Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13609/21.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
FACTOS CONCLUSIVOS
COMPROPRIEDADE
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
SEGMENTO DECISÓRIO
REQUISITOS
UNIÃO DE FACTO
CESSAÇÃO
COMPENSAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PROPRIEDADE
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: -NEGADAS AS REVISTAS
-REMETER OS AUTOS À FORMAÇÃO DE JUÍZES A QUE ALUDE O Nº. 3 DO ARTIGO 672º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário :
I - Os poderes do STJ em sede de revista, no que concerne à matéria de facto, estão definidos nos termos do n.º 3 do art. 674.º do CPC, segundo o qual “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

II - O STJ pode controlar, por se tratar de questão de direito, o uso feito pela Relação da expurgação de alegados conceitos de direito ou que assumam alegada feição conclusiva ou valorativa, da matéria de facto, isto é, a expurgação (ou não), dos neste sentido designados “factos conclusivos”.

II - Embora constitua, obviamente, uma criação do espírito humano, de conteúdo concreto variável e, muitas vezes, sujeita a dúvidas, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é um elemento estruturante do processo civil.

IV - Na enunciação da matéria de facto provada (e não provada), deve o tribunal eximir-se a afirmações que constituam, afinal, proposições de índole essencialmente jurídica, no sentido de que apontam para a solução do litígio, ou para a solução de questão essencial para a resolução do litígio, em termos que, solucionando o pleito, o façam deixando ocultos os aspetos da vida real que justificam esse desfecho, isto é, que justificam o juízo de aplicabilidade ou de inaplicabilidade da norma jurídica que acolhe, ou não, a pretensão formulada em juízo.

V - Tendo a presente ação por objeto o reconhecimento de que o autor é comproprietário de dois imóveis e de duas viaturas que, alegadamente, adquiriu conjuntamente com a ré na pendência da situação de união de facto que manteve com a ré, pretensão essa que é impugnada pela ré, não cabe na decisão de facto, isto é, na enunciação dos factos provados, a declaração de que tais bens, objeto da controvérsia, à data da separação do casal faziam parte do “património comum do autor e da ré” (ponto 33 dos factos provados, nos termos da sentença), assim como não cabe a afirmação de que a ré procedeu à venda “da viatura do casal” de marca BMW (ponto 38 dos factos provados, nos termos da sentença) e a afirmação de que o autor continuou a comparticipar nas despesas das “duas viaturas do casal” (ponto 21 da matéria de facto, nos termos da sentença).

VI - Quanto à fundamentação de facto, não basta que a Relação tenha procedido a uma qualquer modificação nessa parte da decisão para se arredar a dupla conforme, apenas “sendo relevante que sejam introduzidas na matéria de facto alterações que redundem numa modificação substancial do percurso jurídico que foi seguido pela 1.ª instância para atingir o mesmo resultado”.

VII - Nas situações de objeto processual plural a conformidade decisória terá, em princípio, de ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias.

VIII - Tendo o autor peticionado o reconhecimento da sua condição de comproprietário de dois imóveis e de dois automóveis, deduzindo pedidos condenatórios correspondentes e, subsidiariamente, tendo alicerçado as suas pretensões no instituto do enriquecimento sem causa, há dupla conforme quanto aos pedidos respeitantes à compropriedade, se a 1.ª instância os julga improcedentes e a Relação, embora modificando alguns pontos da matéria de facto, confirma a sentença com fundamentação idêntica à da 1.ª instância.

IX - Tendo a 1.ª instância julgado parcialmente procedentes os pedidos formulados com base no enriquecimento sem causa e tendo a Relação julgado parcialmente procedente a apelação da ré, absolvendo a ré quanto a um desses pedidos, sobre essa matéria há dupla conforme inibidora de revista ordinária por parte da ré.

X - Tendo sido reconhecido ao autor, com base no instituto do enriquecimento sem causa, o direito à restituição das quantias que prestou tendo em vista a sua comparticipação no pagamento dos bens imóveis que a sua companheira adquiriu na pendência da união de facto, assim como o pagamento parcial dos empréstimos contraídos pela companheira para financiar essas aquisições, a prestação de restituição, decorrente da cessação da união de facto, não abrange a mais-valia correspondente ao preço recebido pela ex-companheira em virtude da venda que esta subsequentemente fez de um dos imóveis.

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, peticionando:

“…se digne julgar a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:

a) Declarar que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., do imóvel sito na Quinta ..., na localidade de ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...46, da freguesia de ...;

b) Declarar que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R. da viatura automóvel, marca Audi, modelo A1, com a matrícula ..-OQ-..;

c) Ordenar o averbamento da compropriedade do A. sobre os bens ora em referência, no registo predial e automóvel, respetivamente;

d) Declarar que o A. é comproprietário sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., do dos bens móveis que compõem o recheio do imóvel referido na alínea a) supra;

e) Declarar que o A. era comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamento com a R. do imóvel sito na Rua ...., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...79, da freguesia de ..., desde a data da sua aquisição, apenas formalmente registada apenas em nome da R., em 25.11.2013 e até 19.02.2020, data em que a R. o alienou sem o consentimento e contra a vontade do A.;

f) Declarar que o A. era comproprietário, sem determinação de parte ou direito, juntamente com a R. da viatura automóvel da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..-NB-.., desde a data da sua aquisição apenas registada formalmente em nome da R., e até à data da sua venda pela A. em finais de 2019;

g) Declarar que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamento com a R., do dos bens móveis que compunham o recheio do imóvel referido na alínea e) supra;

h) Condenar a R. a reconhecer que o A. é comproprietário, juntamente com a R., sem determinação de parte ou de direito dos bens referidos nas alíneas a), b), d) e g) e, bem assim, que foi comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., dos bens referidos supra nas als. e) e f), no período compreendido entre a data do registo da sua aquisição pela R. e a sua alienação a terceiros, também pela R.;

i) Condenar a R. a restituir ao A., os seguintes bens pessoais deste com que se locupletou:

(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;

(ii) Serviço de jantar em louça (antigo), de família, oferecido ao A. pelos seus pais;

(iii) Fio em ouro antigo, pertença do aqui A.;

(iv) Duas toalhas de mesa antigas, uma delas em renda, feita à mão, que pertenceu aos avós do aqui A.;

(v) Uma salva de prata, oferecida ao A. pelos seus pais

j) Condenar a R. a conferir ao A. acesso para uso e fruição aos bens referidos nas als. a) e b), de cujo uso e fruição exclusivos se locupletou, pelo menos desde setembro de 2019, nos termos previstos no art.º 1406.º n.º 1 do CC;

k) Condenar a R. a pagar ao A., o montante de € 157.709,59 (cento e cinquenta e sete mil e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), correspondente a ½ das mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e) e juros de mora vencidos desde a data da alienação e até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;

l) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 29.270,96 (vinte e nove mil duzentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos) correspondente a ½ do valor investido pelo A., na aquisição da casa de ..., acrescido de juros vencidos até à presente data, calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis, desde a data da aquisição do imóvel (25.11.2013) e, bem assim, nos vincendos até efetivo e integral pagamento;

m) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 9.675,75 (nove mil seiscentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente a ½ do montante da dívida contraída pelas partes junto dos pais do A. e que este já pagou na íntegra aos seus pais, acrescida dos juros já vencidos desde a data desse pagamento e até à presente data calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis, desde a data do pagamento (08.04.2020) e até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;

n) Condenar a R. a pagar ao A., o montante de € 10.601,64 (dez mil, seiscentos e um euros e sessenta e quatro cêntimos correspondente ao remanescente do 1/2 do produto da venda do automóvel BMX X6 realizada pela R., acrescida dos juros já vencidos desde a data desse pagamento e até à presente data calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis desde a data estimada da alienação da viatura (01.12.2019) até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;

o) Condenar a R. a pagar ao A. o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelo período em que se locupletou do uso e fruição exclusivos do imóvel referido na al. a) supra, pelo menos desde setembro de 2019, acrescido do montante de € 375,00 ao mês desde a citação e até efetiva disponibilização ao A. do imóvel para seu uso e fruição previstos na al. j);

Caso se entenda que não pode ser reconhecido ao A. a qualidade de comproprietário dos bens objetos dos presentes autos,

p) Condenar a R. a pagar ao A. os montantes peticionados nas als. k), l), m), n), o) supra a título de enriquecimento sem causa acrescido do montante de € 107.000,00 (centos mil euros) também a título de enriquecimento sem causa, respeitantes aos bens referidos nas als. a) e b) supra, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento”.

Para fundamentar a sua pretensão o A. alegou, em síntese:

- conheceu a R. em Angola, onde ambos residiam e exerciam as suas atividades profissionais, tendo vivido juntos em situação análoga à dos cônjuges desde abril de 2010 até agosto de 2018 e dessa união nasceram 2 filhos;

- durante a vida em comum decidiram adquirir em conjunto 2 imóveis, um no ... e outro em ...,

- tendo sido formalizadas em nome da R. as duas aquisições, por sugestão desta, que é advogada, para salvaguardar esse património, devido a litígio judicial em que o A. tinha sido condenado a pagar uma indemnização;

- o A. comparticipou no pagamento das prestações dos empréstimos bancários contraídos em nome da R. para aquisição desses 2 imóveis e é fiador no empréstimo referente à casa do ...;

- também durante a vida em comum A. e R. adquiriram 2 viaturas, mas formalmente em nome da R.,

- bem como os móveis que compõem o recheio das 2 casas;

- ambos contraíram dívida resultante de empréstimo concedido pelos pais do A. e que só este pagou na íntegra;

- a R. não aceita dividir o referido património comum,

- vendeu a casa de ... e do preço recebido nada entregou ao A.;

- e só lhe entregou uma parte do valor a que tem direito pelo produto da venda de uma das viaturas;

- está privado do uso da casa do ..., sofrendo prejuízos do qual deve ser indemnizado.

2. A R. contestou, pugnando pela improcedência da ação e pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.

Alegou, em resumo:

- O A. e a R. só viveram em união de facto em ... e isso sucedeu até julho de 2017, data em que a R. regressou definitivamente a ..., tendo o A. continuado a viver lá;

- os 2 imóveis foram pagos pela R. através de empréstimos que contraiu e com dinheiro seu, não tendo sido paga qualquer prestação desses empréstimos pelo A.;

- o A. não pagou o preço das viaturas nem dos móveis;

- o A. pretende deitar mão ao património que a R. foi fazendo à custa do seu trabalho.

3. Oportunamente procedeu-se a audiência de julgamento e em 15.7.2022 foi proferida sentença, na qual foi emitido o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, o tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, decide:

a) Julgar improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas a) a h) e j) a o), deles se absolvendo a Ré;

b) Condenar a Ré a restituir ao A. os seguintes bens:

(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;

(ii) Serviço de jantar em louça (antigo);

(iii) Fio em ouro antigo;

(iv) Uma salva de prata;

c) Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €9.675,75 (nove mil, seiscentos e setenta e cinco mil e setenta e cinco cêntimos), quantia a que acrescem juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, contados desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento;

d) Condenar a Ré ao pagamento do que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art.609º, nº2 do CPCivil, e correspondente aos seguintes valores:

-valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a €22.500,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a €10.000,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi; quantias a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, desde a data da notificação da Ré para os termos do incidente de liquidação;

e) Absolver a R. do mais que lhe vinha pedido.


*


Custas provisoriamente fixadas em partes iguais, a cargo das partes.”

4. Ambas as partes apelaram da sentença, impugnando a decisão de facto e de direito, e em 15.6.2023 a Relação de Lisboa proferiu acórdão que culminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decide-se:

a) julgar improcedente a apelação do autor;

b) julgar parcialmente procedente a apelação da ré, absolvendo-a do pedido referente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito, e em consequência, revoga-se a sentença quanto ao segmento constante em d) do dispositivo «valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00» e confirma-se no restante;

c) não condenar o autor como litigante de má fé.

Custas da apelação do autor, por este.

Custas da apelação da ré, por ambas as partes na proporção de vencido”.

5. Ambas as partes interpuseram revista desse acórdão.

6. Na sua revista o A. formulou as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 15-06-203, que julgou improcedente a apelação do A., aqui Recorrente e, parcialmente procedente a apelação R., aqui Recorrida.

B. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão recorrido:

i. Alterou a matéria de facto dada como provada na sentença, proferida pela 1.ª instância, por entender que, relativamente a vários pontos do elenco de Factos Provados, ali constavam conclusões de direito que tinham de ser expurgadas da decisão de facto;

ii. Limitou-se a afirmar, no que respeita aos bens objeto dos presentes autos, que não se verificava nenhum dos modos de aquisição da propriedade, nos termos do art. 1316.º do CC, olvidando por completo aferir da aplicabilidade do regime da compropriedade, previsto no art. 1403.º do CC; e

iii. Deu provimento parcial ao recurso interposto pela R., aqui Recorrida, absolvendo-a relativamente ao pedido referente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito nos autos como “casa de ...”.

C. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com a posição do Venerando Tribunal da Relação.

VEJAMOS, DIGNOS CONSELHEIROS DO SUPREMO,

D. Decidiu o Venerando TRL alterar diversos pontos da Matéria de Facto Provada da sentença, proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, porque, no seu entender e em geral:

(iii) aquela decisão continha conclusões de direito em todos os factos que foram objeto de alteração; e

(iv) desconsiderava o teor dos documentos autêntico, junto aos autos pela Recorrida.

E. Não pode o Recorrente concordar, desde logo, com tal entendimento, por considerar que tal fundamento constituiu erro de julgamento, que viola o disposto no art. 607.º, n.º 4 do CPC, constituindo questão de direito e, subsequentemente sindicável a este Digno Supremo aferir se determinada matéria tem ou não natureza conclusiva, nos termos do art. 671.º do CPC. Cabendo, ainda, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos em que lhe é permitido sindicar a ofensa de disposição legal expressa que exija determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de lei de determinado meio de prova, cf. prevê o art. 674.º, n.º 3 do CPC.

F. Ora, é ponto assente que, através dos documentos autênticos juntos aos autos, a Recorrida formalmente é titular de um direito de propriedade sobre os mesmos, nunca tendo sido a veracidade de tais documentos posta em causa pelo Recorrente, pois ambas as partes sabem por que motivos apenas a Recorrida consta, formalmente, como titular dos bens, estando provado nos autos, cf. Ponto 8, 9 e 10 da Matéria de Facto Provada.

G. Mas é precisamente pela discrepância entre a situação de forma e a substantiva dos bens, que o Recorrente intentou a presente ação, i.e., para ilidir a presunção que resulta dos registos e do teor dos documentos autênticos (as escrituras de compra e venda), o que, diga-se em abono da verdade, logrou fazer!

H. Sendo evidente que toda e qualquer prova para ilidir a presunção não provenha das escrituras ou até de qualquer outro contrato por escrito celebrado entre as partes, caso contrário a presente ação não teria utilidade.

I. Aquilo que o Tribunal de 1.ª instância procurou fazer e que o Tribunal da Relação de Lisboa – num erro de julgamento – coartou foi aferir qual o contexto em que os bens aqui em discussão foram comprados, bem como qual o animus com que as partes o adquiriram, dando, consequentemente os mesmos como provados.

J. Conter na matéria de facto expressões como “adquiriram um imóvel”, “o casal recorreu ao crédito bancário”, “duas viaturas do casal”, “o casal sempre assumiu” ou “o património comum do Requerente e Requerida era” não são conclusões de direito, mas sim FACTOS, que por concretizarem o contexto em que os imóveis foram comprados e qual o animus das partes, nomeadamente da Recorrida, na sua aquisição se revelam da maior relevância para o thema decidendum.

K. A prova destes factos é essencial para ilidir a presunção de registo que a Requerida detém, por força do art. 7.º do CRP, bem como para impugnar a fé pública de que gozam os documentos autênticos, in casu, as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis, juntas aos autos, veja-se a este propósito o Ac. deste Digno Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2018, no âmbito do proc. n.º 1824/15.0T8PRD.P1.S1.

L. Foi por entender que o Recorrente provou nos autos a divergência da realidade material para a forma, i.e., que quer a sua atuação, quer a da Recorrida – entre si e perante terceiros – manifestava que ambos eram titulares de um acervo de bens (imóveis, veículos, contas bancárias e outros bens móveis), que o Tribunal de 1.ª instância considerou os Factos Provados nos exatos termos descritos na sentença de 15-07-2022 (com a ref.ª CITIUS ...90).

M. Recorde-se que, são esses mesmos FACTOS que comprovam a alegada desconformidade da situação formal dos bens, face à sua situação substantiva, e, consequentemente que permitem consubstanciar o direito do Recorrente, daí que só os factos – PROVADOS – é que possibilitam ilidir a presunção do registo, constante do artigo 7.º do CRP.

