal fixo em pilares de cimento (31).

54. Com as obras realizadas pelos réus, tal terraço passou a ter, na parte que confronta directamente com o prédio identificado no ponto 1, um murete com 0,75 metros de altura e uma extensão de 4,40 metros (32).

55. Tal murete serve de parapeito, permitindo as pessoas debruçarem-se (33).

56. Tal murete oculta em parte as pessoas que se encontram nesse terraço, só sendo visíveis quando estejam junto a esse murete (34).

57. O prédio identificado no ponto 3, ao nível do segundo andar e águas furtadas, desde há mais de 30 anos tem também aí implantado terraço descoberto, com o comprimento de 4,40 metros no lado confinante com o prédio identificado no ponto 1, sem qualquer intervalo entre ambos (54).

58. Tal terraço encontra-se ladeado e delimitado naquela confinação, ou seja a sul, por murete com parapeito, com altura de 75 cm, onde os réus, arrendatários e antepossuidores, desde sempre se assomam, o que lhes permite ver o prédio identificado no ponto 1, designadamente, no enfiamento, a área deste ultimo imóvel que no local também é descoberta (55).

59. Desde sempre que os réus e antepossuidores ali se expõem à luz solar, desfrutando das vistas, olhando e observando as redondezas, sem nenhum obstáculo que se lhe opusesse ou oponha (56).

60. Durante mais de 30 anos que os réus, seus antepossuidores e arrendatários daquele imóvel puderam desfrutar, sem interrupção no tempo, das referidas vistas por intermédio daquele terraço descoberto no segundo andar, na convicção de exercer um direito próprio e legítimo, o de servidão de vistas, sempre o fazendo de forma pacífica e pública, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, incluindo os autores e antepossuidores do prédio identificado no ponto 1 (57).

61. Aquando da aquisição do prédio identificado no ponto 1, os autores eram conhecedores dos factos referidos em 45 a 50 e 52 a 59 (19 a 24, 47, 48, 57 a 60, 27 e 28 na actual numeração) - (62).

62. Os autores remeteram aos réus a carta datada de 17.08.2010, que se mostra junta a fls. 28, cujo teor se dá por reproduzido, que a recepcionaram a 27.08.2010, pedindo que sejam retiradas as janelas situadas a menos de um metro e meio do prédio identificado no ponto 1, o que os réus recusaram a fazer (6).

63. A 9.8.1999, os réus deram entrada, na Câmara Municipal da Sertã, de pedido de licenciamento para realizar pintura ou limpeza exterior e reparação e/ou limpeza do telhado, sendo concedida tal licença para aquele fim, tendo inclusive sido objecto de prorrogação até 11/9/1999, dando-se por reproduzido o demais teor de fls. 92 a 95 (7).»


E consideraram-se como não provados os seguintes factos:

A) Se as janelas não estivessem colocadas, os autores teriam percepção se estavam ou não a ser observados.

B) Os autores não dão utilização ao pátio, estando sempre a olhar para as janelas a fim de tentar ver se alguém os está a observar.

C) Os autores sentem-se tristes e revoltados com a conduta dos réus,

D) Os autores não usufruem do prédio identificado como podiam fazer, sentindo-se coibidos de estar no pátio do prédio identificado no ponto 1 e de o ajardinar convenientemente.

E) Os autores pretendem fazer obras de reconstrução do prédio identificado no ponto 1, estando a extensão de tais obras condicionada à retirada das janelas.

F) Em virtude da colocação das janelas referidas no ponto 8 o valor locativo do prédio identificado no ponto 3 aumentou.

G) Há 2 ou 3 anos, os réus canalizaram todas as águas pluviais do prédio identificado no ponto 3 para o prédio identificado no ponto 1.

H) Antes das obras referidas no ponto 25, tal telhado tinha um comprimento de cerca de 7 metros.

I) Ao nível do telhado da parte do prédio que se localiza a nascente, por via da colocação de uma caleira e de um tubo, por parte dos réus, todas as águas de tal telhado são conduzidas para o terraço do prédio identificado no ponto 3.

J) Desse terraço escorre grande parte dessas águas pluviais para o telheiro existente sobre a varanda do prédio identificado no ponto 3 e deste para o prédio identificado no ponto 1 em virtude do tubo existente para escoamento de águas pluviais para o logradouro do prédio identificado no ponto 3 não ser suficiente para escoar todas essas águas.

