Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DOS FACTOS PODERES DA RELAÇÃO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA PRINCÍPIO DA OFICIOSIDADE PRINCÍPIO DA JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, p. 288 e 432. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 3, 639.º, N.º 1, 640.º E 662.º, N.º 3, ALÍNEA C). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84; - DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19; - DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 2154/08.9TBMGR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I. Cumprido pelo recorrente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º do CPC e tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento. II. Não se compreenderia, na verdade, desde logo, por razões de justiça material, que o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação e da formação do seu próprio juízo probatório sobre cada um dos pontos de facto objeto de impugnação, não pudesse interferir noutros pontos da matéria de facto cujo conteúdo se viesse a revelar afetado pelas respostas dadas àqueloutros por forma a evitar contradições, tal como acontece na situação prevista na parte final da alínea c) do nº 3 do artigo 662º, do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL
I. Relatório 1. AA e mulher, BB, CC e mulher, DD e EE e, mulher FF, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra GG, HH, II e JJ, pedindo que se declare que: - os autores AA, CC, EE e KK são os únicos e universais herdeiros de LL, falecido; - nula ou ineficaz e sem quaisquer efeitos jurídicos a escritura pública de justificação outorgada pela ré GG, em conjunção de esforços com os restantes réus; - a ré GG não adquiriu por usucapião o direito de propriedade exclusiva sobre determinado prédio urbano; - nulo, ineficaz e sem qualquer efeito o registo de aquisição do prédio efectuado em favor da ré GG na respectiva Conservatória do Registo Predial, bem como quaisquer outros que dele dependam; - metade do referido prédio faz atualmente parte do acervo hereditário da herança não partilhada aberta por óbito de LL; Mais peticionaram, em consequência, a : - condenação da ré GG a restituir metade do prédio ao acervo hereditário da herança referida e a pagar-lhe, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia que se julgar adequada por cada dia de atraso até efectiva restituição; - comunicação da decisão à notária para averbação na respectiva justificação notarial e que se ordene ao competente serviço de Finanças o cancelamento da inscrição do prédio a favor da ré GG e à competente Conservatória do Registo Predial o cancelamento do registo de aquisição do prédio em favor da ré GG, bem como quaisquer outros que dele dependam; - condenação solidária dos réus a pagar aos autores, a título de danos morais, a quantia de € 3.000,00. Alegaram, para tanto e em síntese, que são filhos de LL, que faleceu sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade e deixou como únicos e universais herdeiros os autores e a sua filha KK. O seu pai viveu durante anos em união de facto com a ré GG, tendo ambos adquirido o referido prédio. Após o óbito de LL, a ré GG procedeu à realização de escritura de justificação notarial, bem sabendo que metade do identificado prédio integra o acervo hereditário daquele e causando aos autores, com tal conduta, grande consternação, dor, amargura pessoal e revolta. 2. Contestaram os réus, impugnando os factos alegados pelos autores e concluindo pela improcedência da acção. Deduziu a ré GG reconvenção, pedindo seja reconhecida a sua aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobe o identificado prédio. 3. Os autores responderam, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. 4. Dispensada a realização de audiência prévia e fixado à causa o valor de €164.880,00, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova. 5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e o pedido reconvencional improcedente e, consequentemente, decidiu: a) Declarar ineficaz a escritura de justificação realizada no dia 22 de Janeiro de 2014 no Cartório Notarial de … sito na Rua …, 20 A, perante a Notária Drª MM, exarada a folhas cento e trinta e oito a folhas cento e trinta e nove verso do Livro nº 240-A; b) Ordenar o cancelamento da inscrição de aquisição efetuada junto da competente Conservatória do Registo Predial de … com base na escritura a que alude a alínea a), bem como o cancelamento da inscrição efectuada pelo Serviço de Finanças do … 2; c) Declarar os autores AA, CC, EE e a interveniente KK como únicos e universais herdeiros do falecido LL; d) Declarar que " 1/2 do prédio urbano composto de edifício de rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, sito em Rossio …, actualmente na Rua …, nº 24, …, …, …, descrito sob o número sete mil trezentos e cinquenta e seis, freguesia da …, da Conservatória do Registo Predial da … e inscrito na matriz sob o artigo 1468 da freguesia da … é pertença e faz parte do acervo hereditário do falecido LL e o outro 1/2 é propriedade da Ré GG; e) julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelos Autores contra os Réus; f) absolver os Autores/Reconvindos do pedido reconvencional contra eles deduzido pela Ré/Reconvinte GG. 6. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré GG para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 28.03.2019, decidiu conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, exceto na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória bem como o pedido de condenação dos réus no pagamento aos autores de indemnização por danos não patrimoniais. Julgou, quanto ao mais, a ação improcedente, absolvendo a ré GG de todos os pedidos contra ela formulados. Julgou ainda procedente a reconvenção, declarando que a ré GG adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº 7…6/20090928, por usucapião e condenando os autores reconvindos a reconhecerem tal direito de propriedade da ré GG. Mais determinou que as custas, em primeira e segunda instância, ficavam a cargo dos Autores reconvindos e recorridos. 7. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram os autores/reconvindos recurso de revista, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: « 1º Os recorrentes, apesar de muito respeitarem o douto acórdão proferido, com a decisão nele inserta não se conformam, desde logo porque o Tribunal da Relação julgou procedente o recurso na sua totalidade e condenou os aqui recorrentes e aí recorridos nas custas, na primeira e segunda instância, (enquanto autores, reconvindos e recorridos). 2º Contudo os recorrentes, obtiveram vencimento parcial em primeira instância e posteriormente em sede de recurso na segunda instância uma das pretensões recursivas da ré não teve procedência. 3º Já que a ré GG quando apresentou o seu recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa, recorreu não apenas da sentença final proferida, mas também do despacho proferido nos autos em 13.06.2018, constante de fls. ... o que foi apreciado como 1ª Questão do recurso e a final julgada que a pretensão recursiva da ré relativamente ao mencionado despacho era intempestiva. 4º Pelo que os recorrentes entendem que o Tribunal da Relação deveria proceder à condenação dos autores, apenas nas custas relativas ao recurso e proporcionalmente ao vencimento dos mesmos de acordo com o julgado. 5º Pelo que assim tendo decidido o douto acórdão, salvo o devido respeito, violou o mesmo o artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC 6º A ré GG deduziu o seu recurso perante a Relação solicitando a reapreciação da matéria de facto, em concreto que fosse decidido: “considerar-se como provada a matéria vertida nos n.ºs 1 e 5 dos Factos Não Provados nos seguintes termos: - a compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano de 1991 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora; e só a Ré GG actuou como a única dona do prédio a que alude a alínea E) dos Factos Provados, desde pelo menos o ano de 1991, sem que alguém se tivesse oposto; 7º Ocorre, porém, que o douto acórdão proferido pela segunda instância refere que a recorrente “pretende que os factos não provados nº 1 a 5 passem a provados” e posteriormente considerou “que ocorreu erro notório na apreciação da prova” e alterou a resposta não provada julgada pela primeira instância e julgou provados os factos sob 1, 3, 4 e 5 do probatório. 8º Contudo da conjugação dos artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC, salvo melhor e mais sábia opinião, conclui-se que as conclusões efetuadas pelo recorrente no seu recurso delimitam o objeto do mesmo. 9º E aplicando a legislação supra enunciada aos autos, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação não poderia ter alterado os factos constantes dos números 3 e 4 do probatório, da decisão proferida pela primeira instância, porque a aí recorrente GG, não requereu alteração do julgamento de tais pontos de fato, efetuado pela primeira instância. 