Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2344/20.6T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: FACTOS SUPERVENIENTES
FACTOS ESSENCIAIS
CAUSA DE PEDIR
QUESTÃO PREJUDICIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
INVALIDADE
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
DECISÃO FINAL
CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A invocação de factos supervenientes, designadamente, a invocação de factos essenciais novos, leva a concluir que a causa de pedir, é, na presente acção, diferente da causa de pedir formulada na primeira acção, razão pela qual se conclui pela não verificação da excepção de caso julgado.

II. Quanto à autoridade de caso julgado - reconduzindo-se as questões que foram resolvidas no âmbito da acção anterior à validade e eficácia do contrato-promessa e ao direito ao pagamento do sinal em dobro com fundamento em incumprimento contratual, matéria a elucidar, igualmente, no âmbito dos presentes autos - verifica-se a relação de prejudicialidade de que depende a invocação da dita autoridade.

III. Saber se, na presente acção, os réus podem voltar a discutir a matéria de excepção invocada na primeira acção (ineficácia e invalidade do contrato-promessa) é questão não isenta de dúvidas.

IV. Porém, tal efeito preclusivo do caso julgado sempre dependeria de os réus terem ficado vencidos no âmbito do processo anterior, o que não sucedeu, uma vez que as excepções peremptórias foram julgadas improcedentes, tendo, não obstante, a acção improcedido por outros motivos.

V. O referido entendimento justifica-se igualmente pela circunstância de que os réus apenas podiam reagir judicialmente contra uma decisão desfavorável, o que apenas sucederia em caso de procedência do pedido formulado pelo autor, o que, na acção anterior, não ocorreu nem em primeira nem em segunda instância.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo que:

a) Se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e os RR., por incumprimento definitivo imputável aos RR.;

b) Se condenem os RR. a restituir ao A. a quantia de €50.000,00, que receberam do A. a título de sinal;

c) Se condenem os RR. ao pagamento de €50.000,00, correspondente à quantia em dobro que lhes foi entregue a título de sinal, de acordo com o artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil;

d) Se efectue a compensação quanto ao crédito dos RR de €5.425,70;

e) Se condene os RR no pagamento de juros desde a citação até efectivo cumprimento, das custas da acção e demais encargos legais.

Os RR. contestaram, concluindo pela improcedência da acção.

O A. apresentou réplica, na qual respondeu à matéria de excepção invocada na contestação e pediu a condenação dos RR. em multa e indemnização como litigantes de má-fé.

O A. desistiu do pedido de compensação deduzido na petição inicial (alínea d)), tendo tal desistência sido homologada por sentença proferida em 9 de Dezembro de 2020.

Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador destinado a conhecer do mérito da causa nos termos do art. 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC, tendo a acção sido julgada procedente com fundamento, parcialmente, no efeito da autoridade de caso julgado formado com a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 2590/17.... final, foi decidido:

«a) Declarar-se resolvido o contrato-promessa celebrado entre o autor e os réus, por incumprimento definitivo imputado aos réus;

b) Condenar os réus BB e mulher CC a pagar ao autor AA a quantia global de € 100.000,00 (cem mil euros), correspondente à restituição em dobro do sinal prestado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo cumprimento.

Mais se decide condenar os réus como litigantes de má fé no pagamento da multa de 4 Uc, absolvendo-se os mesmos do pedido de indemnização ao autor em virtude dessa litigância de má fé.».

Inconformados, interpuseram os RR. recurso para o Tribunal da Relação do Porto pedindo que a decisão recorrida fosse revogada, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se os RR. do pedido de condenação por litigância de má fé.

Por acórdão de 10 de Janeiro de 2022, considerando-se não verificado o efeito, ainda que parcial, de autoridade de caso julgado, formado com a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 2590/17...., o recurso foi julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e «determinando-se que o processo prossiga para a fase instrutória».


2. Veio o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«- Está em causa a existência da exceção de autoridade de caso julgado, tendo a Relação do Porto decidido que sim e a Relação de Guimarães, decidido que não.

- O tema em discussão em ambos os processos é a existência da autoridade de caso julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

- O acórdão do TRG, já transitou em julgado, uma vez que a revista que sobre ele foi interposta foi rejeitada pelo STJ.

- Para além da mesma questão, as partes e o objeto em discussão, são também as mesmas, pelo que são evidentes os aspetos identitários.

- Para além do acórdão em recurso estar em oposição com o do TRG, existe também um outro proferido pelo TRP 1358/20.0T8PNF-A.P1, em que foi relator, José Igreja de Matos, que também sobre o tema da autoridade de caso julgado, decidiu em conformidade com o do TRG.