K) Três dos tubos referidos no ponto 27 têm cerca de 10 cm de diâmetro cada um e fazem a descarga da água dos telhados e do terraço existente por cima do 1.º piso para o telheiro existente sobre a varanda do 1.º piso, escorrendo, por sua vez, por tal telheiro, as águas pluviais, para o prédio identificado no ponto 1.

L) Antes de tais obras existiam só dois tubos de escoamento de tais águas pluviais do terraço que cobre o 1.º piso, no máximo com 3 cm de diâmetro.

M) Anteriormente, o terraço/varanda identificado no ponto 4 não tinha qualquer telhado ou telheiro.

N) Foram os anteriores proprietários do prédio identificado no ponto 3 que colocaram um telhado/telheiro a cobrir tal terraço.

O) Face às relações de boa vizinhança, solicitaram autorização aos anteriores proprietários do prédio identificado no ponto 1 para que fosse colocada uma caleira sobre tal telheiro, naquele prédio, bem como para que parte desse telhado invadisse tal prédio, ao que os então proprietários do referido prédio acederam, face às relações de boa vizinhança, com o compromisso de parte dos então proprietários do prédio identificado no ponto 3 retirarem tal telhado e caleira, na parte que invadia o prédio identificado no ponto 1 quando tal fosse solicitado.

P) Tal autorização foi igualmente pedida e concedida aos antigos proprietários do prédio quando pretenderam construir a varanda existente no prédio identificado no ponto 3, com o compromisso, por parte dos então proprietários desse prédio taparem tal varanda, quando lhes fosse exigido.

Q) O terraço referido no ponto 45 foi construído com a autorização dos antigos proprietários do prédio identificado no ponto 1 na condição de ser fechado com parede superior a 1,80 m de altura, quando os proprietários daquele prédio assim o pretendessem.

R) O muro referido em 29, que ladeava o terraço, não tinha mais que 20 cm de altura.

S) Antes das obras referidas no ponto 31, os factos descritos nos pontos 33 e 34 não se verificavam.

T) No telhado referido no ponto 49 está colocada uma caleira de recolha e encaminhamento das águas pluviais há mais de 30 anos, protegendo o terraço das águas pluviais e encaminhando-as para um tubo, que as escoa para o logradouro do prédio identificado no ponto 1, o que sempre se manteve desde então ao presente.

U) As janelas referidas no ponto 57 e 58 permitem sempre que quem está no prédio identificado no ponto 1 possa ver quem está na varanda do 1º andar do prédio identificado no ponto 3.


4. Por decisão de 13 de Dezembro de 2016, foram habilitadas como sucessoras de CC, entretanto falecido, DD, FF e GG.


5. As questões que estão em causa neste recurso – admitido e, portanto, devendo ser apreciadas todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações, por não se tratar de um caso de cumulação de pedidos verdadeiramente diferenciados – são as seguintes:

– Saber se a colocação das janelas na “varanda /terraço” do 1º andar do prédio dos réus (utilizando a terminologia dos autores) corresponde a um agravamento da servidão de vistas que onera o prédio dos autores e, portanto, se é ilícita, pois viola o seu direito de propriedade; em caso afirmativo, se deve proceder o pedido de as demolir ou de tapar a varanda;

– Saber ainda se essa modificação da varanda/terraço implica a improcedência do pedido reconvencional, quanto a este ponto;

– Saber se a construção do murete na “varanda/terraço” situado na cobertura do prédio dos réus” (alegações, fls. 626) também corresponde a um agravamento da servidão de vistas correspondente, devendo os réus ser condenados a tapar a varanda/terraço ou a demolir o murete;

– Saber também se essa modificação conduz à improcedência do pedido reconvencional na parte correspondente;

– Saber se deve proceder o pedido reconvencional, no que respeita à servidão de estelicídio;

– Saber se devem ou não proceder os pedidos de indemnização formulados pelos autores.


6. Tratar-se-ão em conjunto os dois primeiros pontos, por estar em causa fundamentalmente a mesma questão do hipotético alargamento ilícito de servidões de vista que oneram o prédio dos autores em benefício do prédio dos réus.