10º Sendo aliás esta a posição jurisprudencial veiculada no acórdão deste Supremo, proferido em 06-06-2018, no processo n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1, relatado por FERREIRA PINTO, publicado em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que “I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.” 11º O Tribunal da Relação ao alterar as questões factuais descritas em 3º e 4º do probatório, da douta sentença de primeira instância, quando tal julgamento não foi impugnado pela ré GG nas suas conclusões de recurso, salvo o devido respeito, excedeu os seus poderes de cognição, violando as regras impostas pelos artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1e 2, do CPC, 12º E consequentemente o douto acórdão proferido está viciado de nulidade processual insuprível, por força do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC, que deve ser verificada e declarada, com todas as consequências legais. 13º Não obstante o supra alegado ainda se dirá que a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem ensinando que “O Supremo pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação no sentido de averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte dos factos não provados – neste sentido acórdão do STJ, proferido em 07/07/2016, no processo 487/14.4 TTPRT.P1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, publicado em www.dgsi.pt. 14º No caso dos autos a segunda instância, no douto acórdão, decidiu-se pela alteração da resposta de não provado, dada pela primeira instância, relativamente ao facto constante do nº 1, passando assim a provado que “A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora”, 15º E assim decidiu porque considerou que “… a conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras de experiência normal é a de que foi a mãe de GG e isso foi afirmado por GG, NN e JJ” cf. pg. 54 e 55 do douto acórdão. 16º Mas os recorrentes não se conformam com tal julgamento e suportando-se na jurisprudência supracitada, vêm requerer a alteração do julgamento efetuado, quanto este ponto de fato n .º 1 do probatório, pelas razões que a seguir deduzem. 17º Assim a ré GG havia alegado na sua contestação que: - Que o seu progenitor havia falecido há alguns anos e havia deixado cerca de 13 mil contos, - Que não haviam sido feitas as partilhas. - Que a sua mãe lhe deu os 6.000 contos para a compra da casa e pagamento de outras despesas. - Que na altura deu igual quantitativo ao seu irmão NN. - Que comprou o imóvel dos autos, utilizando unicamente dinheiro que a sua mãe lhe havia dado. - Que o falecido LL não tinha dinheiro para a compra do imóvel.” 18º Depois em sede de declarações de parte veio referir que: - Que pagou de uma vez só porque tinha algum dinheirinho junto e deu esse dinheiro de sinal ao senhor OO. - Que mãe depois deu-lhe o resto, porque tinha vendido as coisas da parte dos pais de herança e com aquilo que o meu pai tinha deixado, - Deu ao seu irmão e deu-lhe a si, quando eu precisei falei com ela e disse-lhe, - Que sabia que o senhor LL tinha uma conta no banco, que ele tinha dinheiro, não chegava a 20 000,00€. 19º Mas, entretanto, os recorrentes juntaram aos autos uma certidão de inventário obrigatório por óbito de PP, com processo n.º 17/73, que termos correu pelo Tribunal Judicial da Comarca da Sertã a fls…, 20º Os recorrentes juntaram a dita certidão de inventário para contraprova do alegado e posteriormente declarado pela ré, com o propósito de demonstrar que já havia sido feita a partilha de bens da herança do progenitor da ré GG e ainda que da relação de bens constante do dito inventário, não constava relacionada qualquer verba de cerca de treze (13) mil contos. 21º Contudo o julgamento efetuado em segunda instância valorizou as declarações de parte das rés GG e JJ e o depoimento da testemunha NN, em detrimento da certidão de inventário junta aos autos pelos autores. 22º Ora os autores não se conformam com tal julgamento e creem, salvo melhor e mais sabia opinião, que o Tribunal assim não podia proceder, porque o artigo 607º n.º 5 do CPC refere que a livre apreciação de prova pelo julgador não abrange os factos que só possam ser provados ou que estejam plenamente provados por documentos. 23º E por sua vez o artigo 371º nº 1 do Código Civil refere que “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora”. 24º Ora tendo o Tribunal da Relação verificado que da certidão de inventário resulta “… claro que a partilha já foi feita e que da relação de bens não constava a verba de treze mil contos…”, conforme se escreveu no douto acórdão na pg. 51 (2º paragrafo), deveria, salvo o devido respeito, julgar de acordo com o que tal documento confirma, porque a prova documental é uma prova legal e plena. 25º Acresce ainda que o artigo 372º nº 1 do Código Civil refere que “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade” e não foi arguida em momento algum do processo a falsidade de tal documento nem o mesmo não foi julgado falso. 26º Pelo que com base no que supra se articulou, salvo o devido respeito, entendem os recorrentes que o Tribunal ao não julgar de acordo com os comandos legais previstos nos artigos 607º nº 5 do CPC, 371º nº 1 e 372º nº 2 do Código Civil, violou-os, inquinando também o douto acórdão de ilegalidade no que a esta parte respeita. 27º Por outro lado, o Tribunal da Relação convenceu-se no seu julgamento que o dinheiro para adquirir a casa justificada pela ré/recorrente GG proveio de doação da sua mãe, utilizando ainda a prova por presunção. 28º Ora como já referimos a versão constante do articulado da contestação da ré GG proveio da herança do pai que havia deixado cerca de treze (13) mil contos (que depois alterou nas suas declarações) e que não foi confirmada sequer pelo seu irmão, a testemunha NN. 29º De resto no douto acórdão da Relação escreveu-se, “Portanto GG foi alterando as suas versões, a versão da GG não bate certo com a de NN, e os treze mil contos não estão documentados em lado nenhum …” – pg. 54. Do douto acórdão 30º Ora tal constatação deveria levar, salvo o devido respeito, à confirmação do julgamento efetuado pela primeira instância, designadamente que “ de toda a prova produzida não ficou claro e seguro se o prédio foi adquirido apenas com dinheiro de LL, se apenas com dinheiro que a progenitora da ré GG lhe deu, se foi adquirido também com dinheiro da ré ou com dinheiro de LL e da ré”. 31º Mas assim não ocorreu, porque o Tribunal da Relação julgou que “este Tribunal de recurso não ficou particularmente impressionado com a inconsistência de explicação de GG e de NN sobre a origem do dinheiro e não partiu daqui para rejeitar a credibilidade de tudo aquilo sobe que se depuseram”, pg. 57 do douto acórdão, e ainda que a “conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras de experiencia normal é a de que foi a mãe da GG” . pg. 54 (in fine) e pg. 55 do douto acórdão. 32º E assim concluiu porque, isso foi afirmado por GG, NN e JJ, existe prova documental que a senhora tinha imóveis e que o havia deixado, ser tão proactivo na perseguição da verdade da inexistência de dinheiro como foram os AA poderá com alguma probabilidade ter levado GG a alterar versões e NN a aditar explicações com grande probabilidade, nem a ré nem o seu irmão teriam conhecimento dos negócios da mãe, não deixando de ser frequente que fossem feitos negócios não titulados formalmente quanto a bens imóveis, não sendo necessário que o produto da venda tivesse sido depositado em banco e nada obsta a que a progenitora da ré/recorrente GG tivesse emprestado dinheiro a juros e que a mesma fosse poupada, e que a presença de LL não tem o significado de que LL pagou metade do preço, mas pode ter aquele que a ré GG e o irmão lhe deram, ou seja, que apenas aí figurava o LL porque se acontecesse alguma coisa à ré/recorrente GG não podia acautelar que a casa ficasse para a filha. 33º Ora os recorrentes não se conformam com as conclusões tiradas pelo Tribunal da Relação, porque o Tribunal considerou as declarações de parte da ré GG, mas o mesmo Tribunal da Relação verificou que esta ré nas suas declarações não confirmou o que alegou em sede de contestação e que apresentou versões diferentes. 34º Quanto às declarações da ré JJ o Tribunal da Relação verificou que a mesma mentiu tendo inclusive julgado que a mesma mentiu no julgamento da …, mas que aqui não mentiu quando diz que a casa foi comprada. 35º Ora, salvo o devido respeito, esta ré pode até dar garantias ao julgador de segunda instância para testemunhar que a casa foi comprada, mas de todo não as pode dar para testemunhar que “ o Ti LL dizia que a casa era da GG”, ou seja para jurar em juízo que a casa é apenas da ré GG, em primeiro por manifesta falta de independência como de resto o Tribunal da Relação verificou quando afirmou a seu respeito que “… a ligação entre JJ e GG é absolutamente de proteção mútua…” pg. 37 do douto acórdão. Em segundo porque como vimos já é pessoa experimentada em mentir perante um juiz. E em terceiro porque existe um bloco de testemunhas a dizer o contrário do que a mesma afirma. 36º Quanto ao depoimento da testemunha NN, constata-se que tal testemunha nem confirmou o que foi alegado pela ré GG relativamente ao dinheiro provir da herança do seu pai, nem confirmou o que disse a sua irmã em sede de declarações de parte, e ainda veio aditar novas formas de aquisição de dinheiro pela sua progenitora, os tais empréstimos particulares a juros. 37º Sendo que quanto a esta testemunhas temos ainda que o Tribunal da Relação não considerou o seu depoimento parcialmente tendencioso, nem interesseiro, mas salvo o devido respeito, os recorrentes assim não entendem, porque esta testemunha é irmão da ré GGo e mora na casa em discussão nos autos, pelo que a tendência normal é proteger a sua familiar com as suas declarações, ao invés dos autores, com quem não tem qualquer ligação familiar, para que essa conserve a propriedade total da casa, sendo por isso legítimo o julgamento da primeira instância quando convoca a sua parcialidade para o descredibilizar. 38º Depois quanto à prova documental do património, ou seja, a já mencionada certidão de inventário, salvo melhor e mais sábia opinião, tal documento não sustenta o que foi alegado na contestação da ré, como parece ser o julgamento efetuado, porque na relação de bens rústicos apenas constam frações de propriedade (1/2 e 1/6) de dois bens doados à sua mãe, mas com o valor de 220$00 e 660$00 cada, e não de cinco mil contos ou seis mil contos, que teria sido o dinheiro dado pela progenitora. 39º E porque tal documento demonstra que não existia qualquer verba monetária deixada pelo pai da ré/recorrente GG e ainda que já haviam sido feitas partilhas ao contrário do alegado, e igualmente não provado, o que depois foi dito pela ré GG. 40º Quanto à proatividades dos autores na busca da verdade material, estes esclarecem que apenas pretendiam exercer o seu direito de contra prova e entendem que a mesma não pode justificar a alteração das versões da ré GG ao longo do processo. 41º Quanto à justificação de falta de idade da ré GG e do seu irmão NN, salvo melhor opinião, também entendem os recorrentes que tal não pode justificar a incoerência das suas afirmações, porque estão ambos vinculados ao dever de verdade e assim juraram antes de depor e, não pode por isso, servir para justificar as suas ilegalidades, nem para redundar em prejuízo dos autores recorrentes, que são filhos e legítimos herdeiros do falecido. 42º Quanto à justificação da falta de titulação dos negócios, salvo o devido respeito para ser levada como critério presuntivo, haveria de ser aplicada a ambas as partes do processo, isto porque o Tribunal da Relação classificou a alegação da venda da casa inicial do pai dos autores de indocumentada por não haverem juntado a escritura de compra e venda emitida pela Torre do Tombo, que protestaram juntar e não conseguiram por nunca haver sido emitida, e quanto aos anunciados negócios da progenitora da ré, o mesmo Tribunal relativizou tal questão, o que, salvo o devido respeito, no entendimento dos recorrentes não pode ocorrer por força do principio da igualdade das partes. 43º Mais refere o douto acórdão proferido que o dinheiro do produto da venda não teria necessariamente que ser depositado em banco, e que nada obsta que a progenitora da ré GG fizesse empréstimo e fosse poupada. 44º Ora o Tribunal da Relação verificou que a ré GG informou por escrito ao processo que nada sabia sobre isso, que apenas a sua mãe poderia esclarecer tal questão, mas como já havia falecido tal não era possível, e depois que o seu irmão, a testemunha NN disse que a sua mãe teria ido levantar parte do dinheiro ao BANCO QQ para dar à sua irmã, a ré GG, pelo que salvo o devido respeito, tal justificação é incompreensível para os recorrentes. 45º Por último quanto à justificação da presença de LL na procuração e ainda para mais antes da ré GG, ou seja, em primeiro lugar, também não compreendem os recorrentes que o Tribunal da Relação tenha aceite a justificação dada pela ré GG, porque as regras da experiencia da vida em comum conduzem a conclusão indiciária inversa, ainda para mais quando a testemunha OO não secundarizou a versão da ré GG quanto à inclusão de LL na procuração. 46º Pelo que em função do exposto, salvo o devido respeito, que é muito, os recorrentes entendem que a fundamentação dada pelo Tribunal da Relação para proferir a conclusão de que o dinheiro para a compra da casa foi dado pela mãe da GG não é a sua logicidade compreensível pelos recorrentes. 47º E por isso pugnam os recorrentes para que tal julgamento seja revogado e se mantenha o julgamento efetuado em primeira instância, nomeadamente que o facto n.º 1 do probatório não foi provado. 48º E consequentemente que este Supremo revogue o douto acórdão da Relação de Lisboa, substituindo-o por outro em que se julgue em conformidade ao proferido na douta decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, julgando a ação procedente por provada com todas as consequências legais. Termos em que requer seja revogado o douto acórdão proferido pela Relação e em sua substituição por outro que determine: 1. A reforma do douto acórdão da Relação em que se condene os autores em custas, apenas relativamente ao vencimento em segunda instância e proporcionalmente ao seu vencimento. 2. A nulidade do douto acórdão da Relação ao abrigo do disposto artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC por o Tribunal haver excedido os seus poderes de cognição, ao alterar as questões factuais descritas em 3º e 4º do probatório, da douta sentença de primeira instância, quando tal julgamento não foi impugnado pela ré GG nas suas conclusões de recurso, por violação das regras impostas pelos artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC, com todas as consequências legais. 3. A alteração de provado o facto nº 1 com a redação “A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora”, para não provado, porquanto o julgamento efetuado em segunda instância, ofender os comandos legais previstos nos artigos 607º n.º 5 do CPC, 371º n.º 1 e 372º n.º 2 do CC e a sua presunção padecer de ilogicidade incompreensível. 4. E a final a ação procedente por provada e a reconvenção improcedente por não provada, (em conformidade com o julgamento de primeira instância), com todas as consequências legais. 8. A ré GG respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. Atendendo ao dispositivo do douto Acórdão Recorrido, de onde, em suma, resulta a total improcedência da acção interposta pelos AA./Recorrentes e a procedência do pedido reconvencional deduzido pela R./Recorrida, o Tribunal a quo bem andou ao estabelecer “custas, em primeira e segunda instância, pelos Autores (enquanto Autores, reconvindos e Recorridos), ao abrigo do disposto no artigo 527 do CPC; 2. E assim é, pois, em face do decidido em 2.ª instância, o ganho de causa da Recorrida é total, sem prejuízo da improcedência da impugnação do douto despacho de fls…, de 13 de Junho de 2018, pois que a sorte da acção lhe foi totalmente favorável em razão do decidido pela Veneranda Relação de Lisboa, sendo a improcedência da impugnação do citado despacho indiferente para o desfecho da causa; 3. Pelo que, necessariamente, nenhuma censura merece o douto Acórdão recorrido no que tange à repartição de custas; 4. Ademais, e bem, o Tribunal a quo concluiu expressamente pelo “ erro notório na apreciação da prova ” (Cfr. pág. 58, § 2.º do douto Acórdão recorrido), após exaustiva análise dos meios de prova testemunhal e documental, correlacionando-os entre si, de acordo com a impugnação e os elementos de prova salientados sob as conclusões 33 e 34 da Apelação; 5. Pelo que desde logo não se afigura lógico nem razoável os Recorrentes concluírem pela verificação da “questão formal” atinente à suposta violação das normas dos artigos 635.º e 639.º do CPC; 6. Muito pelo contrário, a alteração da matéria de facto resulta da impugnação vertida sob as conclusões 33 e 34 da Apelação, cabendo as alterações vertidas no douto Acórdão recorrido na impugnação deduzida pela aqui Recorrida e, para mais, sustentada nos meios de prova por si indicados; 7. Não colhe a conclusão dos Recorrentes de que “ o douto acórdão proferido (...) violou (...) as regras impostas pelos artigos 635°, n.°s 3 a 5, e 639°, n.°s 1 e 2, do CPC ”, inexistindo qualquer nulidade por “ haver conhecido de questão (...) cujo conhecimento lhe estava vedado ”, porquanto da respectiva leitura do Acórdão recorrido resulta com clareza que a Relação analisou as provas relevantes para a apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida pela Recorrida e expressamente salientadas nas conclusões 33 e 34 da Apelação, referentes à matéria de facto considerada como não provada (e expressamente atinentes à dominialidade da Recorrida sobre a totalidade do prédio dos autos), valorando diferentemente da 1.ª instância o conjunto dos depoimentos das testemunhas, que descreveu um a um, das declarações de parte dos Recorrentes e da Recorrida e dos demais co-réus e dos documentos juntos aos autos, analisando criticamente as provas, relacionando-as e extraindo as ilações que pormenorizadamente justifica no douto Acórdão recorrido; 8. Com efeito, “não existe nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, uma vez que o conhecimento oficioso pela Relação, no que respeita à matéria de facto, foi determinado pelo objectivo de evitar contradição entre os pontos de facto alterados e aqueles que com eles tinham atinência e, se mantidos, inexoravelmente evidenciariam contradição ” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2013, no processo n.º 2154/08.9TBMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt) 9. Justamente, a Veneranda Relação não só fundamenta exaustivamente a alteração da matéria de facto como a mesma se insere nas conclusões da Apelação (Cfr. conclusões nºs 33 e 34), sendo a alteração o reflexo dos factos correlativos à dominialidade invocada pela Recorrida, que impunham a não prova das alíneas J), Q) e S) dos Factos Provados (expressamente impugnados na conclusão n.º 34, por apelo aos meios de prova identificados na conclusão n.º 33) e a prova dos factos descritos nos nºs 1 a 5 dos Factos Não Provados em primeira instância e que passaram a provados em segunda instância; 10. Pelo que, cremos, terá de improceder a Revista com suporte em tal fundamento. 11. Quanto à suposta violação da prova vinculada, a alegação dos Recorrentes é, acima de tudo, temerária, pois que se o Tribunal a quo não atendeu à certidão de inventário obrigatório por óbito de PP, no âmbito do processo n.º 17/73, tal se deve ao facto de tal documento ser inócuo para prova do pagamento do preço de aquisição do prédio dos autos; 12. E a comprová-lo aí está a fundamentação exarada no Acórdão recorrido, que aqui nessa parte se transcreve, em síntese, e a título exemplificativo: “ NN disse que ele e a irmã eram filhos dum segundo casamento do pai, que o pai morrera quando ele NN tinha 11 anos, que o pai tinha umas economias e que (sendo que morreu com 84 anos) dizia “fica aqui este dinheiro para os miúdos” A mãe rentabilizou esse dinheiro emprestando-o muito tempo a juros de 27 a 30 por cento (aproximados às taxas de juro bancárias da época). Mais à frente, NN disse recordar-se de que havia notas de mil dentro de uma arca de cereal, que o pai era capaz de ter deixado mil e tal contos ou mais, que o pai vendera propriedades em partilhas com os filhos do primeiro casamento (por óbito da primeira esposa e mãe desses filhos) (…) GG afirmou que a mãe era poupada, controlada e organizada, e NN juntou que a mãe rentabilizara o dinheiro emprestando-o a juros (…) GG e NN sabem que tiveram bens herdados do pai, que a mãe teve bens doados do pai, e portanto, as aparências desiludindo, vivesse a senhora num curral de gado - que nenhuma testemunha se atreveu a confirmá-lo em julgamento - o facto é que a senhora tinha ou teve bens imóveis e é facto incontestado, e porventura mais valera aos autores não ter junto a certidão do inventário, que o pai de GG tinha bens, e não eram assim tão poucos” , sendo que da respectiva leitura resulta com clareza que o Tribunal a quo não só sopesou a apontada certidão de inventário, a qual, para além do mais, em nada infirma o declarado pelas citadas testemunhas (bem pelo contrário, indicado que o pai da Recorrida deixou diverso património), como, e acima de tudo, relacionou pormenorizadamente os citados meios de prova com a prova do preço pago pela Recorrida pela aquisição do imóvel dos autos, concluindo, com total respaldo na prova produzida, que “A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora”; 13. A convicção do Tribunal a quo resultou da valorização que fez da audição dos depoimentos das testemunhas em audiência, alguns dos quais desvalorizados pela 1.ª instância como “pouco seguros”, mas que, após reapreciação, e de acordo com a convicção dos julgadores da Relação, foram os mesmos tidos como prestados de forma segura pelas testemunhas, esclarecendo-se que “GG e NN eram pouco mais que crianças quando o pai morreu (…) Agora assim para mais crescidos, GG e NN sabem que tiveram bens herdados do pai, que a mãe teve bens doados do pai (…) a conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras da experiência normal é a de que foi a mãe de GG [que lhe deu o dinheiro para compra do imóvel], e isso foi afirmado por GG, NN e JJ. De resto, da parte dos AA. (…) não houve prova alguma que a senhora [mãe da Recorrida] vivesse num curral de gado, que a história de ter emprestado dinheiro à filha fosse, atentas as suas condições económicas, uma ficção completamente surreal, sobretudo porque há prova documental que a senhora tinha bens imóveis e que o pai de GG havia deixado (…) bens imóveis ” ; 14. Por outro lado, o facto de LL constar também da procuração de fls. 54 v. e 55 é sopesado e valorado pelo Tribunal a quo segundo um raciocínio lógico e coerente, fundamentando-se que “ foi OO [vendedor do prédio dos autos] que disse que negociou só com GG, que disse que foi GG que lhe pagou, que disse (…) que os termos da procuração foram da autoria do notário [sendo] uma situação de normalidade em procurações e escrituras (…) em toda a sorte de documentos (…) o nome do marido vir primeiro do que da mulher ”; 15. Ora, tal fundamentação cabe e respeita o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, e que vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada ou decide reapreciar a matéria de facto; 16. Em suma, o Tribunal a quo proferiu decisão de facto em total conformidade com o direito probatório material, inexistindo, de todo, qualquer violação de prova vinculada ou qualquer ilogicidade no uso de presunções ou na fundamentação de facto que se extrai do douto Acórdão recorrido; 17. Justamente, conforme resulta evidente da análise efectuada nos pontos que antecedem, o Tribunal da Relação reapreciou as provas produzidas no processo em relação aos factos objecto da impugnação, procedeu à audição das testemunhas e ao confronto entre os depoimentos prestados por elas, explicitou as conclusões da prova que reavaliou e, a final, procedeu à modificação da decisão de facto de acordo com a convicção que formou acerca das circunstâncias de facto em discussão; 18. E não se diga que o Tribunal da Relação, no uso desses poderes de modificabilidade da decisão de facto, não podia socorrer-se de presunções judiciais; 19. Com efeito, embora tal não tivesse acontecido no caso sub judice, conforme resulta do exposto supra (a este propósito relembre-se a fundamentação de facto do douto Acórdão recorrido, suportando a alteração do julgamento de facto directamente na prova produzida: “a conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras da experiência normal é a de que foi a mãe de GG [que lhe deu o dinheiro para compra do imóvel], e isso foi afirmado por GG, NN e JJ”), não pode deixar de se assinalar que, ao contrário do que os Recorrentes parecem defender, as presunções legais, enquanto “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (Cfr. artigo 349.º do CC), não deixam de constituir um instrumento, por vezes necessário, para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos; 20. Pelo que, sempre caberia ao julgador, se assim o entendesse, uma vez confrontado com a prova produzida, extrair conclusões lógicas dos factos apurados, depois de os analisar criteriosamente e de ponderá-los, com base na experiência e no conhecimento geral da vida, sendo de realçar que o uso de presunções judiciais não só é permitida por lei (Cfr. artigo 349.º do CC), como desempenha a função de demonstração da realidade dos factos (Cfr. artigo 341.º do CC). Daí que, situando-se no domínio da apreciação e fixação das provas, também se integram, por excelência, nos poderes de aferição e produção de prova das instâncias; 21. Realmente, a alteração da matéria de facto – com o aditamento de novos factos por parte do Tribunal da Relação de Lisboa – resultou, como se demonstrou supra, da audição dos depoimentos prestados pelas testemunhas, conjugado com os restantes meios de prova, no uso pleno das competências da Relação e não, como alegam os Recorrentes, com base em qualquer determinação, extrapolação ou fixação dos factos por uso de presunções ilógicas ou contrárias a (alegada) prova vinculada; 22. Nestes termos, deverá, por isso, improceder o recurso in totum » . 7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].
Assim, a esta luz, as questões a decidir traduzem-se em saber:
1ª- se o acórdão recorrido é nulo por se ter pronunciado sobre matéria de facto que não foi objeto de impugnação por parte dos apelantes;
2ª- se ocorreu uso indevido de presunções judiciais;
3ª da responsabilidade pelo pagamento das custas. *** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto Foram considerados provados os seguintes factos: A - LL faleceu, no estado de casado com RR, no dia … de Junho de 2011. B - AA, CC, EE e KK são filhos de LL. C — Por decisão datada de 12 de Maio de 2015, transitada em julgado no dia 02 de Fevereiro de 2016, no âmbito dos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que correram termos sob o nº 29/11.3T… na … Secção da Instância Central de Família e Menores da … da Comarca de … — J… foidecretado o divórcio entre o falecido LL e a aí Ré RR e dissolvido o respectivo casamento para os fins dos artigos 1785º, nº 3 e 2133º, nº 3, ambos do Código Civil, e foi ainda declarado que os efeitos do divórcio retroagiam a 1976, data em que LL ficou definitivamente separado da aí Ré. D - LL, faleceu sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. E — No dia 22 de Janeiro de 2014, no Cartório Notarial de …, sito na Rua …, 20-A perante a Notaria MM, foi lavrada uma escritura de "Justificação", conforme documento junto a folhas 49 a 51 verso dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta que: "G) Primeiro GG, (...). Segundo HH, (...), II, (...) e JJ (...). (...) Pela primeira outorgante foi dito: Que pela presente escritura, vem justificar que, com exclusão de outrém, é dona e legitima possuidora do seguinte prédio: Prédio urbano, composto de edifício de rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, destinada a habitação, denominado lote 132, sito em Rossio …, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número sete mil trezentos e cinquenta e seis, com aquisição registada a favor de OO e mulher SS sob o regime de comunhão geral, pela apresentação cinco, de cinco de Maio de mil novecentos e setenta e dois, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo 1468, com valor patrimonial de 107.920,00 euros, ao qual atribui o mesmo valor, unicamente para efeitos deste acto. Que o referido prédio veio à posse da ora justificante, por compra meramente verbal, em data que não sabe precisar, há mais de vinte anos, feita aos titulares inscritos, OO e mulher SS. Que usufrui desde então do referido imóvel, nele habitando e praticando actos materiais de posse à vista de todos, sendo por isso uma posse continua, pacifica e pública. Que desconhece o paradeiro dos titulares inscritos, dos seus representantes ou herdeiros legais. Que possui o referido prédio há mais de vinte anos, à vista de todos, tendo praticado actos materiais de posse, com conhecimento de todos, e tendo usufruído do imóvel como legal proprietária, pagando as respetivas taxas e impostos. Que tal posse foi sempre exercida sem a menor oposição de quem quer que seja desde o seu inicio, posse que exerceu à vista de todos e sem interrupção usufruindo as utilidades possíveis, sendo por isso uma posse pacifica, contínua e pública, pelo que o adquiriu por usucapião, não tendo todavia dado o modo de aquisição, documentos que lhe permitam fazer prova do seu direito de propriedade perfeita. Declaram os segundos outorgantes: Que por corresponderem à verdade, confirmam as declarações da primeira outorgante. Adverti os primeira e segundos outorgantes de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações, se dolosamente e em prejuízo de outrem, tiverem prestado ou confirmado declarações falsas. (...)" F — Do documento junto a folhas 54 verso e 55 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta: "Procuração No dia onze de Junho de mil novecentos e noventa e um, no Primeiro Cartório Notarial de …, perante mim, TT, primeiro ajudante deste Cartório, compareceram: O Sr. OO, e sua mulher D. SS, casados sob o regime de comunhão geral, conforme declaram, ambos naturais da freguesia de …, concelho de …, e residentes em Rua …, lote trezentos e dezoito-A, primeiro andar, lado direito, na …, concelho de … Verifiquei a identidade dos outorgantes por exibição dos seus bilhetes de identidade números: 2…2, de 26 de Julho de 1984; e 2…0, de 16 de Junho de 1986, ambos emitidos pelo Centro de Identificação Civil e Criminal, contribuintes fiscais números: 10…6, e 13…5 E disseram: Que, constituem seus bastantes procuradores o Sr. LL, casado, natural de …, …; - e D. GG, solteira, maior, natural da freguesia de …, concelho da …, e ambos residentes em Rua …, lote cento e trinta e dois, …, …, concelho do …, a quem conferem poderes para cada um de per si, vender, pelo preço, cláusulas e nas condições que entender o prédio urbano e respetivo logradouro que possuem situado na citada Rua …, lote cento e trinta e dois, em …, …, no concelho do …, receber o preço, dele dar quitação, outorgar e assinar a respectiva escritura, assim como contratos de promessa de compra e venda, representá-los perante quaisquer Repartições Públicas, nomeadamente Repartição de finanças e Autarquia local, em todos os assuntos que lhes interessem e digam respeito ao identificado prédio, requerendo, praticando e assinando tudo quanto seja necessário para os fins desta procuração, inclusivé requerer quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos. Esta procuração é conferida no interesse dos mandatários que poderão fazer negócio consigo mesmos, pelo que é irrevogável nos termos do número três do artigo duzentos e sessenta e cinco, e numero dois do artigo mil cento e setenta do Código Civil, e não caduca por morte dos mandantes nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do mesmo Código Civil. Assim o disseram. Este instrumento foi lido aos outorgantes em voz alta, na presença simultânea de ambos e feita a explicação do seu conteúdo. (...)" G — A Ré GG viveu maritalmente com o falecido LL até à data da morte deste em condições análogas às dos cônjuges, durante cerca de 35 anos. H — Também LL habitou no prédio a que alude a alínea E), aí comendo, dormindo, aí fazendo a sua higiene pessoal, aí recebendo os familiares, amigos, vizinhos, as visitas e o correio. I — E foi também aí que criou a sua filha KK. J - Também LL usou e fruiu do prédio a que alude a alínea E), cuidando-o, vigiando-o, dele retirando todos os proveitos e utilidades que o prédio proporciona. L — LL teve como última residência o prédio a que alude a alínea E). M — Em 1976 a Ré GG foi viver para … na companhia do falecido LL. N — Anos mais tarde a mãe da Ré GG, já não podendo viver sozinha, veio residir com a Ré GG e com o falecido LL no prédio a que alude a alínea E) O — O prédio a que alude a alínea E) está inscrito na matriz sob o nº 1468 e nela figura como proprietária a Ré GG. P — O prédio a que alude a alínea E) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº 7…6/20090928, constando da AP. 2788 de 2014/03/25 o registo a favor de GG por usucapião Q — LL dizia aos filhos, netos, irmã, irmão e amigo de infância que tinha comprado o imóvel referido na alínea E dos factos provados, e disse ao filho CC que também tinha comprado o mesmo imóvel, o que estes ouviram sem lhe dizerem o contrário ( alterado pelo Tribunal da Relação) R - A procuração a que alude a alínea F) apenas foi outorgada em virtude da escritura de compra e venda não poder ser realizada em virtude do prédio a que alude a alínea E) não possuir licença de utilização; S - (eliminada pelo Tribunal da Relação, que considerou estes factos como não provados). T - A Ré GG tratou de obter a licença de utilização do prédio a que alude a alínea E). U - A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora" (dado como provado pelo Tribunal da Relação). V - Na procuração apenas figurou o nome do falecido LL para salvaguardar a possibilidade de algo incapacitar a Ré GG" (dado como provado pelo Tribunal da Relação). X - Foi a Ré GG quem sempre pagou os impostos inerentes ao imóvel a que alude a alínea E), sendo reconhecida como a senhoria pela arrendatária do r/c do prédio, aqui Ré JJ" (dado como provado pelo Tribunal da Relação). Z - Só a Ré GG é que é conhecida por todos na vizinhança como a dona do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1990, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como a única dona" (dado como provado pelo Tribunal da Relação). 11.2- Discutida a causa não resultaram provados os seguintes factos: 1 - (eliminado pelo Tribunal da Relação, passando a facto provado). 2 - O preço foi pago apenas ou também com dinheiro do falecido LL. 3 - (eliminado pelo Tribunal da Relação, passando a facto provado) . 4 - ( eliminado pelo Tribunal da Relação, passando a facto provado). 5 - ( eliminado pelo Tribunal da Relação, passando a facto provado). 6 - Por força do constante da alínea E) os Autores sofreram consternação, dor, preocupação, amargura e revolta pessoal. Q - Desde o ano de 1990 também LL utilizava o prédio a que alude a alínea E) também como se fosse seu (alterado para não provado pelo Tribunal da Relação). S - LL e a Ré GG eram conhecidos por todos na vizinhança como os donos do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1990, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como os únicos donos (alterado para não provado pelo Tribunal da Relação). *** 3.2. Fundamentação de direito
Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber se o acórdão recorrido é nulo por se ter pronunciado sobre matéria de facto que não foi objeto de impugnação por parte dos apelantes e ocorreu uso indevido de presunções judiciais. 3.2.1. No que concerne à primeira das questões supra enunciadas, sustentam os recorrentes que, não obstante a ré ter, em sede de recurso de apelação, impugnado a matéria de facto vertida nos nºs 1 e 5 dos factos dados como não provados, o Tribunal da Relação, para além destes pontos da matéria de facto, reapreciou os factos constantes dos nºs 3 e 4, existindo, por isso, nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do CPC. * Vejamos, então, se lhes assiste razão, tendo em conta, no que concerne à reapreciação da decisão de facto, que incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento. E que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou, quer a disciplina processual a que aludem os arts. 640º e 662º, nº 1, quer o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607º, nº 4, aplicável por força o disposto no art. 663º, nº 2, todos do CPC, sem imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Ora, o que se constata dos elementos constantes dos autos é que a ré, no recurso de apelação, impugnou a decisão sobre a matéria de facto vertida nos pontos 1 e 5 dos factos dados como não provados e nas alíneas J), Q) e S) dos factos considerados provados, sustentando, respetivamente, nas 33ª e 34ª conclusões das suas alegações de recurso que: « face à prova produzida, nomeadamente atendendo-se às regras da experiência comum, aos documentos de fls. 55 v., 83 v e 85, às alíneas M), N) e T) dos Factos Provados, à manifesta parcialidade dos depoimentos das testemunhas UU, VV; OO e NN - para tanto reapreciando-se a prova gravada - , deverá considerar-se como provada a matéria vertida nos nºs 1 e 5 dos Factos Não Provados nos seguintes termos: - A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano de 1991 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora: e só a Ré GG actuou como a única dona do prédio a que alude a alínea E) dos Factos Provados, desde pelo menos o ano de 1991, sem que alguém tivesse oposto ». « Impondo-se, assim, em consequência, a não prova da factualidade vertida nas alíneas J), Q) e S) dos Factos Provados». Todavia, procedendo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, afirmou-se a fls. 33 do acórdão recorrido, que: « Pretende a recorrente que os factos não provados nºs 1 a 5, — a saber "1 - A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano de 1991 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora; 2 — O preço foi pago apenas ou também com dinheiro do falecido LL; 3 - Na procuração apenas figurou o nome do falecido LL para salvaguardar a possibilidade de algo incapacitar a Ré GG; 4 — Foi a Ré GG quem sempre pagou os impostos inerentes ao imóvel a que alude a alínea E), sendo reconhecida como a senhoria pela arrendatária do r/c do prédio, aqui Ré JJ; 5 — Só a Ré GG é que é conhecida por todos na vizinhança como a dona do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1989, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como a única dona" — passem a provados, e que, em consonância, os factos provados constantes das alíneas J, Q e S passem a não provado, e recorde-se "J - Também LL usou e fruiu do prédio a que alude a alínea E), cuidando-o, vigiando-o, dele retirando todos os proveitos e utilidades que o prédio proporciona; Q — Desde o ano de 1990 também LL utilizava o prédio a que alude a alínea E) também como se fosse seu, dizendo às pessoas que também era dono, sem que alguém lhe tivesse dito o contrário, à vista de todos e todos também o reconheciam como dono; S — LL e a Ré GG eram conhecidos por todos na vizinhança como os donos do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1990, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como os únicos donos"». E, após, proceder à audição do registo da prova gravada e à sua reapreciação, decidiu o Tribunal da Relação:
i) manter como provados os factos constantes da alínea J; ii) manter como não provado o facto supra descrito no nº 2, considerando que a recorrente « incorre tal facto seguramente em lapso, pois tal facto nada diz – O preço foi pago apenas ou também com dinheiro do falecido LL (o que é uma alternativa que não pode ser dada como provada) — e mesmo que dissesse seria contrário aos seus interesses. O que sucede é que o facto não provado nos termos em que está redigido é inócuo, e a solução que vier a ser dada ao facto não provado nº 1 é que é a determinante e a relevante». iii) alterar a decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre a alínea S dos factos provados, considerando-os como não provados. iv) alterar a decisão sobre a matéria de facto constante da alínea Q, dando apenas provado, que « LL dizia aos filhos, netos, irmã, irmão e amigo de infância que tinha comprado o imóvel referido na alínea E dos factos provados, e disse ao filho CC que também tinha comprado o mesmo imóvel, o que estes ouviram sem lhe dizerem o contrário». v) alterar a decisão sobre os factos dados como não provados no nº 1, dando como provado que: « A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora". vi) alterar a decisão quanto ao facto n° 3 não provado, que passou para provado que "Na procuração apenas figurou o nome do falecido LL para salvaguardar a possibilidade de algo incapacitar a Ré GG". vii) alterar a decisão quanto ao facto n° 4 não provado, dando como provado que "Foi a Ré GG quem sempre pagou os impostos inerentes ao imóvel a que alude a alínea E), sendo reconhecida como a senhoria pela arrendatária do r/c do prédio, aqui Ré JJ". viii) alterar a decisão quanto ao facto nº 5 não provado, considerando provado que "Só a Ré GG é que é conhecida por todos na vizinhança como a dona do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1990, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como a única dona". Como resulta, claramente, desta exposição, não há dúvida que a Relação reapreciou, oficiosamente, a matéria de facto vertida nos nºs 2, 3 e 4 dos factos dados como não provados pelo Tribunal de 1ª Instância. E se é certo que, relativamente aos factos dados como não provados no nº 2, não se suscita qualquer problema, na medida em que não houve alteração da resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância, o mesmo já não se pode dizer relativamente aos factos dados como não provados nos nºs 3 e 4, porquanto tais factos foram dados como provados pelo Tribunal da Relação, pelo que não podemos deixar de enfrentar a questão de saber se, ao fazê-lo, o Tribunal da Relação violou alguma disposição legal. Assim, nesta matéria, impõe-se, desde logo, referir que, não obstante a regra geral de que a Relação apenas deve alterar a decisão sobre a matéria de facto por iniciativa dos recorrentes sobre quem recai, então, o ónus de impugnação nos termos previstos no art. 640º do CPC, casos há em que são concedidos à Relação poderes para, oficiosamente, proceder à modificação da matéria de facto. É o que acontece nos casos contidos na previsão das normas das alíneas a) a c) do nº 2 do art. 662º do CPC, ou seja, os concernentes à renovação dos meios de prova, à produção de novos meios de prova e à anulação da decisão sobre a matéria