Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3186/08.2TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INTRUSÃO NA VIA
CAPOTAMENTO
CASO DE FORÇA MAIOR
CASO FORTUITO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE JUROS / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / JUROS DE MORA.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código Civil”, Anotado, 17ª edição, p.559.
- Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª edição, pp. 517 a 519; Das Obrigações em Geral, 6ª edição, vol. I, p. 571; 7.ª edição, vol. I, pp. 591, 906.
- Estudo Publicado na Revista “Sub Judice”, n.º17, 2000, Janeiro/ Março, p.163.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, p.501.
- Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, p. 248
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 13.º, N.º1, 483.º, N.º2, 496.º, N.ºS1 E 3, 503.º, N.º1, 504.º, N.º1, 505.º, 559.º, 562.º, 564.º, N.º2, 566.º, 804.º, N.º1, 805.º, N.º2, AL. B) E N.º3, 806.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º-A.
DL N.º 22/85, DE 31-12, NA REDACÇÃO DO DL 130/94, DE 19-05: - ARTIGO 7.°, N° L.
LEI N.º 24/2007, DE 18-7:- ARTIGO 12.º, N.º1, B).
DL N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGO 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
-DE 2.5.1995, JTRP00014588, IN WWW.DGSI.PT.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30.10.96, IN BMJ 460-444;
-DE 18.3.97, IN CJSTJ, 1997, II, 24;
-DE 10.3.1998, IN BMJ 475-635;
-DE 28.5.2002, PROCESSO N.º 02A185, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 27.5.2003, PROCESSO N.º 03B3598, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 4.10.2005, PROCESSO N.º 05A2167, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 4.10. 2007, PROCESSO N.º 07B2957, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 11.7.2013, PROCESSO N.º 97/05.7TBPVL.G2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O caso de força maior como excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma acção do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza, que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência. Já ao caso fortuito se liga uma ideia de imprevisibilidade mas que se tivesse sido previsto poderia ter sido evitado.
II - A frequente travessia de vias, sobretudo auto-estradas, por animais provocam reacções instintivas dos condutores, manobras defensivas, que não permitem um controle eficaz das viaturas, mesmo rodando nos limites de velocidade legalmente permitidos, pelo que o capotamento e despiste, sendo consequências reflexas de manobras de emergência, são inerentes ao risco de funcionamento e circulação do veículo e não a eventos passíveis de serem considerados casos de força maior.
III - Não provada a culpa do condutor do veículo e a inevitabilidade da manobra que causou o despiste, o embate no separador e o capotamento, há que concluir pela responsabilidade objectiva, fundada no risco de circulação, sendo aplicável ao caso a norma do art. 503º, nº1, do Código Civil.
IV - No caso dos autos, do ponto de vista da actividade profissional da Autora, docente profissional, com 40 anos ao tempo do acidente, auferindo o vencimento mensal base de € 1748,16, pese embora a incapacidade permanente geral de 11 pontos que a afecta, incapacidade compatível com as actividades habituais, mas implicando esforços suplementares, o facto das sequelas não implicarem a perda de rendimentos laborais, importa que sejam consideradas como dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.
V - O que está em causa é, pois, o dano biológico na perspectiva de dano patrimonial, que implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.
VI - O dano não patrimonial não exprime uma verdadeira indemnização que se meça pela teoria da diferença, mas antes uma compensação em dinheiro que visa, não “reparar o preço da dor”, mas ser um lenitivo para o sofrimento moral e físico que a vivência do acidente e as suas consequências, como os tratamentos médicos e medicamentosos, a perturbação e alteração do padrão de vida implicam; a recordação tantas vezes traumática do evento que deixou sequelas não só físicas como também psicológicas, sobretudo quando alteram padrões comportamentais e afectam o modo de vida, mormente, causando stress e desgosto que a memória não apaga.
VII - No quadro factual apurado, sopesando as consequências do acidente, afigura-se equitativa a indemnização de € 50 000,00 por danos patrimoniais e € 30 000,00 por danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:

Proc.3186/08.2TBVCT.G1.S1.

R-429[1]

Revista.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 AA e BB, intentaram em 6.11.2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com distribuição ao 4º Juízo Cível, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

- Companhia de Seguros CC, S.A., e;

 - DD-Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A.,

Pedindo que:

- a 1.ª Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 125.000,00, sendo € 50 000,00 a título de danos não patrimoniais e € 75 000,00 por danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação da Ré até integral pagamento;

- a 2.ª Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00, sendo € 5 500,00 por danos não patrimoniais e € 4 500,00 por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação da Ré até integral pagamento.

A requerimento da 2.ª Ré, foi admitida a intervenção acessória, a fim de acautelar um eventual direito de regresso daquela, de “EE-Companhia de Seguros, S.A.”, e “FF Alliance, Plc”, com sede no Reino Unido.

            Os demandantes alegaram, em resumo:

            - No dia 28 de Novembro de 2005, cerca das 08,50 horas, na A-28, ao quilómetro 73,7,no sentido Caminha/Viana do Castelo ocorreu um acidente de viação.

            - Nesse acidente foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, que era conduzido, na ocasião do acidente, pelo Autor seu proprietário.

            - Perto do quilómetro 73,7, na via de sentido Caminha/Viana, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, conduzido pelo seu proprietário, ao descrever uma curva à sua direita, surgiu-lhe um cão a atravessar a via da direita para a esquerda, o condutor do veículo ainda travou, desviou-se para o lado direito a fim de não atropelar o animal, entrando na berma, e, como o piso se encontrava molhado, entrou em despiste não conseguindo controlar o veículo, embateu no separador central em betão, capotando duas vezes.

            - O local do acidente configura uma curva com boa visibilidade, a faixa de rodagem tem, no local do acidente, cerca de 7,60 metros de largura e, no momento do acidente, o tempo estava bom, apesar de o piso se encontrar molhado.

            - À data do acidente, encontrava-se transferida para a Ré seguradora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação provocados por aquele veículo ...-HC, a ocupantes do mesmo, através de contrato de seguro, válido e vigente, titulado pela apólice nº 750852373.

            - No momento do acidente, a autora AA ocupava o lugar da frente, ao lado do condutor, do veículo ...-HC.

            - Em consequência directa do acidente, a autora ficou gravemente ferida, tendo sido transportada de imediato para o Hospital Distrital de Viana do Castelo, onde deu entrada no serviço de urgência.

            - Em consequência das lesões sofridas a autora, que ao tempo tinha 41 anos de idade, esteve internada e sofreu danos físicos e psicológicos que descreveu.

            - Auferia como professora o vencimento-base de € 1.774,38.

            - Ficou afectada de incapacidade permanente de 15%.

           

            - O veículo do Autor, um SEAT Ibiza de 1997, ficou totalmente irrecuperável valendo à data do acidente quantia não inferior a € 5 000,00.

            - Por causa do acidente ficaram inutilizados vários objectos do Autor (óculos, livros e roupa) no valor aproximado de € 500,00.

            - O Autor sofreu ferimentos, vindo a ser suturado na cabeça, ficando com uma cicatriz dolorosa, e esteve sujeito a vários tratamentos.

