Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18955/16.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: PAPEL COMERCIAL
REQUISITOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
VALORES MOBILIÁRIOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
FORMA ESCRITA
Data do Acordão: 12/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. O papel comercial é um instrumento financeiro considerado de baixo risco por poder “ser transacionado pelos seus titulares em qualquer momento sem perda significativa do respectivo valor”

II. Não tendo ficado provado que o banco intermediário conhecesse as dificuldades financeiras do emitente do papel comercial, não se pode concluir que o risco não era baixo;

III. Também não se pode concluir pela violação dos deveres de informação se a autora, que foi informada, por escrito, dos riscos do papel comercial, não fez prova de que havia outros riscos, designadamente, do risco inerente a dificuldades financeiras do emitente daquele papel.”

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA, intentou, em 22.7.2016, o presente processo comum de declaração contra o BEST - Banco Electrónico de Serviço Total, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde 28.7.2014 até integral e efectivo pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que em 22.1.2014 o Réu adquiriu para a Autora papel comercial emitido pela Rio Forte Investments, no valor de €100.000,00, com maturidade a 28.7. 2014, produto que acabou por subscrever, por ter sido aliciada pelos agentes do Réu pelo montante da taxa de juro de 4,10%, agindo estes em contradição com as instruções que lhes havia dado no sentido de que só deveriam ser realizadas aplicações sem risco e até 10% do seu património financeiro que à época totalizava €150.000,00. Alega, por fim, a Autora que na data em que o Banco Réu colocou os títulos "tóxicos" a débito na sua conta tinha de saber que a emitente Rio Forte não podia honrar, como não honrou, o reembolso na data da maturidade contratual (28.7.2014), pois nessa mesma data introduziu em juízo, no Luxemburgo, um pedido de protecção de credores, que não foi aceite, sendo a falência da R..., S.A. declarada em 8.12.2014.

Concluiu pela responsabilidade do Banco Réu, por violação dos seus deveres enquanto intermediário financeiro, por ser de presumir que procurou (e conseguiu) afectar a procura de determinados produtos financeiros que tinham como emitentes empresas do Grupo Espírito Santo (doravante "GES") que tinha uma participação social, ainda que minoritária, no capital social do Banco Réu.

O Réu contestou, por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a prescrição da responsabilidade alegada pela Autora, nos termos do n° 2 do art.° 324° n.° 2 do CVM, dizendo que a mesma tem natureza contratual e decorre da sua actuação como intermediário financeiro na subscrição do papel comercial aqui em causa, que esta subscrição teve lugar a 22.1.2014 e a presente acção só deu entrada a 22.7.2016, sendo que entre uma e outra das datas decorreram mais de 2 anos e que, se por hipótese, houvesse alguma responsabilidade imputável ao Réu nestes autos, nunca lhe poderia ser atribuído nenhum outro grau de culpa que não a simples negligência.

Por impugnação alegou que o papel comercial foi disponibilizado na modalidade de "oferta particular de subscrição" pela R..., S.A., que o Réu se limitou a executar a ordem e subscrição dada pela Autora, que não é parte no contrato de subscrição do papel comercial pelo que não está vinculado aos deveres do emitente. A Autora já havia efectuado investimentos em produtos alternativos de risco elevado, o Réu foi contactado pela Autora com o intuito de lhe serem apresentadas soluções de investimento de curto prazo e taxa fixa, uma vez que se encontrava prestes a concluir um investimento imobiliário. Foram apresentados diversos produtos e a Autora optou pelo papel comercial da R..., S.A., em que já havia feito investimentos junto do BES. Alegou, a rematar, que o Réu não assumiu qualquer obrigação de reembolso do papel comercial da R..., S.A., não sabia, nem tinha como saber, nem tinha obrigação de saber, se os documentos relativos às contas do emitente tinham, ou não, sido adulterados.

A Autora respondeu à matéria de excepção, argumentando que os autos revelam culpa grave por parte do Banco Réu, que conhecia a "toxicidade" do papel comercial da R..., S.A. e, além disso, que o prazo prescricional é superior invocando o disposto no art. 498° n° 3 do CC e que o ilícito emergente do "default" contratual só foi conhecido e verificado na maturidade do crédito, em 28.7.2014.

Em 15.7.2017 (cfr. fls. 167 a 169), a autora apresentou articulado superveniente, articulado esse que fez acompanhar do documento junto de fls. 170 a 185, denominado "Consulta prévia sobre a intenção de adesão à solução para a mitigação das perdas sofridas por investidores não qualificados em virtude da aquisição de papel comercial (...) emitido pela R..., S.A. (...) e subscrito junto do BEST (...)"...”, pedido que seja reconhecido o efeito confessório de tal documento.

Porém, no despacho saneador, o juiz considerou que “o alegado pela A. não traduz uma declaração de vontade da Ré que tenha como substrato a confissão, total ou parcial do pedido", e concluiu "que uma vez que os factos alegados estão controvertidos e uma vez que a Ré coloca em causa o valor do documento ora junto enquanto meio de prova /confissão, o valor probatório do documento junto só pode ser objecto de apreciação na sentença (...)". Assim, relegou para conhecimento na sentença final a decisão sobre os efeitos confessórios da alegada proposta de transacção e mitigação dos prejuízos causados pelo GES aos Investidores Não Qualificados.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que relegou para final o conhecimento da excepção de prescrição, fixou o objecto do litígio, consignou os factos assentes por acordo ou prova documental e enunciou os temas da prova, tendo havido reclamação por parte da Autora, que foi indeferida.

Realizou-se a audiência de julgamento.

De entre as vicissitudes processuais que marcaram o julgamento, destaca-se a confissão da Autora, quando do seu depoimento prestado na sessão de 12.9.2018, relativamente à matéria dos pontos 7.° ["Em Janeiro de 2014, de acordo com o solicitado, foram apresentados à Autora diversos investimentos, designadamente SGC, Obrigações BES LDN 2019 e o papel comercial da R..., S.A."] e 8.° ["Foi a Autora quem, tendo analisado os produtos apresentados, optou pelo papel comercial da R..., S.A., tendo então transferido o valor em causa da sua no BES para o Réu para efeitos de subscrição do papel comercial aqui em causa"] dos Temas da Prova, confissão que foi reduzida a escrito (assentada), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 466°, n° 3, 2a parte e 463°, n° 1, ambos do CPC.

Foi também oferecido articulado superveniente com vista a que fosse levado aos temas de prova saber se “ o Banco Best pactuou com a R..., S.A. e o Banco ESI um pacto de parceria para a aquisição da série 39 do papel comercial por oferta particular de subscrição ao abrigo do Programa de Papel Comercial de 19 de Setembro de 2013 em euros da R..., S.A., em conformidade com a Ficha Técnica cuja cópia se acha junto aos autos como doc. nº 3, junto com a PI, em conflito de interesses”, previsto e punido pelo disposto nos arts. 85º, 86º, 201º, 211º I) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras”.

Porém, o juiz, em audiência de julgamento, considerou que não se mostravam alegados quaisquer factos que configurassem o nexo de causalidade entre um eventual conflito de interesses e a subscrição pela A. do papel comercial da R..., S.A. e o eventual prejuízo sofrido pela autora. Como assim, não admitiu o articulado superveniente.

Deste despacho interpôs recurso a autora, recurso que foi rejeitado, confirmado pela Relação em 17.1.2019.

Posteriormente, em 12.11.2018 (fls. 465 a 478), foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e absolveu o Reu do pedido.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora para a Relação, mas sem sucesso.

Na verdade, depois de terem identificado como questões a decidir - l.a - Da rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 2.a - Na improcedência da questão prévia: Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;3.a - Da nulidade da sentença recorrida, por não se ter pronunciado sobre a excepção de prescrição do alegado direito da Autora invocada pelo Banco Réu; 4.a - Da nulidade de sentença recorrida, por não se ter pronunciado "sobre os efeitos confessórios da proposta junta aos autos a fls. 170, de transacção e mitigação dos prejuízos causados pelo GES aos Investidores Não Qualificados"; 5.a - Saber se a sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente- os Juízes da Relação acordaram em : a) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Por

Por sua vez, o relator formulou o seguinte sumário:

“- A responsabilidade do intermediário financeiro prescreve no prazo de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima (art.° 324. °, n.° 2, do CVM); no caso de dolo ou culpa grave do intermediário financeiro o prazo prescricional é de 20 anos (art.° 309. ° do Cód. Civil).

- No caso dos autos, não tendo a autora logrado provar factos que permitam afirmar ter havido uma específica recomendação de investimento, conselho ou sugestão, elementos fundamentais para a criação de uma base de confiança do cliente, antes resultando demonstrado que foi a autora, quem, confrontada com outras soluções de investimento de baixo risco, optou pela subscrição do papel comercial em causa, não se encontra justificada a responsabilidade do Banco réu, como intermediário financeiro.”

Novamente inconformada com o acórdão da Relação, dele recorreu a autora, agora de revista excepcional, para o Supremo, revista admitida pela Formação, rematando a respectiva alegação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. A Autora, ora Recorrente, intentou a presente acção contra o Réu, ora Recorrido, pedindo que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal contados a partir da data do contrato, ou seja, 28.07.2014. e vincendos até integral pagamento.

2. O processo seguiu os seus trâmites, foi feito o julgamento, tendo sido proferida sentença que absolveu o Recorrido do pedido.

3. Apelou a Recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o
mesmo mantido a decisão recorrida nos seguintes termos:

"Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em a) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto; b) julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida".

4. A Recorrente não se conforma com a fundamentação relativa às seguintes questões que foram apreciadas e decididas no Acórdão de que ora recorre:

Da decisão sobre a matéria de facto;

Da proposta de transacção e mitigação dos prejuízos causados pelo GES aos Investidores Não Qualificados;

Do erro de julgamento.

5. Tendo em consideração que, no caso em apreço, se verifica a dupla conforme, devido à conformidade das decisões com fundamentação não divergente, e que estão em causa interesses de particular relevância social, deverá ser admitido o presente Recurso de revista excepcional, nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 672. ° do Código de Processo Civil.

6. Quanto à verificação de interesses de particular relevância social, importa referir que "o pressuposto de admissibilidade da revista excecional previsto no art. 672. °, n. ° 1, al. b), do CPC, exige que as questões em discussão extravasem os interesses das partes ou o inerente obiecto do processo, despertando a atenção de relevantes camadas da população"- Cfr. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal da Justiça, no dia 14-12-2016, no âmbito do processo n.° 1321/04.9TBPTLG2.S1, disponível em http://www.dasi.pt/jsti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83f32579060dlb22802581d9003575af?OpenDocument.

7. In casu, o Banco ora Recorrido inseriu-se no denominado Grupo Espírito Santo, tendo sido amplamente debatida a actividade de colocação de produtos emitidos por terceiros, por actos dolosos de gestão ruinosa, praticados em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores, a prestação de falsas informações ao Banco de Portugal e a violação das regras sobre conflitos de interesses...

8. Factores como (i) os inúmeros processos judiciais referentes ao Universo Espírito Santo, (ii) a constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, (iii) a constituição do Grupo de trabalhos composto pelo Governo de Portugal, o Banco de Portugal, a CMVM, o BES, e a associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial e agora mais recentemente (iv) a constituição de uma Comissão de Peritos Independente são demonstrativos da relevância social desde tema, ou seja, a subscrição de papel comercial da ESI e da R..., S.A..