Como este Supremo Tribunal tem repetidamente recordado – cfr. apenas a título de exemplo, o acórdão de 8 de Maio de 2013, “Como se sabe e o artigo 1543º do Código Civil define, as servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente. Têm natureza real e oneram todo o prédio serviente, e não apenas a parte concretamente afectada (artigo 1546º do Código Civil). Possibilitam o aproveitamento de determinadas utilidades do prédio serviente, variáveis consoante o respectivo conteúdo, e implicam as correspondentes restrições para o (qualquer) titular do prédio dominante, que fica impedido de praticar actos que prejudiquem aquele aproveitamento (nº 1 do artigo 1568º do Código Civil; cfr. acórdão de 2 Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 08B3995)”.

O âmbito da servidão – ou seja, deste benefício em favor do prédio dominante e oneração do prédio serviente – define-se pelo respectivo conteúdo, que é variável consoante as “utilidades” assim possibilitadas (artigo 1544º do Código Civil); sendo certo que, tratando-se de uma servidão constituída por usucapião, como as instâncias entenderam e não está em discussão neste recurso, no que toca à configuração do prédio dos réus anterior às alterações em causa neste recurso, cumpre determinar, em cada caso, qual é o âmbito concreto de cada servidão em função das utilidades de que o prédio dominante beneficiou à custa do prédio serviente, relativamente às quais se verificam os requisitos de aquisição do direito de servidão predial por usucapião.

Vem assente que essas utilidades, no que respeita aos pontos que agora relevam, permitem concluir pela existência de servidões de vistas, nos termos do disposto no artigo 1362º do Código Civil; com efeito, mantiveram-se durante o tempo necessário e nas condições exigidas para a aquisição desta servidão por usucapião as varandas/terraços do 1º andar e da cobertura do prédio dos réus, que deitam sobre o prédio dos autores, sem respeitar o intervalo mínimo constante do artigo 1360º do Código Civil.

Não releva, pelo menos por enquanto, determinar se estamos perante terraços ou varandas (cfr. nº 2 do citado artigo 1360º).

A questão colocadas pelos autores, que alegam agravamento das servidões – ou seja, violação do disposto no artigo 1360º do Código Civil decorrentes da colocação de janelas na varanda/terraço do 1º andar e do murete no da cobertura – traduz-se, portanto, em saber se, com estas alterações, se modificaram as servidões de vistas constituídas por usucapião ou, dito de forma mais correcta, se foram excedidos os limites do direito de servidão de vistas constituído em favor do prédio dos réus. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, em anotação ao artigo 1362º, pág. 218 e segs.), saber se, ao procederem à colocação das janelas e do murete, os proprietários do prédio dominante estão ainda a exercer o seu direito “em harmonia com o respectivo título” (pág. 220).

E a resposta resulta da consideração do significado das servidões prediais enquanto benefício de um prédio à custa de outro; concretamente, de averiguar se o aumento das possibilidades subjectivas de uma concreta utilização de uma servidão de vistas, eventualmente resultante de obras/alterações nas varandas/terraços que deitam sobre o prédio vizinho, é relevante para concluir pela violação do disposto no artigo 1360º do Código Civil, sabendo-se que esses terraços/varandas se encontram a menos de 1,5m do prédio serviente. Fala-se em possibilidades subjectivas, ou seja, possibilidades de utilização dos terraços/varandas pelos réus – sem serem vistos pelos autores ou com mais frequência, por exemplo, ou em maiores condições de segurança, quanto ao da cobertura – porque são dessa natureza as possibilidades invocadas pelos autores.

Ambas as instâncias concluíram que não. E, independentemente de saber se a colocação de janelas, das quais só metade podem estar abertas simultaneamente, por se tratar de janelas de correr, diminui ou não a possibilidade de devassa do prédio dos autores, a verdade é que o que interessa confrontar é a devassa objectiva que o prédio dos autores sofria e sofre, objectivamente, antes e depois da colocação das janelas. E desse confronto decorre que não se alterou e que, portanto, que não pode proceder o pedido de tapagem ou de destruição das janelas, ou de tapagem ou de destruição do murete.