N. Aliás, o Tribunal da Relação cita no Acórdão prova junta aos autos, que evidencia o contexto e o animus da aquisição dos bens, como sejam:

• “Na verdade, basta ler as diversas mensagens entre as partes, nomeadamente «Sempre dissemos que seria uma casa para cada filho eu não quero anda. Por mim até arrendava tudo e não venida porque não tenho direito a um empréstimo e ficava todo o dinheiro em nome de uma sociedade minha e tua. Tu nomeavas quem quiserdes em teu lugar»”;

• “[M]erece credibilidade o depoimento da testemunha CC, filha do autor que explicou que «a BB o papá contaram da casa, em jeito de surpresa», «disseram que tinha sido pensado para termos uma casa em ... e estarmos juntos mais rápido e depois iríamos para o ... passar férias»”;

• “Como expôs a 1ª instância, e até por consideração ao facto de a apelante ser advogada impõe-se também não ignorar que prestou declarações de parte por si requeridas na audiência final nos autos de procedimento cautelar, tendo dito:

«Decidimos comprar uma casa», «No ...», à pergunta com que dinheiro, se de ambos, respondeu «De ambos, sim», e sobre as obras na casa do ... disse que quem as começou foi o apelado e foram terminadas pela apelante.” – pág. 28 e 30 do Acórdão Recorrido.

O. Porém, o Tribunal da Relação acaba por expurgar o animus das partes na aquisição dos bens da matéria de Facto ao referir que:

é evidente que se referiam aos imóveis e às viaturas como sendo pertença de ambos. Se os comportamentos e convicções de ambos têm ou não relevo jurídico, é questão a apreciar depois em sede de direito”.

P. Oras, esses comportamentos e convicções das partes, que o Venerando TRL acaba por desvalorizar, são na realidade a factualidade essencial ao preenchimento do conceito de animus, que permitiria ao Recorrente, tal como por si alegado, demonstrar a substância do seu direito de (COM)propriedade, suscetível de ilidir a presunção de propriedade total da Recorrida, que decorre do registo e da força probatória plena das escrituras públicas juntas aos autos. Pelo que, tais comportamento e convicções deviam – e devem – integrar a matéria de facto dada como provada, uma vez que influenciam na aplicação do direito.

Q. Ademais, o próprio Tribunal da Relação chega a ser contraditório em si, pois, em sede de matéria de facto não admite que existe entre as partes um património comum, mas em sede de direito já afirma que:

Só quanto aos imóveis foi alegado e está provado o acordo entre ambos para que as escrituras públicas fossem celebradas tendo em vista a salvaguarda do património e para garantir o acesso ao crédito” – pág. 43 do Acórdão.

R. É forçoso concluir que, o Venerando Tribunal a quo mal andou nas alterações à Matéria de Facto provada, com fundamento na expurgação da mesma de juízos conclusivos, já que, ao fazê-lo, o próprio Tribunal confundiu o conceito de questão de FACTO com o conceito de questão de DIREITO, desconsiderando, sobretudo, as situações em que eles se sobrepõem ou se confundem, não sendo possível apreender determinados factos, e nomeadamente a verdade material, sem que sejam dados como provados termos que, em determinados contextos poderiam até ter-se por conclusivos, mas que, no contexto concreto, resultam essenciais à apreensão da realidade necessária à subsunção jurídica da causa, - vide o disposto nos Acórdãos deste digno Supremo Tribunal de Justiça, de 09-06-2005, no âmbito do proc. n.º 05B027 e de 12-01-2021, no âmbito do proc. n.º 2999/08.0TBLL.E.E2.S1.

S. Deste modo, no caso concreto e considerando o objeto da ação, não resulta possível a apreensão da factualidade essencial ao conhecimento da lide, sem que resulte provado, como resultou que, o Recorrente e a Recorrida adquiriram em 2011 um imóvel no ... para aí desfrutar de férias em família, e em 2013 um imóvel em ..., para servir de casa de morada de família caso decidissem regressar a Portugal. Tendo tais factos sido suprimidos da matéria de facto dada como prova apenas, porque o TRL confundiu aquilo que são questões de facto com questões de direito.

T. Até porque, e ao contrário do referido em sede de fundamentação pelo Venerando TRL não resultava consignado na matéria de facto selecionada pelo Tribunal de 1.ª Instância, e ao contrário do ali afirmado, “que alguém é proprietário de um bem”, mas tão só, e nos termos já expostos, que as partes decidiram adquiriram, e adquiriram, determinados bens, ou que os assumiam como comuns, passando-se, depois, no elenco dos Factos Provados a deixar, também consignado, em que termos, sob que formas e porque razão, procederam a tais aquisições.

U. Sendo sempre necessário, em matéria de direito, a subsunção de tais factos às normas jurídicas aplicáveis, não resultando dos mesmos, automaticamente, uma qualquer solução jurídica. Tanto assim é que não resultou para o Tribunal de 1.ª instância que embora tenha dado aquela matéria como provada concluiu, em sede de direito, pela aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, ao invés de reconhecer ao Recorrente, como peticionado, direito de (com)propriedade sobre os aludidos bens.

V. O Tribunal da Relação ao expurgar da matéria de facto determinados conceitos que entende serem jurídicos, violou a norma do art. 607.º, n.º 4 do CPC, incorrendo num erro de julgamento, pelo que deve ser revogado o Douto Acórdão recorrido na parte em que, com fundamento na expurgação de conclusões de direito da matéria de facto, procede à:

(iv) eliminação do Ponto 33, als. b) e c) do Ponto 35, eliminação dos segmentos tidos por conclusivos do Ponto 28;

(v)alteração da redação dos Pontos 6, 7, 13, 14, 15, 21, 22, 25, 26, 27, 29, 34, 35,38;

(vi) aditamento dos Pontos 6 a) a 6 e); 7a) a 7d); 38 a).

EM TODO O CASO,

W. Ao decidir como decidiu – valorização dos documentos autênticos e condicionamento da restante prova – o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu numa omissão de pronúncia, por não dar como provados factos relevantes alegados (e provados!) pelo Recorrente.

X. Sendo que, na presente ação, repisa-se, os factos a apurar consistiam em verificar se, apesar da forma, a substância do direito de propriedade sobre os bens, era distinta da sua forma, o que a confirmar-se, consequentemente, ilidiria a presunção de titularidade que emerge do registo, e redundaria na impugnação da veracidade das declarações constantes das escrituras públicas de aquisição dos imóveis.

Y. Se o Venerando TRL prevalece os documentos autênticos sobre a restante prova nos autos (documental, testemunhal e declarações de parte), chegando mesmo a condicioná-la em face daqueles documentos, o Tribunal, na realidade, recusa-se a conhecer do objecto da presente ação, i.e., a eventual desconformidade entre a realidade formal dos bens e a realidade substancial no que respeita à sua titularidade, impedindo o juízo, necessário e essencial, sobre o pedido e causa de pedir formulados pelo Recorrente, bem como o conhecimento sobre a eventual ilisão da presunção do art. 7.º do CRP.

Z. A prova desta sobrevalorização dos documentos autênticos face à restante prova demonstra-se, por exemplo, pelo facto de o Tribunal da Relação de Lisboa desvalorizar as próprias declarações da Recorrida, onde no âmbito do procedimento cautelar de arresto ASSUME que o imóvel do ... era de ambos, adquirido com fundo de ambos, vide transcrição infra:

“[I]mpõe-se também não ignorar que prestou declarações de parte por si requeridas na audiência final nos autos de procedimento cautelar, tendo dito: «Decidimos comprar uma casa», «No ...», à pergunta com que dinheiro, se de ambos, respondeu «De ambos, sim», e sobre as obras na casa do ... disse que quem as começou foi o apelado e foram terminadas pela apelante”, pág. 30 do Acórdão.

AA. Sendo, por demais evidente que, tendo o TRL procedido às alterações ao teor da matéria de facto, aqui elencadas, a pretexto da substituição de juízos conclusivos pelo teor das escrituras públicas, acabou por concluir - sem surpresas – que não se encontram verificados os pressupostos da compropriedade, na medida em que “apenas está provado que o autor comparticipou nas aquisições dos bens e nas despesas com obras e que o autor e ré sempre consideraram entre si e publicamente, como sendo de ambos os imóveis e as viaturas adquiridas na pendência da sua vida em comum”, afirmando, de seguida, que não está demonstrada “a aquisição do direito de propriedade pelo autor por nenhum dos modos previstos na lei”.

BB. Assim, ao alterar a matéria de facto nos termos realizados, substituindo os factos que resultaram provados nos autos relativos à intenção das partes e ao acordo estabelecido relativamente à titularidade – em comum - dos bens, pelo mero teor dos documentos autênticos, expurgando, consequentemente, da matéria de facto todas as referências ao referido acordo, o Venerando Tribunal a quo coartou o direito do Recorrente de ilidir a força probatória plena de tais documentos autênticos, conforme lhe é conferido pelo art. 372.º, n.º 1 do CC, bem como a possibilidade de ilidir, mediante prova em contrário, a presunção decorrente do registo predial, conferida pelo art. 350.º, n.º 2 do mesmo diploma.

CC. Nesta medida, é forçoso concluir que o Acórdão recorrido viola as regras aplicáveis ao valor probatório dos documentos autênticos, máxime o disposto nos arts. 350.º, n.º 2, 371.º e 372.º todos do CC, bem como o art. 608.º, n.º 2 do CPC, padecendo, por isso, de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n. º1, al. d) do mesmo diploma. Veja-se, quanto a este ponto, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2022, no âmbito do proc. n.º 3334/19.7T8STR.E1.S1; o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-01-2018, no âmbito do proc. 8470/15.6T8CBR.C1; o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-05-2016, no âmbito do proc. n.º 157/13.0TACBT.G1 e, ainda, o Ac. do Tribunal da www.adcecija.pt Relação de Lisboa de 10-01-2013, no âmbito do processo n.º 905/05.2JFLSB.L1-9, todos mais bem descritos supra.

DD. Termos em que justifica a revogação do Douto Acórdão recorrido nos exatos termos já supra peticionados, o que pelo presente se requer.

ADEMAIS,

EE. Ainda que a matéria de facto se mantivesse nos termos alterados pela Veneranda Relação – o que só à cautela se equaciona, pelos argumentos já invocados – entende o Recorrente que o Acórdão padece de erro na aplicação do direito.

FF. O Venerando TRL decidiu no Acórdão recorrido declarar improcedente a apelação do A., ora Recorrente, porquanto:

(iv) é evidente que não têm aplicação in casu as normas do Código Civil sobre simulação;

(v) o A., ora Recorrente, não logrou ilidir a presunção decorrente do registo predial e automóvel;

(vi) não está provada a aquisição pelo A. , ora Recorrente, do direito de propriedade. O que, novamente, merece a discordância do Recorrente.

VEJAMOS DIGNOS CONSELHEIROS DO SUPREMO,

GG. O registo tem uma função meramente declarativa, sendo por isso a presunção do art. 7.º do CRP uma presunção iuris tantum, ou seja, possível de ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do art. 350.º do CC.

HH. Dos factos que resultam provados – tal como estão - é possível, por si só, ilidir a presunção de titularidade da Recorrida por si só, atente-se ao teor dos Pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 21, 22, 28, 29, 34 e 35 da Matéria de Facto dada como provada nos autos.

II. Com a leitura dos Factos Provados depreende-se que as partes decidiram adquirir, em comum e sem determinação de parte ou de direito, património em Portugal, correspondendo essa decisão à vontade real das partes, desde o primeiro momento em que é equacionada a aquisição dos bens, tendo, por isso, o Recorrente ILIDIDO a presunção emergente do registo.

JJ. O afastamento da presunção ainda se torna mais evidente se considerarmos a matéria de facto, nos termos em que fora fixada pelo Tribunal de 1.ª instância que, conforme já referido, teve em consideração os factos sobre o contexto, o animus das partes na aquisição dos bens, basta ler, v.g., os Pontos 5, 6, 7, 22, 33 da sentença proferida pela 1.ª instância.

KK. Porém, nem com a ampla prova produzida, dada como PROVADA nos autos – ainda que alterada – o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa considerou estar afastada a presunção de titularidade do registo, prevista no art. 7.º do CRP.

LL. Primeiramente, começa aquele Douto Tribunal por referir que não se aplicam as normas da simulação constante do código civil, uma vez que “não está provado e nem sequer foi alegado que entre os vendedores desses imóveis e a ré compradora houve algum acordo como previsto no art. 240º do CC nem tão pouco, diga-se, que os vendedores e as instituições bancárias financiadoras tinham conhecimento do acordo entre o autor e a ré”.

MM. Ora, quanto a este argumento o Tribunal encontra-se, novamente, equivocado porque que o Recorrente pretendeu quando afirmou que as partes simularam que a aquisição dos bens era feita por apenas uma delas e não pelos dois era demonstrar que o registo, desde início, não espelhava a realidade material, devendo por isso ser alterado, por força do princípio da prevalência da substância sobre a forma.

NN. Daí que não tenha de estar provado e nem tão pouco alegado que entre os vendedores desses imóveis e a ré compradora, aqui Recorrida, houve algum acordo, pois, em nada condiciona o reconhecimento da prevalência da substância sobre a forma e, consequentemente, o reconhecimento da compropriedade do acervo de bens.

OO. Um outro argumento invocado pela Veneranda Relação de Lisboa para afastar o reconhecimento da compropriedade é que ainda que as partes “consideraram, entre si e publicamente, como sendo de ambos os imóveis e as viaturas adquiridos na pendência da sua vida em comum” (sic) a verdade é que “não estando demonstrada a aquisição do direito de propriedade pelo autor por algum dos modos previstos na lei”(sic).

PP. Incorre, novamente, o Douto Tribunal em erro na aplicação do Direito, uma vez que desconsidera que o art. 1316.º do CC não é taxativo, que o art. 7.º do CRP constitui uma presunção ilidível, mediante prova em contrário, nos termos do art. 350.º, n.º 2 e 344.º, n.º 1 do CC, sendo que, a compropriedade pode ser atribuída por decisão judicial, cf. entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 07-06-2022, no âmbito do proc. n.º 1517/20.6T8FAR.E1.S1.

QQ. É precisamente através da presente ação que o Recorrente pretende ver reconhecida a titularidade do acervo de bens que adquiriu, desde o início, com a Recorrida e que, como já fora referido, está confessado pela própria, pelo menos quanto a um dos imóveis, “casa do ...”, cf. declarações de parte da Recorrida, prestadas em sede de procedimento cautelar e especificamente destacadas no Acórdão recorrido na pág. 30.

RR. Aliás, quanto ao acervo de bens adquiridos, num prisma geral, após a separação, no qual a Recorrida em troca de mensagens com o Recorrente afirma, como bem foi denotado pelo Venerando TRL, que:

Sempre dissemos que seria uma casa para cada filho eu não quero anda. Por mim até arrendava tudo e não vendia porque não tenho direito a um empréstimo e ficava todo o dinheiro em nome de uma sociedade minha e tua.

Tu nomeavas quem quiserdes em teu lugar” – pág. 28 do Acórdão recorrido. (realce nosso)

SS. Sendo esta uma das muitas provas que existem nos autos que atestam a veracidade das alegações do Recorrido e que demonstram que todos os bens foram adquiridos em compropriedade, pese embora o registo estivesse só em nome da Recorrida – princípio da prevalência da substância sobre a força.

TT. Não sendo razoável que, face a tudo o que resultou provado nos autos, se reduza os direitos do Recorrente à mera contribuição financeira para a aquisição daqueles bens e ao direito à restituição da mesma, pois é manifesto que o Recorrente adquiriu conjuntamente com a Recorrida e se comportaram, desde a aquisição, como comproprietários do acervo de bens em discussão, tendo aquele, desde o início, contribuído para a sua escolha, idealização, negociação, aquisição e respetiva manutenção, mesmo após o fim da relação das partes.

UU. Porém, nem assim, com (i) a confissão da Recorrida, (ii) as suas declarações em diversas mensagens de texto dirigidas ao Recorrido e a terceiros, em momentos temporais distintos ou a (iii) prova testemunhal produzida nos autos, o Tribunal da Relação considerou que estava ilidida a presunção da titularidade do art. 7.º do CRP.

VV. Ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa assim não o entendesse, i.e., aplicabilidade do regime da compropriedade – o que só à cautela se equaciona – sempre teria de equacionar estar perante a celebração de um contrato atípico de coabitação entre as partes, uma vez que resultou PROVADO que os bens adquiridos eram comuns, vide, v,g, o Ponto 12 da Matéria dos Factos dada como Provada.

WW. Os contratos de coabitação consistem na regulamentação de vários aspetos da união de facto, sobre os quais os conviventes pretendem que não restem dúvidas e ao contrário do entendimento do Tribunal da Relação, tal contrato não está sujeito a forma especial.

XX. O art. 219.º do CC tem como regra que a validade da declaração não depende de forma especial, salvo quando a lei assim o exija, porém já ficou demonstrado que a propriedade pode ser adquirida por outras formas que não as previstas no art. 1316.º, ou seja, outras formas que não tem, obrigatoriamente, de obedecer à forma escrita.

EM TODO O CASO, AINDA SE TAMBÉM ASSIM NÃO SE CONCEDESSE SEMPRE SE DIRÁ QUE,

YY. Ainda antes de aplicar o instituto do enriquecimento sem causa à factualidade dos autos, que tem uma aplicabilidade residual por força do art. 474.º do CC, e uma vez que o Tribunal não está vinculado ao enquadramento jurídico das partes, por força do art. 5.º, n.º 3 do CPC, sempre teria o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de aplicar o regime do mandato sem representação, previsto no art. 1180.º do CC.

ZZ. De análise conjunta do art. 1180.º e 1881.º, n.º 1 do CC depreende-se que, nestes casos, o mandatário embora aja em nome próprio e seja na sua esfera que adquire os direitos e assume as obrigações, está obrigado, posteriormente, a transmitir o cumprimento dessas obrigações contratuais e a titularidade dos direitos que haja adquirido para o mandante.

AAA. Sendo pacífico na nossa jurisprudência aplicar este instituto do mandato sem representação a situações semelhantes à dos presentes autos, veja-se, a este propósito o Acórdão (i) do Supremo Tribunal de justiça de 09-05-2002, no âmbito do proc. n.º 02B1342; (ii) do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2020, no âmbito do Processo n.º 238/19.7T8PVZ.P.1; (iii) do Tribunal da Relação do porto de 28-10-2013, no âmbito do proc. n.º 68/11.4TVPRT.P1; (iv) do Tribunal da Relação do Porto de 13- 10-2022, no âmbito do proc. n.º 4391/18.9T8VFR.P1, cujas transcrições se encontram supra.

BBB. Sendo, a consequência legal da aplicabilidade deste regime a obrigatoriedade da Recorrida transferir para o Recorrente o direito de propriedade dos bens que adquiriu em seu nome e no do Recorrente (ainda que sem representação deste), pelo menos quanto aqueles que ainda detém na sua posse.

CCC. Assim, deveria o Tribunal da Relação ter declarado a “medida da compropriedade” do Recorrente no acervo de bens em discussão, face ao conjunto de prova carreado para os autos e, consequentemente, condenado a Recorrida a transmitir ao Recorrente a sua parte do direito de propriedade dos bens que ainda estão na sua posse.

DDD. Nestes termos, ao decidir como decidiu o Douta Acórdão recorrido padeceu de erros de julgamento, omissão de pronuncia e erro na aplicabilidade do direito, consubstanciados na violação do disposto no art.º 1403.º, 1404.º do CC, art.º 7.ºdo CRP, art.º 320.º do CC, 1316.º, n.º 2 219.º do CC, art.º 473.º e 474.º do CC e, bem assim, o disposto no art.º 350.º. n.º 2 e 344.º, n.º1, 483.º, 1180.º e 1181.º, n.º 1 todos do CC, devendo, por isso, ser revogado e substituído por Acórdão que aplique a lei e o Direito.

EEE. Mais incorreu, ainda, o venerando Tribunal a quo em erro de julgamento ao revogar o constante na al. d) do dispositivo da sentença, a saber, “d) valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e) na proporção do despendido pelo A. na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a 150.000,00 € ”, porquanto ao negar ao Recorrente o direito a ser ressarcido, a título de enriquecimento sem causa, pelo montante correspondente à proporção do por si despendido na aquisição daquele imóvel, violou o disposto no art.º 473.º do CC.

FFF. A Doutrina e Jurisprudência têm defendido uma ampliação dos requisitos do enriquecimento sem causa, exigindo que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, porém, tal exigência não tem um carater absoluto e não é de aplicação automática devendo, outrossim, a sua aplicabilidade ser aferida casuisticamente, em função da justiça do caso concreto desaplicando-se quando conduza a conclusões manifestamente injustas e excessivas.

GGG. No caso concreto, tendo em vista o conjunto de factos que resultaram provados nos presentes autos, resulta por demais evidente que seria contrário ao comum sentimento de justiça que o empobrecimento do Recorrente e o enriquecimento da Recorrida se consolidassem nos termos ocorridos nos presentes autos negando-se o direito do Recorrente às mais valias auferidas com a venda do imóvel.

HHH. Tendo o património em causa sido adquirido apenas em nome da Recorrida nas condições que resultaram demonstradas nos autos, e tendo a Recorrida visto o seu património sobejamente enriquecido com o valor das mais-valias auferidas com a venda da “casa de ...”, repugna ao mais elementar sentido de justiça que se legitime a conduta ilícita da Recorrida, permitindo-lhe fazer suas, na totalidade, as mais valias de um investimento que assumiu uma natureza evidentemente comum.

III. De forma que, ainda que se entenda que inexiste carácter imediato da deslocação patrimonial em virtude da existência de um facto jurídico posterior à aquisição do imóvel – a sua venda a terceiros e com ela a realização de mais-valias – há que concluir que no caso concreto se justifica o reconhecimento do direito e a condenação da Recorrida na obrigação de restituir o montante das mais valias ao Recorrente, desde logo: (i) em virtude da conduta reprovável da Recorrida e a gravidade da ilicitude da sua conduta que, inclusivamente, recorreu ao “engodo” do aconselhamento profissional ao próprio companheiro; (ii) em virtude da proximidade entre Recorrente e Recorrida que viviam em situação análoga à dos conjunges, tendo dois filhos em comum, e, (iii) em virtude de ser por demais evidente a existência de um acordo entre as partes relativamente à comunhão na propriedade dos bens adquiridos na pendência da relação, circunstâncias que, por si só, exigem tal solução.

JJJ. Inexiste causa justificativa para a transferência patrimonial correspondente à mais-valia (total) auferida pela Recorrida com a alienação do imóvel descrito na al. e) da sentença, adquirido com meios financeiros comuns, mais-valia essa auferida, manifestamente, à custa do Recorrente e que, por esse motivo, qualifica como um enriquecimento injustificável, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 473.º do CC, pelo que deve a Recorrida restituir tais valores a Recorrente, nos termos peticionados pelo.

KKK. Termos em que, deverá, assim, ser revogado o Douto Acórdão recorrido, também no que tange a este segmento decisório, e, caso se entenda que o regime da compropriedade é inaplicável in casu, substituído por Acórdão que, confirmando que estão verificados os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, condene esta última nos termos constantes da al. d) do dispositivo da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Termos em que, face a tudo o exposto deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, conhecendo do presente recurso julgue o mesmo procedente, por provado, aplicando a lei e o direito, nos termos ora peticionados”.

7. A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista do A. e pela alteração da decisão recorrida nos termos peticionados na revista interposta pela R.

8. Na revista interposta pela R., esta formulou as seguintes conclusões:

A) Para efeitos de prova das transferências monetárias internacionais relativas aos vencimentos do A. a prova testemunhal é absolutamente inidónea, atenta a ilegalidade, por força do branqueamento de capitais;

B) Da prova documental existente nos autos relativa às contas bancárias do A. e da Ré em Angola, resulta prova da possibilidade de serem feitas transferências bancárias de valores entre Angola e Portugal;

C) Dos autos resulta prova de que a Ré regressou em definitivo a Portugal em Julho de 2017, sendo que a aquisição do veículo Audi A1, com um empréstimo do pai do A. teve em vista esse regresso e as deslocações que a Ré tinha de fazer;

D) Dos autos resulta que o A. ainda em 2017, após o regresso da Ré, exigiu à mesma o documento com as declarações do bens e das dividas do passivo;

E) As Sms’s juntas pelo A. foram obtidas e usadas de modo completamente deturpado com o objectivo de coagir e condicionar a Ré em termos de violência doméstica e coação económica relativamente às despesas dos filhos menores;

F) Nenhuma prova foi feita relativamente à situação patrimonial e económica do A., antes do início da relação com a Ré;

G) Nenhuma prova foi feita pelo A. relativamente aos ganhos que o mesmo começou a ter a partir de 2016, ano em que passou a auferir um vencimento de cerca de 5.000,00 USD, em relação às despesas que tinha;

H) Não existem quaisquer meios probatórios dos quais se possa aferir que o A. transferiu património pessoal, para a esfera do património da Ré;

I) Nenhuma prova foi feita, nem existe nos autos qualquer prova idónea relativa ao pagamento de qualquer valor da casa adquirida em ..., como resulta em contrário do valor probatório da escritura pública que titulou essa aquisição;

J) O A. não produziu qualquer meio probatório idóneo do qual resulte comprovado com incremento patrimonial do património da Ré, que seja proveniente directa ou até indirectamente do património do A.;

K) Nem o A. produziu qualquer meio probatório relativo a qualquer empobrecimento do seu património, que nem sequer provou ter;

L) O que resulta provado dos extractos bancários das contas do A. existentes nos autos é que o A. não possui quaisquer meios financeiros no seu património;

M) Para além dos financiamentos comprovados por documentos autênticos para a aquisição dos imóveis, o que se provou foi a aquisição de um veículo Audi A1 pela Ré mediante um empréstimo do pai do A., no qual não houve qualquer deslocação patrimonial do A. para a Ré;

N) Apenas se provou que o A. pagou o empréstimo ao pai e ficou assim subrogado na posição de Credor da Ré;

O) Não ocorreu assim qualquer transferência do património do A. para a Ré que integre enriquecimento sem causa nos termos do art.º 473º do C.C.;

P) O Acórdão recorrido viola o nº 2 do art.º 473º do C.C. e a jurisprudência do S.T.J. enunciada no recurso;

Q) O Acórdão recorrido é por isso nulo nos termos das als. b) e c) nº 1 do art.º 615º do C.P.C.; e

R) O Acórdão recorrido viola os princípios e os meios probatórios dos arts.º 341º, 342º, 354 a); 358º nº 3; 362º; 364º; 376º e 541º do C.C. e os arts.º 410º e ss. do C.P.C., devendo por isso ser revogado quanto à conformação que parcialmente fez da decisão da 1ª instância, com excepção do empréstimo do veículo Audi A1.

Nestes Termos e nos mais de direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser dado como provado e procedente e em consequência ser proferido douto aresto que revogue a decisão recorrida na parte em que aplicou o instituto legal do enriquecimento sem causa e condenou a Ré na restituição das quantias alegadamente despendidas na aquisição dos bens pelo A./Recorrido, já liquidadas e por liquidar, por inaplicabilidade desse mesmo instituto legal”.

9. O A. contra-alegou, pugnando pela total improcedência da revista da R..

10. A Relação proferiu acórdão em que se pronunciou pela inexistência das nulidades invocadas pelos recorrentes.

11. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. As questões suscitadas nas duas revistas são as seguintes:

Revista do A.:

Erro de julgamento consubstanciado na violação do disposto no art.º 607.º n.º 4 do CPC (alteração da matéria de facto, pela Relação, mediante a expurgação de alegados conceitos de direito); nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia; violação das regras relativas à apreciação da prova; violação das regras que regem a compropriedade; indevida revogação do constante na alínea d) do dispositivo da sentença recorrida.

Revista da R.:

Nulidades do acórdão recorrido (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão; oposição entre os fundamentos e a decisão); violação das regras e princípios que regem os meios probatórios; falta de demonstração do enriquecimento sem causa; eventual admissão, a título subsidiário, de revista excecional.

A apreciação das duas revistas será condicionada pelas legais limitações do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que adiante serão explicitados.

2. As instâncias (com alterações introduzidas pela Relação, que se assinalarão) deram como provada a seguinte

Matéria de facto

1. A. e a R. viveram em situação análoga à dos cônjuges desde Abril de 2010, data em que decidiram ir viver juntos, situação que se prolongou até Agosto de 2018;

2. Desta união nasceram dois filhos;

3. A. e R. conheceram-se em ... em finais de 2008, local em que se encontravam ambos a residir, por motivos profissionais;

4. Cada um dos membros do casal contribuía para a economia familiar e a sua vida em comum com os respectivos rendimentos do seu trabalho;

5. A. e R. fizeram planos, no sentido de adquirir património conjunto, nomeadamente património imobiliário, em Portugal, visto terem ambos nacionalidade portuguesa.

6. Com esse propósito adquiriram em 2011 um imóvel no ..., na localidade de ..., com o propósito de aí desfrutar de férias em família sempre que se deslocassem a Portugal. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto, incluindo aditamento de alíneas:

Em 12/08/2011 foi celebrada escritura pública de «Compra e venda mútuo com hipoteca» pela qual J..., Unipessoal, Lda. declarou vender à ré BB, não presente nesse acto mas representada pela sua procuradora DD, e esta declarou comprar, pelo preço de 200 mil euros a fracção autónoma designada pela letra “B” destinada a habitação do prédio situado em ..., denominado lote nº 20, Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...46 da freguesia de ...», «

6. a) Nessa escritura pública o Banco Comercial Português, SA declarou conceder um empréstimo no montante de 200 mil euros à ré BB, cuja finalidade é a aquisição desse bem que se destina a sua habitação própria permanente, tendo esta declarado aceitar o financiamento e confessar-se devedora de todas as quantias que do Banco recebeu a título desse empréstimo e até ao montante do mesmo e devedora das quantias que lhe foram debitadas por conta dessa operação.

6. b) Nessa escritura pública o autor AA, não presente nesse acto mas também representado pela sua procuradora DD, declarou assumir-se solidariamente fiador e principal pagador de todas as obrigações pecuniárias emergentes para a mutuária ré e que nessa qualidade se obriga perante o Banco ao cumprimento das mesmas, com renúncia ao benefício de excussão prévia.

6. c) Pela Ap. 3685 de 2011/08/12 está registada na Conservatória do Registo Predial de ... a aquisição da referida fracção autónoma tendo como causa «compra», como sujeito activo a ré.

6.d) Pela Ap. 3686 de 2011/08/12 está registada nessa Conservatória hipoteca voluntária sobre essa fracção tendo como sujeito activo o Banco Comercial Português, Sa e como sujeito passivo a ré para garantia do referido empréstimo.

6.e) Essa escritura pública foi celebrada com o propósito de nesse imóvel aí desfrutarem de férias em família sempre que se deslocassem ao ....

7. E posteriormente, em 2013, um imóvel em ..., que pudesse vir a servir de casa de morada de família quando, e se, decidissem regressar a Portugal - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto, incluindo aditamento de alíneas:

Em 25/11/2013 foi celebrada escritura pública de «Compra e venda mútuo com hipoteca e fiança» pela qual J..., Lda. declarou vender à ré BB - não presente nesse acto mas representada por sua mãe na qualidade de procuradora, EE - que declarou comprar, pelo preço de 153 mil euros a fracção autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...69da freguesia de ....

7. a) Nessa escritura pública A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de... e ..., C.R.L, declarou que concedeu um empréstimo no montante de 120 mil euros à ré BB, para financiar essa aquisição, tendo esta declarado que recebeu, confessando-se devedora

7. b) Nessa escritura pública EE, por si e na qualidade de procuradora do seu marido FF, declarou que prestam fiança a favor da Caixa Agrícola, perante a qual assumem solidariamente, como fiadores e principais pagadores, o bom e integral cumprimento de todas as obrigações da mutuária decorrentes desse acto e do empréstimo contratado, com renúncia ao benefício da excussão.

7.c) Pela Ap. 239 de 2013/11/25 foi registada na Conservatória do Registo Predial de ... a aquisição da referida fracção autónoma pela ré.

7.d) Essa escritura pública foi celebrada com o propósito de que esse imóvel pudesse vir a servir de casa de morada de família quando, e se decidissem regressar a Portugal.

8. A aquisição de ambos os imóveis foi formalizada exclusivamente em nome da Requerida, por sugestão desta, (que é Advogada) ao A. por ser esta a forma, no entendimento profissional daquela, que melhor lhes garantiria o acesso ao crédito, e que melhor protegeria o património familiar;

9. Com o fundamento de que essa solução seria a que melhor protegeria o património familiar, face à existência prévia de um litígio que o Requerente havia mantido com uma empresa franchisadora de um negócio de escola de línguas que havia fundado nos anos 90 e que encerrou antes de ir residir para Angola.

10. O A., confiou nos conselhos da sua companheira e acedeu a que a compra dos dois imóveis fosse realizada naqueles moldes.

11. E que o financiamento bancário fosse realizado apenas em nome da R.

12. Não obstante acordaram, o Requerente e a Requerida, que os imóveis adquiridos eram comuns;

13. Para a aquisição e obras neste apartamento, o casal recorreu ao crédito bancário junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de ... e ..., C.R.L. – em nome da R. – no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) e a fundos de ambos. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Para a aquisição e obras na referida casa de ..., além do financiamento bancário, o autor e a ré entraram também com fundos de cada um deles em montantes não concretamente apurados.

14. Financiamento cujas prestações mensais, tal como sucedia para a casa no ... também adquirida pelo casal nestes moldes, eram pagas com os fundos de ambos, a maioria das vezes através de alguma das contas de depósito à ordem da Requerida em Portugal, provisionadas, umas vezes através de transferências efectuadas da conta do casal domiciliada em Angola, outras, sobretudo após 2015 em que a expatriação de capitais de Angola começou a apresentar-se dificultada, através de numerário que o casal enviava para Portugal através de família e conhecidos e que era depositado nas contas bancárias da R. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Financiamento cujas prestações mensais, tal como sucedia para a casa no ..., eram pagas com os fundos de cada um deles, em montantes não concretamente apurados, a maioria das vezes através de alguma das contas de depósito à ordem da ré em Portugal, provisionadas, umas vezes através de transferências efectuadas da conta do casal domiciliada em ..., outras, sobretudo após 2015 em que a expatriação de capitais de ... começou a apresentar-se dificultada, através de numerário que o casal enviava para Portugal através de família e conhecidos e que era depositado nas contas bancárias da ré.

15. As obras realizadas nos imóveis, foram contratadas, custeadas, decididas e geridas por A. e R. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

As obras realizadas nos imóveis foram contratadas, decididas e geridas por A. e R. e custeadas com fundos de cada um deles em montantes não concretamente apurados.

16. Em 2016, a R. veio residir com os filhos para ...;

17. A partir dessa altura, o requerente passou a remeter à Requerida a totalidade do seu ordenado base/fixo, para Portugal, em montante na ordem dos € 5.000,00 (cinco mil euros) por mês, por transferência bancária ou por numerário, quando a transferência bancária não se afigurava possível.

18. Ou, quando não era possível transferir por constrangimentos bancários relacionados com o sistema bancário angolano, em numerário que entregava à Requerida, pessoalmente, quando se deslocava a Portugal para visitar a família, ou através de amigos e conhecidos que para cá se deslocavam.

19. Montante esse – o do ordenado base do Requerente - que se destinava a custear as despesas familiares entre elas os financiamentos bancários obtidos para aquisição dos imóveis e as obras no imóvel de ..., bem como mobiliário e todo o recheio do mesmo.

20. Após a mudança de país, a relação entre o casal veio progressivamente a deteriorar-se, até que em Agosto de 2018, o A., pôs fim à mesma;

21. Continuou, no entanto, a remeter à Requerida os seus rendimentos do trabalho, de modo a comparticipar nas despesas familiares, maxime, despesas com os filhos menores, as duas viaturas do casal e o pagamento das prestações dos créditos contraídos para aquisição dos imóveis; Cfr. Doc. nº10. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Continuou, no entanto, a remeter à Requerida os seus rendimentos do trabalho em medida não concretamente apurada, de modo a comparticipar nas despesas familiares, maxime, despesas com os filhos menores, as duas viaturas –marca Audi modelo A1 com a matrícula ..-.Q-.. e marca BMW modelo X6 com a matrícula ..- NB-.. e o pagamento das prestações dos créditos contraídos para aquisição dos imóveis.

22. O casal sempre assumiu – entre si e publicamente – que os imóveis, bem como as viaturas adquiridas na pendência da sua união de facto – pese embora, tivessem sido adquiridos, formalmente, em nome da Requerida, eram propriedade de ambos - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

O casal sempre considerou, entre si e publicamente, como sendo de ambos os imóveis e as viaturas adquiridos na pendência da sua vida em comum.

23. Aquando do final da sua relação com a R. o ex-casal acordou, uma vez que o A. continuaria a trabalhar em Angola e confiava na R., que este continuaria a enviar àquela os seus rendimentos de trabalho, para que a R. custeasse com eles a sua parte nas despesas com os filhos do casal e com o património comum (aqui incluídas as despesas de financiamento com carros e casas) e fizesse, com o remanescente, um aforro para o A..

24. O A. manteve o envio à R. desses montantes – que eram variáveis em função do câmbio a que eram sujeitos, visto que o A. recebia em kwanzas.

25. Face à situação de iminente separação em que o casal se encontrava o Requerente solicitou, logo no início de 2018, à R. que emitisse uma declaração que atestasse que o património do casal, composto pelos imóveis e viaturas, e bem assim as suas dívidas associadas – créditos bancários e dívidas a familiares – eram comuns. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Face à situação de iminente separação em que o casal se encontrava, o A. solicitou à R., logo no início de 2018, que emitisse uma declaração que atestasse que o património do casal era composto pelos imóveis e viaturas e bem assim que as suas dívidas associadas – créditos bancários e dívidas a familiares – eram comuns, e dizendo na mensagem contida no documento 16 da p.i. «Olha é melhor elaborares o tal documento que te pedi várias vezes porque quero q os meus pais tb se sintam seguros: metade do passivo e metade do activo é meu. Descrimina o quê, quanto, etc.. no caso dos carros descrimina quais são e que os mesmos são meus porque ainda não os pagámos aos meus pais»

26. A R. foi evitando a emissão de tal declaração - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

A R. não emitiu tal declaração.

27. O A. insistiu durante todo o ano de 2018, e até ao Verão de 2019, variadíssimas vezes, pela emissão de tal documento. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

O A. insistiu durante todo o ano de 2018 e até ao Verão de 2019, variadíssimas vezes, pela emissão de tal documento, dizendo nas mensagens contidas no documento 17 da p.i. «Aproveita por favor esta semana para fazeres o documento que te pedi no fim de e entregas-mo antes de viajar. Lança e elenca o passivo e os activos» e «Como diz o meu Pai, há viver e há morrer».

28. A. e R., foram discutindo ao longo do ano de 2018 e 2019, uma forma de dividir o património comum e de saldar as dívidas, nomeadamente, empréstimos contraídos perante os pais de cada um deles, sem que, no entanto, chegassem a qualquer efectivação da divisão - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

A. e R. foram discutindo ao longo do ano de 2018 e 2019 uma forma de dividir bens e pagar dívidas, sem que chegassem a efectivar divisão, tendo trocado entre si as seguintes mensagens contidas nos documentos 4, 18 e 19:

Doc. 4

«Temos de ver as coisas do ..., obras.»,

«Vamos concluir as obras»,

«Só acho que devíamos rentabilizar a casa do ..., caso não se consiga organizar tão bem a questão do dinheiro»,

«Por mim não»

«Deixamos livre para ti e para mim quando tu entenderes»,

«Ok»,

«Só acho que ajudava no orçamento e penso que tu devias por valores do salário de lado não faz sentido trabalhares para pagares despesas de filhos só»,

«Eu não quero a casa do ... arrendada. Quanto aos valores vai usando para cobrir as despesas sempre q precisares»,

«Por isso não te pedirei nem exigirei nada de ti, a única coisa que te pedia por uma questão de me poupar de sofrimento e que quando estivesses em ... não levasses os miúdos todos, pois seguramente não fará sentido para ti dormires comigo quando nem olhas para mim nem para mim»,

«Se não queres arrendar concordo, organizamos o tempo conforme entendermos»

«Eu não torno a ficar em casa de Lx. Esta será a última vez que durmo lá. Nas próximas vezes irei ficar no hotel e depois irei para o ...»

«Não te peço isso, podes ficar»

Doc 18

«Despesas:

Caixa crédito agrícola casa 650€ dia 10 de cada mês;

Caixa agrícola mini 450€ dia 16 de cada mês até dezembro

Millenium casa 600€ dia 25 de cada mês

Escola Kiami 486€ base até dia 8

Erik 132€ até dia 12 cada mês

Seguro casa ... mensal 15€

Seguro casa ... não tenho o valor ainda

Seguros saúde teu 55€, meninos 40 cada a.p

Seguro x6 50€ mês

Seguro Audi 30€

Garagem 50£ até dia 8

Jardineiro 50 €

Condomínio 70€ trimestral

Actividades GG 47 futbol, 45 ténis 45 natação

Total mensal: 2800€

Sem despesas de alimentação, calçado, médicos, livros, etc»,

«Estou a reunir todos os documentos»,

«preciso de uma declaração dos activos e os documentos como anexos»,

«Temos de ver a situação do X6 e do Audi»,

«Já te disse que vou fazer isso»,

«Eh não aguento esta despesa toda.

Do Audi diz o que queres fazer para me orientar. Tenho de pagar empréstimo dos meus pais nã»,

«O dinheiro que tens mandado tem sido para obras»,

«Vamos vender o Audi (que é melhor que o X6. No X6 temos de ver quanto é que os meus pais puseram e da venda dividimos os valores em »,

«E decidirmos o usufruto das casas … eu já não uso a casa de ... desde outubro»,

«Porque eu tenho o nome constantemente no banco de Portugal e não estou para isso»,

«Quem fique com o empréstimo da casa do ...???? Então se é para vender, vendemos as duas»,

«Usaste desta vez sem me dizer que ias entrar, não que me importe com isso»,

«Por mim vendemos tudo»,

«Nem tens de te importar.. era o q»,

«Concordo»,

«Então assim farei»,

«Liquida-se tudo e divide se o que sobrar»,

«Com uma casa toda partida»,

«Acabamos de arranjar a casa do ... e vendemos»,

«Sempre dissemos que seria uma casa para cada filho eu não quer nada. Por mim até arrendava tudo e não vendia porque não tenho direito a empréstimo e ficava todo o dinheiro em nome de uma sociedade minha e tua.

Tu nomeavas quem quiserdes em teu lugar»,

«Minha sugestão:

Saio de casa e arrendo

Vendemos carros

Arranjamos casa do ...

E arrendamos tudo metade meu metade teu»,

«Pode ser»,

«Nem eu nem tu conseguimos empréstimos»,

«Dizes o valor que queres dar da casa de ... de arrendamento e não há cá mas nem meios mas…o dinheiro vai para uma conta movimentada pelos dois em conjunto. Para não sair de casa porque o GG sofre com isso ele faz disso conversa eu pago a renda. Da renda pagamos os empréstimos.»,

«Vê o valor de mercado e diz»,

«E todas as despesas. No final de cada mês dividimos o que sobrar e terminamos a casa do ...»,

«Fazemos umas obras em condições e colocamos a renda»,

«Eu posso pedir um empréstimo para esse efeito de 20.000€»,

«E a nossa empresa afaz o q?»,

«Gere o património?,

«Ok

Concordo»,

«Eu pago a renda a empresa e a empresa paga os empréstimos.»,

«Ou seja pago a renda de ... a empresa e a empresa paga o empréstimo. A do ... arrendamos e recebe os rendimentos dos arrendamentos e paga o empréstimo e despesas»,

«Pagava 1000€ de renda se concordasses»,

«Ou 1200€»,

«BB vê o preço de mercado e depois acertamos. Não te quero prejudicar, temos 2 filhos e temos tudo para fazermos as coisas numa base comum de entendimento…»,

«Estou a dizer com base no preço de mercado»,

«O HH paga por um t3 menos bom que o nosso mas renovado 1000€»,

«Mas a ideia era continuarmos a usar o ... em férias de acordo com p arrendamento»,

«Há rendas mais caras»,

Doc. 19

«1- Tu ficas com a casa de ..., eu com a do .... Eu fico a pagar o empréstimo e despesas do ... e tu a de .... Faz-se uma avaliação das casas, apura-se o valor de cada uma e faz-se encontro de contas. Facilmente se depreende que a de ...vale mais do que a do ... por isso ficas a pagar-me mensalmente um valor ou pensas noutro tipo de compensação. Elaboras documentos nesse sentido;

2- vendemos o X6 e paga-se aos meus pais e aos teus;

3- Ficas com o audi mas quando o venderes (ou entregares à troca) metade do valor é meu;

4- pagamos os dois o empréstimo do mini até findar

5- as despesas dos meninos estão já acertadas pelo que não há mais nada a acrescentar».

29. Tendo tais propostas, sempre por base, o reconhecimento de ambos que o património adquirido pelo casal durante a sua união, composto por dois imóveis e duas viaturas, não obstante encontrar-se apenas em nome da R., era da propriedade de ambos. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Tendo tais propostas sempre por base ser considerado por A. e R. que a casa do ..., a casa de ... e as viaturas Audi e BMX pertenciam a ambos.

30. A R., não obstante o casal já estar separado, ia fazendo seus a totalidade dos montantes que o A. remetia de ..., procedendo, com eles, ao pagamento das despesas;

31. O A. comunicou à R. em 27.09.2019 que, ou ela emitia a declaração solicitada ainda em 2017, ou não mais lhe enviaria o seu ordenado.

32. O que passou a fazer, limitando-se a transferir para a R., os montantes acordados entre as partes relativos às despesas dos seus dois filhos comuns;

33. Em Agosto de 2018, quando decidiram por fim à sua relação, o património comum do A. e da R. era composto pelos seguintes bens:

(i) O imóvel sito na Rua ... em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...79, da freguesia de ...;

(ii) O imóvel sito na Quinta ..., na localidade de ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...46, da freguesia de ...;

(iii) A viatura automóvel da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..-NB-..;

(iv) A viatura automóvel da marca Audi, modelo A1, com a matrícula ..-OQ-..;

(v) Os bens móveis que compõem o recheio do imóvel referido na al. a)

(vi) Os bens móveis que compõem o recheio do imóvel referido na alínea b); (eliminado pela Relação)

34. Os bens referidos em 33, foram adquiridos por A. e R. com fundos de ambos; - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Os bens móveis que compõem os recheios da casa do ... e da casa de ... e as duas viaturas – marca Audi modelo A1 com a matrícula ..-.Q-.. e marca BMW modelo X6 com a matrícula ..-NB-.. - foram adquiridos com fundos do autor e com fundos da ré, em montantes não concretamente apuradas.

35. O casal tinha em comum, as seguintes dívidas a terceiros:

a) Dívida aos pais do A. por empréstimo efectuado ao casal no valor de 18.500,00 € (dezoito mil e quinhentos euros);

b) Dívida à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de ... e ... CRL, por financiamento para a aquisição do imóvel de ..., contraído pelo montante de120.000,00 € (cento e vinte mil euros).

c) Dívida ao Banco Comercial Português, SA, por financiamento para aquisição do imóvel do ..., contraído pelo montante de 200.000,00 €. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

Os pais do autor emprestaram a este e à ré a quantia de 18.500 € para a aquisição da viatura Audi modelo A1 com a matrícula ..-.Q-..»

36. O A., procedeu, entretanto, ao pagamento aos seus pais da dívida do casal no valor de 18.500,00, pagamento para o qual a R. não comparticipou com qualquer montante. - redação constante na sentença, que a Relação alterou, introduzindo o seguinte texto:

O autor pagou essa quantia de 18.500 € aos seus pais, não tendo a ré comparticipado nesse pagamento.

37. Em 02.03.2020, ocorreram contactos directos entre A. e R. sobre os temas relativos à divisão dos bens, com o A. a insurgir-se com a afectação pela R. de montantes enviados pelo A. a título de pensão de alimentos dos filhos menores, às despesas com os imóveis que o A. havia declarado não mais iria pagar até que a R. formalmente o seu direito à compropriedade dos mesmos.

38. A R. procedeu à venda da viatura do casal da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..-NB-.., pelo montante de € 30.000,00 tendo-lhe entregue o montante de 5.000,00 €. – redação constante na sentença, tendo a Relação introduzido o seguinte texto, e ainda aditado o n.º 38. A):

A R. procedeu à venda da viatura da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..-NB-.., pelo montante de 30.000,00 €, tendo-lhe entregue o montante de 5.000,00 €.

38. a) Pela Ap. 10038 de 18/05/2017 está registada na Conservatória do Registo de Automóveis de ... a favor da ré a aquisição da propriedade relativamente ao veículo de marca Audi modelo A1, com a matrícula ..-OQ-...

39. A R. informou o A. de que era sua intenção vender a casa de ..., até porque já não residia nela.

40. Em 19.2.2020 a R. procedeu à venda do imóvel de ..., à revelia do A., pelo preço de €460.000,00.

41. Concretizada a venda, a R. ocultou-a tendo feito sua a totalidade do produto da venda.

42. A Ré usufrui do imóvel do ... ao qual o A. não tem acesso;

43. A conta no Banco BAI em ..., era a conta da R. na qual esta recebia os pagamentos dos serviços que prestava em ... desde que passaram a viver juntos.

44. O A. nunca recebeu qualquer salário ou outro tipo de rendimentos nesta conta, mas transferia para a mesma valores necessários à sua contribuição para a vida comum da sua relação, para efeitos do pagamento das despesas do dia a dia.

45. O A. levou para a casa do ..., os seguintes bens de sua propriedade:

(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;

(ii) Serviço de jantar em louça (antigo), de família, oferecido ao A. pelos seus pais;

(iii) Fio em ouro antigo, pertença do aqui A.;

(iv) Uma salva de prata, oferecida ao A. pelos seus pais.

Na sentença, nessa parte não alterada pelo acórdão recorrido, figuram ainda os seguintes

Factos não provados

1. Em 2013 a requerida decidiu investir as suas poupanças a aquisição de um imóvel em ...;

2. A requerida sempre teve intenção de vir viver para ... com o seu filho sabendo que o requerente ficaria a viver em ...;

3. A requerida negociou e outorgou sozinha o contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés do chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., na freguesia de ..., em ...;

4. Pagou o sinal de €35.000,00 e outorgou posteriormente o contrato de compra e venda pagando o valor de €155.000,00, e despesas de escritura e impostos com o valor auferido com o rendimento do seu trabalho;

5. Com o valor auferido com o rendimento do seu trabalho a requerida despendeu €45.000,00 com as obras;

6. O requerido não interveio na negociação e aquisição do imóvel, não tendo sequer sido consultado;

7. O requerente nunca usufruiu da casa de ...;

8. A relação da A. com o R. terminou em Junho de 2017;

9. Do produto da venda do BMW X6 o requerido recebeu €5.000,00 sendo os restantes €10.000,00 destinados a acertos de contas entre as partes resultante da pensão devida aos filhos menores e das quantias pagas pela requerida para amortização, quer do empréstimo efectuado pelos pais da requerida para a compra do veículo, quer do financiamento respeitante à viatura marca MINI que foi dada à troca na aquisição do BMW.

10. Por forma a reunir meios financeiros para a aquisição de casa em ..., o A., que era proprietário de um terreno na ..., em ..., desde 2007, decidiu vender o imóvel pelo montante de USD 90.000,00 (noventa mil dólares dos estados unidos da américa).

11. E destinou uma grande parte do produto da venda do referido terreno, à aquisição do imóvel, nomeadamente, ao pagamento do sinal, no montante de € 33.000,00 (trinta e três mil euros) e a obras de remodelação que realizaram no imóvel, tudo num valor que ascendeu, aproximadamente, a € 45.000,0 (quarenta e cinco mil euros).

12. Para a aquisição e obras neste apartamento, o Requerente aportou, quantias de meios próprios, em montante não apurado, € 45.000,00 e o casal recorreu ao crédito bancário junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ... e ..., C.R.L. – em nome da R. – no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).

3. O Direito

3.1. Erro de julgamento consubstanciado na violação do disposto no art.º 607.º n.º 4 do CPC (alteração da matéria de facto, pela Relação, mediante a expurgação de alegados conceitos de direito) (questão suscitada na revista do A.)

Nesta parte da revista o recorrente/A. entende que deve ser retomada a redação dos factos provados constante na sentença, devendo reverter-se, pois, as modificações da matéria de facto introduzidas pela Relação, máxime por força de expurgação de alegados “conceitos de direito”, quanto aos pontos 6, 7, 13, 14, 15, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29, 33, 34, 35, 38 da matéria de facto.

Vejamos.

Reportemo-nos aos limites da revista em geral e, bem assim, à “expurgação de conceitos de direito”, operada pela Relação no âmbito da apreciação da impugnação da decisão de facto.

Em regra, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto.

Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º).

Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ.

O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1, todos consultáveis, assim como os adiante citados, em www.dgsi.pt). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova.

Basta o supra exposto para aquilatar da relevância que assume, no processo jurisdicional, a destrinça entre o que é matéria de facto e o que é matéria de direito. Na petição inicial o autor deve expor “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (alínea d) do n.º 1 do art.º 552.º do CPC). É às partes que cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou os factos em que se baseiam as exceções invocadas (art.º 5.º n.º 1 do CPC). Já no que concerne ao tratamento jurídico dos factos alegados, o juiz é livre, nos termos consignados no n.º 3 do art.º 5.º. A revelia acarreta, em regra, a confissão dos factos alegados pelo autor (n.º 1 do art.º 567.º do CPC). Já não assim quanto à aplicação do direito, em cuja apreciação o juiz permanece livre, julgando a causa “conforme for de direito” (n.º 2 do art.º 567.º do CPC). Será através da concretização e individualização do pedaço da vida real objeto do litígio, isto é, por meio da narração dos factos que constituem a causa de pedir, que o autor satisfará as exigências de substanciação em que assenta a força de caso julgado do nosso sistema processual civil (artigos 580.º, 581.º, 619.º do CPC).

Enunciados os temas da prova (art.º 596.º n.º 1 do CPC), a instrução terá por objeto os temas da prova enunciados ou, de todo o modo (quando não tenha ocorrido a enunciação dos temas da prova), terá por objeto “os factos necessitados de prova” (art.º 410.º do CPC).

E as provas, di-lo o Código Civil, “têm por função a demonstração da realidade dos factos” (art.º 341.º do CC).

E, encerrada a audiência final, na sentença o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3 do art.º 607.º do CPC).

Nos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º do CPC explicitam-se as operações que o juiz deverá efetuar para poder, em consciência, declarar quais os factos que julga provados e quais os factos que julga não provados. Sendo que a “dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita” (art.º 414.º do CPC).

A circunstância de atualmente caber ao mesmo juiz, numa única peça processual, a decisão sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, com o concomitante veredito final sobre a sorte do litígio, permite que a enunciação do material fáctico relevante seja mais seletiva e concentrada, em harmonia com a visão pessoal (embora, como é evidente, norteada pelo máximo espírito de isenção e de objetividade) que o juiz dele vai formando ao longo do pleito. Contudo, nessa seleção, o juiz não poderá escamotear a eventual pluralidade ou heterogeneidade de perspetivas que o caso em análise possa merecer, tanto do ponto de vista, natural, das partes desavindas, como dos julgadores, máxime na expetativa da interposição de recursos.

Retomando a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, a destrinça entre ambas as realidades conceptuais justifica o alargamento do prazo de interposição de recurso, quando se vise impugnar a decisão de facto assente em prova gravada (art.º 638.º n.º 7 do CPC). E justifica, também, os específicos ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto regulados no art.º 640.º do CPC, a que se seguem os poderes da Relação, quanto à modificabilidade da decisão de facto, regidos pelo disposto no art.º 662.º do CPC.

Embora constitua, obviamente, uma criação do espírito humano, de conteúdo concreto variável e, muitas vezes, sujeito a dúvidas, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito é um elemento estruturante do processo civil.

Ora, o que se tem defendido é que, na enunciação da matéria de facto provada (e não provada), deve o tribunal eximir-se a afirmações que constituam, afinal, proposições de índole essencialmente jurídica, no sentido de que apontam para a solução do litígio, ou para a solução de questão essencial para a resolução do litígio, em termos que, solucionando o pleito, o façam deixando ocultos os aspetos da vida real que justificam esse desfecho, isto é, que justificam o juízo de aplicabilidade ou de inaplicabilidade da norma jurídica que acolhe, ou não, a pretensão formulada em juízo.

Assim, numa ação de reivindicação, em que o autor pretende que seja reconhecida a sua titularidade do direito de propriedade sobre um determinado imóvel, não faz sentido, em sede de enunciação da matéria de facto, dar como provado que o autor “é proprietário” do aludido imóvel. Neste contexto tal proposição não constitui uma afirmação acerca da constatação de um facto, mas, antes, a afirmação de uma consequência jurídica, que deverá sê-lo de um facto – que, esse sim, deve figurar (ou não, caso não se tenha provado) na decisão sobre a matéria de facto. Tal afirmação (“o autor é proprietário do imóvel reivindicado”), chame-se-lhe facto conclusivo ou não, não deve figurar, sequer, nos temas da prova (neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Os chamados «Factos conclusivos»: as razões de um equívoco – Anotação ao acórdão do STJ de 14/7/2021 (Proc. 19035/17)”, in Revista do CEJ, 2.º semestre, 2021/número 2, pág. 253).

Conforme anotam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, apesar de no CPC de 2013 já não existir uma norma como a do n.º 4 do art.º 646.º do CPC de 1961, que considerava “não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”, tal não significa “que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto” (Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3.ª edição, 2022, Almedina, pág. 774).

É certo que, como se refere no acórdão do STJ, de 12.01.2021, processo n.º 2999/08.0TBLL.E.E2.S1, citado pelo recorrente, vem sendo entendido que a enunciação da matéria de facto pode conter referência a “situações jurídicas consolidadas”, mas, como se acrescenta no dito aresto, “desde que não hajam sido postas em causa, isto é, desde que sejam usadas sem representar uma aplicação do direito à hipótese controvertida (quando se trate de elementos adquiridos sobre os quais não vai incidir um esforço de apreciação normativa)”. E é certo que, como se refere no mesmo acórdão do STJ, também vem sendo entendido que a enunciação da matéria de facto pode conter referência a “termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente)”, mas desde que “não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum”.

Deste sentido não diverge, cremos, o acórdão do STJ, de 09.6.2005, processo n.º 05B027, também citado pelo recorrente, quando nele se exara que um determinado conceito, que tem um sentido jurídico, pode ser usado enquanto conceito de facto, na medida em que seja usado “num sentido inequivocamente factual”, isto é, na medida em que esse sentido factual possa ser apercebido “pela generalidade das pessoas”. De todo o modo, nesse acórdão aceita-se constituir “má técnica processual” perguntar-se (em sede de base instrutória – note-se que este acórdão data de 2005) “se o autor comprou ou vendeu”, numa ação em que se discute a validade de um contrato de compra e venda.

E também em nada prejudica o acima exposto o pensamento de José Osório, exarado no seu escrito “Julgamento de facto”, publicado em RDES, ano VII, n.º 3 (Julho – Setembro de 1954), citado pelo recorrente, quando nele se afirma que “…é preciso que os conceitos em que culmina o julgamento de facto contenham todos os elementos relevantes para a determinação dos conceitos jurídicos, mas é preciso também que não se confundam com estes” (pág. 201) e, bem assim, que "[s]e os conceitos se confundem, o juízo de comparação [subsunção da situação de facto real apurada à situação de facto descrita na norma] é puramente ilusório – na realidade o julgamento de facto prejudica desde logo o problema jurídico da qualificação, isto é, do enquadramento dos factos na norma” (pág. 202).

Em suma, como se expendeu na decisão do STJ (decisão sumária) de 24.02.2020, processo n.º 6516/18.5T8CBR.C1.S1, “…os enunciados que, muito embora contribuam para a categorização ou compreensão intelectiva de determinada realidade de facto, sejam desprovidos da objetividade necessária à identificação dos elementos individualizadores dessa realidade como espécie de facto singular não deverão também, em princípio, ser tidos como matéria suscetível de um juízo probatório factual”.

É ponto assente, na jurisprudência do STJ, que este pode controlar, por se tratar de questão de direito, o uso feito pela Relação da expurgação de alegados conceitos de direito ou que assumam alegada feição conclusiva ou valorativa, da matéria de facto, isto é, a expurgação (ou não), dos neste sentido designados “factos conclusivos” (vide, além dos já citados supra, v.g., acórdão do STJ, de 28.9.2017, processo 809/10.7TBLMG.C1.S1; STJ, 14.7.2021, processo n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1; STJ, 01.10.2019, processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1).

Reportemo-nos, então, ao caso destes autos.

Na sequência da impugnação da decisão de facto operada pela R., a Relação modificou parcialmente a matéria de facto, tendo sobretudo em vista, conforme afirmou, dela retirar conclusões de direito, isto é, relegar para sede de apreciação de direito a avaliação do relevo jurídico dos comportamentos e convicções das partes. Mais se aditou o teor de prova documental autêntica, não impugnada quanto à sua validade formal e, bem assim, o teor de prova documental concretizadora de afirmações feitas na matéria de facto.

Assim:

Quanto ao ponto 6 da matéria de facto, eliminou-se a afirmação de que o A. e a R. “adquiriram um imóvel no ...…” e acrescentou-se a menção à outorga da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca referente ao dito imóvel, assim como ao teor das inscrições no registo predial a ele referentes, mantendo-se a indicação do propósito tido em vista com a celebração da aludida escritura;

Quanto ao ponto 7 da matéria de facto, a Relação eliminou a afirmação de que o A. e a R. adquiriram, em 2013, um imóvel em ..., tendo acrescentado a referência à outorga da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança respeitante a esse imóvel, assim como ao teor da inscrição registral a ela respeitante, mantendo-se a indicação do propósito da celebração dessa escritura;

Quanto aos pontos 13, 14 e 15 da matéria de facto, em virtude das alterações aos pontos 6 e 7 a Relação eliminou os segmentos referentes às supostas aquisições (com inclusão do A.) de imóveis e à contratação (com inclusão do A.) dos empréstimos bancários e, tendo em consideração a apreciação que fez da prova produzida, deixou claro que não se apuraram os montantes da participação de cada uma das partes na aquisição dos referidos bens e nas obras realizadas;

Quanto ao ponto 21, a Relação alterou-o de molde a excluir o “segmento conclusivo” “viaturas do casal” e a explicitar que não se apuraram montantes quanto à participação de cada uma das partes nos pagamentos das aludidas despesas;

Quanto ao ponto 22, foi alterado nos termos acima transcritos, por se entender que “[s]e os comportamentos e convicções de ambos têm ou não relevo jurídico, é questão a apreciar em sede de direito. Por isso mesmo, e porque apenas factos podem ser julgados provados ou não provados, importa que neste ponto conste apenas o comportamento entre ambos e perante terceiros.”

Também quanto ao ponto 25, a sua redação foi alterada pela Relação, por se entender que a redação constante na sentença conteria uma proposição de contitularidade dos bens, asserção essa que seria de rejeitar, “pois em sede de direito é que será apreciada a questão da titularidade do direito de propriedade”, mais se aditando o conteúdo de uma mensagem enviada pelo A. à R. neste contexto;

Quanto ao ponto 26 da matéria de facto, a Relação limitou-se a dar como provado que a R. não emitiu a dita declaração, considerando que a afirmação de que a R. “foi evitando” emiti-la é de teor conclusivo – poderá dizer-se que a expressão “foi evitando” emitir a declaração pressupõe que a R. efetivamente teria a obrigação de a emitir;

Quanto ao ponto 27, a Relação limitou-se a aditar o conteúdo do documento 17, assim concretizando a afirmação feita nesse ponto de facto;

Quanto ao ponto 28 da matéria de facto, também aqui a Relação eliminou segmentos de conteúdo “conclusivo” (“dividir o património comum”), mais concretizando o conteúdo da aí mencionada “discussão” sobre a pretendida divisão do património;

Também quanto ao ponto 29 da matéria de facto, atinente a um alegado reconhecimento de que o património “adquirido pelo casal durante a sua união”, “era da propriedade de ambos”, a Relação procedeu a alterações por considerar que “se os comportamentos e convicções de ambos têm ou não relevo jurídico, é questão a apreciar depois em sede de direito, pelo que cabe apenas eliminar os segmentos de natureza conclusiva e de direito”;

Quanto ao ponto 33, onde se declarava que quando o A. e a R. resolveram pôr fim à sua relação “o património comum do A. e da R. era composto pelos seguintes bens:…”, foi eliminado pela Relação, por se considerar que “[d]izer que alguém é proprietário de um bem é uma conclusão de direito a extrair dos factos provados”;

Quanto ao ponto 34, onde se declarava que os bens referidos em 33 haviam sido adquiridos por A. e R. com fundos de ambos, as alterações introduzidas pela Relação visaram, segundo esta, harmonizar este ponto de facto com o dado como provado nos pontos 13, 14, 15, 21, 38 e 38a) e, bem assim, realçar que não se provaram os montantes com que cada uma das partes comparticipou nas aquisições;

Quanto ao ponto 35 da matéria de facto, as suas alíneas b) e c), atinentes a alegadas dívidas que o casal tinha em comum perante duas instituições bancárias, para financiamento dos dois imóveis referidos nos autos, foram eliminadas pela Relação, por se entender que haveria que levar em consideração o teor das escrituras públicas de compra e venda com mútuo e fiança, já acima citadas, modificando-se o texto em conformidade;

Finalmente, o ponto 38 da matéria de facto foi alterado pela Relação, tendo-se eliminado a menção de que a viatura vendida era “do casal”, e acrescentando-se o teor da inscrição constante no registo comercial sobre o aludido automóvel.

Visto o exposto, não cremos que o recorrente tenha razão nos reparos efetuados.

Tendo a presente ação por objeto o reconhecimento de que o A. é comproprietário de dois imóveis e de duas viaturas que, alegadamente, adquiriu conjuntamente com a R. na pendência da situação de união de facto que manteve com a R., pretensão essa que é impugnada pela R., não cabe na decisão de facto, isto é, na enunciação dos factos provados, a declaração de que tais bens, objeto da controvérsia, à data da separação do casal faziam parte do “património comum do A. e da R.” (ponto 33 dos factos provados, nos termos da sentença), assim como não cabe a afirmação de que a R. procedeu à venda “da viatura do casal” de marca BMW (ponto 38 dos factos provados, nos termos da sentença) e a afirmação de que o A. continuou a comparticipar nas despesas das “duas viaturas do casal” (ponto 21 da matéria de facto, nos termos da sentença). O acesso do A. à titularidade jurídica, em regime de compropriedade, desses bens, será a consequência jurídica de factos da vida real, factos cuja prova levará, pela sua subsunção à previsão de normas jurídicas atinentes à aquisição da (com)propriedade, à conclusão, por aplicação da estatuição da respetiva norma, de que o A. tem o direito que proclama. Tal conclusão jurídica, porém, carece da prova dos factos que comportam a aquisição desse direito. Assim, também não cabe, neste contexto, a afirmação, como facto provado, que o A. e a R. “adquiriram em 2011 um imóvel no ...” (ponto 6 dos factos provados, nos termos da sentença) e, bem assim, que “posteriormente, em 2013 [adquiriram] um imóvel em ...” (ponto 7 dos factos provados, nos termos da sentença).

O mesmo se diga quanto à alegada (e controvertida) contratação, pelo A. (conjuntamente com a R.), de mútuos bancários para financiar a aquisição dos imóveis e a realização de obras nesses imóveis. Também aqui a prova deve incidir sobre factos que comportem a asserção de que o A. coassumiu essa obrigação perante as entidades mutuantes. Neste contexto, resultando dos autos que os aludidos financiamentos bancários tiveram como única formalização a outorga de escrituras em que só a R. interveio como mutuária, admite-se não corresponder à melhor técnica processual incluir na matéria de facto a afirmação de que “Para a aquisição e obras neste apartamento, o casal recorreu ao crédito bancário junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo… - em nome da R….” (ponto 13 da matéria de facto, nos termos da sentença), crítica também aplicável aos termos originais do ponto 14 da matéria de facto (onde se mencionava a “casa no ... também adquirida pelo casal nestes moldes”), assim como ao texto original do ponto 35 da matéria de facto (onde se afirmava que “o casal tinha em comum” as dívidas às referidas entidades bancárias).

Os aditamentos efetuados pela Relação à matéria de facto traduzem-se, por um lado, como resulta das transcrições supra efetuadas, na inserção da afirmação da formalização, por documentos autênticos, dos negócios de aquisição dos imóveis em referência, do respetivo financiamento bancário e, bem assim, das inscrições registrais correspondentes (cfr. pontos 6, 7), assim como da inscrição registral existente quanto a um dos automóveis objeto da ação (ponto 38 a) da matéria de facto).

Por outro lado, a Relação também aditou aos factos provados o conteúdo de documentos particulares, cuja autenticidade formal não foi questionada pelas partes, com o intuito de concretizar os termos das discussões e conversações realizadas entre o A. e a R. na sequência da sua separação (cfr. pontos 25, 27, 28 da matéria de facto).

Estes aditamentos contêm-se, manifestamente, no uso adequado dos poderes da Relação, enquanto tribunal de instância (art.º 662.º do CPC), não sendo suscetíveis de desencadear, pois, a intervenção do STJ, limitada como está às circunstâncias acima definidas, expressas nos artigos 682.º n.º 2 e 674.º n.º 3 do CPC.

Note-se que, contrariamente ao afirmado pelo recorrente/A., a Relação não expurgou da matéria de facto os factos que o A. alegara, e foram dados como provados na sentença, atinentes ao “animus” do A. e da R. no que respeitava aos aspetos patrimoniais da sua vida em comum, assim como os factos provados em que esse “animus” se traduziu. Veja-se, v.g., o que consta nos pontos 5, 6.e), 7.d), 8 a 12, 13, 14, 15, 17 a 19, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 34, 35, 37, 38, da matéria de facto.

As restantes alterações introduzidas pela Relação na matéria de facto (pontos 15, 22, 26, 29, 34), já acima mencionadas, refletem as alterações justificadamente efetuadas tendo em vista a expurgação, na decisão de facto, de conclusões jurídicas inadequadas face ao objeto do litígio.

Nesta parte, pois, a revista do A. improcede.

3.2. Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (questão suscitada na revista do A.)

O A. recorrente entende que o acórdão recorrido padece de omissão de pronúncia, “nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC”. Isto porque, no entender do recorrente, ao alterar a matéria de facto nos termos em que o fez, a Relação obstou ao conhecimento “do objeto da presente ação, i.e., a eventual desconformidade entre a realidade formal dos bens e a realidade substancial no que respeita à sua titularidade -, impedindo o juízo, necessário e essencial, sobre o pedido e causa de pedir formulados pelo Recorrente” e, bem assim, “o conhecimento, também ele necessário e essencial, sobre a eventual ilisão da presunção a que alude o disposto no art. 7.º do CRP” (cfr. conclusão Y da revista).

Vejamos.

O art.º 607.º n.º 2 do CPC estipula que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

O juiz deve conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e de todas as exceções invocadas, assim como de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (cfr. José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, 2017, Almedina, p. 737). Como já notava Alberto dos Reis, tal exigência não é desrespeitada se o tribunal não se ocupar com todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentarem a sua pretensão. O que importa é que o tribunal decida a questão posta (Código de Processo Civil anotado, volume V, Reimpressão, 1984, Coimbra Editora, p. 143; na jurisprudência, v.g., STJ, 02.7.2020, 167/17.9YHLSB.L2.S2).

Como bem refere o recorrente, constituía objeto do processo, e era, por isso, questão essencial a decidir, a titularidade dos imóveis e bens móveis (máxime, veículos automóveis) adquiridos no período em que o A. e a R. viveram em união de facto.

Ora, a Relação pronunciou-se expressamente sobre essa questão, como decorre do texto do acórdão recorrido, nessa parte confirmando, na íntegra, o entendimento da primeira instância, que concluiu pela não demonstração de que o A. tivesse adquirido a qualidade de comproprietário desses bens. Apenas se demonstrou que o A. era proprietário único dos bens móveis objeto da alínea b) do dispositivo da sentença, o que já não é alvo de controvérsia nestes autos. E, para aí chegar, a Relação procedeu às necessárias operações de análise da matéria de facto provada e não provada e à concomitante apreciação dos factos à luz das regras jurídicas tidas por pertinentes. Se, nesse aspeto, alguma falha ocorresse, tal constituiria erro de julgamento, que não a omissão de pronúncia invocada pelo recorrente.

Assim, inexiste a nulidade assacada pelo recorrente ao acórdão recorrido.

Sendo certo que as alterações introduzidas pela Relação à matéria de facto já foram acima apreciadas, não merecendo, pelo exposto, a discordância deste STJ.

Nesta parte, pois, a revista do A. também improcede.

3.3. Violação das regras relativas à apreciação da prova (questão suscitada na revista do A.)

Nesta parte da revista o recorrente/A. retoma, afinal, a crítica aduzida relativamente às alterações introduzidas pela Relação à matéria de facto.

Alega o recorrente que, “ao proceder à alteração dos pontos da matéria de facto ora em referência, com o fundamento na expurgação de juízos conclusivos e na necessidade de fazer consignar na mesma o teor dos documentos autênticos constantes dos autos, o Venerando TRL violou, ainda, as regras aplicáveis ao valor probatório dos documentos autênticos, máxime o disposto no art.º 371.º e 372.º do CC.”. Segundo o recorrente, “ao alterar a matéria de facto nos termos realizados, substituindo os factos que resultaram provados nos autos relativos à intenção das partes e ao acordo estabelecido relativamente à titularidade – em comum - dos bens, pelo mero teor dos documentos autênticos e expurgando da matéria de facto todas as referências ao referido acordo, o Venerando Tribunal a quo impediu ao Recorrente a possibilidade de ilidir a força probatória plena de tais documentos autênticos”. Faculdade essa que, segundo o recorrente, lhe era reconhecida pelo disposto no art.º 372.º n.º 1, do CC, “que resultou assim violado.” Mais acrescentou o recorrente que a Relação, ao assim proceder, “impediu ao Recorrente a possibilidade de ilidir, mediante apresentação de prova em contrário, a presunção decorrente do registo predial, faculdade que lhe é reconhecida pelo disposto no art.º 350.º, n.º 2 do CC, disposição que resultou igualmente violada”.

A apreciação já acima efetuada (em II.3.1.) acerca da forma como a Relação exerceu, in casu, os poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC, permite-nos remeter para esse trecho deste acórdão, reiterando que não se vislumbra que a Relação tenha violado as regras que regem a apreciação da prova. Reitera-se, também, que a Relação deixou incólume o acervo de factos dados como provados pela primeira instância no que concerne ao invocado animus das partes e ao comportamento das partes atinente aos aspetos patrimoniais da sua vivência em comum. Sendo certo que também a primeira instância, à luz dos factos dados como provados na sentença, não considerou ilididas as presunções de titularidade dos bens de que a R. gozava, à luz das inscrições registrais e do teor dos documentos autênticos juntos aos autos, julgando a ação improcedente, nessa parte, em termos que a Relação confirmou.

A revista do A. improcede, pois, também nesta parte.

3.4. Compropriedade (revista do A.)

É sabido que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC consagra o obstáculo à revista comummente designado de “dupla conforme”:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

A jurisprudência do STJ tem densificado o conceito da dupla conforme no sentido de que apenas inexiste dupla conforme quando se esteja perante “uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1 – sublinhados nossos).

Isto significa que a verificação de fundamentação essencialmente diferente, “não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância.” Ou seja, só deixa de existir dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada” (acórdão do STJ, de 31.3.2022, processo n.º 14992/19.2T8LSB.L1.S1). Por isso, como se diz no mesmo acórdão (STJ, de 31.3.2022), citando-se Abrantes Geraldes,a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância”.

O mesmo ocorre quanto à fundamentação de facto, não bastando que a Relação tenha procedido a uma qualquer modificação nessa parte da decisão para se arredar a dupla conforme, apenas “sendo relevante que sejam introduzidas na matéria de facto alterações que redundem numa modificação substancial do percurso jurídico que foi seguido pela 1.ª instância para atingir o mesmo resultado” (António Santos Abrantes Geraldes, “Da recorribilidade em processo civil”, in “a Revista”, STJ, n.º 4, Jul-Dez 2023, pág. 48), ou, como se exarou no acórdão do STJ de 21.3.2023, processo n.º 3606/12.1TBBRG.G2.S1, a diferença na fundamentação de facto só releva se implicar uma diferença essencial na fundamentação de direito.

Por outro lado, como se ajuizou no acórdão do STJ de 20.9.2022 (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18.10), “[n]as situações de objeto processual plural a conformidade decisória terá, em princípio, de ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias.” Ou, como se exarou no sumário do acórdão do STJ de 10.04.2014, processo n.º 2393/11.5TJLSB.L1.S1, “[n]os casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles”.

In casu, o A. formulou diversos pedidos, que foram alvo de pronúncia decisória, na 1.ª instância, correspondentemente discriminada de acordo com o teor de cada pedido.

Parte desses pedidos alicerçavam-se na pretensão de que o A. fosse declarado comproprietário dos dois imóveis e dos dois automóveis acima mencionados, devendo a R. ser condenada ao reconhecimento desses direitos e ao cumprimento das obrigações daí emergentes para com o A.. Eram os pedidos discriminados nas alíneas a) a h), j) a o) do petitório.

A totalidade desses pedidos foi julgada improcedente pela 1.ª instância, com o fundamento de que o A. não lograra demonstrar a alegada aquisição do direito de (com)propriedade sobre os aludidos bens, não tendo ilidido a presunção de propriedade de que a R. beneficiava, face às escrituras juntas aos autos e às inscrições registrais em que é a R. quem figurava (e figura) como compradora. A 1.ª instância entendeu que ao caso dos autos era aplicável a fundamentação jurídica subsidiariamente invocada pelo A., o enriquecimento sem causa.

Ora, tendo o A. recorrido do assim decidido, a Relação, pese embora as alterações introduzidas à matéria de facto, manteve na íntegra a improcedência das pretensões do A., confirmando o decidido quanto a esses pedidos, com a mesma fundamentação de direito.

Com efeito, tal como a 1.ª instância, a Relação entendeu que não ficara demonstrada a aquisição do direito de propriedade pelo A. por algum dos modos previstos na lei, arredando a asserção do A./apelante de que havia sido ilidida a presunção decorrente do registo predial e do registo automóvel. Nesse conspecto, a Relação invocou, tal como a 1.ª instância, o disposto no art.º 1316.º do Código Civil e a não demonstração do preenchimento da previsão do art.º 1403.º do Código Civil. E, tal como a 1.ª instância, a Relação entendeu que o caso dos autos deveria ser julgado à luz das regras que regem o enriquecimento sem causa.

É certo que, na sequência do alegado pelo A./recorrente na apelação (“as partes acordaram em simular que a aquisição era feita apenas por esta”), a Relação acrescentou que, não tendo sido alegado nem provado que “entre os vendedores desses imóveis e a ré compradora houve algum acordo como previsto no art. 240º do CC nem tão pouco, diga-se, que os vendedores e as instituições bancárias financiadoras tinham conhecimento do acordo entre o autor e a ré”, era evidente que ao caso não se aplicavam as normas do Código Civil sobre a simulação.

E também é verdade que, na sequência do argumento aditado pelo A./recorrente na sua apelação (que sempre teria de se entender que entre as partes havia sido celebrado um “contrato atípico de coabitação”, não sujeito a forma especial, que estabeleceria uma comunhão na titularidade dos bens objeto dos autos, como tal sujeita às regras da compropriedade nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 1404.º do CC), a Relação, após explicitar o acima referido quanto ao disposto no art.º 1316.º do CC sobre a aquisição do direito de propriedade, exarou que “… é manifesta a falta de suporte legal para invocação dum acordo ou de um contrato atípico de coabitação para fundamentar a aquisição do direito de propriedade, pelo que nem sequer está em causa a liberdade de forma da declaração negocial consagrada no art. 219º do CC.”

Isto é, confrontada com nova argumentação apresentada pelo apelante, a Relação rejeitou-a, confirmando a improcedência do peticionado pelo A. com base em fundamentação idêntica à da 1.ª instância.

Assim, quanto a este segmento das decisões das instâncias ocorre conformidade decisória (dupla conforme), o que arreda esta matéria do objeto desta revista.

O efeito da dupla conforme obsta a que este STJ se pronuncie sobre uma questão que, no âmbito da peticionada produção dos efeitos jurídicos próprios da compropriedade, o A./recorrente ora suscita na revista, que seria a aplicabilidade ao caso do instituto do mandato sem representação (cfr. conclusões YY. a CCC. da revista do A.). Ainda que assim não fosse, o ora invocado mandato sem representação, que não foi alegado na primeira instância nem perante a Relação, constituiria questão nova, insuscetível de conhecimento oficioso, que não poderia, assim, ser apreciada por este tribunal ad quem, como é jurisprudência reiterada deste STJ (cfr., v.g., acórdãos de 29.01.2014, processo n.º 1206/11.2TBCHV.S1; de 02.6.2015, processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1; de 16.6.2016, processo n.º 623/05.1TBSLV.E2.S1; de 08.10.2020, processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1; de 11.11.2020, processo n.º 4456/16.1T8VCT.G2.S1).

Nesta parte, pois, a revista do A. improcede.

Relegaremos para o final a apreciação da questão da revogação da alínea d) do dispositivo da sentença, última questão invocada pelo A. na sua revista.

Passemos, pois, a apreciar as questões suscitadas na revista da R..

3.5. Nulidades do acórdão recorrido (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão; oposição entre os fundamentos e a decisão) (revista da R.)

Na conclusão Q) da sua revista a R. alega que o acórdão recorrido é nulo nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Isto é, entende a recorrente que o acórdão recorrido “não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º) e que “os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível” (al. c) do n.º 1 do art.º 615.º).