- Estamos perante acórdão da Relação do Porto em recurso, que está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pela Relação de Guimarães, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

- Os aspetos da identidade entre acórdãos opostos é manifesta, uma vez que, pelos motivos supra expostos, trata da mesma questão, em que as partes e a causa de pedir são exatamente as mesmas.

- Funda-se a presente revista no disposto no artigo 672º nº 1 al. c) do CPcivil.».

Terminam pedindo que a revista seja admitida e julgada procedente, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.

Os RR. Recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

«A - Os Recorrentes quer na acção anterior, quer na presente, nunca formularam qualquer pedido quanto à validade do contrato-promessa nem quanto à vinculação dos Recorridos ao mesmo.

B - Resulta claro do texto do acórdão do T.R.P. na acção 2.590/17...., que nele não foi apreciada a questão da vinculação dos Recorrentes ao “contrato-promessa”, nem quanto à validade do mesmo, sendo que, como ensina o prof. Manuel Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, 1ª. edição, pág. 324, é no texto da decisão que deve encontrar-se todo o seu sentido e alcance.

C - Tal como bem decidiu na presente acção o Tribunal da Relação do Porto, na anterior acção (2.590/17....) não se conheceu da validade e eficácia do contrato-promessa em sede de dispositivo e o caso julgado, bem como a autoridade do caso julgado, não se formam sobre os factos ou os fundamentos do decidido, mas sim sobre o dispositivo.

D - Apenas se teria formado caso julgado ou autoridade do caso julgado sobre tais questões se, porventura, na anterior acção, a apelação tivesse sido julgada procedente e a ampliação do objecto do recurso requeridas pelos aqui Recorridos tivesse sido conhecida, e não foi.

E - O Tribunal da Relação do Porto, quer na acção anterior, quer na presente considerou que ao ter requerido a ampliação do objecto do recurso, os Recorridos usaram do meio correcto, mais considerando que tendo sido vencedores na acção nº. 2.590/17.... da respectiva decisão não podiam recorrer, o que transitou em julgado.

F - A decisão dos Senhores Juízes Desembargadores no processo nº. 2.590/17...., na parte em que não conheceu da ampliação do âmbito do recurso, porque manteve a improcedência da acção decidida na 1ª. instância, também era inatacável pela via de recurso por parte dos aqui Recorridos, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

G - Não ocorre, pois, qualquer preclusão do conhecimento das questões de que se trata, pois, não chegou a haver, sobre as mesmas, decisão com trânsito em julgado, que só teriam ocorrido se a ampliação do objecto do recurso tivesse sido apreciada.

H - Ao arrimar-se na excepção inominada de autoridade de caso julgado, quer a Mtmª. Juiz em 1ª. instância neste processo, quer a Mtmª. Juiz do processo nº. 4353/20...., do Juízo Central Cível ...-J..., quer o Tribunal da Relação de Guimarães, consideraram como demonstrado o que carecia de demonstração – que o Tribunal da Relação do Porto, no processo 2.590/17...., tivesse decidido, e não decidiu, sobre a validade do contrato-promessa e a vinculação dos Recorridos ao mesmo, o que, aliás, também não lhe fora pedido pelos Recorrentes.

I - Contrariamente ao entendido pelo T. R. Guimarães, no processo nº. 4353/20...., não ocorre qualquer preclusão de direitos dos aqui Recorridos, pelo facto de não terem recorrido, e não o podiam fazer, quer da decisão da 1ª. instância no processo nº.2590/17.... quer da decisão do T.R.Porto que não apreciou a ampliação do objecto do recurso.

J - A decisão do T.R. Porto no referido processo, nº. 2590/17...., transitou em julgado, é anterior ao acórdão do T.R. Guimarães, acórdão este que se limitou a confirmar uma absolvição da instância, e não dos pedidos, pelo que é aquele acórdão, o do TRP, que se impõe na ordem jurídica, ao considerar que os Recorridos não podiam recorrer quer da sentença da 1ª. instância quer da decisão do TRP que não apreciou a ampliação do objecto do recurso (artº. 625º C.P.C.).».


Também os RR. interpuseram recurso de revista, concluindo da seguinte forma:

«A - Os Senhores Juízes Desembargadores, e bem, tal como os Senhores Desembargadores na acção anterior, entenderam que a questão da vinculação dos Recorrentes ao contrato não está decidida, mais entendendo que não ocorre caso julgado nem se verifica a excepção inominada de autoridade de caso julgado.