As rés contestaram, pedindo a sua absolvição por acidente não ter ocorrido por falta de vigilância da via onde o acidente ocorreu.


***

Foi proferida sentença, em 8.5.2008 – fls. 526 a 539 – cujo dispositivo é, no essencial, como segue:

 

- “Condena-se a Ré DD-Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A. a pagar ao Autor BB a quantia de € 3.645,00 (três mil seiscentos e quarenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação sobre € 2.145,00 e desde a presente data sobre o restante, tudo até integral pagamento;

- Condena-se a Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.” a pagar à Autora AA a quantia de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.


***

Inconformados, os Autores recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão 22.1.2012 de fls. 706 a 713 –, confirmando em Conferência a decisão singular do Relator, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, ainda que com fundamentação diversa.


***


Inconformada, a Autora recorreu – revista excepcional – para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª) - O presente recurso tem por objecto o douto acórdão proferido nos autos em 22.01.2013, o qual, julgando a apelação improcedente, veio a confirmar a decisão recorrida, por sua vez proferida pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo em 08.05.2012.

2ª) - Ora, sucede que, o acórdão objecto do presente recurso, relativamente à Autora AA, veio a reconhecer que, sem dúvida, esta tem de ser considerada como terceiro no que concerne à protecção concedida ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pelo que, a priori, teria direito a uma indemnização pelos danos decorrentes do acidente dos autos, a pagar pela Ré CC, com base no capital obrigatoriamente seguro nos termos legalmente previstos e não com base, tão-somente, no capital de 15.000,00 € (apenas cobertura de “ocupantes de viatura”).

3ª) - Porém, o acórdão recorrido, apesar do anteriormente descrito, veio, a final, a enquadrar o acidente dos autos na exclusão da responsabilidade prevista no art. 505° do Código Civil, ou seja, veio a considerar ter o acidente em causa resultado de “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, pelo que, assim, estaria excluída a responsabilidade de indemnização por parte do condutor do veículo, mesmo a título de risco, e, consequentemente, excluída estaria também a responsabilidade de indemnização da parte da seguradora/Ré CC.

4ª) - Acontece que, esse entendimento ou enquadramento sobre a questão fundamental de direito sub judice (trata-se de danos provenientes dos riscos próprios do veículo, tal como previstos no art. 503°, n°1, do Código Civil ou, pelo contrário, de danos resultantes de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, como previsto no art. 505° do Código Civil?), vertido no acórdão recorrido, encontra-se directa e frontalmente em contradição com o decidido no douto Acórdão-fundamento cuja cópia (certidão judicial) ora se junta às presentes alegações, isto é, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.02.2009, proferido em revista no Processo n°147/09-7ª Secção deste Supremo Tribunal, o qual teve origem nos autos de Processo n°5996/05.3TVLSB, da 3ª Vara Cível – 1ª Secção – da comarca de Lisboa, e transitou em julgado 09-03-2009 – (cfr. certidão judicial integral, com a respectiva nota de trânsito em julgado, junta em anexo).

5ª) - Com efeito, no Acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça, supra identificado, em oposição absoluta ao decidido pelo acórdão ora recorrido, foi decidido, precisamente, o seguinte:

“O veículo seguro na recorrente despistou-se na sequência de desvio efectuado pelo respectivo condutor ao aperceber-se do surgimento inesperado do canídeo é de concluir que o despiste constitui no caso evento que se integra na esfera dos riscos normais dos veículos de circulação terrestre. Assim, e ao invés do alegado, o despiste e subsequente acidente que vitimou a passageira do veículo não assume as características de acontecimento imprevisível, inevitável e estranho ao funcionamento do mesmo, pelo que o caso dos autos não é subsumível à previsão normativa do art. 505°, como de força maior.

Enquadra-se, sim, no disposto no art. 503°, n° 1, ou seja, no domínio da responsabilidade objectiva. E tendo o veículo sido factor produtor do risco do acidente verificado, recai sobre a recorrente seguradora a obrigação de indemnizar a recorrida pelos danos ocasionados (art. 8°,n°1, do Dec-Lei n°522/85, de 31.12”.

6ª) - Assim, verifica-se, no presente caso, como acima mencionado, uma manifesta e directa contradição entre o decidido pelo Acórdão recorrido, proferido pela Relação de Guimarães e o decidido pelo citado Acórdão-fundamento, deste Supremo Tribunal, em dois casos em tudo idênticos, ou seja, em que os respectivos sinistros ocorreram na sequência do atravessamento repentino de um cão na via na qual seguiam os veículos sinistrados, o qual provocou o despiste dos veículos em causa, com consequentes danos para os transportados nos mesmos, incluindo a aqui recorrente.

7ª) - Sucedendo, pois, que, sendo entendimento da recorrente, que a decisão mais adequada e justa em tais casos é a de se entender que, efectivamente, se trata de casos em que deve operar a responsabilidade civil objectiva, derivada dos riscos próprios de utilização do veículo, em conformidade com o que previsto se encontra expressamente no art. 503°, n° 1, do Código Civil, e, por outro lado, encontrando-se preenchidos, in casu, os demais requisitos ou pressupostos legais para a admissibilidade da revista excepcional, como tal previstos no art. 721°-A, n°1, al. c) e n° 2, al. c), do Código de Processo Civil, devidamente conjugado com o previsto no art. 721°, n° 3, do mesmo diploma legal, pretende a recorrente, precisamente, que seja o presente recurso admitido e julgado por este Venerando Tribunal, de acordo com o sufragado anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via do aludido Acórdão-fundamento.

8ª) - Como visto supra, no entender da recorrente AA, os danos que lhe advieram do sinistro dos autos, foram os directamente resultantes do despiste e capotamento do veículo em que era transportada ou, dito de outro modo, o despiste foi a condição da lesão, mas, também, a causa adequada do dano em questão, revestindo específica idoneidade para a produção do resultado lesivo, segundo a normalidade dos acontecimentos, inexistindo nos autos, atento o atravessamento repentino de um cão, causa de força maior susceptível de afastar a responsabilidade pelo risco inerente ao funcionamento do veículo, antes estamos perante danos provenientes dos riscos próprios do veículo (art. 503°, n°1, do Código Civil), motivo por que deverá a recorrente ser indemnizada por todos os danos por si sofridos.

9ª) - Tendo sido esse, precisamente, o entendimento que veio a ser acolhido no douto Acórdão-fundamento, com o qual concorda inteiramente a aqui recorrente, o qual, portanto, se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos.

10ª) - Posto o que, para a recorrente, no caso destes autos, sendo a mesma terceiro/ocupante do veículo, sem que da sua parte tenha havido qualquer contribuição para o acidente e tendo todos os danos por si sofridos sido causados pelo despiste do veículo em que seguia – responsabilidade objectiva/pelo risco (independentemente da causa de tal despiste) –, a responsabilidade pelo ressarcimento de tais danos cabe à Ré seguradora “Companhia de Seguros CC S.A”, encontrando-se o sinistro em questão manifestamente enquadrado no previsto no art. 503°, n°1, do Código Civil, o mesmo será dizer no domínio da responsabilidade objectiva, cuja obrigação de indemnizar se encontra prevista no art. 8°, n°1, do Dec-Lei n° 522/85, de 31.12.

11ª) - Mais entendendo, ainda, a recorrente que, como tal, ou seja, enquanto terceiro/ocupante do veículo sinistrado, não tinha de instaurar a acção contra a “DD”, dado que a si, directamente, não foi a DD quem lhe provocou os danos.

 E assim, instaurada a acção contra a Ré CC, seria esta a, caso assim o entendesse, chamar à demanda a DD, a quem sempre e ainda poderá responsabilizar em acção própria pela via do direito de regresso.

12ª) - Por consequência, e reportando-nos agora, em concreto, ao pedido formulado nos autos pela recorrente/Autora, deve atentar-se no seguinte: os pedidos formulados em A (danos não patrimoniais) e B (danos patrimoniais), são ambos danos decorrentes das lesões corporais sofridas pela recorrente e devidamente comprovadas nos autos – (cfr. matéria de facto assente).

13ª) - Se por um lado, temos os danos não patrimoniais (as dores, a sujeição a tratamentos, o desgosto, a necessidade de medicação para o resto da vida, entre outros considerados provados), por outro lado, temos os danos que, designados de patrimoniais, são igualmente provenientes dessas lesões corporais e que lhe deixaram como sequelas 11% de incapacidade geral (que se repercute num acréscimo de esforços quer a nível profissional, quer em termos gerais de dano biológico - também considerados provados nos autos).

14ª) - A cobertura do seguro de responsabilidade civil obrigatória não é afastada por qualquer outra cobertura facultativa que o titular do seguro entenda contratar, o que, aliás, foi aceite e decidido expressamente no acórdão recorrido.

15ª) - Assim, o “seguro de ocupantes” contratado pelo titular do seguro não afasta ou substitui o seguro obrigatório, em relação a terceiros passageiros do veículo, pelo que não pode, de modo algum, afirmar-se que a Ré seguradora CC responde em termos contratuais em relação à recorrente, visto a mesma nada ter contratado com esta Ré.

16ª) - A recorrente deduziu nos autos um pedido contra a Ré CC, ao abrigo e nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual, não tendo, pois, peticionado que fosse accionado qualquer seguro de cobertura facultativa, na modalidade de ocupantes.

17ª) - Entende, por conseguinte, a recorrente que, enquanto terceira, transportada no veículo segurado, os danos por si sofridos e pedidos nos autos estão abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil obrigatória.

18ª) - Relativamente aos danos sofridos pela recorrente em consequência directa do sinistro, por si peticionados oportunamente, deverá ter-se presente que, em sede de responsabilidade extracontratual, a indemnização ou compensação, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496° do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, “tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar” – cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 15.05.2001 (C.J., 2001, Tomo III, pág. 189).

19ª) - Pelo que, considerando a idade de 79 anos como o tempo provável de vida actualmente para as mulheres – cfr. Ac. Relação do Porto de 19.03.2001, Proc. N°0110972, in www.dgsi.pt, haverá que notar que a recorrente/Autora, à data do acidente, tinha apenas 40 anos (cfr. al. E) da matéria assente), bem como ainda que a respectiva incapacidade parcial permanente representa, efectivamente, um dano sofrido durante todo o período provável da sua vida e não apenas durante a sua vida activa: “Incidindo o dano sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, pode ser ressarcido atribuindo um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que, por um lado, produza rendimentos, por outro, se venha a esgotar no final da vida do Lesado (“vida do lesado”, e não apenas a respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão esforço necessariamente superior)” – Ac. Relação do Porto de 20.04.2010, em www.dgsi.pt/jtrp – Proc. N°5943/06.5TBVFR.P1.

20ª) - Nesse mesmo sentido, entre outros, decidiu igualmente a Relação do Porto, por Acórdão de 27-10-2009, em www.dgsi.pt/jtrp – Proc. N°6995/05.OTBVFR.P1: “tem-se por equilibrada a quantia de € 93.000,00 para indemnizar o dano patrimonial inerente à perda da capacidade de ganho, em que o lesado tinha 16 anos, ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 35% e auferia à data do acidente a retribuição mensal de € 573,01 x 12 meses, tendo ainda em conta, como referenciais da dimensão desse dano, o limite da capacidade de trabalho nos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e o coeficiente de actualização salarial de 2%”.

21ª) Por consequência, considerando aquela idade dos 70 anos como o limite da capacidade de trabalho, os 11% de incapacidade permanente geral sofridos pela Autora e o seu salário base mensal de € 1.748,16, então afigura-se perfeitamente ajustado ao caso a atribuição, a este título, de montante não inferior ao por si peticionado, ou seja, de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).

22ª) -Relativamente aos danos não patrimoniais, no presente caso, atenta a factualidade provada, tais danos afiguram-se manifestamente com acentuada gravidade em qualquer um dos seus modos de expressão, ou seja, quer relativamente ao “quantum doloris”, ao “dano estético”, ao “prejuízo de afirmação social”, ao “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, quer ainda quanto ao “pretium juventutis” – cfr., quanto a este ponto, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.07.2000 (C.J. Supremo Tribunal de Justiça, 2000, Tomo II, pág. 145).

23ª) - O rol de consequências físicas e morais resultantes do acidente a que se reportam os autos quase que torna desnecessário mais palavras, tal a extensão e a gravidade desses mesmos danos; em todo o caso, deverá sublinhar-se a circunstância de a recorrente, com 40 anos de idade, no esplendor da vida, ter ficado no estado supra descrito e sofrer todos os danos igualmente acima melhor descritos, numa palavra, ter ficado com a sua vida totalmente modificada e mesmo parcialmente desfeita.

Enfim, são de tal monta os danos não patrimoniais sofridos pela recorrente que, em seu entender, salvo melhor opinião, merece plenamente tutela jurídica a fixação, a este título, de quantia compensatória não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), o que expressamente ora se requer.

25ª) - Em resumo, e em conformidade com o explanado anteriormente, deverão, a final, ser atribuídas as descritas e peticionadas quantias à recorrente, a título de indemnização ou compensação por todos os danos por si sofridos em consequência do sinistro, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, acrescidas obviamente dos respectivos juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a citação da Ré, até efectivo e integral pagamento.

26ª) - Consequentemente, admitindo-se o presente recurso de revista excepcional, deverá ser revogado o acórdão recorrido, condenando-se a Ré CC no pagamento à autora das supra descritas quantias, com o que se fará inteira justiça.

27ª) - O douto acórdão recorrido violou, por incorrecta interpretação e aplicação dos normativos legais e tendo em consideração a matéria de facto considerada como provada nos autos, o disposto nos artigos 496º, nºs 1 e 4, 499º, 503°, n°1, e 505°, todos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 8°, n°1, do DL. N°522/85, de 31.12.

A Ré CC contra-alegou, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.


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A Formação a que alude o art. 721º-A, nº3, do Código de Processo Civil, por Acórdão de 20.2.2013 – fls. 856 a 861 – admitiu a revista excepcional pedida pela Recorrente, com fundamento na contradição entre o decretado no Acórdão recorrido, com o sentenciado no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.2009, proferido em recurso de revista no Processo n°147/09-7ª Secção, invocado como Acórdão-fundamento.


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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

A) - No dia 28 de Novembro de 2005, cerca de 8h50m, na A 28, ao km 73,7, no sentido Caminha-Viana do Castelo, ocorreu um sinistro, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, na altura conduzido pelo seu proprietário, BB.

B) - O local onde ocorreu o sinistro configura uma curva com boa visibilidade e a respectiva faixa de rodagem tem, nesse lugar, cerca de 7,60 m de largura.

C) - Aquando do sinistro, o tempo estava bom e o piso encontrava-se molhado.

F) - A Ré “DD” é concessionária da A 28.

G) - A Ré “DD” teve conhecimento do sinistro através de telefonema da Brigada de Trânsito da GNR, às 9h13m.

H) - O lanço da auto-estrada onde ocorreu o sinistro foi inaugurado no dia 5 de Novembro de 2005.

I) - A 500 m a norte do local do sinistro existe o nó de Outeiro, com uma entrada e uma saída que não são fechadas.

J) - O local onde ocorreu o sinistro faz parte de troço não sujeito a portagem.

1º- Quando o HC circulava nas circunstâncias referidas em A), surgiu um cão, a atravessar a via da direita para a esquerda.

2.º e 3º – O condutor do HC travou e desviou o veículo para a direita, entrando na berma, a fim de evitar o embate no cão.

4º - Nessa altura, como o piso estava molhado, o HC entrou em despiste, não conseguindo o Autor controlá-lo.

5º - Em seguida, o HC embateu no separador central em betão por duas vezes e capotou.

32º - A Ré “DDt” procede a patrulhamentos diários e permanentes da A 28 e da A 27, passando pelo mesmo local da via de duas em duas horas.

33º - No patrulhamento efectuado antes do sinistro naquele local não foi detectada a presença de animais na via.

34º - Ninguém comunicou à Ré “DD” a presença de qualquer canídeo na via.

35º - A Ré “DD” dispõe de câmaras em vários pontos da A 28, e nada foi detectado pela operadora do centro de controlo que estava de serviço na altura do sinistro.

36º - A Ré dispõe, na via concessionada, de postos SOS de dois em dois quilómetros e de número telefónico “azul” em funcionamento 24 horas por dia.

37º - O vigilante da Ré chegou ao local do sinistro às 9h30m e não avistou qualquer canídeo.

38º - A Ré realiza inspecções periódicas ao estado da vedação, pelo menos de três em três meses, em toda a extensão da concessão, e procede à sua reparação imediata sempre que a mesma se encontre danificada.

40º - No dia do sinistro e após a ocorrência deste, um funcionário da Ré “DD” inspeccionou a vedação na área envolvente, cerca de 100 m para cada lado, e não detectou nenhuma anomalia.

42º - No local onde ocorreu o sinistro, o limite máximo de velocidade era de 100 km/h.

44º - Entre o início da travagem e o primeiro embate do HC no separador central, distam cerca de 29,6 m.

45º - Entre o local do primeiro embate e o do segundo do HC distam 38,5 m.

46º - Entre o local do segundo embate e o local em que o HC ficou imobilizado distam 84 m.

L) - O veículo HC provocou rasgos no pavimento nas vias da direita e da esquerda.

D) - No âmbito da sua actividade, a Ré “CC” celebrou com BB um contrato de seguro, titulado pela apólice n. 750852373, em que este transferiu para aquela a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em decorrência da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC.

E) - A Autora AA nasceu no dia 13 de Agosto de 1964.

M) - A Ré “DD” transferiu a responsabilidade dos danos causados a terceiros, enquanto concessionária da A-28, para a “EE- Companhia de Seguros, S.A.” pelo contrato de seguro titulado pela apólice 13.01.00-623, em vigor à data do sinistro.

N) - Dessa apólice consta o seguinte: “Declara-se também que a presente apólice só garantirá os seus efeitos após serem esgotados os limites de indemnização da Cobertura da Responsabilidade Civil Geral incluída na apólice de obras e montagens com o nº2340600-203 66”.

O) - Ambas as apólices foram emitidas pela “EE-Companhia de Seguros, S.A.” a pedido e em conformidade com as instruções que a mesma recebeu da “FF Alliance, PLC”, com sede no Reino Unido e, segundo as cláusulas especiais consignadas naqueles contrato, é à “FF Alliance, PLC” que compete gerir e regularizar os sinistros ocorridos e participados ao abrigo de tais apólices.

6. - Aquando do sinistro, a Autora AA seguia no lugar da frente, ao lado do condutor.

7. - Em consequência do sinistro, a Autora AA foi transportada para o serviço de urgência do Hospital de Viana do Castelo, tendo aí permanecido durante esse dia.

8.º - Aí foi-lhe prescrito o uso de colar cervical, o qual a Autora usou durante sete meses.

9º - Aquando da alta hospitalar, foi prescrito à Autora a frequência de consultas de acompanhamento e análise das lesões sofridas e a realização de exames e tratamentos, nomeadamente MFR-3 semanas, raquialgias, ressonância magnética, electromiografia, que aquela efectuou.

10º - Em consequência do acidente, a Autora sofreu traumatismo da coluna, nas regiões cervical e lombar, com parestesias nos membros superiores.

11ª - Presentemente, a Autora padece de:

a) raquialgias persistentes com episódios frequentes de agudização, sobretudo na região cervical e lombar;

b) dificuldade de concentração e alteração da afectação familiar e social;

c) desisterias persistentes nos membros superiores do corpo;

d) cansaço fácil e sensação de adinamia;

e) perda de actividade lúdica e de dinamismo, com alteração do equilíbrio emocional e físico.

12.° - E apresenta como sequelas:

a) espasmos musculares das goteiras paravertebrais, sobretudo cervical e lombar, determinando-lhe limitação da mobilidade do pescoço e do tronco;

b) frequentes alterações na sensibilidade dos membros superiores e no tronco sem alterações dos reflexos;

c) dor no extremo das mobilidades dos membros e dor à digito-pressão nas inserções musculares dos músculos trapézios e dos músculos da região lombar;

d) cervicalgias de características mecânicas com irradiação para os membros superiores com parestesias bilaterais e falta de força de tipo distal;

e) dores à mobilização do pescoço com dificuldade nas rotações e aos movimentos de flexão/extensão;

f) dorsalgias crónicas e de repetição, agravadas ao esforço e às rotações e nas posições estáticas prolongadas;

g) nevrites intercostais e de repetição;

h) dor esternal crónica de características mecânicas.

13. - A Autora fez, numa primeira fase, 29 sessões de fisioterapia.

14. - Em Março e Abril de 2006, fez mais 18 sessões de fisioterapia.

15. - A Autora fez 15 sessões de laser.

16º - A Autora AA apresenta sintomas de ansiedade e depressão compatíveis com o diagnóstico de perturbação de stress pós traumático, consecutivo a acidente de viação, estando para tal medicada.

17. - Em consequência do acidente, a Autora esteve sob vigilância e tratamento médico, tendo a consolidação médica das lesões ocorrido a 15 de Fevereiro de 2008.

20º e 23.° - As sequelas do acidente determinam, para a Autora, uma incapacidade permanente geral de 11 pontos, compatível com as actividades habituais, mas implicando esforços suplementares.

47º - À data do acidente, a Autora auferia o vencimento base mensal de € 1.748,16.

2l. - Por causa do sinistro, a Autora passou a ter que tomar, diariamente, medicação, o que vai suceder pelo resto da sua vida.

22º - Antes do sinistro, a Autora era uma pessoa saudável, robusta e alegre.

25º - A Autora tem desgosto pelas sequelas do acidente.

26º - Em virtude do sinistro, o veículo de matrícula ...-HC ficou sem qualquer viabilidade de reparação.

27º - O HC era um “Seat Ibiza” de 1996.

29º - No acidente, ficaram inutilizados uns óculos do Autor, no valor de cerca de € 145,00.

30º - Nos dias a seguir ao acidente, o Autor teve dores.

31º - No sinistro, o Autor sofreu uma escoriação no couro cabeludo.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o acidente de viação, invocado como causa de pedir, se deveu a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo automóvel onde viajava a autora, o que implica que se considere que a responsabilidade civil seja excluída mesmo a título de risco – art. 505º do Código Civil;

- ou, se o acidente e as suas circunstâncias, se deveram ao risco próprio do veículo, sendo de considerar a responsabilidade objectiva, ou pelo risco;

- dependente da resposta a dar às questões precedentes, importa saber se havendo lugar a indemnização qual o quantum indemnizatório atribuível à Autora.

 Como antes dissemos, trata-se de recurso de revista excepcional – art. 721º-A do Código de Processo Civil – admitido em função da contradição entre o sentenciado no Acórdão recorrido e o sentenciado no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19.02.2009, proferido no recurso de revista no Processo n°147/09-7ª Secção, (Acórdão – fundamento), que teve origem nos autos de Processo n°5996/05.3TVLSB, da 3ª Vara Cível – 1ª Secção, da Comarca de Lisboa, e que transitou em julgado em 9.3.2009.

No Acórdão da Relação, ora recorrido, ficou decidido com trânsito em julgado que a Autora, que viajava como passageiro ao lado do condutor do veículo acidentado, transportada gratuitamente, assentou a sua pretensão indemnizatória contra a Ré “CC”, não no facultativo seguro de ocupantes, que o proprietário do veículo contratara cujo capital ascendia a € 15 000,00 – como havia sentenciado a primeira instância – mas antes no seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido ao tempo do acidente.

 Daí que o Acórdão, a fls. 623, tivesse com acerto, sentenciado:

 “Como se disse, na sentença, considerou-se que a autora se terá estribado na cobertura do seguro designada “ocupantes da viatura” e não na sua qualidade de terceiro. Tem razão a recorrente, quando se insurge contra esta interpretação. Se é verdade que aquilo que se alega nos artigos 1.° e 10.° da petição inicial onde tanto se fala em ocupantes como em responsabilidade civil por danos provocados a terceiros – não é conclusivo, já o modo como se termina, a pedir a condenação da ré a título de responsabilidade civil extracontratual, é claro no sentido de que não é com base na dita cobertura do contrato de seguro que se deduz o pedido.

E a autora é, efectivamente, terceiro, como decorre do art. 7.°, n°l, do DL. 22/85, de 31.12, na redacção do DL. 130/94, de 19.05 – recorde-se que o acidente é de data anterior ao advento do DL. 291/2007, de 21.08.

Teria, pois, em princípio, direito a ser indemnizada, pela 1ª ré, tendo em conta o capital seguro de € 1 000 000,00 e não, como sucedeu, o de, apenas, € 15 000,00”.

Transitada em julgado a decisão quanto a saber se a Autora é terceiro, nos termos da lei do seguro obrigatório ao tempo vigente, e que o seu pedido indemnizatório por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em virtude do acidente, se fundamentou naquele seguro obrigatório de que era titular o proprietário e condutor do automóvel, o nó górdio, a questão fulcral que a revista coloca, radica em torno de saber se, em face das circunstâncias em que ocorreu o acidente com o veículo ligeiro de passageiros matrícula ...-HC, no dia 28.11.2005, ao km 73.7, no sentido Caminha /Viana do Castelo, se deveu a “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, ou deve, antes, considerar-se como um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco inerente à circulação automóvel.

Estão em confronto os normativos dos arts. 503º, nº1, e 505º do Código Civil.

O primeiro estatui – “1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.”.

Este normativo consagra a responsabilidade objectiva ou pelo risco – arts. 483º, nº2, do Código Civil – um dos casos em que a responsabilidade civil, excepcionalmente, não depende da culpa, nem da ilicitude, ancorando nos requisitos – ter uma pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar esse veículo a ser utilizado no momento do acidente no seu próprio interesse, questões aqui indiscutidas.

Por sua vez o art. 505º – consigna:

 “Sem prejuízo do disposto no artigo 570.°, a responsabilidade fixada pelo n.°1 do artigo 503.° só é excluída quando acidente for imputável ao próprio lesado ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

 Nos termos do art. 504º, nº1, do citado diploma na redacção do DL.14/96, de 6.3[2] – “A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.

Importa convocar os factos provados, no que respeita ao modo como ocorreu o acidente, para depois averiguar se a causa eficiente do sinistro foi inerente ao funcionamento da máquina (risco de circulação do veículo automóvel), ou se deveu a motivo de força maior, o que, a considerar-se, exclui o risco.

Assim, sobre o modo como ocorreu o acidente provou-se:

A) - No dia 28 de Novembro de 2005, cerca de 8h50m, na A 28, ao km 73,7, no sentido Caminha-Viana do Castelo, ocorreu um sinistro, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, na altura conduzido pelo seu proprietário, BB.

B) - O local onde ocorreu o sinistro configura uma curva com boa visibilidade e a respectiva faixa de rodagem tem, nesse lugar, cerca de 7,60 m de largura.

C) - Aquando do sinistro, o tempo estava bom e o piso encontrava-se molhado.

F) - A Ré “DD” é concessionária da A 28.

J) - O local onde ocorreu o sinistro faz parte de troço não sujeito a portagem.

1º- Quando o HC circulava nas circunstâncias referidas em A), surgiu um cão, a atravessar a via da direita para a esquerda.

2.º e 3º - O condutor do HC travou e desviou o veículo para a direita, entrando na berma, a fim de evitar o embate no cão.

4º - Nessa altura, como o piso estava molhado, o HC entrou em despiste, não conseguindo o Autor controlá-lo.

5º - Em seguida, o HC embateu no separador central em betão por duas vezes e capotou.

Não está em causa qualquer eventual culpa do condutor do automóvel que as instâncias consideraram não existir, o que, desde logo, exclui a problemática da concorrência entre a culpa e o risco, que abordámos no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11.7.2013, proferido no Processo nº97/05.7TBPVL.G2, consultável in www.dgsi.pt.

No caso em apreço, considerou-se que o acidente se deveu à intrusão de um cão na via por onde seguia o automóvel e onde viajava a recorrente AA, tendo-se ponderado a presunção de culpa do art. 12º, nº1, b) da Lei nº24/2007, de 18.7, norma que foi aplicada por se por se considerar inegrar lei interpretativa, e por isso, aplicável aos casos ocorridos antes da sua entrada em vigor – art. 13º, nº1, do Código Civil, entendimento que não suscitou controvérsia.

Na sentença recorrida – ut. fls. 533 a 534 – considerou-se que:

 “ […] A 2ª Ré não logrou provar que o veículo seguisse a mais de 100 km/h, velocidade máxima permitida no local; por outro lado, também não se pode retirar essa conclusão das distâncias a que se deram os dois embates e a imobilização do carro [vide respostas aos quesitos 44.º a 46.º]: desde logo porque o primeiro embate no separador central ocorre após a travagem que o condutor do HC levou a cabo para se desviar do animal [como resulta da análise do croquis da participação de acidente, a fls. 26), ou seja, já em despiste e em “roda livre”, e depois porque a trajectória subsequente tem na sua génese não só o embate anterior em separador de betão como o desgoverno do veículo, com capotamento, e o piso molhado, tudo susceptível de o propulsionar. Fica, portanto, como única causa do acidente o surgimento de um obstáculo inesperado, como o é um animal na auto-estrada, que levou o Autor, apesar da largura da via, da boa visibilidade e do bom tempo, a fazer uma manobra de recurso, na sequência da qual se despistou e capotou, com prejuízos para o veículo e seus ocupantes.”

Mais adiante, considerou-se que a 2ª Ré, tendo feito prova dos deveres genéricos de prevenção de acidentes na via de que é concessionária, não está, desde logo, isenta de responsabilidade porquanto, como se escreveu a fls. 535:

 “…Ora, o que a 2ª Ré logrou provar nos autos nada mais configura do que um cumprimento genérico das obrigações que sobre si impendiam, nada se tendo provado sobre a forma como aquele cão conseguiu entrar na via.

Note-se que, desconhecendo-se as características físicas da vedação, a sua adequação ao local e o porte do animal, a existência de vedação, ainda que bem conservada, não chega para concluir que o cão não entrou pela mesma. Por outro lado, não basta ter-se demonstrado que há um nó de ligação a 500 m do local: para afastar a presunção, tornava-se necessário provar que o animal entrou na via precisamente por esse nó [dada a impossibilidade lógica de vedar um acesso à auto-estrada, à concessionária não é exigível que controle um local que tem de estar aberto…).

Entende-se, por isso, que prevalece a presunção do citado art. 12º,nº1, e que a Ré deve responder pelos danos que o Autor sofreu por causa do acidente a que a presença do cão na via deu origem.”

Não foi questionado, na apelação, o julgamento da matéria de facto, pelo que a Relação de Guimarães com base nos factos provados e malgrado ter considerado que a Autora filiou o seu pedido, não no seguro facultativo (“ocupantes de viatura”) mas no seguro obrigatório de responsabilidade de civil e, prima facie, deveria ser indemnizada à luz do seu quadro normativo tendo em conta o capital seguro de € 1 000 000,00 como terceiro que seguia na viatura acidentada, confirmou a sentença da primeira Instância no que às indemnizações respeita, por considerar que:

 “…A factualidade disponível permite a conclusão de que o sinistro se ficou a dever ao atravessamento, repentino, por um cão, da estrada por onde seguia o veículo sinistrado, que, por isso, foi travado e desviado para a berma, pelo seu condutor, na tentativa de evitar o atropelamento do animal, vindo a despistar-se.

Estamos, assim, no âmbito da previsão do art. 505º do Código Civil, face a uma “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, factor que excluía a responsabilidade pelos riscos próprios do veículo – ver anotação 4 a este inciso, no “Código Civil Anotado”, de Pires de Lima e Antunes Varela, na 4ª edição, de 1987, no sentido de que se tem considerado “como facto inerente ao funcionamento do veículo automóvel a derrapagem deste, seja como consequência de qualquer defeito mecânico da viatura, seja por virtude do piso defeituoso da via”, lição que, “a contrario”, abonará a asserção expendida, a de que o despiste provocado por aquele atravessamento resulta de caso de força maior.

E, sendo assim, excluída a responsabilidade de indemnização por parte do condutor do veículo, mesmo a título de risco, excluída está também a da seguradora, devendo, em vez de a esta, a recorrente tê-la exigido à 2ª ré, a DD.”

Eis-nos volvidos à questão nodal de saber se o acidente se deveu a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, o que, a merecer resposta positiva exclui a responsabilidade objectiva, e consequentemente o dever de indemnizar, ou se a manobra de emergência do desvio causador do despiste e capotamento do veículo e as suas consequências, que o condutor teve de fazer ante a imprevisível intrusão na via de um cão, se deve considerar como risco próprio da circulação automóvel, ou seja, um risco inerente à circulação estradal, configurando um caso de responsabilidade objectiva.

O caso de força maior como excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu, tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma acção do homem ou de terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência. Já o caso fortuito se liga uma ideia de imprevisibilidade do evento, que se tivesse sido previsto, poderia ter sido evitado.

A razão pela qual o condutor do HC entrou em despiste foi o facto de, quando seguia nas circunstâncias descritas em A) a C) dos factos provados, ter surgido inopinadamente um cão a atravessar a via da direita para a esquerda o que fez com que o condutor tivesse travado e desviado o veículo para a direita, entrando na berma para evitar a colisão com o animal.

Como na ocasião o piso estava molhado, o HC entrou em despiste, sem que o condutor o pudesse controlar, o que fez com que embatesse no separador central em betão, por duas vezes e tivesse capotado.

Ora, não se tendo provado a culpa do condutor, não tendo a 2ª ré ilidido a presunção de culpa que sobre si impendia nos termos antes referidos, pese embora se tratar de um veículo de 1996 marca Seat Ibiza – cfr. facto provado nº27 – e poder-se conjecturar se um veículo de mecânica mais recente, ante tal manobra capotaria (o certo é que não se provou a que velocidade circulava, nem a que distância o canídeo se lhe deparou na travessia), haveremos de concluir que o despiste e o capotamento do automóvel se deveu a manobra de emergência e que as regras da física e da mecânica foram determinantes para que se evidenciassem os riscos inerentes à circulação do veículo, não se sendo, pois, um caso de força maior abrangido, pela previsão do art. 505º do Código Civil.

Como afirma Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª edição, em anotação ao artigo citado, págs. 517 a 519:

 “Para a exacta compreensão do preceito, importa considerar que não é um problema de culpa que está posto no artigo 505º mas apenas um problema de causalidade: trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro…

 Tem-se considerado como facto inerente ao funcionamento do veículo automóvel a derrapagem deste, seja como consequência de qualquer defeito mecânico da viatura, seja por virtude do piso defeituoso da via. Qualquer das ocorrências cabe na esfera dos riscos normais dos veículos terrestres, que a lei lança sobre quem tem a direcção efectiva da viatura e a utiliza no seu interesse; cfr. o acórdão do S.T.J., de 21 de Fevereiro de 1990, na RLJ, Ano 114º, págs. 201 e segs.”.

Importa sublinhar que, a frequente travessia de vias, sobretudo auto-estradas, por animais implicam reacções instintivas dos condutores, manobras defensivas, que não permitem um controle eficaz das viaturas, mesmo rodando nos limites de velocidade legalmente permitidos, pelo que o capotamento e despiste, sendo consequências reflexas de manobras de emergência, são inerentes ao risco de funcionamento e circulação do veículo e não eventos passíveis de serem considerados casos de força maior.

Improvada a culpa do condutor do veículo e a inevitabilidade da manobra que causou o despiste e o embate no separador e o capotamento, há que concluir pela responsabilidade objectiva, fundada no risco de circulação, sendo aplicável ao caso a norma do art. 503º, nº1, do Código Civil.

Concluímos, assim, como no Acórdão-fundamento, que o acidente ocorrido nas circunstâncias descritas que, ademais, têm manifesta afinidade com aquelas que se provaram naquele Acórdão, configuram um caso de responsabilidade objectiva, recaindo, portanto, sobre a seguradora a obrigação de indemnizar dentro dos limites do seguro, pelos danos causados – art. 8º, nº1, do DL. 522/85, de 31.12.

 Tal como o despiste e o capotamento, em circunstâncias como as que se provaram na acção de onde emerge o recurso, também a derrapagem, sem culpa do condutor, por não ser estranha ao funcionamento do veículo mas inerente ao seu risco de funcionamento e circulação, não constitui caso de força maior – cfr. Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28.5.2002, Proc.02A185, in www.dgsi.pt.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27.5.2003, Proc. 03B3598, in www.dgsi.pt, estando em causa um acidente causado pela imprevista existência de uma poça de água na via, ponderou-se que: “Constitui caso de força maior no sentido do artigo 505.º do Código Civil, o acontecimento imprevisível cujo efeito danoso é inevitável tomadas pelo condutor as precauções normalmente exigíveis. Não integra uma situação de força maior nesta acepção, por falta dos caracteres da imprevisibilidade e da inevitabilidade (vis cui resisti non potest), o despiste de automóvel rodando a mais de 80km/h, de noite, em estrada sem iluminação, sob chuva torrencial, devido ao surgimento de poça de água ocupando aproximadamente a metade direita da hemi-faixa de rodagem do veículo”.

Assente que a Ré/recorrente deve ser indemnizada com base na responsabilidade objectiva e que a 1ª Ré é responsável pela indemnização dos danos sofridos por via do contrato de seguro de responsabilidade civil referido em D), importa saber o quantum indemnizatório.

A recorrente impetra o pagamento de danos não patrimoniais no valor de € 50 000,00 e patrimoniais em valor não inferior a € 75 000,00.

Vejamos:

Sem dúvida que, “in casu”, se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual, a saber; facto, ilicitude, culpa, dano, e nexo de causalidade entre facto e dano. –“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr. inter alia Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.1998, in BMJ 475-635.

  A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

 “Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág.591, 7ª edição.

 Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”.

 Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

“O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.” (ibidem, pág. 593).

 A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, a lei contempla, também, a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados – art. 496º, n.º 1, do Código Civil – e que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”.

O art. 566º do citado Código, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade.

 Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil.

“A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” – Antunes Varela, obra citada, pág. 906.

A lei consagra, assim, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2, do Código Civil.

 Manda ainda a lei, art. 564º, nº2, do Código Civil, atender aos danos futuros, desde que previsíveis, formulação que abrange os danos emergentes plausíveis.

O n.º3, do art. 566º do Código Civil, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível, face, mormente à imprecisão dos elementos de cálculo a atender, fixar o valor exacto dos danos.

“É entendimento pacífico entre nós que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida – cfr. Acs. STJ de 17/2/92, in BMJ, 420, 414, de 31/3/93 in BMJ, 425, 544; de 8/6/93 in ACSTJ, II, 138; de 11/10/94 in ACSTJ, II, 8916/3/99 in ACSTJ, I, 167; de 15/12/98 in ACSTJ, III, 155.

No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar, pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a alguns métodos [...].
[…] Contudo, a posição jurisprudencial uniforme é a de que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque "na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que tornam único e diferente" – cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in ACSTJ, I, 129; 5/5/94 in, CSTJ, II, 86; de 28/9/95, in ACSTJ, III, 36; de 15/12/98, in ACSTJ, 111, 155. Note-se, aliás que, esse Ac. STJ de 5/5/94, que, além de outros, divulgou a célebre forma matemática afirma desde logo “que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras”citámos excerto do Estudo Publicado na Revista “Sub Judice”, nº17, 2000, Janeiro/Março, pág.163.

O recurso a fórmulas é, pois, meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido no nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade.

  Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas.

Como, lapidarmente, se pode ler no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.3.97, in CJSTJ, 1997, II, 24:

“Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.

A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou as taxas completas de mortalidade para Portugal, por sexo e ambos os sexos, para o período de referência 2009/2011, no âmbito das quais são disponibilizados os valores da esperança média de vida para 2009/2011. Assim, o valor da esperança média de vida, à nascença, foi estimado em 79,45 anos para ambos os sexos, sendo de 76,43 anos para os homens e de 82,30 anos para as mulheres.

 

Usando os últimos dados da ONU, Portugal ficaria em 23º lugar a nível mundial no que toca à esperança média de vida das mulheres.

Sem dúvida que é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual vai ser o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, a fiscalidade.

Daí que, nos termos do nº3 do art. 566º do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar, com exactidão, a extensão dos danos.


Exposto, sumariamente, o quadro normativo e os ensinamentos doutrinais, há que apreciar o “quantum” indemnizatório devido.

            Como dissemos a indemnização por danos patrimoniais compreende os danos emergentes e os lucros cessantes. 

Nos danos emergentes incluem-se os danos directos.

No caso dos autos do ponto de vista da actividade profissional da Autora, docente profissional, ao tempo do acidente com 40 anos de idade, auferindo o vencimento mensal base de € 1 748,16, pese embora a incapacidade permanente geral de 11 pontos que a afecta, incapacidade compatível com a actividade habitual mas exigindo esforço suplementar, esse facto não implicar a perda de rendimentos laborais, existe um dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

O que está em causa é, pois, o dano biológico na perspectiva de dano patrimonial, que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.

“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.

O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima, afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida. Não obstante a Autora, poder exercer a sua actividade profissional habitual, certo é que as sequelas físicas permanentes que afectam a sua aptidão funcional está comprometida em 11 pontos (IPG). Havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida, a longevidade.

A Autora, ao tempo do acidente tinha 40 anos de idade, já que nasceu em 13.8.1964.

Teria, pelo menos, mais 25 anos de vida activa laboral, tendo em conta a idade da reforma que ronda os 65 anos, sendo que a tendência aponta para que a idade da reforma seja agravada, exigindo mais tempo de desempenho profissional.

  

Na ponderação da indemnização por dano patrimonial, na perspectiva da penosidade que o tempo agravará no que ao exercício profissional respeita, tendo em conta o dano biológico sofrido, releva que a Autora ficou com sequelas permanentes, como se provou:

“10º - Em consequência do acidente, a Autora sofreu traumatismo da coluna, nas regiões cervical e lombar, com parestesias nos membros superiores.

11ª - Presentemente, a Autora padece de:

a) raquialgias persistentes com episódios frequentes de agudização, sobretudo na região cervical e lombar;

b) dificuldade de concentração e alteração da afectação familiar e social;

c) desisterias persistentes nos membros superiores do corpo;

d) cansaço fácil e sensação de adinamia;

e) perda de actividade lúdica e de dinamismo, com alteração do equilíbrio emocional e físico.

12.° - E apresenta como sequelas:

a) espasmos musculares das goteiras paravertebrais, sobretudo cervical e lombar, determinando-lhe limitação da mobilidade do pescoço e do tronco;

b) frequentes alterações na sensibilidade dos membros superiores e no tronco sem alterações dos reflexos;

c) dor no extremo das mobilidades dos membros e dor à digito-pressão nas inserções musculares dos músculos trapézios e dos músculos da região lombar;

d) cervicalgias de características mecânicas com irradiação para os membros superiores com parestesias bilaterais e falta de força de tipo distal;

e) dores à mobilização do pescoço com dificuldade nas rotações e aos movimentos de flexão/extensão;

f) dorsalgias crónicas e de repetição, agravadas ao esforço e às rotações e nas posições estáticas prolongadas;

g) nevrites intercostais e de repetição;

h) dor esternal crónica de características mecânicas.

“A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima. É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt

“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. Nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.

A incapacidade parcial permanente, afectando ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais.

Tendo em conta o rebate profissional presente e futuro destas sequelas na vida profissional cujo exercício será mais penoso, e na longevidade da Autora, atenta a expectativa de vida, afigura-se-nos justa e equitativa a indemnização pelo dano patrimonial de € 50 000,00 – nº3 do art.566º do Código Civil.

Quanto aos danos não patrimoniais.


Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
               2. (...)

             3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Danos não patrimoniais – são os prejuí­zos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compen­sados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501:

“O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.

 E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.


Neste sentido pode ver-se, “inter alia”, o Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.96, in BMJ 460-444:

            “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.

No caso que nos ocupa, foi violada a integridade física da Autora que viu o acidente causar-lhe danos corporais de gravidade que deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível corporal.

O dano não patrimonial não exprime uma verdadeira indemnização que se meça pela teoria da diferença, mas antes uma compensação em dinheiro que visa, não “reparar o preço da dor”, mas ser um lenitivo para o sofrimento moral e físico que a vivência do acidente e as suas consequências, como os tratamentos médicos e medicamentosos, a perturbação e alteração do padrão de vida implicam; a recordação tantas vezes traumática do evento que deixou sequelas não só físicas como também psicológicas, sobretudo quando alteram padrões comportamentais e afectam o modo de vida, mormente, causando stress e desgosto que a memória não apaga.

Releva nesta perspectiva o ter-se provado que:

A Autora usou durante sete meses um colar cervical, fez numa primeira fase, 29 sessões de fisioterapia. Em Março e Abril de 2006, fez mais 18 sessões de fisioterapia. Fez 15 sessões de laser. Apresenta sintomas de ansiedade e depressão compatíveis com o diagnóstico de perturbação de stress pós traumático, consecutivo a acidente de viação, estando para tal medicada. Em consequência do acidente, a Autora esteve sob vigilância e tratamento médico, tendo a consolidação médica das lesões ocorrido a 15 de Fevereiro de 2008. As sequelas do acidente determinam, para a Autora, uma incapacidade permanente geral de 11 pontos, compatível com as actividades habituais, mas implicando esforços suplementares. 

Por causa do sinistro, a Autora passou a ter que tomar, diariamente, medicação, o que vai suceder pelo resto da sua vida.

Antes do sinistro era uma pessoa saudável, robusta e alegre. 

A Autora tem desgosto pelas sequelas do acidente.

Sendo patente que o acidente causou à Autora sofrimento moral e que as sequelas psicológicas do acidente se manterão, pense-se no stress post traumático, cansaço fácil e sensação de adinamia, perda de actividade lúdica e de dinamismo, com alteração do equilíbrio físico e emocional, além do desgosto pelas sequelas do acidente, as dores sofridas e na dificuldade que sentirá no seu quotidiano, por causa do agravamento da sua qualidade de vida, afigura-se-nos equitativa a compensação de € 30 000,00.

Sobre o montante total arbitrado – € 80 000,00 – acrescerão juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo reembolso – arts. 804º, nº1, 805º, nº2, al. b) e nº3, 806º, nºs 1 e 2, e 559º do Código Civil.

Sumário – art. 713º, nº7 do Código de Processo Civil.

1. O caso de força maior como excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma acção do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza, que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência. Já ao caso fortuito se liga uma ideia de imprevisibilidade mas que se tivesse sido previsto poderia ter sido evitado.

2. No caso dos autos, do ponto de vista da actividade profissional da Autora, docente profissional, com 40 anos ao tempo do acidente, auferindo o vencimento mensal base de € 1 748,16, pese embora a incapacidade permanente geral de 11 pontos que a afecta, incapacidade compatível com as actividades habituais, mas implicando esforços suplementares, o facto das sequelas não implicarem a perda de rendimentos laborais, importa que sejam consideradas como dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

3. O que está em causa é, pois, o dano biológico na perspectiva de dano patrimonial, que implica que se atenda às repercussões que a lesão causa à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.

 4. O dano não patrimonial não exprime uma verdadeira indemnização que se meça pela teoria da diferença, mas antes uma compensação em dinheiro que visa, não “reparar o preço da dor”, mas ser um lenitivo para o sofrimento moral e físico que a vivência do acidente e as suas consequências, como os tratamentos médicos e medicamentosos, a perturbação e alteração do padrão de vida implicam; a recordação tantas vezes traumática do evento que deixou sequelas não só físicas como também psicológicas, sobretudo quando alteram padrões comportamentais e afectam o modo de vida, mormente, causando stress e desgosto que a memória não apaga.

5. No quadro factual apurado, sopesando as consequências do acidente, afigura-se equitativa a indemnização de € 50 000,00 por danos patrimoniais e € 30 000,00 por danos não patrimoniais.

Decisão:

Nestes termos, na parcial concessão da revista da Autora, revoga-se o Acórdão recorrido, condenando-se a Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.”, a pagar à Autora a quantia global de € 80 000,00 – sendo € 50 000,00 a título de danos patrimoniais – e € 30 000,00 a título de danos não patrimoniais, valor acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo reembolso.

Custas neste Tribunal e nas Instâncias pela Autora e pela Ré, na proporção de vencido.

             Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Dezembro de 2013

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot
[2] “A actual redacção deste artigo foi introduzida pelo art. único do DL n.º14/96, de 6.3, em ordem a adequar o direito interno, que, nos casos de responsabilidade pelo risco em sede de acidentes de viação, negava o direito à reparação dos danos às pessoas transportadas gratuitamente (n.°2 deste art. 504.° na anterior redacção), à Directiva n.°90/232/CEE, de 14.5.1990, a qual determina que o seguro deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor” – “Código Civil Anotado”, de Abílio Neto, 17ª edição em nota ao normativo citado, pág.559.