9. Em sede de alegações, foram enumeradas algumas decisões referentes a processos de contraordenação da CMVM e do Banco de Portugal, que concluíram:

(i) Que um dos Arguidos prestou "aos seus clientes informação não completa e não clara relativamente a um instrumento financeiro por estes detidos". - Cfr. Processo de Contra-ordenação da CMVM n.°34/2015, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/Comunicados/ContraordenacoesECrimes ContraOMercado/Documents/cord%2034 2015.pdf

(ii) Pela prática de actos dolosos de gestão ruinosa, em detrimento de depositantes, investidores e demais credores, praticados pelos membros dos órgãos sociais, pela prestação de falsas informações ao Banco de Portugal e violação das normas sobre conflito de interesses - Cfr. processo de contraordenação n.° 58/14/CO disponível em https://www.bportuqal.pt/sites/default/files/anexos/processo no 58-14-co.pdf:

(iii) Pela violação de terminações específicas impostas pelo Banco de Portugal, e prestação de falsas informações ao Banco de Portugal Cfr. processo n.° 214/16/CO, disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/processo no 214-16-co.pdf

10. Deverá ainda ter-se em linha de conta que o Governo efetuou variadas recomendações referentes ao Grupo Espírito Santo, através da Resolução da Assembleia da República n.° 44/2018, de 19 de janeiro de 2018, tendo proposto adopção de um mecanismo diferente, célere e ágil com o desígnio de reduzir as perdas sofridas pelos lesados não qualificados das sucursais exteriores do BES, não abrangidos pelo Fundo de Recuperação de Créditos já criado para os lesados do papel comercial.

11 Ora, resulta claro e evidente a relevância social que este tema tem tido da sociedade portuguesa, ao ponto de o Governo comprometer-se a preparar um mecanismo extrajudicial que avaliasse situações concretas de práticas ilícitas quanto à comercialização de títulos de dívida emitidos ou comercializados pelo BES.

12. E em termos de comunicação social, este tema foi mediatizado, com centenas de notícias publicadas e difundidas por todos os meios de comunicação, entre as quais se destacou as notícias disponíveis nos sítios https://observador.pt/2018/06/20/lesados-do-bes-banif-e-pt-fazem-disparar acoes-contra-o-requlador-da-bolsa/e https://zap.aeiou.pt/thread/crise-do-bes.

13. Face ao supra exposto, é por demais evidente a relevância alargada e que interessa a toda a sociedade em geral e que tem feito parte do debate político, com grande projecção social e mediática e tem suscitado continuamente ampla intervenção das instâncias judiciárias em sede civil e criminal e contra-ordenacional.

14. Por fim, cumpre apenas salientar que a relevância social desta questão, vulgarmente e amplamente conhecida como os "Lesados do BES" tem tido colhimento jurisprudencial: A questão conhecida como 'lesados do BB" envolve milhares de pessoas e não conhece solução jurídica clara, implicando considerações sobre novas práticas financeiras, como a resolução bancária, e aconselhando a uma reiterada prolação de decisões judiciais, em consequência do que deve ser admitida a revista excepcional com fundamento no disposto no art. 672. °, n. ° 1, ais. a) e
b) do CPC." -
Cfr. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça,
no dia 27-10-2016, no âmbito do processo n.° 382/15.0T8VRL.G1.S1, disponível em
http://www.dasi.pt/isti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ee3alc502a25e239802581d700558d80?OpenDocument.

15. Relativamente à matéria de facto, a Recorrente considera que os factos dados como Não Provados 3.3.1, 3.3.2, 3.3.3 e 3.3.4 deveriam ter sido dados como Provados.

16. Designadamente, no que ao ponto 3.3.1 diz respeito, não foi valorado o depoimento de parte prestado pelo Dr. BB, o qual impunha decisão diversa, em conformidade com a prova gravada, no referido depoimento de parte (cujas declarações constam no CD com início às 00:00: e fim da gravação às 00:22:05, registada em ata de 21.06.2018, tendo o depoente declarado aos 00:04:30 a 00:10:55 o seguinte, destacando-se em especial a seguinte resposta:

"(. -) Advogado

O Banco BEST pediu ao Banco Espírito Santo Investimentos a transmissão de títulos para o Banco colocar a favor da cliente. Foi este o caminho crítico da aquisição?

BB

Sim.

17. Acresce que, a produção de prova referente aos Pontos 3.1.2 e 3.1.3, bem como a confissão da Recorrente estão a ser incorrectamente valorados, porquanto não evidenciam de forma alguma que o Recorrido não adquiriu o pape comercial R..., S.A.. Antes pelo contrário!

18.Todavia, está a ser vedada à Recorrente um processo justo e equitativo.

19. Conforme infra se demonstrou em alegações e remetendo para a parte final das presentes conclusões (Pontos 50 e seguintes), os temas de prova, conforme foram enunciados, não são idóneos a produzir prova adequada para a boa decisão da causa.

20. Quanto ao ponto 3.3.2., deveria ter sido correctamente valorado o depoimento prestado pela Autora, ora Recorrente, que foi credível e revelador dos montantes em causa.

21. É no mínimo esdrúxula a referência de que nenhuma prova foi produzida no sentido de demonstrar tais factos relativos aos pontos 3.3.3 e 3.3.4.

22. Relativamente à proposta de transacção e mitigação dos prejuízos causados pelo GES, importa frisar que à data do despacho Saneador proferido nos autos - 26 de Abril de 2018 - já existia Pública e Notoriamente conhecimento do Resultado do Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos Principais Grupos Bancários Nacionais (ETRICC2) que teve como referência as contas bancárias do Banco Espírito Santo, S.A., Banco colocador solidariamente com o Banco R. em 30 de Setembro de 2013.

23. 0 Tribunal estava obrigado a saber o que à data era divulgado pelo Banco de Portugal, vide o sítio https://www.bportuqal.pt/sites/default/files/intervpub20141117-2b.pdf, Informação essa que constitui facto Público Notório desde o dia 17 de Novembro de 2014.

24. Pelo que, teria que ter reconhecido que após as medidas administrativas do Banco de Portugal, o Sistema Bancário não podia consentir, nem colocar, nem intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao Universo ESFG! Nem fazer participar o BES numa operação de colocação de uma obrigação, que se encontrou maliciosamente epigrafada como (para oferta particular de subscrição) em 19 de Setembro de 2013.

25.A Recorrente veio revelar a Juízo e com data de 2 de Maio de 2017 ter recebido uma proposta de transacção, emitida por um grupo de trabalho dos Lesados do BES - IMOPC (Investidores não qualificados titulares do Papel Comercial do Grupo Espírito Santo) com a indicação de que continha um formulário de resposta que deveria ser devolvido até às 15 horas do dia 26 de Maio de 2017 - Doe. que juntou e consta dos Autos a fls. 170.

26. Mais alegou que o documento era conceptualizado no interesse do Banco BEST - Banco Electrónico de Serviço Total, SA (BEST) ora Recorrido e que a natureza e os efeitos de tal documento deveriam ser apreciados no despacho saneador como proposta de transacção.

27. Que tal documento tinha natureza confessória, por conter pública e notoriamente a aceitação do Banco BEST à transacção proposta, o que também não oferecia qualquer dúvida, porquanto a não ter essa anuência, teria o Banco ora Recorrido providenciado pela sua pública exclusão da sua indicação especificada como beneficiário da pretensa mitigação dos efeitos danosos de um incumprimento. Mitigação que só beneficia o Banco Recorrido, e não a Recorrente, caso a mesma viesse a aderir à transacção proposta e que sendo esta materialidade Pública e Notoriamente difundida e divulgada em toda a comunicação social assumia relevância jurídica que levaria a que necessariamente fosse reconhecido nos presentes Autos o seu efeito confessório.

28. Podia e devia o Despacho Saneador, face à prova documental carreada para os Autos pela Recorrente a fls. 170 a fls. 180 dos Autos, e face às publicações normativas asseguradas pelo Banco de Portugal, verificar o efeito útil das medidas de mitigação administrativa dos prejuízos causados pelo Grupo ESFG, no qual está incluído o Banco Recorrido, que aceitou as providências administrativas do reembolso parcial dos créditos, aos defraudados.

29. Com a exoneração do Dr. CC, da ...do Banco Recorrido em conformidade com a injunção das deliberações do Banco de Portugal e da certidão de matricula junta aos Autos, que comprova a data da sua exoneração, podia o Tribunal "a quo" emitir um juízo de presunção judiciária de culpa, acerca da conduta do Banco Recorrido que sem ter sido abrangido pela Resolução Bancária se locupletou à custa do depósito da Recorrente, colocando no mercado, mediante um acordo que o Tribunal impediu de ver apreendido, para ser conhecido nos presentes autos como adiante se referirá, um titulo tóxico - papel comercial da R..., S.A., - emissão n° 30 -, violando as disposições de Ring Fencing do Banco de Portugal publicamente divulgadas e que vinculavam todas as instituições Bancárias da ESFG, violando o Regulamento (CE) n.° 2238/04 de 29 de Dezembro de 2004, e violando o Art.° 6o do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de Outubro, porquanto o Banco R. vem indicar também como colocador, o Banco Espirito Santo, S.A. - vide fls. 92 dos Autos.

30. Por fim, relativamente ao erro de julgamento, importava saber quais as normas Legais do Regime Jurídico do Papel Comercial que vigoravam ao tempo da colocação no mercado da série 30 de papel comercial da R..., S.A..

31. Porquanto à data de 22 de Janeiro de 2014 - data em que o Banco Recorrido foi ao mercado adquirir títulos de emissão Rio Forte, constantes da ficha técnica como série 30, Doe n° 3, junto com a petição inicial, para os colocar na conta de depósito irregular à ordem n° ...07, de que a Recorrente era titular -, vigorava o disposto no Decreto-Lei n° 69/2004 de 25 de Março, cuja versão originária no Diário da República, primeira série - A n°72 de 25 de Março de 2004, em base de papel se junta como anexo à presente alegação, para simplicidade de leitura.

32. Sucede que, a Recorrente não tem quaisquer outros meios processuais para indagar e obter resposta, com segurança, se existiu ou não existiu garantia autónoma, exigível por lei, ao tempo da emissão e colocação no mercado.

33. Acresce que a Ficha Técnica Serie 30, junta a fls. 34 não é suficiente para reconhecer as relações contratuais existentes entre o Banco BEST, o Banco ESI, e a R..., S.A.. No referido decreto-lei constava o disposto no Art. 5a que veio a ser revogado pelo DL 29/2014 de 25 de Fevereiro.

34. Na emissão "série 30" de papel comercial da R..., S.A. impunha-se cumprir como requisito de emissão:

"Obter a favor dos detentores garantia autónoma à primeira interpelação que assegure o cumprimento das obrigações de pagamento decorrentes da emissão ou do programa a que se refere o n°l do Art. 7o".

35. Na ordem jurídica portuguesa, não existe providência processual com tipicidade e que seja adequada à semelhança do que existe no direito luxemburguês o "Refere Probatoire" que permite ao requerente da providência solicitar medidas judiciais adequadas, invocando convicção, com dúvida, sobre os testemunhos de facto, causa de pedir do direito a que se arroga. A Recorrente requereu, mediante requerimento constante de fls. 399 e 400 dos autos, a junção aos Autos do contrato celebrado entre o BEST a ESI e a R..., S.A., o qual foi indeferido, sob o pretexto de ser irrelevante irrelevantes para a boa decisão da causa.

36. Ora, pelo contrário, a omissão de divulgação de tal contrato ao mercado, significa sonegação relevante de informação para a legalidade da emissão e colocação no mercado da série 30 deste papel comercial e constitui grave violação ao disposto no n°l do Art. 379 do Código dos valores Mobiliários.

37. No Processo Civil Português, existe uma prevalência da apreensão da prova e presunção judiciária dos factos públicos e notórios.

38. Pelo que, e no caso concreto, a apreensão do documento solicitado pela ali Autora e aqui Recorrente, destinado a provar o acordo celebrado entre dois Bancos do Universo BES não compreendidos na Resolução Bancária do Banco Espírito Santo propriamente dito, em data para a qual, a operação celebrada em prejuízo da Recorrente já se encontrava proibida, é essencial para caracterizar, a medida do dever de indemnização do Recorrido face à Recorrente.

39. Ademais, a revelada parceria constitui um pacto doloso, perpetrado em conflito de interesses, previsto e punido pelo Art. 85 n° 2 alínea 3 e 86 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras constituindo ilícito especialmente grave conforme se prevê na alínea i) do Art. 211 do mesmo diploma sendo punível com coima até € 200.000,00 e podendo o Banco BEST ser responsabilizado em conformidade com o disposto no Art. 202 do mesmo Diploma Legal, Decreto-Lei n° 298/92 e modificações posteriormente introduzidas no diploma legal.

41. O Banco Recorrido responde por via da responsabilidade aquiliana, infidelidade e defraudação.

42. Nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 290.° do Código do Mercado de Valores Mobiliários, o Recorrido está vinculado a fornecer parecer ou opinião emergente da sua actividade de consultoria de investimento satisfazendo o efectivo interesse da cliente, designadamente no que se refere ao cumprimento dos preceitos legais e regulamentares com especial relevância quanto à qualidade da informação transmitida.

43. Ora, o Recorrido encontrava-se especialmente vinculado a esclarecer a Recorrente quanto a conflito de interesses internos, porquanto o título que adquiriu no mercado para o colocar na conta de DO da Recorrente, pertencia ao universo de interesses coincidentes e em conflito entre a emitente R..., S.A., Banco BEST e Banco ESI. Isto é ao conglomerado financeiro, que já se encontrava em derrocada financeira.

44. Constitui facto público e notório, que não carece de prova nem de alegação e é do conhecimento oficioso - Art. 412 do Código de Processo Civil - a existência do conglomerado financeiro formado pelo Grupo GES, envolvendo a R..., S.A., o Banco BEST e o Banco ESI.

45. Ora, ao tempo da emissão e colocação do título tóxico na conta D.O. da Recorrente., era-lhes vedado, aos Bancos intervenientes na operação, apreciar a própria operação e decidir sobre ela, mas muito mais era-lhes vedado prestar a garantia bancária autónoma à primeira solicitação, que teria de ser prestada por terceira entidade financeira, externa à operação.

46.Se o Tribunal tivesse ordenado a apreensão da prova requerida pela Recorrente e indeferida pelo Tribunal, nestes autos estava feita a prova, sobre se foi ou não pactuado na parceria, a prestação de garantia, quem interveio no pacto, ou se não houve garantia, caso em que o Banco Recorrido tem de sofrer penalização contra-ordenacional muito grave.

47. No caso dos autos, foi feita uma interpretada errada das normas dos Arts. 85 e 86 do RGICSF, sendo vedado às duas instituições financeiras, intervenientes na operação de colocação de papel comercial da R..., S.A. série 30, a assumpção de todo e qualquer tipo de obrigação emergente da emissão, incluindo a prestação de garantias, em virtude da existência de conflitos de interesses, atenta a Relação de Grupo que existia entre as três entidades.

48. Mais, o Tribunal interpretou também erradamente o conflito de interesses existente que emerge da incompatibilidade que existe entre a obrigação de informar com verdade e transparência, indicando as que designadamente emergem da natureza grupai societária do produto financeiro que é oferecido, isto é, indicando designadamente ao investidor não qualificado a existência de um possível conflito de interesse externo.

49. Em múltiplos outros casos acusados pela CMVM, factos públicos e notórios, em que estava em causa venda de papel comercial da R..., S.A., aos clientes do Banco BES, o que a entidade de Supervisão concluiu, na acusação foi que os clientes do Banco e investidores em papel comercial da "holding" R..., S.A. do antigo grupo Espírito Santo tiveram acesso a informação que "não era verdadeira, não era completa, não era actual e não era licita."

50. Retomando o já referido no ponto 19 das conclusões, os temas da prova, da forma como foram enunciados, não permitem uma defesa justa e equitativa, estando o presente processo, por conseguinte, viciado de uma nulidade, a qual deverá ser reconhecida pelos Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

51. Circunstância esta que tem condicionado os factos dados como provados e não provados, mas essencialmente, e mais gravoso, condiciona toda a argumentação jurídica, toda a subsunção do direito ao caso concreto.

52. 0 Tribunal "a quo" descontextualiza e valora erradamente os factos 3.2.2, 3.2.3 e 3.2.4 dados como provados.

53. Ficou indubitavelmente demonstrado que o Recorrido não prestou à Recorrente informação completa, verdadeira nem actual.

54. Não pode este Tribunal ignorar que no dia 22.01.2014, a operação celebrada em prejuízo da Recorrente já se encontrava proibida, em virtude das medidas administrativas do Banco de Portugal. O Sistema Bancário não podia consentir, nem colocar, nem intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao Universo ESFG.

55. Não pode este Tribunal ignorar que o título que foi adquirido para colocar na conta de DO da Recorrente pertencia ao universo de interesses coincidentes e em conflito entre a emitente RIO FORTE, Banco BEST e Banco ESI.

56. Não pode este Tribunal ignorar que o conglomerado financeiro já se encontrava em derrocada financeira, o Recorrido sabia, e a Recorrente não foi informada do conflito de interesses existente

57. Acresce que a informação não era clara, porquanto a Recorrente não compreendeu as especificidades do instrumento financeiro que lhe foi proposto, e o Recorrido não se dignou a esclarecê-la durante o processo de decisão de investimento, descurando e ignorado a menção de 0% de risco solicitada pela mesma.

58. 0 Recorrido induziu a Recorrente em erro e a informação prestada não era lícita, porquanto o Recorrido violou os deveres de informação a que estava adstrito.

59. A tudo isto acresce que o Tribunal julga erradamente e fundamenta contra a Verdade emergente da documentação da Prova, omitindo pronunciar-se sobre o valor do documento cuja autenticidade não foi impugnada pelo Banco Recorrido (fls. 37 e 153) dos Autos, em que a Recorrente ao escrever à mão o 0% indicando não querer adquirir obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados entre outros.

60. Resta apenas sublinhar que a Recorrente não teria de forma alguma aceitado subscrever o produto comercial em causa, caso tivesse sido verdadeiramente esclarecida do eventual conflito de interesses e de como seria feito o reembolso. Decorrida a data da respectiva maturidade, sem que tenha existido qualquer reembolso do montante subscrito, nasceu a obrigação do Recorrido em indemnizar a Recorrente.

61. Veja-se Acórdão proferido por este Tribunal no dia 19-03-2019, no âmbito do processo n.° 3922/16.3T8VIS.C2.S1,disponívelemhttp://www.dqsi.pt/isti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d6fb34b40aa8f296802583c2005e8el6?OpenDocument f/// - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscrever o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respetiva maturidade nem depois, é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor. IV - Esse prejuízo corresponde ao montante investido, acrescido de juros de mora").

62.Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, em conformidade com o peticionado em sede de petição inicial.”

Pede, a final, que o recorrido indemnize a recorrente, em conformidade com o peticionado na petição inicial, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da entrada em juízo da acção.

O recorrido contra-alegou, requerendo a ampliação do seu recurso, ao abrigo do art. 636º, nº 1 do CPC.

Cumpre decidir.

Considerando as conclusões formulada pela recorrente e o requerimento de ampliação do âmbito do recurso, o objecto da revista assenta nas seguintes questões:

a) Impugnação da matéria de facto considerada não provada pela Relação por alegada violação de regras de direito probatório material;

b) Alegada violação do regime jurídico do papel comercial previsto no Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março;

c) Apreciação da responsabilidade do Banco réu, enquanto intermediário financeiro, perante a autora investidora, pelo pagamento do capital investido por esta última em papel comercial, com base na violação dos deveres de informação legalmente impostos ao intermediário financeiro;

d) Subsidiariamente, em caso de procedência da argumentação da recorrente, importa apreciar a verificação da excepção de prescrição invocada pelo Banco recorrido.

As instâncias deram como provados e não provados os seguintes factos:

«3.1. No despacho saneador consideraram-se não carecidos de prova, por estarem provados por documento ou por acordo e assim se mantêm, os seguintes factos:

3.1.1.A A. era e ainda é titular da conta bancária de depósitos à ordem n.° ...07 junto do Best.

3.1.2. A 22.01.2014. a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 32-33 com o logotipo "Best Bank" denominado "Papel Comercial - Compra/Anulação n.° conta DO ...07" cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

3.1.3. No referido instrumento consta:

- "Detalhe de ordens: X compra / € 100.000,00 / Emitente R..., S.A./ taxa fixa de 4,100% / Maturidade data: 28.07.2014. "

(...)

-" INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em papel comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento do rendimento bem como o retorno do capital investido na sua totalidade, estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista especifica) á capacidade da entidade e/ou garante dispor dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito com a entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. Em particular, cada potencial investidor em papel comercial deverá:

ter um conhecimento e experiência suficientes para fazer a avaliação ponderada dos méritos e os riscos inerentes à aquisição de papel comercial e da informação contida neste documento ou incluída na Nota informativa;

ter acesso e conhecimento de instrumentos de análise apropriados para avaliar, no contexto da sua situação financeira própria, as consequências da aquisição de papel comercial e o impacto que tal aquisição terá na globalidade da sua carteira de investimentos;

ter recursos financeiros suficientes e liquidez para suportar todos os riscos de um investimento empapei comercial;

ser capaz de avaliar (sozinho ou com ajuda de um consultor financeiro) possíveis cenários económicos, de taxas de juro e /ou de outros factores que possam afectar o seu investimento e/ou a sua capacidade de suportar os riscos inerentes à aquisição de papel comercial.

(...) DECLARO

• Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancobest.pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. + Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicado na respectiva documentação, não assumindo o Banco Best qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso.

* Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco BEST é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes.

* Ter conhecimento que o Banco Best creditará os valores relativos a juros, rendimentos reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custodiante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários.

3.1.4. Na mesma data a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 34-35, denominado "R..., S.A. —fica técnica Série 30 (para oferta particular de subscrição) ", cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

5. No referido instrumento ficou a constar:

Entidade emitente - R..., S.A.;

Modalidade - Emissão de papel comercial por oferta particular de subscrição ao abrigo do Programa de papel Comercial de 19 de Setembro de 2013

(...)

-Instituição colocadora - Best - Banco electrónico de Serviço Total, SA
(...)


Papel comercial constitui obrigação apenas do emitente

A aquisição de papel comercial envolve uma confiança na capacidade de crédito do emitente. O papel comercial não é garantido por qualquer entidade. Além disso, a aquisição de papel comercial envolve o risco de que mudanças posteriores na capacidade real, ou percebida pelo mercado, de crédito do emitente possam afectar negativamente o valor de mercado do papel comercial.

3.2. Da instrução da causa resultou provado que:

3.2.1. A 10.10.2012. a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 36-37,
denominado "
Perfil de investimento - Questionário Particulares", cujo integral teor se
dá aqui por reproduzido e onde consta:

9. Em média, qual a percentagem do património financeiro que estaria disposto a investir em activos de risco médio ou elevado (Obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados, entre outro)? 0%

2. A 17 de janeiro de 2014, a A. enviou indagou junto da Ré pela indicação de uma solução de investimento para a quantia de € 105.000,00, em " moldes conservador, baixo risco".

3. A 17 de janeiro de 2014, de acordo com o solicitado, foram apresentados à Autora diversos investimentos, designadamente SGC, Obrigações BES LDN 2019 e o papel comercial da R..., S.A..

4. Foi a Autora quem, tendo analisado os produtos apresentados, optou pelo papel comercial da R..., S.A., tendo então transferido o valor em causa da sua conta no BES para o Réu para efeitos de subscrição do papel comercial aqui em causa.»

A.2) Factos não provados:

«3.3. Da instrução da causa não resultou provada a seguinte factualidade:

1. A 22.01.2014. o R. adquiriu para a A. papel comercial da R..., S.A. no valor de € 100.000,00 com maturidade a 28.07.2014.

2. O seu património era entre € 150.000,00 e € 300.000,00.

3.3.3. A 22.01.2014. a R..., S.A. não podia proceder ao reembolso na
maturidade.

3.3.4. O que era do conhecimento do R.

Impugnação da matéria de facto considerada não provada pela Relação por alegada violação de regras de direito probatório material:

A recorrente começa por alegar que os factos dados como não provados nos pontos 3.3.1, 3.3.2, 3.3.3 e 3.3.4 deveriam ter sido dados como provados.

Quanto ao ponto 3.3.1, alega que não foi valorado o depoimento de parte prestado pelo Dr. BB, representante legal do Banco réu, o qual impunha decisão diversa, em conformidade com a prova gravada, indicando a recorrente as passagens relevantes da gravação desse depoimento que também transcreveu nas suas alegações. Destaca em especial a seguinte resposta:

"(. -) Advogado

O Banco BEST pediu ao Banco Espírito Santo Investimentos a transmissão de títulos para o Banco colocar a favor da cliente. Foi este o caminho crítico da aquisição?

BB

Sim.

Porém, compulsados os autos, verifica-se que o referido depoimento de parte do legal representante do Banco réu foi prestado na sessão de julgamento realizada em 21.6.2018, constando da respectiva acta que a autora requereu que fosse exarada por escrito uma afirmação do depoente com natureza confessória, o que foi indeferido pelo Tribunal por despacho proferido na mesma data.

Ora, essa decisão que não é objecto do presente recurso.

Assim, não foi reduzida a escrito qualquer declaração do referido depoente por se entender que não houve matéria com natureza confessória, pelo que não tendo havido qualquer declaração confessória reduzida a escrito do referido representante legal do Banco réu, tais declarações se mostram sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova – art. 358º, nº 4, do CC, o que é insindicável pelo STJ enquanto tribunal de revista.

Sem prejuízo do acima referido, sempre se diga que as declarações em causa na parte que foram transcritas pelo recorrente não constituíram qualquer confissão, pois como se afirmou no despacho proferido na referida sessão de julgamento, o depoente se limitou a declarar que transmitiu ao Banco Espírito Santo Investimentos uma ordem de aquisição de títulos para serem colocados a favor da autora, o que é diverso de “ter adquirido” papel comercial da R..., S.A. para a autora. Aliás, segundo a transcrição feita pela recorrente, o Mandatário da autora questionou a parte se “de facto, o Banco adquiriu para a autora?”, ao que o depoente respondeu que “é essa a sua interpretação”, o que não corresponde a qualquer confissão que o Banco tenha adquirido o papel comercial.

Em suma, as declarações de parte a que a recorrente alude não constituíram qualquer confissão, pelo que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova – art. 466º, nº 3, do CPC.

Quanto ao ponto 3.3.2.dos factos não provados, a recorrente faz alusão para a prova dessa factualidade às suas próprias declarações de parte prestadas em audiência, na parte em que as mesmas não assumiram natureza confessória, pelo que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova. o que é insindicável pelo STJ.

Quanto à prova dos factos constantes dos pontos 3.3.3 e 3.3.4 da factualidade não provada, a recorrente alude a um documento que intitula de “proposta de transacção e mitigação dos prejuízos causados pelo GES” junto ao processo electrónico, por requerimento seu de 15.5.2017, alegando o seguinte: “a Recorrente veio revelar a Juízo e com data de 2 de Maio de 2017 ter recebido uma proposta de transacção, emitida por um grupo de trabalho dos Lesados do BES - IMOPC (Investidores não qualificados titulares do Papel Comercial do Grupo Espirito Santo) com a indicação de que continha um formulário de resposta que deveria ser devolvido até às 15 horas do dia 26 de Maio de 2017 - Doc. que juntou e consta dos Autos a fls. 170. Mais alegou que o documento era conceptualizado no interesse do Banco BEST - Banco Electrónico de Serviço Total, SA (BEST) ora Recorrido e que a natureza e os efeitos de tal documento deveriam ser apreciados no despacho saneador como proposta de transacção.”

Afirma a recorrente que “tal documento tinha natureza confessória, por conter pública e notoriamente a aceitação do Banco BEST à transacção proposta, o que também não oferecia qualquer dúvida, porquanto a não ter essa anuência, teria o Banco ora Recorrido providenciado pela sua pública exclusão da sua indicação especificada como beneficiário da pretensa mitigação dos efeitos danosos de um incumprimento. Mitigação que só beneficia o Banco Recorrido, e não a Recorrente, caso a mesma viesse a aderir à transacção proposta e que sendo esta materialidade Pública e Notoriamente difundida e divulgada em toda a comunicação social assumia relevância jurídica que levaria a que necessariamente fosse reconhecido nos presentes Autos o seu efeito confessório. Podia e devia o Despacho Saneador, face à prova documental carreada para os Autos pela Recorrente a fls. 170 a fls. 180 dos Autos, e face às publicações normativas asseguradas pelo Banco de Portugal, verificar o efeito útil das medidas de mitigação administrativa dos prejuízos causados pelo Grupo ESFG, no qual está incluído o Banco Recorrido, que aceitou as providências administrativas do reembolso parcial dos créditos, aos defraudados.”

Porém, compulsado o teor do documento em causa junto ao sistema Citius pelo referido requerimento de 15.5.2017, verifica-se que o mesmo se trata de um documento particular dirigido à aqui recorrente e emitido pelo “Grupo de Trabalho dos Lesados do BES”, contendo em anexo um formulário de resposta que a recorrente poderia preencher e assinar, aderindo ou não à solução proposta. Como é salientado no acórdão recorrido a propósito deste documento, do seu teor não resulta que o Banco réu, aqui recorrido, tenha tido qualquer participação na sua preparação, ou que algum representante legal, funcionário ou colaborador do réu tenha subscrito tal documento, pelo que o mesmo, ao contrário do que a recorrente pretende, nunca poderia ser qualificado como uma proposta do recorrido. Pelos mesmos motivos, de tal documento não consta qualquer declaração de natureza confessória, uma vez que a referida proposta não continha uma única declaração emitida pelo recorrido. Assim, está-se perante meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal recorrido, o que como se disse já, é insindicável pelo STJ. Aliás, não contendo qualquer manifestação de vontade imputável ao aqui Banco recorrido, afigura-se tal documento irrelevante para a decisão da presente causa.

A recorrente alega também de forma conclusiva que “à data do despacho Saneador proferido nos autos - 26 de Abril de 2018 - já existia Pública e Notoriamente conhecimento do Resultado do Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos Principais Grupos Bancários Nacionais (ETRICC2) que teve como referência as contas bancárias do Banco Espírito Santo, S.A., Banco colocador solidariamente com o Banco R. em 30 de Setembro de 2013. O Tribunal estava obrigado a saber o que à data era divulgado pelo Banco de Portugal vide o sítio https://www.bportuqal.pt/sites/default/files/intervpub20141117-2b.pdf, informação essa que constitui facto Público Notório desde o dia 17 de Novembro de 2014. Pelo que, teria que ter reconhecido que após as medidas administrativas do Banco de Portugal, o Sistema Bancário não podia consentir, nem colocar, nem intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao Universo ESFG! Nem fazer participar o BES numa operação de colocação de uma obrigação, que se encontrou maliciosamente epigrafada como (para oferta particular de subscrição) em 19 de Setembro de 2013.

Alega também que “com a exoneração do Dr. CC, da ... do Banco Recorrido em conformidade com a injunção das deliberações do Banco de Portugal e da certidão de matricula junta aos Autos, que comprova a data da sua exoneração, podia o Tribunal ''a quo" emitir um juízo de presunção judiciária de culpa, acerca da conduta do Banco Recorrido que sem ter sido abrangido pela Resolução Bancária se locupletou à custa do depósito da Recorrente, colocando no mercado, mediante um acordo que o Tribunal impediu de ver apreendido, para ser conhecido nos presentes autos como adiante se referirá, um titulo tóxico - papel comercial da R..., S.A., - emissão n° 30 -, violando as disposições de Ring Fencing do Banco de Portugal publicamente divulgadas e que vinculavam todas as instituições Bancárias da ESFG, violando o Regulamento (CE) n.º 2238/04 de 29 de Dezembro de 2004, e violando o Art.° 6° do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, porquanto o Banco R. vem indicar também como colocador, o Banco Espirito Santo, S.A. - vide fls. 92 dos Autos.”

Em primeiro lugar, a recorrente faz alusão às contas do Banco Espírito Santo, SA, e ao “Resultado do Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos Principais Grupos Bancários Nacionais (ETRICC2)”, sem alegar em concreto em que se traduziu esse resultado. Da mesma forma, faz alusão a informação divulgada pelo Banco de Portugal, sem identificar em concreto que factos concretos foram divulgados ou quais as deliberações a que se refere. Não obstante, o documento emitido pelo Banco de Portugal e disponível no site indicado nas alegações do recurso de revista tem como título a “Estratégia de Ring-Fencing desenvolvida pelo Banco de Portugal”, e, ao contrário do que parece defender a recorrente, em lado algum do mesmo consta em que Janeiro de 2014, as instituições de crédito nacionais, nomeadamente o aqui Banco recorrido, estavam impedidas de intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao universo do Grupo Espírito Santo. A recorrente não identifica quaisquer deliberações ou outros actos emanados do Banco de Portugal que demonstrem o que alega nas suas alegações quanto a essa matéria, nem se conhecem quaisquer decisões dessa autoridade de supervisão que fossem públicas em janeiro de 2014 e que respeitassem à matéria em causa nos autos.

O documento em causa data de 17 de Novembro de 2014, pelo que só a partir dessa data foi divulgado ao público. Assim, as informações nele contidas a propósito das dificuldades financeiras do BES e de empresas do Grupo Espírito Santo apenas podiam ter sido divulgadas a partir dessa data. Ora, os factos em discussão nos autos ocorreram em data anterior, em Janeiro de 2014, data em que a autora adquiriu o papel comercial em causa nos autos. É, assim, evidente que o Banco recorrido não podia conhecer em Janeiro de 2014 factos que só seriam publicamente divulgados em Novembro desse ano.

Da mesma forma, é facto notório que as dificuldades do Grupo Espírito Santo e a medida de resolução bancária do BES só foi publicamente conhecida no Verão de 2014, ou seja, em data posterior à data dos factos em discussão nos presentes autos.

Faz também a recorrente alusão à exoneração do Dr. CC da ... do Banco Recorrido- o que, segundo a certidão de registo comercial deste último, junta aos autos, sucedeu em Junho de 2014- sem que alegue factos concretos que justifiquem a relevância dessa factualidade para a decisão da causa.

A alegação da recorrente é, assim, manifestamente conclusiva e confusa, aludindo a matéria que não consta dos factos provados ou não provados, sem alegar factos concretos que tenham sido alegados nos articulados da causa, não bastando, para suprir a falta de alegação de factos, a remissão para o teor de documentos ou links de sítios de internet.

Por último, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, a recorrente faz alusão a um contrato celebrado entre o réu BEST a ESI e a R..., S.A., em relação ao qual requereu a fls. 399 e 400 dos autos, a sua junção aos autos.

Todavia, e compulsados os autos, verifica-se que na sessão de julgamento realizada em 12.9. 2018, após a prestação de depoimento da testemunha DD, funcionário do Banco réu, foi requerido pela aqui recorrente que fosse requisitada à referida testemunha a disponibilização de cópia de um contrato que teria sido celebrado entre Best, a Esi e a R..., S.A., e que a testemunha referiu durante o seu depoimento. Porém, essa diligência probatória foi indeferida por despacho proferido na mesma sessão de julgamento, por se considerar tal documento irrelevante. Sendo esse despacho imediatamente recorrível (art. 644º, nº 2, al. d), do CPC), competia à recorrente interpor recurso, o que não fez, razão por que não pode ser sindicado agora no âmbito do presente recurso de revista.

Por outro lado, a factualidade a que a recorrente alude a propósito deste contrato e da suposta parceria entre o aqui Banco recorrido, a ESI e a R..., S.A. foi alegada em articulado superveniente apresentado pela aqui recorrente na sessão de julgamento de 3.10.2018, articulado que foi indeferido liminarmente por despacho proferido na mesma data, do qual também não foi interposto recurso (art. 644º, nº 2, al. d), do CPC), motivo por que também não pode tal despacho ser sindicado no âmbito do presente recurso.

Em resumo, são irrelevantes as considerações tecidas nas alegações acerca daquele documento e da falta da sua apreensão, bem como as considerações feitas acerca da alegada parceria entre as referidas entidades e do suposto conflito de interesses daí decorrente, matéria que consta das conclusões 37ª e seguintes. Por sido indeferida a junção do referido articulado superveniente não pode essa matéria integrar o objecto da presente acção e do actual recurso.

Alegou, também, a recorrente que constitui facto notório a existência de um conglomerado financeiro formado pelo Grupo GES, envolvendo a R..., S.A., o Banco BEST e o Banco ESI. Porém, mais uma vez, a recorrente alega de forma puramente conclusiva, não alegando os factos concretos que seriam do conhecimento geral (art. 412º, n.º 1, do CPC) e que permitiriam que as pessoas de conhecimento e experiência comum, de cultura média, incluindo o juiz, tivessem esses factos como absolutamente certos e pudessem concluir pela existência do referido conglomerado financeiro. Limitou-se a formular aquela conclusão, sem aludir sequer à estrutura accionista das entidades envolvidas.

Em suma, e no que concerne à impugnação da matéria de facto não provada pelas instâncias, a recorrente não demonstrou a ofensa de qualquer disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 674º, nº 3, do CPC, sendo certo que, quanto aos meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal recorrido, não pode, como se disse, a matéria sujeita a essa prova ser sindicada pelo STJ.

Também carece de sentido a alegação da recorrente de que “os temas de prova, conforme foram enunciados, não são idóneos a produzir prova adequada para a boa decisão da causa”, o que consubstancia uma nulidade do processo que condiciona “os factos dados como provados e não provados, mas essencialmente, e mais gravoso, condiciona toda a argumentação jurídica, toda a subsunção do direito ao caso concreto.”

Em primeiro lugar, a recorrente não concretiza a nulidade.

Em segundo lugar, não se percebe que temas de prova deviam ter sido introduzidos de molde a evitar que a decisão dos factos provados e não provados e a fundamentação jurídica fossem condicionadas.

Depois, não se pode confundir temas de prova com factos. O tribunal, na sentença, pronuncia-se sobre factos e não sobre temas de prova (que têm por função apenas orientar a produção de prova.) E não é pela circunstância de esses factos não constarem dos temas da prova que fica precludida a possibilidade do alargamento da base factual do litigio (Ac. STJ de 4.5.2017, proc. 1961/13.5TVLSB.L1.S1); alargamento que , como acima se referiu, não se justifica, pois a factualidade a que a recorrente se refere nas suas alegações não integra o objecto deste processo, conforme decisão interlocutória proferida pela 1.ª instância, que não teve recurso.

Improcede, assim, nesta parte a revista, mantendo-se integralmente a matéria de facto provada e não provada pelas instâncias.

Da alegada violação do regime jurídico do papel comercial:

Nas suas alegações, a recorrente alega que na emissão “série 30” de papel comercial da R..., S.A. impunha-se cumprir como requisito de emissão: “Obter a favor dos detentores garantia autónoma à primeira interpelação que assegure o cumprimento das obrigações de pagamento decorrentes da emissão ou do programa a que se refere o n.º 1 do Art. 7.º”. Mais refere que não tem quaisquer outros meios processuais para indagar e obter resposta, com segurança, se existiu ou não existiu garantia autónoma, exigível por lei, ao tempo da emissão e colocação no mercado.

Resultou provado o seguinte:

3.1.2. A 22.01.2014. a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 32-33 com o logotipo “Best Bank” denominado “Papel Comercial - Compra/Anulação n.° conta DO ...07” cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

3.1.3. No referido instrumento consta:

- “Detalhe de ordens: X compra / € 100.000,00 / Emitente R..., S.A./ taxa fixa de 4,100% / Maturidade data: 28.07.2014.”

(…)

3.1.4. Na mesma data a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 34-35, denominado "R..., S.A. —ficha técnica Série 30 (para oferta particular de subscrição) ", cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

3.1.5. No referido instrumento ficou a constar:

-Entidade emitente - R..., S.A.;

-Modalidade - Emissão de papel comercial por oferta particular de subscrição ao abrigo do Programa de papel Comercial de 19 de Setembro de 2013

(...)

-Instituição colocadora - Best - Banco electrónico de Serviço Total, SA

(...)

O regime jurídico dos valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março, que vigorava na data em que a autora subscreveu o papel comercial da R..., S.A. (22.1.2014), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março.

O papel comercial é definido por esse diploma, na redacção vigente à data dos factos, como correspondendo aos valores mobiliários representativos de dívida emitidos por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas, empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público ou privado, por prazo inferior a um ano, integrando a categoria dos valores mobiliários de natureza monetária (art. 1º, nº 2 e art. 2º, nº 1).

Sendo um valor mobiliário, ao papel comercial aplica-se também o regime previsto no Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), conforme resulta do art. 2º, nº 1, al. b), deste Código que inclui no seu âmbito de aplicação material “os instrumentos do mercado monetário, com exceção dos meios de pagamento”, o que inclui o papel comercial. Esta norma resulta da transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva 2004/39/CE, do Parlamento e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, em cujo art. 4º, n.º 1, § 19 se inclui expressamente o papel comercial na categoria de instrumentos habitualmente negociadas no mercado monetário.

Em termos doutrinários, o papel comercial é considerado um instrumento monetário impuro, ou seja, um “instrumento financeiro híbrido, que resulta da combinação de um instrumento monetário e outro tipo de instrumento financeiro” (José Engrácia Antunes, Os instrumentos financeiros, 3ª Edição, 2017, pág. 264, e Mafalda Miranda Barbosa, José Luís Dias Gonçalves, Instrumentos financeiros: Valores mobiliários. Valores monetários. Derivados de crédito. Produtos de Bancassurance, 1.ª ed., Gestlegal, 2020, pág. 181).

Como afirma Engrácia Antunes, o papel comercial insere-se no âmbito dos “instrumentos monetários de natureza mobiliária”, também por vezes designados como “valores mobiliários monetários” que se caracterizam por serem “instrumentos financeiros que, revestindo a natureza de valor mobiliário (dotados de representabilidade, homogeneidade, fungibilidade, e negociabilidade organizada)”, são “dotados das características típicas dos instrumentos monetários (emissão de prazo curto, elevada liquidez, e baixo risco) e são negociáveis no mercado monetário (como tal sujeitos à supervisão do Banco de Portugal” (op. cit., págs. 264 e 282).

De acordo com o disposto no art. 4º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março, para a emissão de papel comercial, devem as entidades emitentes preencher um dos seguintes requisitos:

a) Evidenciar no último balanço aprovado e sujeito a certificação legal de contas ou a auditoria efectuada por revisor oficial de contas, consoante o caso, capitais próprios ou património líquido não inferior a 5 milhões de euros ou o seu contravalor em euros, caso esses capitais ou património sejam expressos em moeda diferente do euro; ou

b) Apresentar notação de risco da emissão do programa de emissão a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º ou notação de risco de curto prazo do emitente, atribuída por sociedade de notação de risco registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários; ou

c) Obter, a favor dos detentores, garantia autónoma à primeira interpelação que assegure o cumprimento das obrigações de pagamento decorrentes da emissão ou do programa a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º.”

Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “a exigência dos requisitos a que se refere o número anterior não se aplica ao papel comercial cujo valor nominal unitário seja igual ou superior a (euro) 50000 ou o seu contravalor em euros, caso seja expresso em moeda diferente do euro.”

No caso dos autos, de acordo com o documento junto por cópia a fls. 34-35, denominado “R..., S.A. —ficha técnica Série 30 (para oferta particular de subscrição)”, cujo teor integral foi dado por reproduzido no ponto 3.1.4 dos factos provados, o valor nominal do papel comercial subscrito pela autora ascendia ao valor de “€ 50.000” prevendo-se que o montante da subscrição deveria corresponder a “100% do valor nominal, com mínimo de € 100.000”.

Assim, atentos os valores monetários acima referidos, tinha aplicação o disposto no nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25-03, ou seja, não eram exigíveis os requisitos previstos no nº 1 do mesmo artigo.

A propósito desta norma, afirma Tiago Fernandes (“Papel Comercial: Entre a proteção do investidor e a adaptação ao mercado de financiamento”, Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Direito Empresarial, Março de 2018, Universidade Católica Portuguesa, pág. 32, disponível em: “https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/27132?mode=full”): “esta opção segue a linha do Cód. VM, designadamente, quanto à distinção entre ofertas públicas e particulares. A ideia subjacente é a de que, quando a emissão se destine apenas a investidores qualificados e/ou o valor unitário do papel comercial seja igual ou superior a 50.000€, o nível de proteção prestada através das exigências legais previstas nos requisitos será dispensado, por se considerar que quem investe em instrumentos financeiros nestas condições dispõe de elevada capacidade analítica e um nível elevado de conhecimentos relativos às condições em que o emitente realiza a emissão, assim como uma maior capacidade para suportar perdas, características que são usualmente reconhecidas a investidores qualificados”.

A versão actual do nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25.3, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 29/2014, de 25 de Fevereiro, é elucidativa do que acima se disse ao consagrar na alínea b) desse nº 2 que a exigência dos requisitos previstos no n.º 1 não se aplica à emissão de papel comercial “que seja integralmente subscrita por investidores qualificados”, situação que acresce à actualmente prevista na alínea a) que continua a prever a dispensa de observância dos requisitos à emissão de papel comercial “cujo valor nominal unitário seja igual ou superior a (euro) 50 000,00, ou o seu contravalor em euros, ou cuja subscrição seja efectuada exclusivamente em lotes mínimos de valor igual ou superior a (euro) 50 000,00, ou o seu contravalor em euros”.

Assim, no caso dos autos, e ao contrário do que a recorrente defende, não se aplica o requisito de emissão de papel comercial previsto na al. c) do n.º 1 do art. 4º do referido Decreto-Lei n.º 69/2004.

Acresce que, como salienta o Banco recorrido nas suas contra-alegações, estes requisitos se aplicavam às entidades emitentes e não a intermediários financeiros, como foi o caso do recorrido, para além que a obtenção de garantia autónoma prevista na referida al. c) do nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei n.º 69/2004 era apenas parte de um conjunto de três pressupostos alternativos (com resulta expressamente da conjunção “ou” empregue no final do texto das als. a) e b) do n.º 1 do art. 4º), dos quais a entidade emitente apenas estava obrigada a preencher um.

Improcede, assim, também nesta parte a revista.

Alega, também, a recorrente que “no dia 22.01.2014, a operação celebrada em prejuízo da Recorrente já se encontrava proibida, em virtude das medidas administrativas do Banco de Portugal. O Sistema Bancário não podia consentir, nem colocar, nem intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao Universo ESFG.”. A esse propósito, afirma também que “não pode este Tribunal ignorar que o título que foi adquirido para colocar na conta de DO da Recorrente pertencia ao universo de interesses coincidentes e em conflito entre a emitente R..., S.A., Banco BEST e Banco ESI.”

Em primeiro lugar, a recorrente não concretiza as “medidas administrativas do Banco de Portugal” a que alude nas suas alegações. Como acima se notou, faz alusão a informação divulgada pelo Banco de Portugal, sem referir que factos concretos foram divulgados nem quais as deliberações a que se reporta. Na verdade, alude apenas a um documento emitido pelo Banco de Portugal e disponível no site indicado nas alegações do recurso de revista que tem como título a “Estratégia de Ring-Fencing desenvolvida pelo Banco de Portugal”. Porém, como acima foi salientado, e ao contrário do que parece defender a recorrente, em lado algum de tal documento consta em que Janeiro de 2014 as instituições de crédito nacionais, nomeadamente o aqui Banco recorrido, estivessem impedidas de intermediar a compra de valores mobiliários respeitantes ao universo do Grupo Espírito Santo. A recorrente não identifica, pois, quaisquer deliberações ou outros actos emanados do Banco de Portugal que demonstrem o que alega quanto a essa matéria, nem se conhecem quaisquer decisões desta autoridade de supervisão que fossem públicas em Janeiro de 2014 sobre as questões aqui em discussão.

Acresce que o documento em causa data de 17 de Novembro de 2014, pelo que só a partir dessa data foi divulgado ao público. Assim, as informações nele contidas a propósito das dificuldades financeiras do BES e de empresas do Grupo Espírito Santo apenas poderiam ter sido divulgadas a partir dessa data.

Quanto ao alegado conflito de interesses e às consequências que a recorrente daí retira para o desfecho desta acção, não resultaram provados factos que permitam minimamente suportar a conclusão da existência desse conflito de interesses, devendo sublinhar-se que não resultou provado que o Banco réu tivesse conhecimento em 22.1.2014 que a R..., S.A. não podia proceder ao reembolso na maturidade (pontos 3.3.3. e 3.3.4. dos factos não provados).

Improcede, assim, também nesta parte, a argumentação da recorrente.

Dos pressupostos da responsabilidade civil contratual - da alegada violação dos deveres de informação a cargo do Banco réu.

Alega a recorrente que a Relação descontextualiza e valora erradamente os factos 3.2.2, 3.2.3 e 3.2.4 dados como provados.

A este propósito apresenta a seguinte argumentação sintetizada na seguinte passagem das suas conclusões:

Ficou indubitavelmente demonstrado que o Recorrido não prestou à Recorrente informação completa, verdadeira nem actual.

(…)

A informação não era clara, porquanto a Recorrente não compreendeu as especificidades do instrumento financeiro que lhe foi proposto, e o Recorrido não se dignou a esclarecê-la durante o processo de decisão de investimento, descurando e ignorado a menção de 0% de risco solicitada pela mesma. O Recorrido induziu a Recorrente em erro e a informação prestada não era lícita, porquanto o Recorrido violou os deveres de informação a que estava adstrito. A tudo isto acresce que o Tribunal julga erradamente e fundamenta contra a Verdade emergente da documentação da Prova, omitindo pronunciar-se sobre o valor do documento cuja autenticidade não foi impugnada pelo Banco Recorrido (fls. 37 e 153) dos Autos, em que a Recorrente ao escrever à mão o 0% indicando não querer adquirir obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa. Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados entre outros.

Resta apenas sublinhar que a Recorrente não teria de forma alguma aceitado subscrever o produto comercial em causa, caso tivesse sido verdadeiramente esclarecida do eventual conflito de interesses e de como seria feito o reembolso. Decorrida a data da respectiva maturidade, sem que tenha existido qualquer reembolso do montante subscrito, nasceu a obrigação do Recorrido em indemnizar a Recorrente.”

Antes de mais, importa definir o regime legal aplicável à situação dos autos.

Assim, no caso concreto dos autos, e no que concerne aos deveres de informação, estando em causa, como está, a subscrição de papel comercial, importa começar por referir o que previa o art. 17º do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25.3, na redacção vigente à data dos factos:

“1 - As entidades que emitam papel comercial devem elaborar uma nota informativa que tem por objecto a emissão ou o programa de emissão, contendo informação sobre a sua situação patrimonial, económica e financeira, da qual devem constar obrigatoriamente:

a) Os elementos a que se refere o artigo 171.º do Código das Sociedades Comerciais;

b) A identificação das pessoas responsáveis pela qualidade da informação contida na nota informativa;

c) As características genéricas do programa de emissão, nomeadamente no respeitante a montantes, prazos, denominação e cadência da emissão do papel comercial;

d) O modo de determinação dos juros e, nas ofertas públicas, os termos da sua divulgação;

e) A natureza e âmbito de eventuais garantias prestadas à emissão;

f) Informação sobre a notação de risco atribuída por empresa de notação de risco registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, caso exista;

g) O código de identificação do papel comercial objecto da oferta, caso exista;

h) O regime fiscal aplicável;

i) O balanço, a demonstração de resultados e a demonstração da origem e da aplicação de fundos da entidade emitente relativos aos três últimos exercícios anteriores ao do programa da emissão ou apenas aos exercícios decorridos desde a constituição do emitente com contas aprovadas;

j) A indicação sumária da dependência da entidade emitente relativamente a quaisquer factos que tenham importância significativa para a sua actividade e sejam susceptíveis de afectar a rentabilidade do emitente no prazo abrangido pelo programa de emissão até à data do último reembolso, designadamente alvarás, patentes, contratos ou novos processos de fabrico.

2 - A nota informativa de oferta pública de papel comercial deve ainda incluir, na sua capa, uma descrição dos factores de risco inerentes à oferta, ao emitente ou às suas actividades e uma descrição das limitações relevantes do investimento proposto, bem como, caso exista, a notação de risco atribuída à emissão ou ao programa de emissão.

3 - Respeitando a nota informativa a um programa de emissão, a entidade emitente deve elaborar, previamente a cada emissão, uma informação complementar na medida do necessário para a individualização da mesma.

4 - Sempre que a entidade emitente seja uma sociedade em relação de domínio, as informações referidas nas alíneas i) e j) do n.º 1 devem ser facultadas autonomamente no que respeita à sociedade e, de forma consolidada, ao grupo.

5 - Deve ser elaborada nova nota informativa, de que constem todos os elementos previstos nos números anteriores, sempre que ocorra qualquer circunstância susceptível de influir de maneira relevante na avaliação da capacidade financeira da entidade emitente ou do garante.

6 - O disposto nos artigos 116.º e 156.º do Código dos Valores Mobiliários não se aplica às entidades emitentes de papel comercial.”

Porém, como acima já referimos, tendo o negócio sido celebrado com uma instituição bancária e envolvendo a transacção de valores mobiliários, para além das disposições gerais acima referidas, importará ter ainda em consideração o regime legal aplicável às instituições de crédito, bem como o regime previsto no Código dos Valores Mobiliários.

Com efeito, de acordo com a factualidade provada, a autora recorrente subscreveu, através de ordem de compra ao aqui Banco réu, em 22.1.2014, papel comercial da sociedade emitente R..., S.A., no valor de € 100 000,00, com uma taxa de juro fixa de 4,100% e maturidade na data de 28.07.2014, sendo o aqui Banco réu a instituição colocadora.

Assim, o Banco réu, ao comercializar junto dos seus clientes o papel comercial acima referido emitido por uma terceira entidade, executando uma ordem de subscrição que lhe foi transmitida pela autora, agiu não apenas como uma instituição de crédito mas como intermediário financeiro nos termos do disposto nos arts. 289º, nº 1, al. a), 290º, nº 1, als. a) e b), e 293º, nº 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13-11, na redacção em vigor no momento da subscrição do papel comercial em causa nestes autos.

Aliás, neste mesmo sentido se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2022 (publicado no DR, I Série de 3.11.2022), proferido pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ em 6.12.2021, no proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2. Sl-A:

“Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição - que lhe foram transmitidas pelo Autor - das obrigações emitidas por uma terceira entidade - a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.º 1, 290°, n.º 1, al. b) e 293°, n.º 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n° 486/99, de 13 de Novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, pp. 281-282 e, ainda, Direito dos Contratos Comerciais, 2009, p. 573), até porque a intermediação financeira tem sido definida como o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento (José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário financeiro - Alguns aspetos - Cadernos do CVM, n.°56, p. 31).

A propósito da conjugação do regime do papel comercial com as normas que regulam a intermediação financeira, sustentam Mafalda Miranda Barbosa, José Luís Dias Gonçalves (op. cit., pág. 210): “outro ponto essencial é o que respeita aos deveres do(s) intermediário(s) financeiro(s) envolvido(s) na emissão e na comercialização do papel comercial, que são autónomos em relação aos deveres de informação a cargo da emitente e cujo pleno cumprimento é essencial para um bom funcionamento de um verdadeiro mercado de papel comercial. Se é certo que, em tese, tais deveres de informação se poderiam ter por preenchidos com a simples disponibilização, pelo intermediário financeiro, da nota informativa do papel comercial, em muitas situações, tal conduta poderá ser claramente insuficiente. Com efeito, haverá que avaliar, caso a caso, se o intermediário possui informação adicional sobre a real situação económico-financeira do emitente à data da emissão e da colocação do papel comercial. Caso a resposta seja afirmativa, temos por certo que o intermediário financeiro está obrigado, por força dos deveres legais (e, também, as mais das vezes contratuais) a prestar aos seus clientes, adquirentes do papel comercial, toda a informação de que disponha e que seja suscetível de afetar a capacidade de o emitente proceder ao reembolso da emissão, sob pena de responder, solidariamente com o emitente, pelos danos resultantes da deficiência da informação prestada ao tomador do papel comercial.”

Assim, para além do regime aplicável ao papel comercial, importa ter presente as normas aplicáveis às instituições de crédito, bem como as normas reguladoras da actividade de intermediação financeira previstas no CVM.

No que respeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31/12), segundo o respectivo art. 73º, na redacção em vigor na data dos factos, o Banco réu estava vinculado “a assegurar, em todas as atividades que exerça, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.” De acordo com o art. 74º do mesmo regime: “os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”

Por sua vez, de acordo com o nº 1 do art. 77º (Dever de informação e de assistência), na redacção em vigor na data dos factos: “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”; prevendo o n.º 5 que “os contratos celebrados entre as instituições de crédito e os seus clientes devem conter toda a informação necessária e ser redigidos de forma clara e concisa.”

No que respeita ao regime previsto no CVM, devemos ter em conta a redacção vigente à data da subscrição do papel comercial, ou seja, em Janeiro de 2014, considerando a versão desse diploma introduzida pelo Decreto-Lei nº 63-A/2013, de 10 de Maio.

Nos termos do disposto no art. 304º do CVM:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.”

No âmbito dos deveres impostos ao intermediário financeiro, assume especial relevância o dever de informação aos investidores, devendo a informação respeitante aos instrumentos financeiros ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º, nº 1 do CVM).

A violação destes deveres de informação faz incorrer o intermediário financeiro em responsabilidade civil, prevendo o artigo 304º-A do CVM que:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Por sua vez, resulta do artigo 312.º, n.º 1, do mesmo Código, na redação do DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, vigente na data da celebração dos negócios em causa nos autos, um dever geral de informação a cargo do intermediário financeiro que deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, com algumas exemplificações nas alíneas desse preceito, prevendo-se as informações respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

Os intermediários financeiros estão, assim, vinculados a deveres principais (de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado.

Sendo que nos termos do n.º 2 do art. 312.º do CVM, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”

No caso concreto dos autos, não resulta da factualidade provada que a aqui autora recorrente fosse uma investidora qualificada na data de celebração dos negócios aqui em causa (cfr. art. 30º do CVM), tendo sido esse o entendimento seguido no acórdão recorrido, o que tem repercussões no regime aplicável e reforça a intensidade dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro.

À data da celebração do negócio (Janeiro de 2014) dispunha o art, 312º-A, nºs 1 e 2, do CVM, na redacção do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, relativo à qualidade da informação destinada a investidores não qualificados, que:

“1 - A informação divulgada pelo intermediário financeiro a investidores não qualificados deve:

a) Incluir a sua denominação social;

b) Não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes;

c) Ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio;

d) Ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes.

2 - A comparação de actividades de intermediação financeira, instrumentos financeiros ou intermediários financeiros deve incidir sobre aspectos relevantes e especificar os factos e pressupostos de que depende e as fontes em que se baseia.”

De acordo com o disposto no art. 312º-B do CVM, relativo ao momento da prestação de informação, na redacção do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro:

1- O intermediário financeiro deve prestar a investidor não qualificado, com antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da actividade de intermediação financeira proposta ou solicitada, a seguinte informação:

a) O conteúdo do contrato;

b) A informação requerida nos artigos 312.º-C a 312.º-G relacionada com o contrato ou com a actividade de intermediação financeira.

2 - O intermediário financeiro pode prestar a informação requerida no número anterior imediatamente após o início da prestação do serviço, se:

a) A pedido do cliente, o contrato tiver sido celebrado utilizando um meio de comunicação à distância que o impediu de prestar a informação de acordo com o n.º 1; ou

b) Prestar a informação prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, como se o investidor fosse um 'consumidor' e o intermediário financeiro um 'prestador de serviços financeiros' na acepção do presente Código.

3 - O intermediário deve prestar ao investidor qualificado a informação prevista no n.º 2 do artigo 312.º-F com suficiente antecedência antes da prestação do serviço em causa.

4 - O intermediário financeiro notifica o cliente, independentemente da natureza deste, com antecedência suficiente, de qualquer alteração significativa na informação prestada ao abrigo dos artigos 312.º-C a 312.º-G, através do mesmo suporte com que foi prestada inicialmente.”