Lido o acórdão recorrido, é manifesto que nele se mostram discriminados os factos que a Relação entendeu que se deviam considerar provados e, bem assim, os factos não provados. Mais procedeu a Relação à invocação e aplicação das normas jurídicas tidas por pertinentes para julgar as questões que lhe foram apresentadas nas duas apelações interpostas, decidindo em conformidade. Nesse desiderato a Relação considerou que não se demonstrava a compropriedade invocada pelo A., mas que se verificava uma situação de enriquecimento sem causa, tal como já ajuizara a primeira instância. Apenas, em relação ao enriquecimento sem causa, a Relação, dando parcial provimento à apelação interposta pela R., considerou que o instituto em causa não abrangia a mais-valia correspondente à venda do imóvel a que a R. procedeu após a cessação da união de facto que mantivera com o A. – pelo que, nessa parte, a Relação revogou a sentença recorrida. Não se vislumbra que entre a fundamentação e a decisão exista qualquer vício lógico, qualquer desarmonia ou contraditoriedade. Também não se descortina que a decisão e a respetiva fundamentação padeçam de ininteligibilidade ou de ambiguidade.

O inconformismo da recorrente quanto à fundamentação de facto e de direito do acórdão recorrido não releva dos imputados vícios formais de nulidade, mas consubstancia divergência que poderá constituir erro de julgamento – realidade diversa das nulidades arguidas.

Assim, a supramencionada arguição de nulidades do acórdão é improcedente.

3.6. Violação das regras e princípios que regem os meios probatórios (revista da R.)

Na alínea R) das conclusões da revista da R. afirma-se que “O Acórdão recorrido viola os princípios e os meios probatórios dos arts.º 341º, 342º, 354 a); 358º nº 3; 362º; 364º; 376º e 541º do C.C. e os arts.º 410º e ss. do C.P.C., devendo por isso ser revogado quanto à conformação que parcialmente fez da decisão da 1ª instância, com excepção do empréstimo do veículo Audi A1”.

Conforme já acima se lembrou, os poderes do STJ em sede de revista, no que concerne à matéria de facto, estão definidos nos termos do n.º 3 do art.º 674.º do CPC, segundo o qual “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, na revista a R. limita-se, sem discriminar os factos dados como provados e não provados no acórdão recorrido que teria, concretamente, em vista, a manifestar o seu inconformismo acerca do juízo da Relação, na parte em que esta confirmou o entendimento da primeira instância de que o património da R. se enriquecera injustificadamente à custa do património do A., devendo, por isso, ser condenada a pagar a este o correspondente à medida do seu enriquecimento. Nesse juízo a Relação levou em consideração, não só a prova documental autêntica já acima mencionada a propósito da revista do A., mas também, como decorre da fundamentação do acórdão recorrido quanto à impugnação da decisão de facto, os documentos particulares juntos aos autos, atinentes a comunicações ocorridas entre as partes, e bem assim os depoimentos testemunhais produzidos em audiência – cuja apreciação cabe, livremente, às instâncias.

Em sentido contrário não milita a afirmação, aliás inovatória face ao alegado na apelação, de que “Para efeitos de prova das transferências monetárias internacionais relativas aos vencimentos do A. a prova testemunhal é absolutamente inidónea, atenta a ilegalidade, por força do branqueamento de capitais” (alínea A) das conclusões). Esta formulação, vaga e genérica, não se mostra concretizada no corpo das alegações, onde a esse respeito se exarou, tão-só, o seguinte:

A presente revista ter assim por fundamento a al. a) nº 1, nº 2 e nº3 do art.º 674º e 671º e , sem conceder, subsidiariamente, revista excepcional nos termos da al. a) nº 1 e al. a) nº 2 do art.º 672º todos do C.P.C., atenta a questão da relevância dos meios de prova necessários e indispensáveis a determinados factos, nomeadamente no que respeita às transferências internacionais de dinheiro e à prova do pagamento de aquisição de bens de valor elevado ou consideravelmente elevado, por inequívoca violação das normas relativas à prova da transferência de dívidas e pagamentos em dinheiro e até eventual incursão em crime de branqueamento de capitais.

Donde a inequívoca inidoneidade da prova testemunhal, relativamente aos factos de transferências por transportes de valores monetários por prova testemunhal, para além da total falta de prova no que respeita a quaisquer dos valores legalmente transferidos e documentalmente provados”.

A recorrente não concretiza os factos (de entre os que constam no acórdão recorrido como provados e não provados) que, no seu entender, foram mal julgados, as “transferências internacionais de dinheiro” a que se refere, os factos que, em concreto, constituiriam o “crime de branqueamento de capitais” e as normas legais de onde decorreria a afirmada “inequívoca inidoneidade da prova testemunhal”.

Pelo que não se lobriga fundamento para censurar o acórdão recorrido, quanto à matéria de facto.

3.7. Enriquecimento sem causa (revista da R.)

Nas conclusões O) e P) da sua revista a recorrente exarou o seguinte:

O) Não ocorreu assim qualquer transferência do património do A. para a Ré que integre enriquecimento sem causa nos termos do art.º 473º do C.C.;

P) O Acórdão recorrido viola o nº 2 do art.º 473º do C.C. e a jurisprudência do S.T.J. enunciada no recurso”.

Neste segmento da revista a recorrente retoma o tema da inexistência do enriquecimento sem causa, que já havia alegado perante a Relação.

Na petição inicial o A., prevendo a possibilidade de decair na pretensão do reconhecimento da sua qualidade de comproprietário dos bens objeto da ação, pediu, subsidiariamente, que a R. fosse condenada no pagamento ao A. dos quantitativos peticionados, a título de enriquecimento sem causa (alínea p) do petitório).

E, quanto a este pedido subsidiário, o A. logrou obter, na sentença, vencimento parcial, nos termos da alínea d) do respetivo dispositivo, cuja redação aqui se recorda:

d) Condenar a Ré ao pagamento do que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art. 609º, nº2 do CPCivil, e correspondente aos seguintes valores:

-valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a €22.500,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a €10.000,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi; quantias a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, desde a data da notificação da Ré para os termos do incidente de liquidação”.

Ora, tendo a R. apelado da respetiva condenação, a Relação deu-lhe razão parcial, nos termos da alínea b) do respetivo dispositivo, que também agora se recorda:

b) julgar parcialmente procedente a apelação da ré, absolvendo-a do pedido referente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito, e em consequência, revoga-se a sentença quanto ao segmento constante em d) do dispositivo «valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00» e confirma-se no restante”.

Isto é, a R. teve ganho parcial na apelação. Ora, se a apelação da R. tivesse improcedido totalmente, confirmando a Relação integralmente a sentença recorrida, a dupla conforme obstaria a que a R. interpusesse revista normal. Por maioria de razão, tendo a R. obtido parcial ganho de causa, com base em fundamentação em que se manteve, como alicerce da condenação, o enriquecimento sem causa, existe dupla conforme, a qual obsta a que a R. impugne o acórdão por meio de revista normal. Neste sentido tem decidido este STJ, conforme proficientemente documentado no supracitado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2022, de 18.10.

Assim, nesta parte a revista da R., enquanto revista normal, não é admissível.

3.8. Da revogação do constante na alínea d) do dispositivo da sentença (revista do A.)

Como se disse acima, na sequência da apelação da R. a Relação alterou o dispositivo da sentença, tendo-a revogado “quanto ao segmento constante em d) do dispositivo «valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00”.

Nesta parte, pois, não há dupla conforme no que concerne ao A., o qual poderá peticionar ao STJ, por meio de revista normal, a reapreciação do assim decidido (uma vez que se mostram preenchidos os requisitos gerais de alçada e sucumbência - art.º 629.º n.º 1 do CPC).

Vejamos.

No âmbito desta revista, revista normal, está assente que o A. tem direito a ser pago, pela R., nos termos do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil.

Com efeito, na sentença recorrida, após se enunciar os requisitos do enriquecimento sem causa (“-existência de um enriquecimento à custa de outrem; -existência de um empobrecimento; -nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; -ausência de causa justificativa; -inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído”), exarou-se o seguinte:

In casu, e à luz dos factos dados como provados, resulta claramente provado que a Ré beneficia de enriquecimento que foi obtido parcialmente à custa do A.. Na verdade, está provado que ambos contribuíram para a aquisição dos bens ainda que não se tenha logrado apurar a medida da contribuição de cada um. O A. logrou pois provar o facto constitutivo do seu direito como era seu ónus.

Em face da factualidade apurada, constata-se que, efectivamente, a ré obteve uma vantagem patrimonial consistente na integração no seu património de dois imóveis para cuja aquisição o autor também contribuiu, com a entrega de várias quantias monetárias, quantias monetárias essas que serviram também para obras e mobílias e pagamento de financiamentos.

É claro que ambos, A. e R. contribuíram para o pagamento daquelas despesas no pressuposto da vida em comum que iriam manter. O enriquecimento da ré carece de causa justificativa, porque as prestações que o autor lhe satisfez deixaram de se justificar perante o fim do relacionamento entre ambos, não existindo qualquer norma que justifique aquelas prestações.

Em face da factualidade apurada, não é possível afirmar que a entrega daqueles valores constitui qualquer liberalidade da parte do autor no sentido de doá-los a ré ou que se consubstanciou num empréstimo.

Não se afere também qualquer dever de ordem moral ou social, sancionado pela justiça, que dê lugar ao cumprimento de uma obrigação natural.

Logrou, assim, o autor demonstrar que cessou a causa justificativa para a permanência no património da ré dos valores com que este contribuiu para o pagamento de tais bens”.

E, passando à análise da questão da quantificação do direito do A., na sentença expendeu-se o seguinte:

Mostram-se assim verificados os pressupostos de aplicação do instituto, porém, a verdade é que não logrou provar-se quanto cada um aportou para a aquisição dos bens cuja propriedade ficou inscrita em nome da Ré, também não se logrando provar qual o montante afecto aos bens móveis.

O facto alegado pela Ré de que o A. vivia às suas custas, já que esta ganhava valor muito superior, para além de não resultar provado, também não poderia conter o efeito jurídico pretendido já que, os valores despendidos por cada um dos membros da união de facto, na contribuição para as despesas e encargos normais e correntes da vida doméstica, mesmo que haja diferença entre os valores suportados por cada um deles, não são restituíveis, representando o cumprimento de obrigações naturais. Tais contribuições sempre hão-de se avaliar globalmente, no conjunto das relações mantidas entre eles.

Ora, provada que foi a contribuição do A. para a aquisição dos bens importava apurar qual a medida do seu empobrecimento e o correspondente enriquecimento da R. à sua custa, sem causa justificativa, devendo a determinação desse montante corresponder aos valores por si pagos.

Apurando-se ter havido união de facto entre A. e Ré, e que ambos contribuíram com os seus rendimentos para a aquisição dos bens o A. tem direito a ser ressarcido do “quantum” efectivamente disponibilizado, reduzindo-se o montante que a R. lhe deverá entregar a título de compensação de enriquecimento sem causa aos montantes que efectivamente comprovou.

Porque se desconhece qual o montante que o A. liquidou, o apuramento da quantia será feito em liquidação por ser esse o exacto montante que traduz o empobrecimento do A. e que corresponde ao enriquecimento da R., ou seja, deve ser esse o valor indevidamente recebido.

Assim, sempre terá de relegar-se para incidente de liquidação dos montantes peticionados sob as als. k), l) e n)

Já quanto ao montante peticionado sob a al. m), tendo ficado provado o pagamento da dívida que era da responsabilidade de ambos, terá a Ré de satisfazer o montante correspondente a metade conforme peticionado.

No que se refere ao montante peticionado sob a al. o) considerando que não se provou o valor do imóvel no mercado de arrendamento e, de igual modo, não se provou que tenha manifestado em algum momento a vontade de usar o imóvel e tenha sido impedido de facto, improcede o pedido.”

E, na sequência do assim ponderado, a 1.ª instância condenou – no que veio a ser confirmada pela Relação – a R. a pagar ao A. as seguintes quantias, a serem liquidadas, nos termos do disposto no art.º 609.º n.º 2 do CPC:

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a €22.500,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a €10.000,00;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento;

- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi; quantias a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, desde a data da notificação da Ré para os termos do incidente de liquidação”.

Mas, além destas quantias, a 1.ª instância também condenou a R. a pagar ao A., também com sujeição a ulterior incidente de liquidação, a seguinte quantia:

-valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00”.

Ora, foi este segmento do dispositivo que a Relação revogou, na sequência da apelação interposta pela R..

Note-se que a Relação confirmou o juízo da 1.ª instância quanto à aplicabilidade, ao caso dos autos, do regime do enriquecimento sem causa.

Com efeito, no acórdão expendeu-se o seguinte:

Resulta dos factos provados e do que se expôs em F)1. que o autor não demonstrou ser titular do direito de propriedade sobre os bens, mas comparticipou na sua aquisição, não com espírito de liberalidade – aliás não invocado pela ré, pois negou a comparticipação do autor – mas por causa do acordo no âmbito de um projecto de vida em comum, nos termos do qual esses bens eram considerados como sendo de ambos.

Mas com a ruptura da vida em comum essa causa da comparticipação do autor deixou de existir. Por isso, a ré tem o seu património injustificadamente enriquecido à custa de contribuição monetária do autor para a aquisição dos referidos bens em valor não concretamente apurado.

Em consequência, decidiu correctamente a 1ª instância ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa e ao condenar a ré conforme consta no dispositivo em c) e em d) quanto aos segmentos: valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a 22.500 €; valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a 10.000 € valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento; valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi; e juros de mora”.

Só no que concerne à integração no enriquecimento sem causa do valor correspondente às mais valias auferidas pela R. na venda da “casa de ...” é que a Relação de Lisboa manifestou a sua discordância, nos seguintes termos:

Mas tem razão a ré quanto ao segmento (constante em d) do dispositivo): valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a 150.000 €.

Na verdade, conforme o ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela «Para que haja lugar à obrigação de restituir é necessário, ainda, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição – que não haja de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro acto jurídico» (in Código Civil anotado, vol I, 4ª ed, pág. 457).

Portanto, o autor não tem direito a qualquer quantia referente às eventuais mais valias auferidas pela ré com a venda do imóvel de ... e que só a esta são devidas por força do disposto no art. 1305º do CC.

Nesta conformidade, impõe-se a absolvição da ré nessa parte e a confirmação do restante que foi decidido no dispositivo da sentença”.

Conforme reconhece o A. na sua revista, a Relação baseou o assim decidido num requisito que a doutrina e a jurisprudência identificam como o “requisito da imediação”, “exigindo-se à luz deste “requisito” que, entre o empobrecimento e enriquecimento não haja de encontrar-se um facto intermédio ou um património intermédio, de terceiro” (art.º 176.º da alegação da revista do A.).

Sendo que, no caso da venda do aludido imóvel, o A./recorrente admite que “…se entenda que inexiste carácter imediato da deslocação patrimonial em virtude da existência de um facto jurídico posterior à aquisição do imóvel – a sua venda a terceiros e com ela a realização de mais-valias…” (art.º 184.º da alegação da revista do A.).

Porém, na revista o A. também assevera que o aludido requisito é controvertido, não sendo assumida a sua aplicabilidade imediata e universal a todas as situações de enriquecimento sem causa (art.º 177.º da alegação da revista).

Ao ponto de o STJ, em aresto proferido em 30.5.2006, no processo n.º 06A825, ter afirmado que “não é possível inferir com segurança das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa - art.ºs 473º a 482º do Código Civil - que a lei faça da imediação um requisito geral desta figura” (art.º 178.º da alegação da revista do A.).

Mais lembrando, o A./recorrente, que no acórdão do STJ proferido em 07.11.2019, no processo n.º 354/14.1TBALM.L1.S2, se rejeita a aplicação automática e acrítica de tal requisito, aí se referindo que “Entre os dois pólos, — entre os dois pólos extremos, — a doutrina e a jurisprudência portuguesas tendem a abandonar os critérios mais simples, de aplicação automática ou quase-automática, como sejam a regra da ausência de um facto intermédio ou a regra da ausência de um património intermédio, em favor de critérios mais complexos, por que se exige uma ponderação global ou uma valoração global, orientada, p. ex., pelo comum sentimento de justiça” (artigos 179.º e 180.º da alegação da revista).

E, aplicando ao caso concreto este critério do “comum sentimento de justiça”, o A./recorrente defende o reconhecimento e condenação da R. “na obrigação de restituir o montante das mais valias ao Recorrente, o empobrecido, em cujo património tais mais-valias não integraram em virtude da conduta reprovável da Recorrida” (art.º 184.º da alegação da revista).