B - Os Senhores Juízes Desembargadores, e bem, tal como os Senhores Juízes Desembargadores na acção anterior, consideraram que não ocorre qualquer preclusão do direito dos Recorrentes de discutir a sua vinculação ao contrato-promessa e muito menos pelo facto de não terem interposto recurso na acção anterior, recurso que não podiam interpor por terem sido vencedores, questão, a da irrecorribilidade, que foi decidida na acção anterior pelo acórdão da Relação do Porto transitado em julgado.

C - A Mtmª. Juíz de 1ª. instância funda a decisão na excepção de autoridade de caso julgado, sendo que quanto à vinculação dos Recorrentes ao contrato-promessa em dois factos insusceptíveis de os vincular, provados por documento –as duas intervenções do seu anterior mandatário, – e na preclusão dos seus direitos, preclusão que não ocorre.

D - Atentas as conclusões anteriores e a matéria que lhes subjaz o recurso deveria ter julgado a acção improcedente.

E - Da factualidade dos autos não resulta a recusa dos Recorrentes em celebrar a escritura, tanto mais que sempre alegaram que o fariam se convencidos judicialmente de que estavam vinculados ao contrato-promessa e, como resulta da própria decisão em recurso, não estão.

F - Sempre e em qualquer caso, o Recorrido declarou resolvido o suposto contrato sem conversão da alegada mora em incumprimento definitivo.

G - Atentas as conclusões E e F e a matéria em que assentam, também por esta via, o recurso deveria ter julgado a acção improcedente.

F - Atentas as posições das partes no processo, na decisão em recurso deveria ter sido declarada a acção improcedente, pelo que ocorreu erro de julgamento.».


Contra-alegou o A. Recorrido nos seguintes termos:

«1. A revista é inadmissível, face ao disposto nos artigos artigo 631º e 671º do cpcivil, uma vez que para além de o acórdão lhes ter sido favorável, o mesmo não conheceu do mérito da causa ou pôs termo ao processo, nem absolveu nenhuma das partes da instância e também não houve pedido reconvencional.

2. As alegações de recurso, não contém as concretas razões de facto e de direito, pelas quais os Recorrentes entendem que a ação deveria ser julgada a favor deles, sem necessidade de instrução.

3. Jamais os factos articulados, poderiam determinar uma decisão, sem a devida instrução, no sentido que este recurso pretende.

4. Pelo contrário, os factos articulados, são de molde a habilitar o juiz a julgar a ação favorável ao Recorrido, como aliás, o fez a sentença, entretanto corrigida pela Relação.

5. E para isso, a sentença teve em conta entre outras, o teor de afirmações vertidas pelos Recorrentes na contestação ao processo 2590/17 e ainda por afirmações vertidas pelo seu anterior mandatário, também constantes desse processo e devidamente supra transcritas.

6. Os Recorrentes não cumprem com o disposto no artigo 639º nº 2 als. a) e b) do cpcivil.».


3. Com data de 22 de Abril de 2022 foi proferido despacho da relatora do seguinte teor:

«1. O acórdão recorrido, julgando procedente a apelação dos réus BB e mulher CC, revogou a decisão da 1.ª instância, que julgara a acção procedente, e determinou o prosseguimento dos autos.

Do acórdão vem o autor interpor recurso de revista com fundamento em contradição de julgados e em ofensa da autoridade do caso julgado, pugnando pela repristinação da decisão da 1.ª instância.

Vêm também recorrer os réus, pedindo que, revogando-se a decisão de prosseguimento dos autos, seja proferida decisão de improcedência da acção.

Pugna o autor recorrido pela inadmissibilidade do recurso dos réus.

2. Relega-se para acórdão a decisão de admissibilidade do recurso do autor.

3. Quanto à admissibilidade do recurso dos réus, entende-se que, ainda que se viesse a concluir que, não obstante a terminologia utilizada, a decisão de procedência do recurso de apelação não foi total, mas apenas parcial – levando a que se considerasse terem os réus interesse em dela recorrer (art. 631.º, n.º 1, do CPC) – sempre se afigura não ser o recurso admissível por não estar em causa «acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo» (art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) nem ter sido invocado qualquer dos fundamentos previstos no n.º 2 do mesmo art. 671.º.

4. Ao abrigo do art. 655.º do CPC, notifique os réus recorrentes para, querendo, se pronunciarem no prazo de dez dias, sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso.».

Não vindo os RR. Recorrentes aos autos pronunciar-se, e nada mais havendo a considerar, pelos fundamentos enunciados no ponto 3. do despacho supra reproduzido, conclui-se pelo não conhecimento do recurso dos RR..


4. Quanto à admissibilidade do recurso do A. invocou este a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 1358/20...., no qual se considerou, em situação conexa com a dos autos, que se verificava a excepção dilatória de caso julgado.

Lidas e interpretadas as alegações de recurso e respectivas conclusões, e apesar de o A. se expressar de forma imperfeita, há que concluir que o recurso por si interposto assenta no entendimento de que o Tribunal da Relação, ao mandar prosseguir os autos para instrução, violou o caso julgado, na sua vertente de autoridade de caso julgado, formado com a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 2590/17.....

Assim, é manifesto que o A. invoca a verificação de ofensa de caso julgado, sendo o recurso admissível nos termos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir.


5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1. Por documento datado de 25/08/2016, intitulado “Procuração”, no qual foram apostas duas assinaturas correspondentes aos nomes BB e CC, foi declarado o que consta do documento de fls.  565 dos autos, precedendo duas assinaturas, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, declaração que aí foi imputada àquelas duas pessoas (alínea A) dos factos assentes).

2. Em momento temporal posterior à inserção dessa declaração no identificado documento, nele foi inserida a declaração que se encontra abaixo daquelas duas assinaturas, datada de 29/11/2017, e bem assim foi aposta a assinatura correspondente ao nome DD, sendo o documento referido em 1º o original e o documento de fls. 129 verso da providência cautelar apensa uma cópia deste original, extraída antes da declaração imputada a DD ter sido inserida.

3. Por documento datado de 11/11/2016, intitulado Contrato-Promessa de Compra e Venda, foram emitidas as declarações que constam no documento de fls. 12 a 14 do procedimento cautelar apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea B) dos factos assentes), designadamente, entre outras, a seguinte: “BB e CC (…), aqui representados pelo seu ilustre mandatário Doutor DD, (…)” prometem vender, livre de ónus e encargos, ao promitente comprador AA, que promete comprar, o prédio urbano, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e cinquenta de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o número mil cento e vinte e oito.

4. A título de sinal e princípio de pagamento do exarado no documento referido em 3º dos factos provados, o autor entregou a quantia de €50.000,00, através do cheque nº ...05, sacado sobre o banco ..., e que foi passado à ordem de EE, por indicação expressa de DD, e não à ordem dos réus.

5. Cheque que foi descontado e pago.

6. Os réus não marcaram a escritura, nem deram ao autor qualquer justificação para a sua não realização.

7. Os réus nada disseram, sendo que o autor não conseguiu contactar quer os réus, quer o referido DD.

8. Em face disso, o autor enviou para a morada Rua ... (urbanização), ... ..., uma carta registada com aviso de receção, datada de 05-05-2017, endereçada aos réus, com o teor do documento de fls. 606, que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, entre outras coisas, solicitava aos réus que designassem dia e hora para a realização da referida escritura.

9. Apesar de ter sido deixado naquela morada aviso para o levantamento da carta registada nos CTT, no dia 9-5-2017, os réus não procederam ao seu levantamento, sendo esta devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.

10. O autor tentou notificá-los na morada de rua ..., ..., através da Notificação Judicial Avulsa nº 495/17...., do Juízo Local Cível ..., Juiz ..., realizada pela Agente de Execução ..., com a cédula profissional nº ...47, para que estes cumprissem, com o acordado no contrato- promessa de compra e venda, e por isso, que designassem dia, hora e local para a realização da escritura definitiva da compra e venda, nos moldes constantes do documento de fls. 20 a 27 da providência cautelar apensa, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

11. Apesar das tentativas, a Agente de Execução designada nunca conseguiu notificar os réus, tendo-lhe sido dada a indicação pelos vizinhos próximos de que “não residem (…) nesta morada, pois encontram-se emigrados há muitos anos” (cfr. fls. 20 a 27 da providência cautelar apensa).

12. Os réus não designaram, até à data de hoje, data e hora para a realização da escritura de compra e venda referida na cláusula 3ª do documento referido no anterior ponto 3º.

13. Os réus residem no ... desde 1992.

14. Em 1 de setembro de 2011, os aqui réus constituíram seu mandatário o Dr. DD, advogado titular da cédula profissional nº ..., inscrito na Ordem dos Advogados desde 4/10/2002 e ativo desde essa data (cfr. fls. 479 dos autos) para que este os representasse no processo de insolvência que, com o n.º 1477/11...., corre termos no Juízo Central ... (cfr. certidão de fls. 654 a 713, concretamente fls. 668 a 677).

15. Mandataram-no para aí apresentar por apenso uma ação especial de verificação ulterior de créditos alegando que tinham um crédito sobre os ali insolventes, FF e GG, nos moldes declarados na respetiva petição com o teor constante da referida certidão, a fls. 668 a 670 dos autos.

16. Nesse processo de insolvência, foi anunciada, em 27/06/2015, a venda do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés do chão, andar e águas furtadas, dependência e superfície descoberta, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...50 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...28º (alínea E) dos factos assentes).

17. Os réus deram conta ao seu referido advogado que pretendiam adquirir aquele prédio (facto confessado pelos réus na sua contestação – cfr. art. 28º da contestação e artigo 46º do C.P.C.).

18. Após o que este, por mensagem de correio eletrónico de 12/08/2015 e em representação dos réus, apresentou naqueles autos de insolvência uma proposta para a sua aquisição nos moldes constantes do documento de fls. 104 da providência cautelar apensa cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a que anexou a digitalização de um documento com o teor do documento de fls. 104 verso e 105 da providência cautelar apensa, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. A proposta apresentada pelo referido advogado em representação dos réus foi admitida, tendo sido autorizada a adjudicação com dispensa do depósito do preço, embora com a obrigação de depositar 20% do preço proposto.

20. Em 11 de novembro de 2015, aquele advogado dos réus pediria a redução da quantia a depositar para garantia das custas do processo de insolvência, o que seria deferido, tendo-se decidido que o depósito fosse no montante de €20.000,00 (vinte mil euros).

21. O que foi notificado àquele advogado dos réus.

22. No dia 4/08/2016, o Dr. DD escreveu aos réus uma mensagem de correio eletrónico com o teor do documento e anexos juntos aos autos a fls. 404 a 410 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

23. Os réus não fizeram o pagamento referido naquela mensagem (confissão dos réus em sede de articulado superveniente por eles apresentado – cfr. artigo 46º do C.P.C).

24. A escritura foi marcada para o dia 13 de outubro de 2016.

25. Do que o referido advogado deu aviso aos réus.

26. No dia 8 de setembro de 2016, o Dr. DD escreveu aos réus uma mensagem de correio eletrónico com o teor do documento e anexo juntos aos presentes autos a fls. 411 a 413 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

27. Os réus não assinaram a procuração que seguiu como anexo da mensagem referida no ponto anterior, tendo o réu BB se deslocado a Portugal, a fim de intervir na respectiva escritura pública.

28. No dia 13 de outubro de 2016, perante HH, notário, compareceram, no respetivo cartório, de um lado e como primeira outorgante, II, “intervindo na qualidade de administradora da insolvência de FF […] e GG, declarados insolventes […] no processo número [1477/11....]”, e de outro lado e como segundo outorgante, o réu BB, e ali: - declarou a referida primeira outorgante: “Que na qualidade de administradora da insolvência e pelo preço de [€131.835,00], vende ao segundo outorgante BB, o [o prédio urbano, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e cinquenta de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o número mil cento e vinte e oito]; - declarou o aqui réu, ali segundo outorgante: “Que aceita o presente contrato nos termos exarados e que o prédio urbano adquirido se destina exclusivamente à sua habitação própria e permanente.”.

29. Assim, adquirindo os réus o prédio descrito no documento referido no ponto 3º no âmbito do processo de Insolvência nº 1477/11...., que corre termos no  Juízo do Comércio ..., Juiz ..., onde foram declarados insolventes, por sentença datada de 18/07/2011, os anteriores proprietários do referido imóvel, FF e esposa GG (alínea C) dos factos assentes e fls. 664 a 666 da certidão junta aos autos a fls. 654 a 713).

30. No dia da escritura, foi aquele advogado que emitiu, com data daquele dia 13 de outubro de 2016, um seu cheque sacado sobre uma conta sua no ..., com o nº ..., no montante dos referidos €20.000,00 (vinte mil euros).

31. De cujo pagamento ninguém se atreveu a pôr em causa, nem mesmo a Sra. Administradora daquela massa insolvente, nem o réu ali presente.

32. O réu emitiu, tendo em vista pagar a conta do notário, um cheque que sacou sobre a sua conta na ..., no montante de €560.20.