Por sua vez, o art. 312º-C, nº 1, do mesmo Código, respeitante à informação relativa ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados, na redacção do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, previa que:

“1 - O intermediário financeiro deve prestar a seguinte informação a investidores não qualificados:

a) A denominação, a natureza e o endereço do intermediário financeiro e os elementos de contacto necessários para que o cliente possa comunicar efectivamente com este;

b) Os idiomas em que o cliente pode comunicar com o intermediário financeiro e receber destes documentos e outra informação;

c) Os canais de comunicação a utilizar entre o intermediário financeiro e o cliente, incluindo, se for caso disso, para efeitos de envio e recepção de ordens;

d) Declaração que ateste que o intermediário financeiro está autorizado para a prestação da actividade de intermediação financeira, indicação da data da autorização, com referência à autoridade de supervisão que a concedeu e respectivo endereço de contacto;

e) Sempre que o intermediário financeiro actue através de um agente vinculado, uma declaração nesse sentido, especificando o Estado membro da União Europeia em que o agente consta de listagem pública;

f) A natureza, a frequência e a periodicidade dos relatórios sobre o desempenho do serviço a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente;

g) Caso o intermediário financeiro detenha instrumentos financeiros ou dinheiro dos clientes, uma descrição sumária das medidas tomadas para assegurar a sua protecção, nomeadamente informação sintética sobre os sistemas de indemnização aos investidores e de garantia dos depósitos aplicáveis ao intermediário financeiro por força das suas actividades num Estado membro da União Europeia;

h) Uma descrição, ainda que apresentada sinteticamente, da política em matéria de conflitos de interesses seguida pelo intermediário financeiro, de acordo com o artigo 309.º-A e, se o cliente o solicitar, informação adicional sobre essa política;

i) A existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber e a analisar as reclamações dos investidores, bem como indicação da possibilidade de reclamação junto da autoridade de supervisão;

j) A natureza, os riscos gerais e específicos, designadamente de liquidez, de crédito ou de mercado, e as implicações subjacentes ao serviço que visa prestar, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão do investidor, tendo em conta a natureza do serviço a prestar, o conhecimento e a experiência manifestada, entregando-lhe um documento que reflicta essas informações.”

No concernente à informação relativa aos instrumentos financeiros, dispunha o art. 312º-E, nºs 1 a 3, na redacção do Decreto-Lei nº 63-A/2013, de 10 de Maio, o seguinte:

“1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

2 - A descrição dos riscos deve incluir:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

3 - A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objecto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respectivo prospecto.”

Dispunha, ainda, o art. 314º do CVM, na redacção do DL nº 357-A/2007, de 31/10:

“1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.

2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.

3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.

4 - As advertências referidas nos n. os 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.”

Por sua vez, o artigo 314º-B aditado pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, estabelecia:

“1 - A informação relativa ao conhecimento e à experiência de um cliente deve incluir:

a) Os tipos de serviços, operações e instrumentos financeiros com que o cliente está familiarizado;

b) A natureza, o volume e a frequência das operações do cliente em instrumentos financeiros e o período durante o qual foram realizadas;

c) O nível de habilitações, a profissão ou a anterior profissão relevante do cliente.

2 - A informação referida no número anterior tem em consideração a natureza do investidor, a natureza e o âmbito do serviço a prestar e o tipo de instrumento financeiro ou operação previstos, incluindo a complexidade e os riscos inerentes aos mesmos.

3 - Sempre que o intermediário financeiro preste um serviço de investimento a um investidor qualificado presume-se que, em relação aos instrumentos financeiros, operações e serviços para os quais é tratado como tal, esse cliente tem o nível necessário de experiência e de conhecimentos, designadamente para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo anterior.

4 - A informação relativa à situação financeira do cliente inclui, sempre que for relevante, a fonte e o montante dos seus rendimentos regulares, os seus activos, incluindo os activos líquidos, os investimentos e os activos imobiliários e os seus compromissos financeiros regulares.

5 - A informação relativa aos objectivos de investimento do cliente inclui, sempre que for relevante, o período durante o qual aquele pretende deter o investimento, as suas preferências relativamente à assunção de risco, o seu perfil de risco e os seus objectivos de investimento.”

Estabelecia, ainda, o art. 314º-C do mesmo Código, aditado pelo mesmo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro:

“1 - O intermediário financeiro não pode incentivar um cliente a não prestar a informação requerida no artigo anterior.

2 - O intermediário financeiro pode basear-se na informação prestada pelos clientes, salvo se tiver conhecimento ou estiver em condições de saber que a informação se encontra desactualizada, inexacta ou incompleta.

3 - O intermediário financeiro que recebe de outro intermediário financeiro instruções para prestar serviços de investimento em nome de um cliente deste último pode basear-se:

a) Na informação sobre o cliente que lhe tenha sido transmitida pelo intermediário financeiro que o contratou;

b) Nas recomendações relativas ao serviço ou operação que tenham sido transmitidas ao cliente pelo outro intermediário financeiro.

4 - O intermediário financeiro que transmita instruções a outro intermediário financeiro deve assegurar a suficiência e a veracidade da informação transmitida sobre o cliente e a adequação das recomendações ou dos conselhos relativos ao serviço ou operação que tenham sido por si prestados a este.”

Sucede, porém, que o art. 314º-D do CVM estabelecia, ainda:

“1 - Na prestação exclusiva dos serviços de recepção e transmissão ou execução de ordens do cliente, ainda que acompanhada pela prestação de serviços auxiliares, não é aplicável o disposto no artigo 314.º, desde que:

a) O objecto da operação seja acções admitidas à negociação num mercado regulamentado ou em mercado equivalente, obrigações, excluindo as que incorporam derivados, unidades de participação em organismos de investimento colectivo em valores mobiliários harmonizados, instrumentos do mercado monetário e outros instrumentos financeiros não complexos;

b) O serviço seja prestado por iniciativa do cliente;

c) O cliente tenha sido advertido, por escrito, ainda que de forma padronizada, de que, na prestação deste serviço, o intermediário financeiro não é obrigado a determinar a adequação da operação considerada às circunstâncias do cliente; e

d) O intermediário financeiro cumpra os deveres relativos a conflitos de interesses previstos no presente Código.

2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, um instrumento financeiro é não complexo, desde que:

a) Não esteja abrangido nas alíneas c), e), f) e g) do artigo 1.º e nas alíneas c) a f) do n.º 1 do artigo 2.º;

b) Se verifiquem frequentes oportunidades para o alienar, resgatar ou realizar a preços que sejam públicos e que se encontrem à disposição dos participantes no mercado, correspondendo a preços de mercado ou a preços disponibilizados por sistemas de avaliação independentes do emitente;

c) Não implique a assunção de responsabilidades pelo cliente que excedam o custo de aquisição do instrumento financeiro;

d) Esteja disponível publicamente informação adequada sobre as suas características, que permita a um investidor não qualificado médio avaliar, de forma informada, a oportunidade de realizar uma operação sobre esse instrumento financeiro.”

Ora, compulsado o teor da matéria de facto provada, julgamos que, no caso dos autos, se mostram preenchidos os requisitos previstos neste art. 314º-D do CVM.

Em primeiro lugar, está em causa a prestação por parte do Banco réu de serviços de recepção e execução de ordens do cliente. O objecto da operação consistiu na comercialização de papel comercial, que consiste num instrumento do mercado monetário, como foi exposto e prevê o art. 1º, nº 1 do DL. nº 69/2004, de 25 de Março. Por outro lado, trata-se de um instrumento financeiro não complexo nos termos previstos no nº 2 do art. 314º-D do CVM, pois não se encontra abrangido nas alíneas c), e), f) e g) do artigo 1º e nas alíneas c) a f) do nº 1 do artigo 2º, sendo que estão preenchidos os requisitos previstos nas restantes alíneas do nº 2 do art. 314º-D do CVM. Com efeito, de acordo com o teor dos documentos referidos nos factos provados, era possível à subscritora, aqui autora, alienar o papel comercial a qualquer momento em mercado secundário (conforme resulta do art. 16º do DL nº 69/2004, de 25 de Março): a subscrição do papel comercial não implicava a assunção de responsabilidades pelo cliente que excedesse o custo de aquisição do instrumento financeiro e, de acordo com os factos provados, nos referidos documentos subscritos pela autora estava disponível, publicamente, informação adequada sobre as características de tal papel comercial, que permitia a um investidor não qualificado médio avaliar, de modo informado, a oportunidade de realizar uma operação sobre esse instrumento financeiro.

Por outro lado, ficou provado que foi a autora que solicitou junto do Banco réu a indicação de uma solução de investimento para a quantia de € 105.000,00, em "moldes conservador, baixo risco", sendo que, perante os diversos instrumentos que lhe foram apresentados, foi a mesma Autora quem optou pelo papel comercial da R..., S.A.. O serviço foi, assim, prestado por iniciativa do cliente. Também resultou provado que no documento junto por cópia a fls. 32-33 com o logotipo "Best Bank" denominado "Papel Comercial - Compra/Anulação n.° conta DO ...07", cujo integral teor foi dado por reproduzido nos factos provados, no respectivo verso assinado pela autora, consta(va) uma advertência de que, tratando-se de um instrumento financeiro não complexo, como se verifica no presente caso, e tratando-se da prestação pelo Banco réu de um serviço de mera recepção e transmissão ou execução de ordens, nos seguintes termos:” O Banco Best adverte-me que não é obrigado a determinar a adequação desta operação às minhas circunstâncias. Assim, o Banco Best não necessita de obter informação para aferir o meu perfil de investidor com a finalidade de proceder à avaliação do carácter apropriado do instrumento ou serviço prestado.”. Julgamos que tal advertência preenche (ia) a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 314º-D do CVM. Também dos factos provados não resulta que tenha ocorrido qualquer violação por parte do intermediário financeiro dos deveres relativos a conflitos de interesses previstos no CVM.

Em suma, consideramos que, estando preenchida a previsão do nº 1 do art. 314º-D do CVM, não se mostra aplicável o disposto no art. 314º do mesmo Código.

Afigura-se-nos, porém, que, ainda assim que não fosse, sempre os factos provados permitiriam concluir que o Banco réu cumpriu o disposto no referido art. 314º do CVM.

Aferindo, em concreto, se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade contratual, importa ter presente o supracitado AUJ n.º 8/2022, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, ml, do CVM.

3.O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Assim, no caso dos autos, seguindo a referida jurisprudência uniformizada, incumbe à aqui autora, enquanto investidora, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre essa violação e os danos sofridos.

No que respeita aos deveres de informação, afirma-se, designadamente, na fundamentação do AUJ acima citado:

“Em conclusão, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.° do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.° do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.

Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, "(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312. ° Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38. ° e 39. ° do Regulamento n.°12/2000).

A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º l do art 312. ° do Cód. VM e 39. ° do Regulamento CMVM n.°12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária”.

Voltando ao caso dos autos, e com interesse para a apreciação da alegada violação dos deveres de informação, ficaram provados os seguintes factos:

“3.1.1. A A. era e ainda é titular da conta bancária de depósitos à ordem n.° ...07 junto do Best.

3.1.2. A 22.01.2014. a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 32-33 com o logotipo "Best Bank" denominado "Papel Comercial - Compra/Anulação n.° conta DO ...07" cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

3.1.3. No referido instrumento consta:

- "Detalhe de ordens: X compra / € 100.000,00 / Emitente R..., S.A./ taxa fixa de 4,100% / Maturidade data: 28.07.2014. "

(...)

-" INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em papel comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento do rendimento bem como o retorno do capital investido na sua totalidade, estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista especifica) á capacidade da entidade e/ou garante dispor dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito coma entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. Em particular, cada potencial investidor em papel comercial deverá:

* ter um conhecimento e experiência suficientes para fazer a avaliação ponderada dos méritos e os riscos inerentes à aquisição de papel comercial e da informação contida neste documento ou incluída na Nota informativa;

* ter acesso e conhecimento de instrumentos de análise apropriados para avaliar, no contexto da sua situação financeira própria, as consequências da aquisição de papel comercial e o impacto que tal aquisição terá na globalidade da sua carteira de investimentos;

*ter recursos financeiros suficientes e liquidez para suportar todos os riscos de um investimento empapei comercial;

*ser capaz de avaliar (sozinho ou com ajuda de um consultor financeiro) possíveis cenários económicos, de taxas de juro e /ou de outros factores que possam afectar o seu investimento e/ou a sua capacidade de suportar os riscos inerentes à aquisição de papel comercial.