de facto com vista à correção de determinadas patologias (v.g. deficiência, obscuridade ou contradição). E também nos casos contidos na previsão do nº 1 do citado art. 662º em que a Relação limita-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, designadamente quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa ou quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que nas palavras de Abrantes Geraldes[2], ocorre, «quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº e 376º, nº1 do CC), o considere não provado»; «quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória, constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº 1 e 463 do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum facto estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de elementos probatórios (v.g. testemunhas, documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficientes (v.g. presunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351º e 393º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364, nº1 do C. C.)». Mas fora deste contexto normativo, julgamos ser de acrescentar um outro caso em que se impõe reconhecer à Relação poderes para, oficiosamente, proceder à alteração da matéria de facto ainda que a mesma não tenha sido objeto de impugnação por parte do recorrente. Trata-se da situação em que, uma vez cumprido pelo recorrente o ónus de impugnação a que alude o art. 640º do CPC e tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente, o Tribunal da Relação altera outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, com vista a evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento. É que, tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 12.09.2013 (processo nº 2154/08.9TBMGR.C1.S1) [3], «se assim não fosse, o julgamento na Relação, no que concerne à matéria de facto, além de não almejar uma autónoma convicção probatória (…) era limitado, do ponto em que, mesmo que a alteração em pontos concretos implicasse contradição com outros pontos que o recorrente ou recorrido não tinham questionado, estava o Tribunal impedido e a ela obviar», o que tudo equivaleria «a acolher uma interpretação formal de todo desligada do objectivo primordial do processo – afirmar a predominância do fundo sobre a forma – caminho que deve ser trilhado para que as decisões, em regra, apreciem a questão de mérito ou substantiva, cujo julgamento não deve ser preterido pela predominância (injustificada) de questões adjectivas». Não se compreenderia, na verdade, desde logo, por razões de justiça material, que o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação e da formação do seu próprio juízo probatório sobre cada um dos pontos de facto objeto de impugnação, não pudesse interferir noutros pontos da matéria de facto cujo conteúdo se viesse a revelar afetado pelas respostas dadas àqueloutros por forma a evitar contradições, tal como acontece na situação prevista na parte final da alínea c) do nº 3 do artigo 662º, do CPC E se é certo que, no caso dos autos, o Tribunal da Relação não avançou com uma tal justificação, pela simples razão de que, por lapso, não atendeu que a recorrente tinha apenas impugnado a decisão da matérias de facto quanto às alíneas J), Q) e S) dos factos dados como provados e quanto aos pontos 1 e 5 dos factos considerados não provados, certo é também que a alteração da resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância ao ponto 1, ou seja, a circunstância do Tribunal da Relação ter dado uma resposta positiva a este ponto, dando como provado que «A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora», impunha a harmonização desta resposta com a resposta dada ao ponto 3 que, passou, por isso, a ser positiva, já que poderia parecer contraditório afirmar na resposta ao ponto 1 que «o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora», quando na procuração referida na alínea F) dos factos provados figura o nome do falecido LL. E o mesmo vale dizer relativamente à resposta positiva dada pelo Tribunal da Relação ao ponto 4 dos factos dados como não provados, pois, tendo a Relação, na sequência da impugnação da matéria de facto dada como não provada no ponto 5, dado uma resposta positiva a este ponto, impunha-se harmonizar esta resposta com a dada ao ponto 4, pois também poderia parecer contraditório, dar como provado no ponto 5 que «Só a Ré GG é que é conhecida por todos na vizinhança como a dona do prédio a que alude a alínea E) desde pelo menos o ano de 1990, sem que alguém se tivesse oposto, actuando como a única dona» e não dar como provado que a mesma era «reconhecida como a senhoria pela arrendatária do r/c do prédio, aqui Ré JJ». Assim, não se vislumbra que a Relação tenha feito um mau uso dos poderes de modificabilidade da decisão de facto conferidos pelo citado art. 662º nem existe qualquer nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, uma vez que, no que respeita à matéria de factos constante dos pontos 3 e 4 (que nem sequer se revela essencial para a decisão da causa), sempre teria a Relação poderes para, oficiosamente, conhecer da factualidade em causa com vista a evitar contradição entre o que se pretendia alterar e foi alterado e aquilo que fora aceite em sede de julgamento. * 3.2.2. Mas sustentam ainda os recorrentes que o Tribunal da Relação ao dar como provado os factos constantes do ponto 1, ou seja, que «A compra do prédio a que alude a alínea E) ocorreu no ano, pelo menos, de 1990 e o preço foi pago única e exclusivamente com dinheiro da Ré GG, que lhe havia sido dado pela progenitora», decidiu contra a força probatória plena da certidão de inventário instaurado por óbito do pai da ré (junta a fls. dos autos), violando, desse modo, o disposto nos arts. 371º, nº 1 e 372º, nº 2., ambos do C. Civil, pois a relação de bens daquele processo demonstra que, contrariamente ao alegado pela ré GG, na sua contestação, não existia qualquer verba de treze mil contos deixada pelo seu falecido pai e, depois, doada, em parte, pela sua mãe. Mais defendem que a prova que esteve na base da formação da convicção do Tribunal da Relação sobre esta factualidade – declarações das rés GG e JJ e depoimento da testemunha NN - não podia ser valorizada em detrimento da referida certidão de inventário, tanto mais que tais declarações e depoimento não são merecedores de qualquer credibilidade. Argumentam, finalmente, que a presunção extraída pelo Tribunal da Relação no sentido de que «(..) a conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras de experiência normal é a de que foi a mãe de GG e isso afirmado por GG, NNo e JJ» é incompreensível, padecendo de ilogicidade. Que dizer? Desde logo que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607º, nº 4, aplicável por força o disposto no art. 663º, nº 2, ambos do CPC, sem imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Não compete, assim, ao Tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, a não ser quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade, ofensivo de qualquer norma legal ou extraído a partir de factos não provados, situações em que, no dizer de Abrantes Geraldes[4], defrontámo-nos com verdadeiros erros de direito e que, nesta perspetiva, não podem deixar de integrar-se na esfera de competência do Supremo. * Posto que, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, a relação e descrição de bens, juntas a fls. 239 v. a 243 dos presentes autos, não gozam de força probatória plena prevista no art. 371º do C. Civil, relativamente à factualidade em causa, apenas garantido que os bens dela constantes foram os relacionados e descritos no referido processo de inventário, é incontroverso que a valoração probatória dos factos em presença inscreve-se no domínio da apreciação livre das provas. E porque assim é, evidente se torna estar vedada a este tribunal de revista a sindicância da valoração probatória dos factos vertidos no mencionado ponto 1, conforme o preceituado no artigo 674.º, n.