Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1024/10.5TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE ACTIVA
CREDOR
CRÉDITO
DIREITO LITIGIOSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
DIREITO EMPRESARIAL - INSOLVÊNCIA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - LEGITIMIDADE DAS PARTES
Doutrina: - Catarina Serra, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, 2009, págs. 263/264; O Novo Regime Português Da Insolvência”, 3ª Ed., págs. 76-79.
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Vol. I, págs. 236-239.
- Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2ª Ed., págs. 108/109.
- Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pág. 597.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º3.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º, 20.º, N.º1, 22.º, 98.º, N.º1, 194.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 26.º, 27.º, N.º1, 30.º, N.ºS 1 A 4, 35.º, 55.º, N.º1, 94.º, 96.º, N.º 1..
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 02.11.10, PROCESSO N.º 1498/09.7TYLSB.L1-7;
-DE 22.11.11, PROCESSO N.º 433/10.4TYLSB.L1-7; TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 15.10.07, PROCESSO N.º 0754861;
-DE 16.12.09, PROCESSO N.º 242/09.3TYVNG.P1;
-DE 26.01.10, PROCESSO N.º 97/09.8TYVNG.P1;
-DE 03.11.10, PROCESSO N.º 49/09.8TYVNG.P1;
-DE 29.09.11, PROCESSO N.º 338/11.1TYVNG.P1; TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
I - O titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art. 20.º, n.º 1, do CIRE, para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor.

II - Trata-se, in casu, de legitimidade processual ou ad causam, não contendente com o mérito da causa a que diz respeito a existência ou inexistência do controvertido crédito.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1024/10.5TYVNG.P1.S1[1] [2]

                     Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, S. A.” requereu, em 23.12.10, no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, a declaração da insolvência de “BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.”, aduzindo, para o efeito, factualidade consubstanciadora dos factos-índice ou presuntivos daquela insolvência e que se mostram previstos nas als. a), b), d), e) e h), todas do nº1 do art. 20º do CIRE (“Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” aprovado pelo DL nº 53/04, de 18.03, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 282/07, de 07.08)[3], tudo suportado na invocação de factos demonstrativos da sua qualidade de credora da requerida.

       Citada, a requerida deduziu oposição, impugnando a factualidade invocada pela requerente para integração dos sobreditos factos-índice e afirmando a inexistência do crédito que a requerente lhe contrapõe, como por si sustentado na oposição deduzida à execução contra si instaurada pela requerente e pendente, sob o nº .../09.3TBMAI, no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Maia e, bem assim, na acção por si instaurada contra a requerente e que, sob o nº .../08.0TBMAI, pende no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca da Maia. Em consonância, termina a respectiva oposição pedindo a improcedência da pretensão formulada pela requerente.

       Foi, de seguida e de imediato, proferida sentença que, tendo por controvertido o crédito invocado pela requerente – a determinar que a obrigação correspondente não é certa, líquida e exigível –, julgou improcedente a acção.

       Inconformada, apelou a requerente, vindo a Relação do Porto, por acórdão de 12.12.11 (Fls. 316 a 325 vº), a julgar procedente a apelação, “revogando-se, consequentemente, a decisão e prosseguindo o processo os ulteriores termos, com realização de julgamento e produção de prova”.

       Daí, a presente revista trazida, sob invocação do preceituado no art. 14º, nº1, 2ª parte, pela apelada-requerida, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                 /

I – Vem o presente recurso interposto, uma vez que, com todo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente discorda do douto acórdão proferido;

II – Vem o recurso interposto nos termos do n° 1 do art° 14° do CIRE, juntando a recorrente cópia de dois acórdãos que decidiram a mesma questão fundamental de direito em causa nestes autos, no domínio da mesma legislação, de forma oposta à do douto acórdão recorrido;

III – Essa questão fundamental e a única a decidir nos presentes autos, é a de saber se o credor cujo crédito que serve de fundamento ao pedido de insolvência se mostra litigioso, tem legitimidade para requerer a insolvência de uma sociedade;

IV – A esta questão, respondeu o douto acórdão recorrido afirmativamente;

V – E responderam negativamente os acórdãos de que se juntam cópias, um do Tribunal da Relação de Lisboa (P. .../2008-7 de 05/06/2008) e outro do Tribunal da Relação de Coimbra (P. .../08.5 TJ CBR.C1 de 03/12/2009);

VI – Sempre com todo o devido respeito pela decisão do douto acórdão recorrido, a recorrente entende que, sendo o crédito da recorrida litigioso (qualificação pacífica, face à matéria considerada assente na decisão da 1ª instância e face ao teor das doutas alegações da recorrida como recorrente para o Tribunal da Relação) não tem ela legitimidade para requerer a declaração de insolvência da recorrente;

VII – o Apesar da forma de qualificação ampla, prevista no n° 1 do art° 20° do CIRE, para que o credor tenha legitimidade de requerer a insolvência de um devedor, ele tem, em primeiro lugar, de poder ser qualificado como isso mesmo, "credor";

VIII – Quem se arroga titular de um crédito litigioso sobre alguém, (crédito ainda não certo e exigível) só pode ou não, ser considerado credor, depois de trânsito em julgado da decisão que coloque um termo à acção em que esse pretenso crédito se encontra em discussão;

IX – Até essa altura, falta ao titular desse tipo de crédito o primeiro requisito para ter legitimidade de requerer insolvência do pretenso devedor: o de ser credor;

X – Caso assim não fosse, facilmente o processo de insolvência poderia ser usado de forma abusiva;

XI – Sendo o crédito da recorrida litigioso, como é, enquanto o for, não pode esta afirmar-se credora do recorrente, peio que não tem legitimidade para requerer a insolvência;

XII – Em abono desta tese, está a redacção do n° 1 do art. 20° do CIRE, ao atribuir explicitamente a legitimidade para requerer a insolvência na situação de crédito condicional;

XIII – Atribuição explicita, demonstrativa de que, afinal, não é qualquer e todo o tipo de crédito que cabe na previsão do preceito legal em causa;

XIV – Não existindo previsão semelhante para o crédito litigioso;

XV – Por outro lado e ainda em abono da tese por si agora defendida, a recorrente entende, ao contrário do douto acórdão recorrido, que a diferença de tratamento concedida ao pretenso credor, caso esta tese procedesse, na situação dele requerer a insolvência, ou reclamar o seu crédito litigioso em insolvência já decretada, não é repugnante, antes até pelo contrário;

XVI – A recorrente entende que os requisitos para a legitimidade de requerer a insolvência sejam mais exigentes, que os requisitos para apresentação de reclamação de créditos em insolvência já decretada;

XVII – Finalmente, e sempre a favor da tese defendida pela recorrente, a possibilidade de o próprio processo de insolvência conhecer da questão da litigiosidade do crédito de quem requer a insolvência, é uma possibilidade em nada consentânea com a vocação própria deste processo;

XVIII – Além disso e mais grave ainda, o atribuir ao processo de insolvência a tarefa de decidir sobre o carácter litigioso do crédito, e sobre a qualidade do credor ou não, de quem requer a insolvência, potencia situações de incerteza e conflito jurídicos, pela possibilidade real de produção de duas decisões judiciais contraditórias;

XIX – O que é demonstrado à evidência na situação concreta deste processo, em que os presentes autos poderiam decidir essa questão de uma forma, e o Tribunal Judicial da Maia, no processo interposto pela recorrida contra a recorrente, de forma diferente;

XX – Por todo o exposto, e com todo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente discorda da decisão do douto acórdão recorrido, concordando com a decisão proferida em 1ª instância e pugnando pela sua manutenção;

XXI – Ao decidir como decidiu e na modesta opinião da recorrente, o douto acórdão recorrido interpretou de forma errada o disposto no n° 1 do art° 20° do CIRE, sendo que a interpretação que o recorrente reputa como adequada, é de que o titular de um crédito litigioso, não tem legitimidade para requerer a insolvência de devedor, baseando esse pedido de insolvência nesse crédito.

XXII – Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o douto acórdão recorrido e mantida a douta decisão proferida em primeira instância, com todas as necessárias e legais consequências.

       Contra-alegando, defende a recorrida a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                              *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos (complementados com os demais que emergem do antecedente relatório):

                                              /

1 – O presente processo de insolvência foi instaurado, em 23.12.10;

2 – Em 18.07.08, no Tribunal Judicial da Maia, a requerida, “BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.”, e CC intentaram contra a requerente, “AA, S. A.”, uma acção declarativa que corre os seus termos sob o nº .../08.0TBMAI.

                                             *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1 e 726º, todos do vigente CPC) –, constata-se que uma única questão é suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso: a de saber se o titular de um crédito litigioso é dotado de legitimidade para requerer o decretamento da insolvência do seu devedor.

       Apreciando:

                                                   *

4I – Começar-se-á por, na esteira do preceituado no art. 579º, nº3, do CC, definir crédito litigioso como o crédito “que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”. Como, a propósito, ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[4], “…não se exige que a contestação incida sobre a substância do direito, embora se exija que o direito tenha sido contestado (o que afasta as hipóteses de apenas se ter contestado a competência do tribunal ou a forma de processo usada, por exemplo). Mas” – acrescentam – “continua a exigir-se que haja um processo em que o direito seja contestado, não bastando a eventualidade da contestação”.

       Não se suscitando, pois, qualquer dúvida quanto à necessária qualificação como tal do crédito invocado pela recorrida-requerente em apoio do formulado pedido de decretamento da insolvência da requerida e, ora, recorrente, “BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.”: existe correspondente acordo das partes e é o que emerge, sem sombra de dúvida, da factualidade provada.

       Mas, enquanto a recorrente nega a sobredita legitimidade à recorrida, esta sustenta, convicta e consistentemente, o contrário. No que foram acompanhadas pela 1ª instância e pela Relação, respectivamente.

       Com respeito pela opinião contrária, estamos em sintonia com a Relação.

       Vejamos porquê.

                                                /

IIa)Desde logo, porque a própria redacção do correspondente comando legal impõe tal entendimento, sendo sempre de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº3 do CC).

       Com efeito, estatui-se no art. 20º, nº1 (na parte que, aqui, releva) que “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida…por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito…” (Negrito de nossa autoria) O que, contendo-nos numa cabida interpretação meramente declarativa de tal preceito legal, inculca, à partida, que o legislador não coloca qualquer entrave a que a declaração de insolvência do devedor possa ser requerida pelo titular de crédito litigioso sobre o mesmo, uma vez que proclama a indiferença, em tal perspectiva, da natureza do crédito cuja titularidade é invocada como pressuposto de legitimação do requerente de tal declaração, para além, pois, dos estreitos limites decorrentes da classificação constante dos arts. 47º a 49º e podendo, pois, o mencionado crédito ser, designadamente, de natureza pública (fiscal, da segurança social, autarquias, etc.) ou laboral.

       Aliás, o resultado propiciado pela sobredita interpretação é, sobremaneira, reforçado com a consideração da “mens legis” subjacente ao diploma legal que aprovou o CIRE e que o respectivo Preâmbulo, claramente, evidencia. Assim:

--- No respectivo nº3, proclama-se como objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos – sem mais – dos credores;

--- No sequente nº6, enfatiza-se que é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo;

--- No respectivo nº10, volta a insistir-se na afirmação da supremacia dos credores no processo de insolvência, acompanhada da intensificação da desjudicialização do processo, abandonando-se a anterior dicotomia recuperação/falência; e

--- No sequente nº14, faz-se referência expressa ao favorecimento do desencadeamento do processo por parte dos – novamente, sem qualquer outro acrescento – credores.

       Sendo, pois e desde logo, de fazer apelo à máxima de que “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”;

      b)Por outro lado, é de natureza processual ou “ad causam” e não substantiva a legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor, nos termos previstos no corpo do nº1 do art. 20º[5].

       Assim, porque tal não contraria qualquer disposição do CIRE e em homenagem ao preceituado no art. 17º, deverá aquele conceito de legitimidade processual ser definido ou determinado mediante a convocação da pertinente regulamentação constante do CPC. Sendo, pois, dotado de legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não – necessariamente – quem seja, efectivamente, na realidade, credor do demandado (Cfr. art. 26º do CPC). É que a questão de saber se o requerente é ou não credor do requerido prende-se com o mérito ou com o fundo da causa e não com a questão da legitimidade “ad causam” para deduzir o pedido de insolvência, a qual apenas contende com a verificação de um pressuposto processual positivo, consubstanciador, em caso de inverificação, de correspondente excepção dilatória, não podendo, pois, aquele ser privado da subsequente possibilidade processual de justificar e provar a real existência do seu invocado crédito.

       Aliás, paralelamente, em sede de acção executiva singular e em princípio, a legitimidade em apreço é conferida a quem, no título executivo, figure como credor e à pessoa que, no título, tenha a posição de devedor (Cfr. art. 55º, nº1, do CPC) e não – necessariamente – a quem, efectivamente e na realidade, seja credor ou devedor, respectivamente;

       c)Acresce que o entendimento contrário traduziria um tratamento discriminatório em desfavor do titular de crédito litigioso relativamente aos credores condicionais (mesmo tendo em conta as especificidades da correspondente previsão legal[6]), sem que qualquer atendível razão material o justificasse. Com efeito, em tal tese, o titular de crédito litigioso seria sempre desprovido de legitimidade para requerer a declaração de insolvência do seu invocado devedor apenas em consequência da verificada litigiosidade do crédito cuja existência real não se poderia ter por excluída, enquanto que ao titular de um crédito sujeito a condição suspensiva que acabasse por não se verificar ou ao titular de um crédito sujeito a condição resolutiva que viesse a verificar-se[7] (pese, embora, o constante do art. 94º) assistiria, sempre, tal legitimidade. O que, além do mais, violaria o princípio da “par conditio creditorum” (Cfr. art. 194º), conquanto na antecâmara do processo de insolvência;

      d)Além do mais, a tese adversa à propugnada enferma, a nosso ver, de duas fragilidades passíveis de crítica: por um lado, pressupõe um juiz totalmente passivo e alheado das vicissitudes processuais subsequentes à apresentação da p. i. da declaração de insolvência por iniciativa do credor (apreciação liminar da petição, com possibilidade de indeferimento liminar – art. 27º, nº1 –, eventual dedução de oposição por parte do devedor – art. 30º, nº/s 1 a 4 – e eventual audiência de discussão e julgamento – art. 35º) e que não deixam de possibilitar ao juiz – que há que pressupor sensato e atento à realidade social e económica – um controlo mínimo sobre o bem ou mal fundado do pedido de declaração de insolvência[8]; e, por outro lado, menospreza o princípio da auto-suficiência do processo de declaração de insolvência, quer na vertente da tutela provisória da aparência, quer na perspectiva da extensão da correspondente competência material para o conhecimento de todas as questões cuja decisão se mostre imprescindível para a sentença a proferir no processo de insolvência (Cfr. art. 96º, nº1, do CPC);

      e)Ainda porque – o que não pode ser entendido como simples argumento “ad terrorem” –, negando-se a questionada legitimidade ao titular de crédito litigioso, afunilar-se-ia, gravemente e sem correspondente justificação plausível, o acesso à tutela jurisdicional dos direitos de crédito prosseguida pelo processo de insolvência, ante o soar do “alarme” que, as mais das vezes, promana da respectiva impugnação judicial, tantas vezes com intuitos meramente dilatórios e de simples chicana processual: bastaria, em tal tese, que o devedor contestasse, em juízo, ainda que sem qualquer fundamento, o crédito invocado pelo requerente da insolvência, para retirar a este a correspondente legitimidade. O que, além do mais, viria a traduzir-se na frontal minorização do diagnóstico constante do nº13 do Preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.03, quando reconhece que “Uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início”… e “Uma lei da insolvência é tanto melhor quanto mais contribuir para maximizar ex post o valor do património do devedor sem por essa via constituir ex ante um estímulo para um comportamento negligente”;

      f)Finalizando, dir-se-á que não nos impressiona, sobremaneira, o argumento invocado “ex adverso” por quem acena com a possibilidade de ocorrência de julgados contraditórios, no processo de insolvência e naquele em que tenha sido suscitada a litigiosidade do crédito: para além de tal não poder ser ocasionado pelo simples reconhecimento da sobredita e questionada legitimidade processual, antes pelo subsequente julgamento de mérito, serão, certamente, nulos ou muito residuais os casos em que, atento o disposto no art. 20º, nº1, al. b), o incumprimento de uma só obrigação determine, por si só, a declaração da insolvência do devedor. Além de que a magra vantagem conferida ao credor requerente pelo art. 98º, nº1 para pagamento do respectivo crédito, de longe é superada pela desvantagem da sua eventual responsabilização cível pela dedução de pedido infundado de declaração de insolvência (art. 22º), o que, sem dúvida, funcionará como grandemente inibidor daquela dedução.  

       Decorrendo, pois, de quanto ficou expendido que o titular de um crédito litigioso se encontra legitimado para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor – tendo, assim, sido já decidido, designadamente, nos Acs. da Relação do Porto, de 29.09.11 (Proc. 338/11.1TYVNG.P1), 03.11.10 (Proc. 49/09.8TYVNG.P1), 26.01.10 (Proc. 97/09.8TYVNG.P1), 16.12.09 (Proc. 242/09.3TYVNG.P1) e 15.10.07 (Proc. 0754861) e da Relação de Lisboa, de 22.11.11 (Proc. 433/10.4TYLSB.L1-7) e de 02.11.10 (Proc. 1498/09.7TYLSB.L1-7, todos acessíveis em www.dgsi.pt –, improcedem as conclusões formuladas pela recorrente, nenhuma censura merecendo, pois, o douto acórdão impugnado, para onde, no omitido e “data venia”, se remete.

                                                  *

5Sumariando (arts. 713º, nº7 e 726º, ambos do CPC

                                                  /

I – O titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art. 20º, nº1, do CIRE, para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor;

II – Trata-se, “in casu”, de legitimidade processual ou “ad causam”, não contendente com o mérito da causa a que diz respeito a existência ou inexistência do controvertido crédito.

                                                   *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista.

     Custas pela recorrente.

                                                   /

Lisboa, 29 de Março de 2012.

Fernades do Vale (Relator)

Marques Pereira

Azevedo Ramos

                                             

_____________________________
[1]  Processo distribuído, neste Tribunal, em 14.02.12.
[2]  Relator: Fernandes do Vale (07/12)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Marques Pereira
   Cons. Azevedo Ramos
[3]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[4]  In “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 597.
[5]  Assim, Catarina Serra, in “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito” -2009 -, pags. 263/264
[6]  Cfr. art. 50º e , bem assim, respectiva anotação em “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Vol. I, pags. 236-239, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda e Prof. Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 2ª Ed., pags. 108/109.
[7]  Cfr., também com interesse, os arts. 270º e 276º, ambos do CC.
[8]  Cfr. Catarina Serra, in “O Novo Regime Português Da Insolvência”, 3ª Ed., pags. 76-79