(...) DECLARO

* Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancobest.pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. + Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicado na respectiva documentação, não assumindo o Banco Best qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso.

*Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco BEST é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes.

*Ter conhecimento que o Banco Best creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custodiante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários.

3.1.4. Na mesma data a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 34-35, denominado "R..., S.A. —fica técnica Série 30 (para oferta particular de subscrição) ", cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.

3.1.5. No referido instrumento ficou a constar:

-Entidade emitente - R..., S.A.;

-Modalidade - Emissão de papel comercial por oferta particular de subscrição ao abrigo do Programa de papel Comercial de 19 de Setembro de 2013

(...)

-Instituição colocadora - Best - Banco electrónico de Serviço Total, SA

(...)

Papel comercial constitui obrigação apenas do emitente

A aquisição de papel comercial envolve uma confiança na capacidade de crédito do emitente. O papel comercial não é garantido por qualquer entidade. Além disso, a aquisição de papel comercial envolve o risco de que mudanças posteriores na capacidade real, ou percebida pelo mercado, de crédito do emitente possam afectar negativamente o valor de mercado do papel comercial.

3.2.1. A 10.10.2012. a A. subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 36-37, denominado " Perfil de investimento - Questionário Particulares", cujo integral teor se dá aqui por reproduzido e onde consta:

9. Em média, qual a percentagem do património financeiro que estaria disposto a investir em activos de risco médio ou elevado (Obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados, entre outro)? 0%

3.2.2. A 17 de janeiro de 2014, a A. enviou indagou junto da Ré pela indicação de uma solução de investimento para a quantia de € 105.000,00, em " moldes conservador, baixo risco".

3.2.3. A 17 de janeiro de 2014, de acordo com o solicitado, foram apresentados à Autora diversos investimentos, designadamente SGC, Obrigações BES LDN 2019 e o papel comercial da R..., S.A..

3.2.4. Foi a Autora quem, tendo analisado os produtos apresentados, optou pelo papel comercial da R..., S.A., tendo então transferido o valor em causa da sua conta no BES para o Réu para efeitos de subscrição do papel comercial aqui em causa.»

Da factualidade provada resulta, pois, que o Banco réu solicitou à autora informações sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento, através de questionário que abarca as matérias previstas no referido artigo 314º do CVM. Com efeito, provou-se que “a 10.10.2012, a autora subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 36-37, denominado “Perfil de investimento - Questionário Particulares”, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido e onde consta: 9. Em média, qual a percentagem do património financeiro que estaria disposto a investir em activos de risco médio ou elevado (Obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados, entre outros)? 0%”

Alega a recorrente que o Tribunal não se pronunciou sobre o valor deste documento em que a recorrente, ao escrever à mão a indicação “0%”, declarou não querer adquirir obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados entre outros.

Em primeiro lugar, importa referir que, como acima salientámos, não é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 314º do CVM, pelo que, em relação à subscrição pela autora do papel comercial da R..., S.A., não estava o Banco réu obrigado a solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permitisse avaliar se o cliente compreendia os riscos envolvidos (nº 1 do art. 314º do CVM). Nem estava o Banco réu obrigado a avaliar se, com base na informação recebida ao abrigo do nº 1 do art. 314º, a operação considerada era ou não adequada à autora, advertindo-a, por escrito, caso considerasse que não era adequada (nº 2 do art. 314º).

Por outro lado, ainda que admitíssemos como aplicável tal norma, sempre teríamos de considerar que, face aos factos provados, tal disposição legal não tinha sido violada.

Com efeito, e em primeiro lugar, a recorrente parte do erro de considerar que no referido questionário a recorrente afirmou querer 0% de risco em futuras operações financeiras. Ora, o que decorre, mais precisamente, da resposta ao referido questionário é que a recorrente declarou não querer investir qualquer percentagem do seu património financeiro em activos de risco médio ou elevado (Obrigações ou Fundos de Obrigações de taxa fixa, Acções ou Fundos de Acções, Produtos Estruturados, entre outros), o que significa que pretendia investir em activos de baixo risco, como é o caso do papel comercial em causa nesta acção.

Como é referido na sentença de 1.ª instância, citando José Engrácia Antunes (Os instrumentos financeiros, 2017, 3ª Edição revista e actualizada, pág. 282), os instrumentos monetários impuros como é o caso do papel comercial nos termos acima expostos “são dotados de características típicas dos instrumentos monetários – emissão de prazo curto, elevada liquidez, baixo risco e são negociáveis no mercado monetário. De acordo com o mesmo autor, o baixo risco destes instrumentos financeiros traduz-se em poderem “ser transacionados pelos seus titulares em qualquer momento sem perda significativa do respetivo valor (op. cit., pág. 263). Prossegue, ainda, o citado autor: “Em termos financeiros, o risco traduz o potencial de ganho ou perda associado a determinado ativo, consistindo o espetro do risco ("risk-return spectrum") na relação entre as probabilidades de mais e menos-valias associadas a um investimento (ao longo de uma escala de progressão entre classes de investimento: dívida de curto prazo, dívida de médio e longo prazo, propriedade, capitais próprios, investimento especulativo). No caso particular dos instrumentos do mercado monetário, tal significa que o seu perfil de risco é bastante pequeno ou reduzido comparativamente ao dos instrumentos financeiros negociados no mercado de valores mobiliários e no mercado de derivados (op. cit., pág. 263). Com efeito, trata-se “de um instrumento que possui evidentes vantagens, seja para o emitente (mormente, em matéria de flexibilidade e custos), seja para o investidor (mormente, em termos de liquidez), que o comparam favoravelmente face a instrumentos congéneres de médio e longo prazo, mormente as obrigações clássicas – muito embora a sua áurea tenha saído ensombrada com o episódio que envolveu as emissões de papel comercial por entidades do "Grupo Espírito Santo" (GES) nos anos 2013 e 2014 (op. cit. págs. 286-287)

Como ficou provado, foi a autora que, a 17 de Janeiro de 2014, solicitou junto da Ré a indicação de uma solução de investimento em “moldes conservador, baixo risco”, tendo sido nessa data apresentados à Autora, e de acordo com o solicitado, diversos investimentos, designadamente SGC, Obrigações BES LDN 2019 e o papel comercial da R..., S.A. (pontos 3.2.2. e 3.3.3 dos factos provados). Mais se provou que foi a autora quem, tendo analisado os produtos apresentados, optou pelo papel comercial da R..., S.A. (ponto 3.3.4.)

Ora, traduzindo-se o papel comercial num activo de baixo risco, segue-se que o Banco réu sugeriu o investimento em instrumento financeiro que correspondia à solução de baixo risco que tinha sido pedida pela autora e ao perfil de investidor que resultava do referido questionário que a autora tinha preenchido.

Cumpre realçar que na avaliação do baixo risco do papel comercial aqui em causa temos que atender, ainda, às circunstâncias conhecidas na data da subscrição desse instrumento financeiro, ou seja, em Janeiro de 2014, sendo que, ao contrário do que a recorrente alega de forma insistente nas suas alegações de recurso, não resultou provado que o Banco réu tivesse conhecimento naquela data das dificuldades financeiras da emitente do papel comercial e de que esta não iria proceder ao reembolso do capital investido na data da maturidade. Na verdade, em Janeiro de 2014, de acordo com os factos provados, e atentas as características do papel comercial acima enunciadas, nada fazia crer o que sucederia alguns meses depois com a impossibilidade da emitente R..., S.A. de cumprir a obrigação de reembolso do capital investido.

Acresce que resulta da factualidade provada que no documento denominado “Perfil de investimento - Questionário Particulares”, subscrito pela autora em 10.10.2012, cujo teor foi considerado integralmente reproduzido no ponto 3.2.1. dos factos provados, a autora declarou possuir como habilitações académicas “formação superior em áreas económico-financeiras ou de gestão”. Essa formação superior habilitava-a, claramente, a compreender melhor a informação constante dos documentos que subscreveu sobre o risco do produto financeiro, em comparação com outros investidores não qualificados sem essa formação superior.

Como decorre do nº 2 do art. 312º do CVM, “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”. Como se assinala no Acórdão do STJ de 11.07.2019, revista n.º 901/17.7T8VRL.G2.S1, “a informação a prestar por um intermediário financeiro a um seu cliente tem patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário: se o intermediário recomenda um investimento, os deveres de informação são especialmente intensos; se o intermediário presta um serviço de “balcão” do tipo recolhe de subscrições de produtos financeiros, abertura de conta de valores mobiliários ou sua movimentação, a intensidade é outra.”

Ora, como já se enfatizou, da factualidade provada resulta que foi a autora que, em 17 de Janeiro de 2014, indagou junto da Ré pela indicação de uma solução de investimento em "moldes conservador, baixo risco", tendo na mesma data, de acordo com o solicitado, sido apresentados à Autora diversos investimentos, designadamente SGC, Obrigações BES LDN 2019 e o papel comercial da R..., S.A. (pontos 3.2.2. e 3.3.3 dos factos provados); além de que foi a autora quem, tendo analisado os produtos apresentados, optou pelo papel comercial da R..., S.A. (ponto 3.3.4.). Assim, foi a autora quem solicitou o investimento em papel comercial, tendo o intermediário financeiro prestado apenas um serviço de recepção e execução de ordens do cliente, sem que tenha sido prestado qualquer aconselhamento pelo Banco nesse sentido, o que também mitiga a intensidade dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro.

Ao mesmo tempo, dos factos provados resulta também que no documento de subscrição do papel comercial, assinado pela autora, constam expressamente os riscos genéricos e específicos inerentes ao papel comercial, concretamente:

- “INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em papel comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento do rendimento bem como o retorno do capital investido na sua totalidade, estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista especifica) á capacidade da entidade e/ou garante dispor dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito coma entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. Em particular, cada potencial investidor em papel comercial deverá:

* ter um conhecimento e experiência suficientes para fazer a avaliação ponderada dos méritos e os riscos inerentes à aquisição de papel comercial e da informação contida neste documento ou incluída na Nota informativa;

* ter acesso e conhecimento de instrumentos de análise apropriados para avaliar, no contexto da sua situação financeira própria, as consequências da aquisição de papel comercial e o impacto que tal aquisição terá na globalidade da sua carteira de investimentos;

* ter recursos financeiros suficientes e liquidez para suportar todos os riscos de um investimento empapei comercial;

* ser capaz de avaliar (sozinho ou com ajuda de um consultor financeiro) possíveis cenários económicos, de taxas de juro e /ou de outros factores que possam afectar o seu investimento e/ou a sua capacidade de suportar os riscos inerentes à aquisição de papel comercial.

(...) DECLARO

* Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancobest.pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. + Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicado na respectiva documentação, não assumindo o Banco Best qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso.

* Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco BEST é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes.

* Ter conhecimento que o Banco Best creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custodiante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários.”

Deste modo, cabendo à autora o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este eram legalmente impostos, podemos concluir, pois, em função do exposto, que não se provou qualquer facto que evidencie que tais deveres de informação não foram cabalmente cumpridos pelo Banco réu.

Cita a recorrente, em abono da sua tese, o decidido pelo STJ no acórdão de 19.3.2019, no âmbito do processo nº 3922/16.3T8VIS.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt, mas na situação apreciada nessa acção, o intermediário financeiro fez crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando, afinal , se tratava de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco. A situação dos autos é totalmente oposta à que foi objecto dessa decisão, não se provando qualquer dos factos acima referido quanto à conduta do Banco enquanto intermediário financeiro.

Nesta matéria, diversamente, a recorrente baseia, como se viu, a sua argumentação na alegação de que, no momento da subscrição dos valores mobiliários, o intermediário financeiro tinha já conhecimento de factos relativos à debilidade financeira do emitente do papel comercial, mas nada disso resultou provado.

Em conclusão, não se encontra demonstrada a ilicitude da conduta do Banco réu enquanto intermediário financeiro, falhando, deste modo, o primeiro dos pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade do intermediário financeiro.

A decisão da Relação não merece, assim, reparo.

Improcedendo, totalmente, a revista, e não se verificando o direito invocado pela recorrente, fica prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição invocada pelo Banco recorrido.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 12 de Dezembro de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria Clara Sottomayor