º 3, do CPC. Todavia e porque os recorrentes também impugnam a decisão da Relação sobre esta mesma matéria de facto pela via da ilogicidade do uso das presunções judiciais, invocando erro sobre a substância do juízo presuntivo formado pelo Tribunal da Relação com apelo às regras da experiência, importa, finalmente, indagar se da motivação da decisão de facto constam os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, ou até algum argumento probatório decisivo, que permitam, nessa base, aferir a ocorrência da sobredita ilogicidade. Neste particular aspeto, verifica-se que o Tribunal da Relação, alterando a resposta negativa dada pelo Tribunal de 1ª Instância à factualidade vertida neste ponto 1, deu como provada esta mesma factualidade com base na seguinte fundamentação, que se transcreve apenas nas partes que temos por mais relevantes: « (…) Devemos concluir que GG e NN não merecem qualquer credibilidade quanto a ter sido a mãe que deu o dinheiro para GG comprar por inteiro a casa? Algumas chaves para a resposta: - GG e NN eram pouco mais que crianças quando o pai morreu. Mas GG, seguramente, e NN, também aportado aos ranchos desde os 13 anos, não viveram sempre com a mãe, aliás, poucos anos mais depois do falecimento do pai GG viveu com a mãe. E até terem deixado de viver com a mãe, continuavam a ser pouco mais que adolescentes, que não só não têm interesse no modo como a mãe gere os bens, dela e deles, que efectivamente os receberam por inventário, como (enquanto crianças ou adolescentes) não têm particular capacidade de compreensão em matéria de gestão patrimonial, económica e financeira. Agora assim para mais crescidos, GG e NN sabem que tiveram bens herdados do pai, que a mãe teve bens doados pelo pai, e portanto, as aparências desiludindo, vivesse a senhora num curral de gado — que nenhuma testemunha se atreveu a confirmá-lo em julgamento — o facto é que a senhora tinha ou teve bens imóveis e é facto incontestado, e porventura mais valera aos autores não ter junto a certidão do inventário, que o pai de GG tinha bens imóveis, e não eram assim tão poucos. Repare-se que GG é Ré, e portanto o que ela faz quando contesta é arranjar uma explicação para o dinheiro que a mãe lhe deu. Respondendo à pergunta supra, quem foi que deu o dinheiro, se já concluímos que GG e LL não o tinham, então alguém teve de o dar, e esse alguém com toda a probabilidade seria o parente mais próximo com dinheiro. Como ninguém se "acusou" do lado de LL, a conclusão que corresponde à maior probabilidade segundo as regras de experiência normal é a de que foi a mãe de GG, e isso foi afirmado por GG, NN e SS. De resto, da parte dos AA., mesmo dizendo-se que a casa da mãe de GG era modesta, não houve prova alguma que a senhora vivesse num curral de gado, que a história de ter emprestado dinheiro à filha fosse, atentas as suas condições económicas, uma ficção completamente surreal, sobretudo porque há prova documental que a senhora tinha bens imóveis e que o pai de GG havia deixado, quando GG era miúda e não os administraria por si mesma, bens imóveis. Só que, de facto, considerar de vital importância que a primeira explicação dada por GG fosse demonstrada documentalmente, ser tão proactivo na perseguição da verdade da inexistência do dinheiro como o foram os Autores, poderá, com alguma probabilidade, ter levado GG a alterar parcialmente as suas versões e NN a aditar novas explicações: é que, com grande probabilidade, nenhum deles, por causa da idade e por causa de cedo terem saído de casa, saberia exactamente — com pormenores de negócios titulados, de heranças de ascendentes em primeiro e segundo grau partilhadas, de relações de bens, de contas bancárias — como é que a respectiva mãe tinha o dinheiro para dar a GG. Além de que, e de novo estamos a ir para trás no tempo, não deixaria de ser frequente que fossem feitos negócios não titulados formalmente quanto a bens imóveis, pequenas parcelas vendidas ou dadas de renda, não sendo necessário que o produto da venda de imóveis tivesse sido depositado em banco, e de facto nada obsta a que senhora tivesse emprestado dinheiro a juros, nem deixa de ser razoável que a mesma fosse poupada. GG poderia ter-se limitado a dizer que a mãe lhe dera o dinheiro. Era mais correcto. Mas ter GG adiantado uma explicação para a mãe ter o dinheiro para lhe dar e não a ter mantido até ao fim, não implica necessariamente — ou melhor, não implica de todo, não tem mesmo nada a ver — que metade do dinheiro para a compra da casa tivesse sido pago por LL. Portanto, com GG, NN e JJ, e pelas demonstrações que fizemos, podemos afirmar que o dinheiro para a compra da casa, por inteiro, foi dado pela mãe de GG» (…) «Esclarece-se que quanto à data não houve qualquer precisão, sobretudo porque OO também não se recordava da data, mas "pelo menos desde 1990" vem dado como provado na alínea G, estabelecida por acordo entre as partes nos articulados. Reforça-se ainda o entendimento sobre ter sido exclusivamente GG a comprar com dinheiro da mãe, com a seguinte observação: apesar do ónus de prova pertencer à Ré, não estavam os Autores impedidos de o tentar agravar, de produzir prova que abalasse definitivamente a defesa da Ré GG. Era com esta utilidade, pelo menos objectivamente, que os Autores procuravam demonstrar a verdade de que LL havia comprado o ou os lotes em que estavam o ou os anexos para o qual foi viver com GG, e que posteriormente o havia vendido a uma empresa que usando os lotes para construir moradias, teria pago por eles preço suficiente para permitir a LL comprar a casa dos autos e ainda lhe sobrar dinheiro. Como dissemos, os Autores afirmaram juntar, e em rigor, protestaram juntar, a escritura desse negócio de LL, logo que disponibilizada pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo, mas nunca a juntaram. E portanto temos uma versão indocumentada, que também ela não se mostrou uniformemente mantida: - o pai tinha comprado a casa de r/c e telhado de uma água, o pai tinha vendido o lote ou os lotes em que estavam construídos o anexo em que habitava e o anexo contíguo, o pai isto tinha feito por via do seu trabalho, das suas economias, o pai isto teria feito por via do prémio que o Dr. XX, com medo da ocupação da Quinta da … de que era dono, durante o período revolucionário, e para evitar tal ocupação colocando LL e GG como caseiros, teria dado a LL. Não só a versão não foi uniformemente mantida e afirmada, como UU foi absolutamente clara a dizer que o lote onde estavam os anexos tinha pertencido ao seu tio, que o tinha vendido ao Senhor ZZ que ali tinha mandado edificar os anexos, e os dava de renda ». Ora, o que ressalta desta análise pormenorizada e bastante crítica feita pela Relação é que este tribunal formou, essencialmente, a sua convicção sobre a factualidade em causa, com base nos depoimentos das rés GG e JJ e da testemunha NN, apenas fazendo referência às regras da experiência para corroborar tais depoimentos e reforçar a sua convicção, pelo que nem se vê que o Tribunal da Relação tenha dado como provada a factualidade em causa com recurso a um juízo presuntivo, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil. Assim sendo e porque o acerto da valoração dos elementos probatórios convocados – depoimentos de parte e testemunhal - constitui matéria cuja sindicância está vedada ao tribunal de revista, nos termos do disposto nos arts 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, ambos do CPC, forçoso é concluir pela manutenção do quadro factual fixado. * 3.2.3. Finalmente, argumentam os autores/recorrentes que, tendo obtido vencimento parcial em primeira instância e não tendo a ré logrado obter procedência de uma das suas pretensões, em sede de recurso de apelação, impunha-se que o Tribunal da Relação tivesse condenado os autores apenas nas custas relativas ao recurso e proporcionalmente ao vencimento dos mesmos de acordo com o julgado. Cremos, porém, não assistir-lhes qualquer razão. É que tendo os autores decaído em todos os pedidos formulados na ação, sido condenados no pedido reconvencional e ficado vencidos no recurso de apelação, o princípio da causalidade, consagrado no art. 527º do CPC, impõe que os mesmos sejam os únicos responsáveis pelo pagamento das custas. Termos em que improcedem todas as razões invocadas pelos recorrentes, nenhuma censura merecendo o acórdão recorrido.
*** IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento à revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.
As custas da ação e da reconvenção bem como dos recursos ficam a cargo dos autores. *** Supremo Tribunal de Justiça, 7 de novembro de 2019
Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Catarina Serra ________ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente. |