Como recordam, por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, vol. III cit, lo. Cit.), “O objecto da restrição” correspondente à servidão de vistas “não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, da janela, da varanda, do terraço, do eirado ou de obra semelhante, que deite sobre o prédio nas condições previstas no artigo 1360º. Não se exerce a servidão com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida. Por isso, pelo que respeita à sua extinção pelo não uso, é aplicável o disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 1570º” que se refere às servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem”. “O que importa, para a constituição da servidão” de vistas por usucapião, escreve Manuel Henrique Mesquita (Direitos Reais, Coimbra, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, pág.154, nota (1)), “é a existência das obras e não a sua efectiva utilização pelo proprietário, pois se trata de uma servidão contínua que, como tal, se exerce independentemente de facto do homem”. Nesta mesma linha, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1995, www.dgsi.pt, proc. nº 087693, “A constituição da servidão por usucapião é independente de o seu proprietário ter ou não gozado as vistas que por meio delas pode disfrutar.”


7. Ora, no caso, não está em causa um aumento da abertura do terraço/varanda do 1º andar; e sabe-se que o murete veio substituir um varão de metal apoiado em pilares de cimento que já existiam.

Estas afirmações estão naturalmente de acordo com o objectivo das limitações impostas aos proprietários de prédios vizinhos pelo citado artigo 1360º do Código Civil, traduzidas na exigência de uma distância mínima para as construções e edificações ali previstas, e que a servidão afasta, na respectiva medida: “evitar que sobre os prédios vizinhos se façam despejos e, sobretudo, que sejam devassados com a vista” (Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, pág.149)

Num caso semelhante ao da varanda/terraço do 1º andar – colocação de janelas num alpendre, construído a distância inferior à legal, e relativamente ao qual se verificara a constituição de uma servidão de vistas por usucapião –, este Supremo Tribunal, considerando o objecto da servidão – “a servidão de vista não se exerce com o facto de se desfrutarem as vistas sobre um prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho” –, entendeu que o facto de o proprietário do prédio dominante ter fechado o alpendre não impediu que continuasse a manter-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio dos réus. Ou seja, «com a construção da “marquise” não houve qualquer alteração substancial das condições em que a autora exercia a devassa sobre esse prédio. Pelo que não se podia iniciar qualquer novo prazo de usucapião.» (acórdão de 10 de Dezembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 39/06.2TCFUN.S)1.

Já não se podem considerar semelhantes, nem a hipótese sobre a qual versou o acórdão de 11-12-2001, proc. nº 02A1992, citado pelos recorrentes, pois se tratava da construção de uma janela onde anteriormente existia um portal: “De facto, a abertura da janela aqui em causa importa maior onerosidade para o prédio serviente porque se reporta linearmente a uma servidão de vistas (a janela é para ver, receber luz e ar), ao passo que um portal não se refere a vistas, ar e luz, mas a passagem. “, nem o caso a que se refere o acórdão de 29 de Novembro de 1994, também citado: “A servidão resultante da existência de uma janela é diferente e mais onerosa do que a resultante da existência de um terraço”.


Improcede, assim o recurso dos autores, na parte em que pretendem, quer a procedência dos seus pedidos relativos aos terraços/varandas do 1º e da cobertura do prédio dos réus, quer a improcedência da reconvenção, no que lhes dizem respeito.

No contexto desta acção, não tem relevo saber se persiste um terraço/varanda ou se passou a existir uma nova divisão da casa dos réus; ou se persiste, na cobertura, um terraço ou se, em 1998/99 passou a existir uma varanda, como os recorrentes sustentam.

E improcedem igualmente os pedidos de indemnização, por terem como pressuposto que as alterações introduzidas excedem os limites do direito de servidão de vistas.


8. No que respeita à servidão de estelicídio, reitera-se inteiramente a que se diz no acórdão recorrido. A referência à caleira não é decisiva para identificar o pedido reconvencional de reconhecimento da titularidade do direito de servidão de estelicídio. Essencial, sim, é a identificação das “águas pluviais que tombam e escorrem do telhado que é cobertura de terraço situado no 1º andar do prédio dos réus”


Nada há pois a acrescentar quanto à procedência do pedido dos réus, quanto a este aspecto.


9. Assim, nega-se provimento ao recurso.


Custas pelos recorrentes.


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego