Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1585/06.3TBPRD.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CASO JULGADO PENAL
VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
CAPACETE DE PROTECÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CONDENAÇÃO "IN FUTURUM"
Data do Acordão: 10/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL - CONTRA-ORDENAÇÕES ESTRADAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / EFEITOS DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações, 6ª Ed., 1º, pp. 571, 599, 601; Das Obrigações, 7ª Ed., pp. 591, 906; Processo Civil, 2ª Ed., p. 682.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 387.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º Vol., p. 288.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, p. 299.
- Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, 3ª Ed., pp. 115.
- Pinto Monteiro, In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, nº1, 1ºano, Setembro, 1992, p. 21.
- Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3ª Ed., p. 209.
- Sinde Monteiro, “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, p. 248.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, AL. A), 483.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.º3, 562.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS2 E 3, 564.º, N.º2, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DA ESTRADA (C.EST.) APROVADO PELO DL Nº 114/94, DE 03.05, COM AS ALTERAÇÕES QUE LHE FORAM INTRODUZIDAS PELOS DL Nº/S 2/98, DE 03.01, DL 265-A/01, DE 28.09, LEI Nº 20/02, DE 21.08 E DL Nº 44/05, DE 23.02: -ARTIGOS 3.º, N.º2, 11.º, N.º2, 12.º, N.º1, 13.º, N.º1, 25.º, N.º1, ALS. C) E F), 44.º, N.º1, 82.º, N.º3 E 93.º, Nº1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º-A.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.06.1991 - BOL. 408º/538;
-DE 18.03.1997 – COL/STJ – 2º/24;
-DE 11.11.1997 – COL/STJ – 3º/132;
-DE 10.02.1998 – COL/STJ – 1º/65;
-DE 28.10.1999 - COL/STJ – 3º/66;
-DE 23.05.2000 – BOL. 497º/298;
-DE 04.10.05 – PROC Nº 05ª2167 – IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 19.12.2006 (REV. Nº 3245/06 – 6ª SECÇÃO), DE 09.11.06 (REV. Nº 3338/06 – 7ª SECÇÃO), DE 10.01.08 (REV. Nº 4486/07 – 2ª SECÇÃO), DE 22.10.09 (REV. Nº 387/04.6TBCBR.C1.S1 – 2ª SECÇÃO) E DE 16.09.10 (REV. Nº 858/06.0TBMTS.P1.S1 – 2ª SECÇÃO);
-DE 04.10.2007 – PROC. Nº 07B2957 – IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 29.01.2008, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 03.03.2009, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 21.06.2011.
Sumário :

I - O preceituado no art. 674.º-A do CPC não contende com a problemática da eficácia do caso julgado penal, antes respeitando apenas à fixação legal, nos termos, aí, consagrados, do valor extraprocessual das provas.
II - Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, o cumprimento da correspondente obrigação não deixa de, reflexamente, proteger quem – como, no caso, a ré-seguradora – esteja legalmente obrigado a ressarcir os danos consequentes de tal falta de uso, porquanto, havendo lesões físicas na zona corporal reservada a tal uso, não pode negar-se um agravamento causal dos inerentes danos provocado pela falta do capacete de protecção, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos.
III - A condenação do segurado em pagamento de quantia que só ocorrerá quando esgotado o pagamento, pela seguradora, do montante do capital seguro não consubstancia condenação condicional, mas, antes, condenação in futurum cujo acatamento ocorrerá apenas quando a respectiva obrigação se vencer.


Decisão Texto Integral:

Proc. nº 1585/06.3TBPRD.P1.S1[1]

               (Rel. 129)[2]

                             Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – AA, representado por sua irmã, BB, instaurou, em 19.04.06, na comarca de Paredes, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra “Companhia de Seguros CC, S. A.” e DD, pedindo a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de € 600 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, e a condenação do último a pagar-lhe a quantia de € 29 666,64, acrescida de juros de mora, à sobredita taxa, também desde a citação até integral pagamento, bem como a pagar-lhe, a título de renda mensal vitalícia, a quantia de € 650,00, conforme alegado nos arts. 31º a 33º da p. i. (petição inicial).

       Subsidiariamente, o A. manifesta a vontade de usar a faculdade prevista no art. 569º do CC, “ex vi” do preceituado no art. 471º, nº1, do CPC, para o caso de não proceder a totalidade (e nos seus termos) do pedido formulado contra a seguradora e, em consonância, serem os RR. condenados:

                                                       /

 

I – A 1ª R. a pagar a quantia que vier a ser arbitrada, a título dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados de 20º a 30º, 34º e 36º a 43º da p. i., acrescida dos juros legais e a pagar ao A. a renda mensal e vitalícia de € 650,00 pelos danos referidos em 31º a 33º da p. i., até que aquela indemnização e esta renda perfaçam a quantia de € 600 000,00;

II – O 2º R. a pagar a renda mensal e vitalícia de € 650,00 pelos danos referidos em 31º a 33º da p. i., a partir da data em que a 1ª R. esgote o pagamento pedido no nº anterior, ou seja, o capital seguro de € 600 000,00.

       Fundamentando a respectiva pretensão e após esclarecer que, em consequência do acidente versado nos autos, está totalmente incapacitado de reger a sua pessoa e bens, o que lhe impõe a sobredita representação processual, o A. descreve o mencionado acidente, ocorrido no concelho de Paredes, identificando os respectivos intervenientes, imputando a culpa exclusiva da respectiva eclosão e verificação ao condutor do veículo matrícula ...-GH, seguro na R. e enunciando os danos por si sofridos, liquidando quer os patrimoniais, quer os não patrimoniais.

       A R. contestou, descrevendo o acidente de modo a concluir que a culpa da respectiva eclosão/verificação foi, exclusivamente, do AA, aditando que desconhece a dimensão e relevo das invocadas lesões daquele e reconhecendo a existência do seguro, limitado ao montante de € 600 000,00.

       O R. contestou, igualmente, impugnando a versão do acidente fornecida pelo A. e contrapondo que o embate se deu por exclusiva culpa do AA, desconhecendo os danos por este sofridos e a sua real dimensão.

       Replicou o A., reiterando o, inicialmente, alegado e peticionado e acentuando que, então, usava capacete de protecção.

       O Hospital de S. João (Fls. 144) pediu a sua intervenção e o pagamento da quantia de € 10 033,84, relativa a assistência prestada.

       O Hospital Padre Américo (Fls. 153) pediu também a sua intervenção e o pagamento da quantia de € 1 410,55 e juros, também por assistência prestada.

       Foi proferido despacho saneador, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.).

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida sentença em que se decidiu:

                                                     /

--- a) – Condenar a R., “Companhia de Seguros, CC, S. A.” a pagar ao A., AA, a quantia de € 240,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo (sic) salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser actualizado, em conformidade com a taxa de inflação;

--- b) – Condenar a mesma R. a pagar ao A. a quantia de € 60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser actualizado, em conformidade com a taxa de inflação;

--- c) – Condenar a mesma R. a pagar ao A., a quantia de € 401,30, pela incapacidade total sofrida desde 12.12.05 até 03.02.06, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;

--- d) – Condenar a mesma R. a pagar ao A. a quantia de € 51 000,00, pela incapacidade parcial permanente sofrida, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;

--- e) – Condenar a mesma R. a pagar ao A. a quantia de € 21 000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados a partir da presente data até integral pagamento;

--- f) – Condenar a mesma R. a pagar ao interveniente, “Hospital de S. João, E.P.E.”, a quantia de € 6 020,30, não se condenando no pagamento de juros, uma vez que tal não foi peticionado;

--- g) – Condenar a mesma R. a pagar ao interveniente, “Hospital Padre Américo, Vale do Sousa, E.P.E.”, a quantia de € 846,33, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da R. até integral pagamento;

--- h) – Absolver a mesma R. do restante pedido;

--- i) – Absolver o R., DD, do pedido.

       Tendo apelado o A. e a R.-seguradora, a Relação do Porto, por acórdão de 01.10.12, na parcial procedência de ambos os recursos, alterou o decidido na 1ª instância, substituindo o dispositivo da sentença pelo seguinte:

                                                    /

I – Condenou a R.-seguradora a pagar, até ao limite do capital seguro (€ 600 000,00):

                                                    /

--- a) – Ao A. a quantia de € 240,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário (sic) que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser actualizado, em conformidade com a taxa de inflação;

--- b) – Ao A. a quantia de € 60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser actualizado, em conformidade com a taxa de inflação;

--- c) – Ao A. a quantia de € 401,30, pela incapacidade total sofrida desde 12.12.05 até 03.02.06, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;

--- d) – Ao A. a quantia de € 72 000,00, pela incapacidade parcial permanente sofrida, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;

--- e) – Ao A. a quantia de € 27 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, contados a partir da data da decisão da 1ª instância e até integral pagamento;

--- f) – Ao interveniente, “Hospital de S. João, E.P.E.”, a quantia de € 6 020,30;

--- g) – Ao interveniente, “Hospital Padre Américo, Vale do Sousa, E.P.E.”, a quantia de € 846,33, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da R. até integral pagamento;

                                                        /

II – Absolveu a mesma R. do restante pedido; e

                                                        /

III – Condenou o R., DD, no pagamento ao A. da quantia de € 240,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário (sic) que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, e da quantia de € 60,00 mensais, ambas no valor, anualmente, actualizado de acordo com a taxa de inflação, se e quando, pelo conjunto dos pagamentos feitos pela R.-seguradora, se venha a demonstrar esgotado o capital seguro (de € 600 000,00).

       Ainda inconformado, interpõe o A.– a R.-seguradora desistiu da revista subordinada por si interposta – o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                   /

1ª – A circunstância de a R./Recorrida Seguradora não ter sido interveniente na acção penal, tal não lhe confere a condição de "terceiro" nestes autos cíveis para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, não lhe sendo assim conferida a possibilidade de ilidir a presunção estabelecida nesta norma.

2ª – Desde logo porque processo penal português é um processo sem partes, não se pode dizer que "terceiro" para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, é aquele que não foi parte na acção penal. Ao que acresce que,

3ª – Dispondo o Art. 1º n° 1 Dec. Lei 522/85 de 31 de Dezembro (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) sob a epígrafe de "da obrigação de segurar" que: "Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade", a responsabilidade da seguradora é tão só por substituição, a mesma responsabilidade do civilmente responsável pela reparação ou seja, a seguradora responde em vez e na vez do segurado.

4ª – E sendo a mesma responsabilidade, no caso da existência de sentença penal condenatória essa responsabilidade já está inilidivelmente definida.

5ª – E que se assim não fosse, numa situação como a dos presentes autos em que simultaneamente são demandados o responsável civil (arguido já condenado) e a seguradora, poderia o Tribunal vir a ser colocado na posição de ter de apreciar duas responsabilidades fundadas numa só conduta de um mesmo agente, a do responsável civil/arguido já definitivamente estabelecida pela acção penal, e a da respectiva seguradora como garante do responsável civil/arguido que até poderia, em teoria, (ilidindo a presunção em todo ou em parte) provar a ausência de responsabilidade do responsável civil/arguido.

6ª – Estaríamos assim perante uma evidente distorção do princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7º do CPP, impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa, bem como do principio da adesão consagrado no art. 71° do CPP, para já não falar na segurança e certeza das decisões judiciais.

7ª – Conhecendo o tribunal no âmbito do processo penal dos factos que constam da acusação que consequentemente são coincidentes com os originam a responsabilidade civil no que se refere à caracterização do acto ilícito, à acção cível caberá só o conhecimento e a definição do prejuízo reparável.

8ª – E não se diga que estamos aqui a violar o princípio do contraditório da Seguradora. É que a seguradora não pode contraditar um dos pressupostos da responsabilidade - a culpa- quando esta judicial e definitivamente já se encontra estabelecida, sob pena de admitirmos uma revisão encapotada e ilícita da decisão penal.

9ª – De facto, sendo o juízo de culpa um juízo de censura, um juízo de desvalor dirigido ao agente, pela atitude que este expressa na prática de um determinado facto (quando lhe foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia com o direito em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito), é nessa medida um juízo individualizado ( tendo implícita a imputabilidade), indissociável da pessoa concreta. Por isso o juízo de censurabilidade terá que ser uno e logo não passível de pluri-abordagens. Digamos que à Seguradora estará aberto o princípio de contraditório em todos aqueles aspectos da responsabilidade civil que não sejam pessoais do segurado (danos, o alcance dos danos etc, etc.).

10ª – Temos assim que a R./ Seguradora, mormente no que diz respeito à culpa, já definida em acção penal, não é terceiro para efeitos do art. 674- A do Código de Processo Civil e nessa medida não podendo ilidir a presunção desta norma, deve responder com base na culpa exclusiva do R./Recorrido DD na acção crime e não com base em concorrência de culpas.

10ª (sic) – Porém, sem prescindir, mesmo que por mera hipótese se viesse a entender que a R./Recorrida Seguradora é terceiro para efeitos do art. 674- A do Código de Processo Civil, sempre teríamos de concluir que não logrou ilidir a presunção estabelecida pelo art. 674-A do CPC e que bem pelo contrário ficou demonstrada a culpa exclusiva do R./Recorrido DD na verificação do acidente.

11ª – Apontando o Acórdão recorrido sinistrado representado pela Recorrente três "faltas estradais" - circulação sem luzes, falta de capacete de protecção e circular com o ciclomotor com o motor desligado - para se decidir pela concorrência de culpas e penalizá-lo com 40% de responsabilidade no acidente, o certo é que nenhuma destas pretensas "infracções" teve interferência directa no acidente.

12ª – Desde logo a falta de iluminação do veículo do Sinistrado não contribuiu nem teve interferência no acidente porque, o local tem iluminação pública; não é o local, nos termos artigo 19.° Código da Estrada, um local onde a visibilidade é reduzida ou insuficiente pois os condutores podem avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m; e finalmente porque como se refere na decisão penal," não resulta da matéria de facto dada por assente que a falta de luzes do ciclomotor conduzido pelo mesmo AA esteve, causalmente, na origem do acidente em questão”.

13ª – Por outro lado, também a falta de uso de capacete de protecção também em nada contribuiu para o acidente, pois não ficou provado e é impossível saber em que medida, a falta de capacete foi determinante para as lesões sofridas pelo Sinistrado. De resto sendo esta questão uma questão de nexo de causalidade, com ela se relaciona a questão de saber se a falta de capacete contribuiu de maneira invencível para as lesões sofridas pelo Sinistrado. Ora não é possível afirmar, com toda a segurança, que todas as lesões traumáticas crâneo-encefálicas sofridas pelo Sinistrado seriam evitadas pelo uso de capacete de protecção, devidamente colocado na cabeça.

14ª – Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (condutor de um automóvel que o abalroou) não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à protecção da vítima.

15ª – O uso de capacete imposto aos condutores e passageiros de motociclos e velocípedes visa a sua protecção física e não afastar dos causadores de acidentes a responsabilidade pelos danos sofridos por aqueles, quando não sejam portadores de tal utensílio de protecção".

16ª – Finalmente o Acórdão, para imputar uma parcela de culpa ao Sinistrado, aponta-lhe facto de circular com o motor desligado. Também aqui não assiste qualquer razão. É que não existe qualquer norma no código da estrada que imponha a obrigatoriedade aos ciclomotores de circularem com o motor ligado sendo que nada impede que um ciclomotor circule desligado tal como um velocípede. Circular o ciclomotor com o motor desligado não constitui contra-ordenação estradal.

17ª – Como quer que seja, não se provou qualquer nexo de causalidade entre a falta de iluminação do ciclomotor, a não utilização de capacete de protecção e a circulação com o motor desligado e a verificação do acidente. Competiria assim à Recorrida seguradora provar que caso o Sinistrado circulasse com luzes ou com o motar ligado o acidente não teria ocorrido ou caso usasse capacete as lesões não teriam ocorrido. Ora não foi efectuada tal prova.

18ª – É que tendo a responsabilidade civil como pressuposto a prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, sempre que tal responsabilidade possa ser partilhada, aquele que pretenda aproveitar-se da divisão de responsabilidades, terá de provar o nexo de causalidade entre o facto(s) ilícito da vitima e os danos por ela sofridos.

19ª – Pelo contrário, com maior ou menor preponderância, na génese e causa do acidente estiveram as 4 infracções estradais praticadas pelo R./Recorrido DD que exclusivamente com o seu comportamento :

-Desrespeitou pelo sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem que lhe impunham um especial cuidado na condução no local (alínea G dos factos assentes)

-Desrespeitou pela linha longitudinal continua marcada no pavimento.

-Circulou fora da sua hemi-faixa de rodagem

-circulou com excesso de velocidade.

20ª – E se é certo que todas estas infracções contribuíram para a ocorrência do acidente uma- a circulação fora da sua hemi-faixa de rodagem- foi a causal e determinante. É que poderia o R./Recorrido DD ter praticado todas contra-ordenações que lhe são apontadas, como também o Sinistrado poderia ter praticado todas as pretensas contra-ordenações que lhe são assinaladas, que nunca o acidente teria ocorrido se não fosse o simples facto (contra-ordenação) de o segurado conduzir fora da sua mão, pela faixa destinada ao Sinistrado.

21ª – Foi esta contra - ordenação (circulação fora de mão) que fez com que ambos os veículos se encontrassem num ponto e foi sem dúvida a contra-ordenação causal do acidente.

22ª – De resto o MM° Juiz que proferiu a sentença condenatória penal junta a fls 254 lapidarmente chega a essa conclusão quando refere "Assim, tivesse o arguido conduzido com as cautelas que se lhe impunham, designadamente com velocidade mais moderada e ocupando exclusivamente a hemi-faixa de rodagem que lhe estava destinada, e seguramente não teria colhido o ciclomotor tripulado pelo aludido AA, não obstante este conduzir com o motor e as luzes de tal ciclomotor desligados. "

23ª – Pelo que a responsabilidade na verificação do acidente é de imputar única e exclusivamente ao Segurado da Recorrida Seguradora

24ª – Assim partindo do pressuposto de que a responsabilidade do acidente em questão nos autos coube exclusivamente ao R./Recorrido DD, entende o A./Recorrente que os montantes indemnizatórios arbitrados na sentença recorrida são manifestamente desajustados face aos danos sofridos.

25ª – De qualquer forma o cálculo dos montantes indemnizatórios deverá ser efectuado com base na culpa exclusiva do R./Recorrido DD e de acordo com o a seguir exposto:

26ª – As rendas mensais e vitalícias objecto das alíneas a) e b) da decisão devem ser calculadas com base na culpa exclusiva do R/Recorrido DD e não com base na concorrência de culpas. Por outro lado,

27ª – É indiscutível que a incapacidade física do Sinistrado se reflecte em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exactidão, pelo que o cálculo da indemnização há-de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (art. 566°, nº/s 1 e 3, do CC).

28ª – O Acórdão recorrido deveria ter tomado por base o rendimento anual do Sinistrado à data do acidente, o seu grau de incapacidade parcial geral, a sua idade e aos demais vectores acima referidos e assim fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez, de tal forma que o valor encontrado correspondesse a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinguisse no final do período provável de vida do Sinistrado.

29ª – Tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial geral do Sinistrado, valorizada em 76 pontos mas que de facto é de 100 pontos pois não tem condições para fazer o que quer que seja nem cuidar de si (até está interdito), a sua idade (em 12/12/2005, tinha 37 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 37 anos de vida activa, tomando como referência a remuneração salarial mensal (média)) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, € 385,90), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida activa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos € 300 000,00.

30ª – Poder-se-ia dizer que a este valor haveria que reduzir alguma percentagem, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, já que o Sinistrado vai receber de uma só vez todo o capital. Todavia, no caso concreto, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à actual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas, entendemos não dever efectuar qualquer abatimento.

31ª – Deveria por isso o Acórdão recorrido ter fixado, no mínimo em € 300 000,00 o montante indemnizatório pelo dano patrimonial decorrente da IPG.

32ª – 0 que tanto mais se justifica, pois o Acórdão lavrou em erro, já que, embora tenha ficado provado que o Sinistrado apresenta uma IPG de 76 pontos, a final o Acórdão condena apenas pela IPP

33ª – Ora, IPP e IPG são conceitos distintos, pois a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) avalia a vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, enquanto a Incapacidade Permanente Geral (IPG) avalia a afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional sobre o chamado rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da actividade profissional, se implicam ou não esforços complementares, podendo os danos em causa serem ressarcidos no âmbito dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, conforme os casos concretos.

34ª – Podendo a incapacidade permanente geral (IPG) ser igual ou diferente (inferior ou superior) à incapacidade permanente parcial (IPP) não restam dúvidas no presente caso que a IPG é manifestamente superior à IPP pois a repercussão das consequências do acidente nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas do sinistrado foi brutal.

35ª – De facto será difícil imaginar que grau de capacidade residual dispõe uma pessoa que não consegue trabalhar nem na sua profissão nem em qualquer outra da sua área de preparação, que precisa de quem o auxilie na execução das tarefas mais básicas da sua vida como seja a limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões, que perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família e que até foi declarado interdito por sentença e por isso precisa de ser tutelado.

36ª – Considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate (o autor foi projectado sobre o pára-brisas do GH e depois sobre o solo); as graves moléstias e as dores físicas (avaliadas em 4, numa tabela de grau 7); o sofrimento moral inerente à hospitalização (esteve internado cerca de 2 meses), as várias intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o longo período de recuperação, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas (que se poderá traduzir num aumento da sua IPP) e a perda de alegria de viver pois inclusivamente perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família, afigura-se-nos que será equitativo fixar em € 50 000,00, a indemnização pelo dano não patrimonial (reportado à data da sentença).

37ª – Revogando-se o Acórdão recorrido e proferindo-se Acórdão que acolha as conclusões precedentes condenando nessa medida a R/Recorrida Seguradora,

SE FARÁ JUSTIÇA.

       Contra-alegando, defende a recorrida-seguradora a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                     /

1 – No dia 12 de Dezembro de 2005, pelas 00H30, na Rua da Cavada do Monte, que liga Mouriz a Cete, em frente ao restaurante “O Brasileiro”, freguesia de Mouriz, em Paredes, ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “...-GH”, tripulado pelo 2º R., e o ciclomotor de matrícula “2-PRD 41-09”, tripulado pelo A (A);

2 – O "GH” seguia no sentido Cete-Mouriz (B);

3 – No local, a estrada configura uma curva para a direita atento o sentido Mouriz-Cete (C);

4 – A faixa de rodagem está dividida em duas hemi-faixas por uma linha longitudinal contínua, marcada, a branco, no pavimento (D);

5 – O piso é em alcatrão e encontrava-se seco, sem óleo ou areia (E);

6 – O local tem iluminação pública (F);

7 – À data, e imediatamente antes do local da colisão para quem segue no sentido Cete-Mouriz, existia um sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem (G);

8 – O parque de estacionamento do restaurante “o Brasileiro” fica situado à direita do seu sentido de marcha (H);

9 – O A. nasceu, em 13.04.68 (I);

10 – À data, a responsabilidade pelos danos resultantes da circulação do “GH” encontrava-se transferida para a R-Seguradora, até ao capital de € 600 000,00, conforme titulado pela apólice de seguro nº 609225243 (J);

11 – O “PRD” saiu do parque de estacionamento do “Café Brasileiro”, de forma enviesada/oblíqua, para a sua esquerda, no sentido de Cete e quando se encontrava a circular a meio da via e se preparava para entrar na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Mouriz – Cete, surgiu o veículo “GH”(1º e 9º);

12 – O 2º R. circulava sobre o eixo da via e, por via disso, ocupava, parcialmente, a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Cete – Mouriz (2º e 7º);

13 – Circulava a velocidade não inferior a 60 Km/h (3º e 8º);

14 – O embate ocorreu entre a frente esquerda do veículo “GH” e a roda da frente do “PRD”, a 3 metros do limite da faixa de rodagem direita, atento o sentido Mouriz – Cete (4º e 5º);

15 – Após o embate, o A. foi projectado sobre o pára-brisas do “GH” e, depois, sobre o solo (11º);

16 – O “PRD” seguia, sem luz, e circulava sem ter accionado o motor, aproveitando o declive natural da estrada (12º);

17 – O A. circulava sem capacete de protecção (13º);

18 – No local da colisão, a estrada tem 8,10 metros de largura (14º);

19 – Em consequência da colisão, o A. sofreu as seguintes lesões:

a) TCE grave (Glasgow 5);

b) Politraumatismos;

c) Edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorragia subaracnoideia;

d) Fracturas, na face;

e) Fractura, com afundamento dos ossos, da face do lado esquerdo;

f) Hidrocefalia;

g) Múltiplas escoriações pelo corpo (15º);

20 – Por causa das lesões referidas, o A. foi assistido pelo INEM, no local do acidente (16º);

21 – Foi transportado, de imediato, ao “Hospital de S. João”, no Porto (17º);

22 – Esteve internado, no “Hospital de S. João”, na UCI, até ao dia 31.12.05 (18º);

23 – Nessa data, foi transferido para o serviço de Neurocirurgia do mesmo Hospital (19º);

24 – O A. apresentava hidrocefalia com sinais de actividade (20º);

25 – Por tal facto, foi operado, nesta unidade hospitalar, em 06.01.06, para colocação de Shunt ventríluco peritonial de média pressão à direita, com anestesia geral (21º);

26 – Teve alta do Hospital de S. João, em 19.01.06 (22º);

27 – Nesse dia, foi transferido para o “Hospital Padre Américo – Vale do Sousa”, onde permaneceu, até ao dia 03.02.06 (23º);

28 – Em 03.02.06, foi transferido para o “Hospital da Misericórdia de Penafiel” (24º);

29 – O A. realizou tratamentos de fisioterapia e recuperação (25º);

30 – O A. apresenta assimetria do rosto, com afundamento da hemiface direita e desvio da comissura labial e do nariz, para a direita, e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço (27º);

31 – O A. teve uma incapacidade geral total, desde 12.12.05 até 03.02.06 (54 dias), e apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional (28º);

32 – O A. trabalhava, como trolha, para EE (29º);

33 – Auferia, mensalmente, quantia não concretamente apurada, mas não inferior ao ordenado mínimo nacional (30º);

34 – O A. necessita e necessitará, para o resto da vida, de uma pessoa que o auxilie na execução das tarefas de limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões (34º e 35º);

35 – Para ter uma pessoa que o acompanhe, terá de pagar a quantia de € 400,00/mês (36º);

36 – O A. necessitará de acompanhamento médico e medicamentoso, tendo de suportar despesas não concretamente apuradas (37º e 38º);

37 – O A., em 27.03.93, esteve internado, no Hospital de S. João do Porto, após traumatismo crânio-encefálico, tendo ficado com sequelas de “contusão cerebral frontal esquerda” (39º);

38 – Era pessoa alegre e bem disposta (40º);

39 – Os tratamentos a que o A. teve de se submeter causaram-lhe dores, tristeza e medo (41º);

40 – Dores que se mantêm e irão manter, no futuro, nos locais lesionados, sempre que há mudança de tempo (42º);

41 – O A. perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família (43º);

42 – Está deprimido e triste, sem gosto pela vida (44º);

43 – O “Hospital de S. João, E.P.E.” prestou ao A. os actos de assistência médica discriminados na factura nº 6015096, junta aos autos de fls. 146 a 149 (47º);

44 – O custo da assistência prestada pelo “Hospital de S. João, E.P.E.” ao A. ascende a € 10 033,84 (48º);

45 – O “Hospital Padre Américo, Vale do Sousa, EPE” prestou ao A. os serviços e tratamentos discriminados no processo clínico do doente e na ficha de urgência, na nota de alta e no relatório médico juntos aos autos de fls. 157 a 160 (49º);

46 – O custo total da assistência prestada pelo “Hospital Padre Américo, Vale do Sousa, EPE” ascende a € 1 410,55 (50º);

47 – AA foi declarado interdito, por sentença proferida no Processo nº 1897/06.6TBPRD, que correu termos no 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Paredes, tendo a BB sido nomeada tutora (Doc. de fls. 210 a 216).

                                                                            *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º todos do CPC na pregressa e, aqui, aplicável redacção[3]) –, constata-se que as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso podem, assim, resumir-se:

                                                      /

I – Sentido e alcance do preceituado no art. 674º-A;

II – Determinação da responsabilidade pela eclosão/verificação do acidente de viação versado nos autos;

III – Fixação dos montantes indemnizatórios devidos ao recorrente, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.

       Apreciando:

                                                      *

4I – O recorrente sustenta que o preceituado no art. 674º-A não tem aplicação nos casos em que – como, ora, ocorre – as seguradoras são demandadas civelmente, na sequência de condenação penal dos respectivos segurados com base nos factos consubstanciadores do mesmo sinistro: correr-se-á o risco de prolação de decisões não coincidentes ou, mesmo, entre si contraditórias, reportadamente a uma mesma e única ocorrência.

       Não tem, porém, razão o recorrente, como nos parece óbvio e já vem, exaustiva e adequadamente, demonstrado das instâncias.

       Desde logo, porque aquele comando legal apenas estatui que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.

       Depois, porque, muito embora a inserção sistemática e epígrafe do preceito possam desencaminhar o intérprete e aplicador da lei para o campo do instituto processual do caso julgado, a verdade é que o mesmo não contende com a correspondente problemática, mas tão só com a da fixação legal do valor extraprocessual das provas.

       Como, a propósito, expende o Cons. Rodrigues Bastos[4]: “Os arts. 153º e 154º do CPPen. de 1929 regulavam especificadamente a eficácia, em acção cível, das sentenças, condenatórias e absolutórias, proferidas em acções penais (…) O CPPen. de 1987, actualmente em vigor, não contém essa regulamentação, limitando-se a dispor, no seu art. 84º, que «a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis» (…) Ficou, assim, por determinar a eficácia a atribuir às decisões penais, condenatórias ou absolutórias, de ilícitos penais, que sejam também fontes de direito a indemnização por responsabilidade civil quando os pedidos respectivos não tenham sido formulados na jurisdição criminal, no enxerto da acção civil ali permitido, mas não obrigatório (…) Foi para preencher essa lacuna na lei que o legislador veio aditar ao CPC estes arts. 674º-A e 674º-B. (…) O art. 674º-A regula o caso de ter havido condenação pelo ilícito criminal e não ter sido exercido, nessa acção, o direito de pedir a indemnização (…) Que eficácia deve atribuir-se a esse caso julgado na acção cível que venha subsequentemente a propor-se? (…) Ao contrário do que acontecia com a lei anterior – segundo a qual a decisão condenatória definitiva constituía caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes – presentemente a decisão condenatória transitada constitui apenas presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e às formas do crime (arts. 10º a 30º do C. Pen.) (…) Se uma pessoa for condenada com trânsito, por exemplo, como autor de um homicídio por negligência, não tendo sido apreciada a questão da responsabilidade civil decorrente desse facto, nem por isso, na acção cível que venha a propor-se, poderá ter-se como apurada a culpa por parte do devedor, gozando o credor a esse respeito de uma presunção juris tantum de que o autor do facto agiu com negligência, presunção que pode, portanto, ser ilidida”.

       Aliás, no Preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12 – que aditou ao CPC aquele comando legal –, pondera-se, a propósito: “No que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do CPPen. de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria”.

       Como se doutrinou no Ac. deste Supremo, de 23.05.00 (Cons. Tomé de Carvalho) – BOL. 497º/298 – “…a sentença penal que condenou o segurado não constitui caso julgado em relação à seguradora, na qualidade de terceiro (…) Com efeito, as personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem e como esta nenhuma intervenção teve na acção penal tem de considerar-se um terceiro (…) Não tendo hoje eficácia erga omnes a decisão penal condenatória, por se encontrar revogado o CPPen. de 1929, sendo, portanto, inaplicável o seu art. 153º, a condenação criminal da segurada constitui apenas, em relação à seguradora na acção civil conexa, como terceiro, uma presunção ilidível”.

       Não divergindo desta doutrina a correspondente posição sedimentada neste Supremo e de que, a título de mero exemplo, mencionaremos os Acs. de 19.12.06 (Cons. Azevedo Ramos) – Rev. nº 3245/06 – 6ª Secção -, de 09.11.06 (Cons. Alberto Sobrinho) – Rev. nº 3338/06 – 7ª Secção –, de 10.01.08 (Rev. nº 4486/07 – 2ª Secção), 22.10.09 (Rev. nº 387/04.6TBCBR.C1.S1 – 2ª Secção) e 16.09.10 (Rev. nº 858/06.0TBMTS.P1.S1 – 2ª Secção), todos relatados pelo Cons. Oliveira Rocha, no último se tendo considerado que “O que está em causa no art. 674º-A do CPC não é a eficácia do caso julgado penal, mas a definição da eficácia probatória legal extraprocessual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, com recurso ao estabelecimento de uma presunção da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, invocável em relação a terceiros em qualquer acção de natureza cível em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a própria infracção, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes”.

       Evidenciando-se, pois, a total ausência de fundamento legal da posição a propósito sustentada pelo recorrente, a qual nem nos parece defensável, sequer, numa perspectiva de jure condendo ou constituendo, uma vez que e entre o mais:

--- Faz tábua rasa do elementar princípio do contraditório, trave mestra e estruturante de todo o vigente sistema processual civil;

--- Parte do princípio de que não é conferido qualquer valor à anterior decisão penal condenatória, quando ocorre precisamente o inverso, porquanto os factos, aí, havidos por provados beneficiam, à partida, de uma presunção juris tantum, subsistindo e prevalecendo, pois, se não ilididos mediante prova em contrário (art. 350º, nº2, do CC);

--- O que determina a formação da convicção do julgador cível é o conjunto da prova perante si produzida, não estando, à partida, excluído que aquela seja no sentido da confirmação do veredicto proferido na acção penal, caso não sobrevenha prova em contrário daquela que subjaz à sobredita presunção. De qualquer modo, seria sempre mais desejável a emissão dum veredicto alcançado com a contribuição e empenhamento de todos os interessados na matéria que a perpetuação duma “verdade” à margem e sem a intervenção de parte dos respectivos interessados…  

       Com o que improcedem as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.

                                                  /

II – A determinação da responsabilidade pela eclosão/verificação do acidente de viação versado nos autos foi, já, correcta e adequadamente, efectuada nas instâncias, em moldes que nos merecem integral concordância, revendo-nos na exaustiva e apropriada fundamentação que culminou na atribuição de 60% e 40% de tal responsabilidade, respectivamente, ao 2º R. condutor do veículo automóvel e ao A. tripulante do motociclo.

       Não obstante, e tendo em consideração que, atenta a data da ocorrência do acidente – 12.12.05 – é aplicável o Cod. da Estrada (C. Est.) aprovado pelo DL nº 114/94, de 03.05, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DD. LL. nº/s 2/98, de 03.01, 265-A/01, de 28.09, Lei nº 20/02, de 21.08 e DL nº 44/05, de 23.02, as contra-ordenações estradais cometidas pelos respectivos intervenientes foram: as previstas nos arts. 3º, nº2, 13º, nº1 e 25º, nº1, als. c) e f) por parte do 2º R.; e as previstas nos arts. 3º, nº2, 11º, nº2, 12º, nº1, 44º, nº1, 82º, nº3 e 93º, nº1, todos do C. Est., por parte do A. Sendo certo que esta enunciação não interfere na determinação da proporção de concorrência naquela responsabilidade, porquanto o que, verdadeiramente, releva, em tal perspectiva, é a contribuição causal de cada uma delas, em termos de causalidade adequada, para a verificação do acidente, a qual, como já referido, se mostra, correctamente, efectuada pelas instâncias.

       Aqui, com uma explicitação que se impõe: discorda-se, com efeito (em sintonia com o que se nos afigura decorrer do douto acórdão recorrido) do entendimento de que a falta de uso do capacete de protecção por parte do tripulante ou passageiro do motociclo só releva quando o acidente é da responsabilidade do condutor do veículo de duas rodas.

       Na realidade, constituindo a finalidade primacial de tal imposição a protecção da integridade física do respectivo obrigado, o cumprimento da correspondente obrigação não deixa de, reflexamente, proteger quem – como, no caso, a R.-seguradora – esteja legalmente obrigado a ressarcir os danos consequentes de tal falta de uso, porquanto, havendo lesões físicas na zona corporal reservada a tal uso, não pode negar-se um agravamento causal dos inerentes danos provocado pela falta do capacete de protecção, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570º, nº1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos.

       Como, além do mais, foi decidido no Ac. deste Supremo, de 29.01.08 (Cons. Fonseca Ramos), acessível em www.dgsi.pt:

                                                   /

“IV – Tendo a Relação, no âmbito da sua competência, socorrendo-se de regras de experiência – presunções judiciais –, concluído que, como as lesões traumáticas do condutor do motociclo ocorreram na cabeça, a falta de capacete agravou as mesmas, sendo esse agravamento de imputar ao malogrado condutor do motociclo, pode o STJ conhecer desta matéria, já que aqui se “caldeou” o uso de presunções judiciais com a questão do nexo de causalidade.

VI - …ante a dificuldade de apurar qual a medida do agravamento da responsabilidade do condutor…, que sofreu lesões na cabeça e conduzia sem capacete de protecção, a questão não deve ser resolvida mediante um aleatório agravamento percentual do seu grau de culpa, devendo esse facto omissivo ser considerado na fixação da indemnização, segundo o critério do art. 494º do CC. Por isso,…ante a culpa concorrente dos protagonistas do acidente (art. 570º do CC), será na indemnização a fixar que se repercutirá a “sanção” para o comportamento omissivo…do condutor do motociclo.”

       Improcedendo, pois, as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.

                                                      /

III - A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º, do CC). Sendo que “dano” é a perda, “in natura”, que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 7ª Ed. – 591).

       Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”, abrangendo não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

       E a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma “diferença - «id quod interest», como diziam os glosadores – entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 906). A lei consagra, assim, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” (art. 566º, nº2, do CC). Não podendo, assim, ser menosprezado o facto de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar consistir, precisamente, na existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador da responsabilidade civil extraobrigacional e o dano verificado (art. 483º, nº1, do CC).

       Manda, ainda, a lei – art. 564º, nº2, do CC – atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis. Sendo que, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (art. 566º, nº3, do CC).

       E, nesta sede, o recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do citado art. 566º, mormente do remissivo para a formulação de juízos de equidade (nº2 do mesmo art. e art. 4º, al. a), ambos do CC). Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas, valendo como métodos indiciários. Como, lapidarmente, se decidiu no Ac. do STJ, de 18.03.97 – COL/STJ – 2º/24 – “os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.    

       Podendo, embora, incorrer no risco de indesejada repetição de quanto fica explanado, entende-se conveniente trazer, aqui, à colação as correspondentes directrizes dimanadas deste Supremo e cuja magistral síntese consta do Ac. de 03.03.09[5], de que foi relator o Ex. mo Cons. Nuno Cameira:

--- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

--- No cálculo desse montante interfere, necessariamente e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

--- As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a ponderação judicial com base na equidade;

--- Deverá ponderar-se o facto da indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; e

--- Deve, preferencialmente, ter-se em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.

       Como se diz no Ac. deste Supremo, de 28.10.99[6], a incapacidade para o trabalho é um dano material que pode assumir três aspectos diferentes:

       O primeiro é a incapacidade funcional do corpo humano ou de um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo, diferente do seu sentido estritamente médico). Está aqui em causa uma alteração funcional da pessoa que afecta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada actividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo imperfeito, deficiente ou doloroso. É o caso de quem fique privado de um número significativo de dentes, afectando o órgão da mastigação.

       O segundo é a incapacidade para o trabalho em geral.

       O terceiro é a incapacidade para o trabalho profissional do lesado, em particular.

       Por outro lado, no que respeita aos danos futuros derivados da incapacidade permanente parcial, podem colocar-se várias hipóteses: a) – o lesado ficou com uma certa percentagem de incapacidade, mas totalmente incapacitado de trabalhar no seu ofício e não é possível reconvertê-lo; b) – na mesma situação, é possível reconverter o lesado a outra actividade, sem diminuição salarial; c) – a situação anterior, mas com diminuição de salário; d) – a incapacidade permanente parcial reflecte-se no trabalho nessa mesma percentagem.

       Sendo que, na hipótese prevista na al. c), na fixação do quantum indemnizatório, há que atender à diferença para o salário anterior, tendo em conta o período provável de vida activa profissional.

       Mas, paralelamente e em alguns casos, há que ter em consideração o denominado dano biológico, o qual se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na qualidade de vida de quem o sofre[7].

       Não se trata de danos morais, mas de danos materiais indirectos que impedem ou limitam o exercício de determinadas actividades, sendo que, como se expendeu no Ac. deste Supremo, de 21.06.11 (não publicado, ao que se supõe, e de que foi relator o Ex. mo Cons. Fonseca Ramos), a indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima, aí se citando, a propósito, o estudo do Prof. Sinde Monteiro intitulado “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, com a distinção, aí (pags. 248), operada entre o “dano biológico” e o “dano moral”.

       Na mesma linha de pensamento se situando o Ac. deste Supremo, de 04.10.07 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt, onde se defende que “O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial.

       A tudo atendendo e convocando-se, aqui, para o efeito, a relevante factualidade provada – designadamente, a acolhida em 24, 26 a 28 e 31 a 36 de 2 supra – consideramos ser de manter, a este título, o montante indemnizatório global de € 120 000,00, a que correspondem € 72 000,00 se tida em consideração a percentagem – 60% – de contribuição do segurado da R. para a eclosão do acidente em apreço.

       Sendo, por outro lado, de manter, igualmente – tendo em consideração a fixada percentagem de concorrência dos intervenientes no acidente para a ocorrência deste e o acolhido em 35 de 2 supra –, os montantes fixados a título de renda mensal vitalícia, actualizáveis em função da taxa de inflação, quer para pagamento a uma terceira pessoa que acompanhe o A., até ao final da sua vida, quer para despesas suportadas pelo A. por via do acompanhamento médico e medicamentoso de que, em consequência do acidente, ficou a necessitar.

                                                      /

IV - Os danos não patrimoniais correspondem aos prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 6ª Ed. – 1º/571).

     Conforme arts. 496º, nº3 e 494º, ambos do CC, em sede de danos não patrimoniais e apesar de se tratar de simples compensação – Cfr., neste sentido, designadamente, Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3ª Ed., pags. 115 e Acs. do STJ, de 11.11.97 – COL/STJ – 3º/132 – e de 10.02.98 – COL/STJ – 1º/65 –, a indemnização não deve ser apenas simbólica e, na sua valorização, é também decisivo o recurso à equidade, sendo de atender ao grau de culpa (dolo ou mera culpa) do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto, designadamente, flutuações do valor da moeda e gravidade do dano. Sendo que o recurso à equidade, por seu turno, não significa o puro arbítrio, mas apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada” – I/599), ou seja, a justiça do caso concreto.

     Simultaneamente, não poderá deixar de ter-se, igualmente, presente a natureza mistareparação do dano e punição (no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado) da conduta do agente lesante – que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais (Neste sentido, Prof. I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 4ª Ed./375 e segs.; Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 601; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, I – 4ª Ed./500; Prof. Vaz Serra, in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105; e Acs. do STJ, de 10.02.98 (supra citado) e de 26.06.91 (Bol. 408º/538). 

       Com efeito, diversos tratadistas acentuam a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.

       Assim, o Prof. Menezes Cordeiro[8] ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”.

       O Prof. Galvão Telles[9] sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

       O Prof. Menezes Leitão[10] destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.

       O Prof. Pinto Monteiro, por seu turno, sustenta[11] que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.

       Ora, transpondo para o caso dos autos os transcritos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais e não olvidando a necessidade de preservar a sempre indispensável justiça relativa, por forma a que quadros factuais idênticos ou similares não despoletem fixação de montantes indemnizatórios entre si contrastantes e não filiados na adopção de critérios, tendencialmente, uniformes, entendemos, igualmente, ser de manter o fixado montante de € 45 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo A., o qual terá, pois, direito a uma correspondente indemnização de € 27 000,00, equivalente a 60% da concorrência de culpa do 2º R. para a eclosão do acidente.

                                                     /

V – A decretada condenação do 2º R. tem de manter-se, porquanto entendemos que, “in casu”, não nos confrontamos com verdadeira condenação condicional, mas, antes, com uma condenação “in futurum” – “decisão condenando o R. a cumprir, mas só a partir do momento em que a obrigação se vencer” (Cfr. Prof. Antunes Varela, in “Man. Proc. Civil”, 2ª Ed., pags. 682), o que, no caso dos autos, só ocorrerá quando a R.-seguradora tiver esgotado o montante do capital seguro – € 600 000,00 –, em pagamentos efectuados ao A.

       Improcedendo, assim, as remanescentes conclusões tiradas pelo recorrente.         

                         

                                                       *

5Sumário:

            I – O preceituado no art. 674º-A do CPC não contende com a problemática da eficácia do caso julgado penal, antes respeitando apenas à fixação legal, nos termos, aí, consagrados, do valor extraprocessual das provas.

           II – Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, o cumprimento da correspondente obrigação não deixa de, reflexamente, proteger quem – como, no caso, a R.-seguradora – esteja legalmente obrigado a ressarcir os danos consequentes de tal falta de uso, porquanto, havendo lesões físicas na zona corporal reservada a tal uso, não pode negar-se um agravamento causal dos inerentes danos provocado pela falta do capacete de protecção, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570º, nº1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos.

         III – A condenação do segurado em pagamento de quantia que só ocorrerá quando esgotado o pagamento, pela seguradora, do montante do capital seguro não consubstancia condenação condicional, mas, antes, condenação in futurum cujo acatamento ocorrerá apenas quando a respectiva obrigação se vencer.

                                                 *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista.

      Custas pelo recorrente.

                                                  /

                                      Lx       /     /     /
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[1]  Processo distribuído, neste Tribunal, em 23.04.13
[2]  Relator: Fernandes do Vale (16/13)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Marques Pereira
   Cons. Ana Paula Boularot
[3]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[4]  In “NOTAS ao CPC”, Vol. III, 3ª Ed., pags. 209.
[5]  In “www.dgsi.pt.”
[6]  In “COL/STJ” – 3º/66
[7]  Ac. deste Supremo, de 04.10.05 – Proc nº 05ª2167 – in www.dgsi.pt
[8]  In “Direito das Obrigações”, 2º Vol. ,pags. 288
[9]  In  “Direito das Obrigações”, pags. 387.
[10] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, pags. 299.
[11] In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, nº1, 1ºano, Setembro, 1992, pags. 21.