Para tal, o A./recorrente salienta que, “…no caso concreto, nomeadamente à luz do que resultou assente nos Factos Provados, o Recorrente e a Recorrida “acordaram entre si “adquirir património conjunto, nomeadamente imobiliário, em Portugal“, no que resulta evidente tratar-se de um investimento conjunto, tendo ainda acordado as partes que a aquisição dos imóveis seria formalizada apenas em nome da Recorrida por ser a forma que – no entendimento profissional da Recorrida (que é Advogada) - melhor garantiria o acesso do casal ao crédito e que melhor protegeria o património familiar, assumindo o casal – entre si, à família e publicamente – que os imóveis eram propriedade de ambos e tendo discutido de forma pormenorizada, já após a sua separação, as formas de dividir o património comum e de saldar as dívidas que tinham por comuns” (art.º 182.º da alegação da revista do A.).

Pelo que, segundo o recorrente, “…repugna ao mais elementar sentido de justiça que se legitime a conduta ilícita da Recorrida, permitindo-lhe fazer suas, na totalidade, as mais valias de um investimento que assumiu uma natureza evidentemente comum” (art.º 183.º da alegação da revista do A.).

Acrescentando o recorrente que “[a] gravidade dos factos ilícitos perpetrados pela Recorrida, que inclusivamente recorre ao “engodo” do aconselhamento profissional ao companheiro, a proximidade entre Recorrente e Recorrida que viviam em situação análoga à dos conjunges, tendo dois filhos em comum, e, sendo por demais evidente a existência de um acordo entre as partes relativamente à comunhão na propriedade dos bens, assim o exigem” (art.º 185.º da alegação da revista).

Vejamos.

A imediação reporta-se ao requisito do enriquecimento sem causa que consiste em que o enriquecimento seja obtido “à custa de outrem”, isto é, daquele que se arroga o direito à restituição. Ao enriquecimento de um dos sujeitos corresponde o empobrecimento do outro. Na formulação de Galvão Telles, “[o] mesmo facto ou conjunto de factos que originam a valorização ou não desvalorização de um património determinam a desvalorização ou não valorização de outro” (Direito das Obrigações, 7.ª edição, 1997, Coimbra Editora, pág. 197). Entre os dois efeitos, enriquecimento e empobrecimento, “existe correlação, no sentido de que o facto ou factos que geram um geram também o outro” (Galvão Telles, ob. cit. págs. 197 e 198).

A imediação é questionada quando a deslocação patrimonial que gera o enriquecimento se faz através de um património intermédio, pertencente a um terceiro, ocorrendo duas deslocações patrimoniais sucessivas. Assim, no exemplo apresentado por Almeida Costa, se A, irmã de B, obtém de C fornecimentos de que B beneficia, se C não for pago e assim ficar empobrecido, dá-se um enriquecimento de B, mas através de A, que contratou em nome próprio (Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e aumentada, 2.ª reimpressão, 2013, Almedina, pág. 497). C, que não contratou com B, suportará o risco de eventual insolvência de A, com quem contratou.

A imediação convive com situações de atribuição patrimonial indireta, como as que podem ocorrer na execução de contratos a favor de terceiro. Se a prestação efetuada pelo promitente ao terceiro se destina a dar execução a um contrato entre o terceiro e o promissário, mas a contraprestação devida pelo terceiro ao promissário se torna impossível por causa que lhe não é imputável, a prestação efetuada pelo promitente ao terceiro fica sem causa. Apesar de o enriquecimento do terceiro advir de um ato que não foi praticado pelo promissário empobrecido, mas pelo promitente, a realização da prestação pelo promitente representa, do ponto de vista jurídico, uma atribuição patrimonial (indireta) do promissário ao terceiro beneficiário (neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 8.ª edição, Almedina, pág. 500). Outras situações, de atribuição patrimonial indireta, são consideradas harmonizáveis com o critério da imediação: nos termos do disposto no art.º 478.º do CC, aquele que paga ao credor uma dívida alheia, erradamente convencido de que está obrigado perante o devedor a fazê-lo, pode exigir do devedor a restituição do que pagou. Embora o enriquecimento do devedor resulte de uma atribuição patrimonial indireta, emergente de uma relação triangular ou trilateral, a vantagem obtida é consequência imediata do ato praticado pelo terceiro, assim se justificando que o terceiro reclame do devedor aquilo com que se locupletou (Antunes Varela, ob. cit., páginas 500 e 501).

O problema, nestas situações em que a prestação comporta várias relações de atribuição (delegação, contrato a favor de terceiro, cessão de créditos, assunção de dívida, fiança), gerando-se relações trilaterais, compostas por três relações obrigacionais (relação de cobertura, relação de atribuição e relação de execução), é que, se se verificar a falta da relação de cobertura ou de atribuição, ou de ambas, existe incerteza em relação ao sujeito que deve efetuar a restituição da prestação (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 15.ª edição, reimpressão, 2025, Almedina, páginas 429 e 430).

Para Menezes Leitão, nestes casos a determinação do obrigado à restituição da prestação não se fará à luz de um requisito de imediação (tido como uma exigência concetualista), mas com base numa ponderação das regras relativas ao risco da prestação e do concurso de credores, isto é, através da manutenção das exceções invocáveis pela parte da relação malograda, da proteção contra as exceções invocáveis na relação entre a outra parte e terceiro, e da justa repartição do risco de insolvência, no sentido de que deverá ser a parte de uma relação que deve suportar o risco de insolvência da outra parte nessa relação, e não um terceiro, que não tomou qualquer decisão relativa à avaliação desse risco (Menezes Leitão, ob. cit., pág. 430).

Almeida Costa (obra cit, pág. 498 e 499), à semelhança de Antunes Varela (obra cit., páginas 498 a 501) e de Diogo Leite de Campos (A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, 1974, Almedina, páginas 327 a 330, nota 1), sufraga a aceitabilidade do requisito da imediação, mas, amparado na falta de imposição legal expressa de uma solução para um problema que é delicado pela complexidade e número de hipóteses possíveis, defende que a jurisprudência “terá os movimentos livres para atender a uma ou outra situação em que essa exigência da deslocação patrimonial directa se mostre porventura excessiva, conduzindo a soluções que choquem o comum sentimento de justiça”. Estas palavras são qualificadas de “certeiras” por Júlio Gomes, que rejeita a imediação como um requisito geral do enriquecimento sem causa (cfr., v.g., Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Coordenação de José Brandão Proença, 2018, pág. 251).

Como exemplo jurisprudencial desde critério que apela para o “comum sentimento de justiça” para se arredar a existência da mencionada imediação, Almeida Costa cita o acórdão do STJ, de 27.01.1998, 97A354 (publicado em www.dgsi.pt). Nesse caso o empobrecido pagou aos bancos endossados uma letra de favor, pela qual era obrigada a sociedade sacadora, sem que o empobrecido fosse devedor da sociedade sacadora, com o que ficaram enriquecidos, indiretamente, os sócios da sociedade sacadora (além, diretamente, da sociedade). Segundo o STJ, “chocaria o sentimento ético-jurídico do homem comum libertar os sócios da ré da obrigação de restituir ao autor aquilo com que, sem causa justificativa, a ré enriqueceu, só por ter sido esta quem, firmou e imediatamente, enriqueceu, só depois tendo enriquecido, escalonadamente no tempo, os sócios dela, através dos sub-direitos inerentes às suas quotas sociais, tanto mais que a ré G, Limitada atravessa dificuldades económicas e financeiras (…) e que foram os próprios sócios que pediram ao autor para lhes assinar as letras em branco, que eles próprios preencheriam e descontariam.”

António Menezes Cordeiro, após apontar diversas situações em que o Código Civil prevê hipóteses de restituição de enriquecimento ou, em geral, de restituição, mau grado a interposição de um negócio jurídico concluído com um terceiro ou o facto de ser um terceiro o beneficiário do enriquecimento (art.º 289.º n.º 2, art.º 478.º, art.º 481.º n.º 1, art.º 616.º n.º 3), propõe, como elemento substanciador da necessária imediação, “uma única valoração que permite formular um (só) juízo de enriquecimento entre duas pessoas, ainda que, de permeio, possam surgir outras esferas. Uma cadeia de juízos desembocaria já num fenómeno diverso: vários enriquecimentos sucessivos, todos com os seus sujeitos, os seus objetos e as suas medidas, que só por coincidência se equivaleriam” (Tratado de Direito Civil, VIII, 2.ª edição, 2023, pág. 244).

Para Menezes Cordeiro, “[u]m certo enriquecimento pressupõe uma precisa relação jurídica (logicamente) entre dois sujeitos. Essa relação é determinada por um juízo de valor que, por tradição, se exprime pela locução “à custa de”. Nesse sentido, sufragamos a opinião de Canaris, que propugna, para a imediação no enriquecimento sem causa, estará na determinação dos titulares do direito à restituição e do dever de restituição. No terreno, esse juízo de valor vai ter por base a ideia fecunda do conteúdo da destinação. Perante os bens em jogo, perguntar-se-á a quem o ordenamento os destina. Se se encontrarem em esfera diversa, o juízo de enriquecimento é direto. O seu papel: identificar a relação” (Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 244).

À luz desta perspetiva da imediação, Menezes Cordeiro considerou que o caso apreciado no supracitado acórdão do STJ, de 27.01.1998, se resolveu na base de um único juízo de enriquecimento – pelo que, na realidade, a imediação não foi arredada da solução (Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 245).

Em relação às duas decisões jurisprudenciais, citadas pelo recorrente, em que o STJ terá prescindido da imediação em nome da preservação de um comum sentimento de justiça (acórdão de 30.5.2006, processo 06A825 e acórdão do STJ, de 07.11.2019, processo 354/14.1TBALM.L1.S2), dir-se-á o seguinte:

No acórdão de 30.5.2006, pese embora se enuncie a ideia de que “[n]ão é possível inferir com segurança das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa que a lei faça da imediação um requisito geral desta figura”, essa proposição não teve consequências práticas, por se ter entendido que a pretensão do autor decaía, por o caso trazido a juízo não constituir enriquecimento sem causa.

No acórdão de 07.11.2019, pese embora se aponte a controvérsia existente acerca do requisito da imediação no enriquecimento sem causa e se invoque, nessa matéria, o critério do “comum sentimento de justiça”, concluiu-se que a questão do caso concreto se resolvia com a aplicação da previsão do art.º 481.º n.º 1 do Código Civil, pois os réus haviam sido chamados a entregar ao empobrecido (o autor) as quantias pecuniárias que os réus haviam recebido gratuitamente de um terceiro, quantias pecuniárias que esse terceiro havia logrado receber do autor, a título de empréstimo, por meio de burla.

Volvendo ao caso dos nossos autos, dúvidas não subsistem, face ao decidido pelas instâncias, sem controvérsia admissível nesta revista ordinária, de que ocorreu imediação entre o empobrecimento do A. e o enriquecimento da R., não havendo, aqui, atos jurídicos ou patrimónios intermédios a valorar.

O empobrecimento do A. traduziu-se nas prestações que realizou durante a situação de união de facto que mantinha com a R., isto é, os pagamentos destinados à liquidação dos preços dos imóveis e dos automóveis adquiridos, bem como os pagamentos dos financiamentos obtidos para essas aquisições, assim como a comparticipação nas obras efetuadas nos imóveis, na pendência da mencionada união de facto.

Ficou assente que essas prestações tiveram como pressuposto uma união de facto que, entretanto, cessou.

Isto é, as referidas prestações, efetuadas no âmbito da aquisição dos aludidos bens, que integraram o património da R., tinham como razão de ser a situação de união de facto em que viviam o A. e a R..

Por meio das aludidas prestações, a R. viu o seu património desonerado de parte dos encargos correspondentes à obrigação do pagamento dos preços que à R. cabiam, na qualidade de compradora dos bens.

Cessada a causa tida em vista com as aludidas prestações, estipula o art.º 473.º n.º 1 que aquele que enriqueceu “é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

Essa norma é completada pelo disposto no art.º 479.º do CC:

1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quando se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”.

Em princípio, prevalece a restituição natural. Se a restituição em espécie não for possível, o credor da restituição receberá o valor correspondente.

Estando em jogo uma coisa fungível, o enriquecido irá restituir, nos termos gerais, algo de equivalente: assim sucederá, designadamente, quando esteja em causa dinheiro” (Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 251).

In casu, o empobrecimento consistiu na diminuição do ativo patrimonial do A. correspondente às mencionadas transferências pecuniárias e, do outro lado, o enriquecimento consistiu no benefício do património da R. correspondente à satisfação, por essas quantias, de parte do valor do preço dos mencionados bens e das obras realizadas, que caberiam, na íntegra, à R..

Tal como se enunciou na sentença, “provada que foi a contribuição do A. para a aquisição dos bens importava apurar qual a medida do seu empobrecimento e o correspondente enriquecimento da R. à sua custa, sem causa justificativa, devendo a determinação desse montante corresponder aos valores por si pagos” (negrito nosso).

E mais se aduziu, na sentença:

Apurando-se ter havido união de facto entre A. e Ré, e que ambos contribuíram com os seus rendimentos para a aquisição dos bens o A. tem direito a ser ressarcido do “quantum” efectivamente disponibilizado, reduzindo-se o montante que a R. lhe deverá entregar a título de compensação de enriquecimento sem causa aos montantes que efectivamente comprovou (negrito nosso).

E, isto exposto, assim se fundamentou na sentença a relegação para ulterior liquidação:

Porque se desconhece qual o montante que o A. liquidou, o apuramento da quantia será feito em liquidação por ser esse o exacto montante que traduz o empobrecimento do A. e que corresponde ao enriquecimento da R., ou seja, deve ser esse o valor indevidamente recebido”.

Por conseguinte, aquilo que o A. tem direito a receber, pelas quantias por si pagas para a aquisição do imóvel adquirido em ..., corresponde ao teor do seguinte extrato da alínea d) do dispositivo da sentença:

d) Condenar a Ré ao pagamento do que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2 do CPCivil, e correspondente aos seguintes valores:

(…)

-valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a € 22 500,00;

(…) …quantias a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, desde a data da notificação da Ré para os termos do incidente de liquidação”.

Essa condenação ficou intacta, na sequência das apelações interpostas pelo A. e pela R..

A condenação da R. no pagamento ao A. das mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito em e), isto é, “a casa de ...”, na proporção do despendido pelo A. na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, extravasa, pelo exposto (em que se inclui a própria fundamentação da sentença), o âmbito da restituição decorrente do enriquecimento sem causa. A R. recebeu o preço na qualidade de única proprietária e vendedora do imóvel. Este valor, auferido no âmbito de um negócio jurídico em que o R. não participou, direta ou indiretamente, escapa ao raio de ação do instituto do enriquecimento sem causa.

Daí que o A. não tenha direito ao recebimento da peticionada mais-valia, ao suposto ganho decorrente da diferença entre o preço de aquisição do imóvel e o preço da sua venda. Não gozando o A. o estatuto de proprietário e vendedor do imóvel, mas sendo-lhe reconhecido o direito à restituição decorrente do enriquecimento sem causa, cabem-lhe os valores que entregou tendo por causa a união de facto.

As razões de justiça satisfazem-se com esse desfecho.

O A. e a R. fizeram as suas opções: uniram-se em união de facto, dispensando o instituto do matrimónio e formalizando o lado patrimonial da sua vida de molde a que a titularidade dos imóveis e das viaturas automóveis ingressasse apenas na esfera patrimonial da R.. Para tal foi relevante a preocupação, manifestada pelo A., decorrente da responsabilidade que poderia emergir de um litígio que mantivera com uma determinada empresa. Não está demonstrado que o aconselhamento que a R. na altura deu ao A. foi efetuado de má-fé.

Em suma, nesta parte, a revista do A. também improcede.

4. Da revista excecional, subsidiariamente deduzida pela R..

Subsidiariamente, para o caso da improcedência da revista normal por si intentada, a recorrente requereu revista excecional, ao abrigo da alínea a) e, quiçá, ao abrigo da alínea c) do art.º 672.º do CPC.

Caberá à Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC aquilatar acerca da verificação dos pressupostos dessa revista excecional.

A eventual admissão dessa revista poderá, no caso da sua procedência, conduzir à alteração do que ora se decidirá quanto às custas da revista interposta pela R., que é a condenação da R./recorrente nessas custas.

III. DECISÃO

Pelo exposto:

1.º Julga-se improcedentes as revistas interpostas pelo A. e pela R., mantendo-se o acórdão recorrido;

2.º Pelas custas devidas por cada uma das duas revistas, condena-se o respetivo recorrente, sem prejuízo do que vier a ser decidido no caso de ser admitida a revista excecional subsidiariamente interposta pela R.;

3.º Determina-se que os autos sejam apresentados à Formação prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPC, nos termos e para os efeitos aí previstos.

Lx, 27 de fevereiro de 2024

Jorge Leal (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

António Magalhães