33. Nesse dia 13 de outubro de 2016, os réus deram conta ao referido advogado que queriam vender a casa, tendo este dito que procuraria para ela comprador (confissão efetuada pelos réus na sua contestação e expressamente aceite pelo autor – cfr. artigo 46º do C.P.C.).

34. No dia 14 de outubro de 2016, o Dr. DD escreveu aos réus uma mensagem de correio eletrónico com o teor e anexos do documento de fls. 414 a 419 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

35. Em 18 de outubro de 2016, o cheque que o referido advogado emitiu foi apresentado a pagamento, por depósito na conta da referida massa insolvente.

36. O cheque que o referido advogado emitiu viu o pagamento recusado, justificado pelo banco sacado com a seguinte descrição “Conta Bloqueada”.

37. Do que a Sra. Administradora da Insolvência terá tentado tratar, contactando por diversas vezes aquele advogado.

38. Em 28 de outubro de 2016, a referida Sra. Administradora da Insolvência deu conta ao processo de insolvência daquela situação.

39. Ainda no dia 28 de outubro de 2016, aquele advogado dos réus pediu à Sra. Administradora da Insolvência que aguardasse por oito dias “para proceder à regularização do pagamento da quantia de vinte mil euros, uma vez que tal montante ficou cativo, facto que atrasou a liquidação”.

40. Porque aquele valor de €20.000,00 não foi pago, a Administradora de Insolvência nomeada no processo supra referido, procedeu ao arresto do referido imóvel (alínea D) dos factos assentes).

41. Em 7 de dezembro de 2016, a Sra. Administradora da Insolvência deu conta ao processo de que o advogado DD pedira, em 28 de Outubro de 2016 e para regularizar o cheque, o prazo de oito dias, acrescentando que, até então “e não obstante as sucessivas insistências [...], o ilustre mandatário dos adquirentes não regularizou o cheque” (alínea F) dos factos assentes).

42. Em 8 de fevereiro de 2017, a Sra. Administradora da Insolvente pediu que fosse arrestado o prédio para garantia da quantia de vinte mil euros (alínea G) dos factos assentes).

43. O que foi determinado por despacho de 15 de fevereiro de 2017 (alínea H) dos factos assentes).

44. E que foi feito e comprovado nos autos de insolvência (alínea I) dos factos assentes).

45. No dia 8 de maio de 2017 e com insistência em 14 de junho de 2017, a Sra. Administradora da Insolvente pediu que aquele arresto fosse convertido em penhora tendo em vista a venda do prédio para obtenção da quantia de vinte mil euros (alínea J) dos factos assentes).

46. O que foi determinado por despacho de 26 de junho de 2017 (alínea K) dos factos assentes).

47. No referido imóvel residiam, como ainda residem, uma filha dos insolventes (sobrinha da aqui ré) e sua família.

48. No dia 13 de outubro de 2017, no ..., a ré foi citada para os termos do arresto decretado nos autos apensos (alínea L) dos factos assentes).

49. No dia 19/10/2017, os réus enviaram ao Dr. DD uma mensagem de correio eletrónico com o teor do documento de fls. 403 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

50. Quando os réus contactaram outro advogado, enviaram-lhe um conjunto de documentos, entre os quais se contava uma fotocópia do documento referido em 1º dos factos provados (confissão efectuada pelos réus na contestação – cfr. artigos 55º e 56º da contestação dos réus).

51. Em representação dos réus, esse advogado requereu, em 7 de Novembro de 2017, a notificação judicial avulsa daquele Dr. DD, tendo aí declarado, entre outras coisas, revogar-lhe a “procuração” descrita em 1º dos factos provados nos exatos termos descritos a fls. 130 a 133, frente e verso, da providência cautelar apensa (doc. nº 21 junto com a oposição dos réus nessa providência), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

52. O que foi feito em 22 de Novembro de 2017.

53. Essa notificação judicial avulsa ia acompanhada do documento descrito em 1º dos factos provados, de um documento datado de 23/10/2017, intitulado “Revogação de Procuração”, no qual foram apostas duas assinaturas correspondentes aos nomes BB e CC, onde foi declarado o que consta do documento de fls. 135 verso da providência cautelar apensa, e de um documento intitulado procuração com o teor do documento de fls. 136 dessa providência, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, (alínea M) dos factos assentes e documento ...1 junto com a oposição dos réus nessa providência, que aqui e no mais se dá por integralmente reproduzido).

54. No dia 28 de novembro de 2017, os aqui réus entregaram à Sra. Administradora da Insolvência um cheque, no montante de €20.000,00 (vinte mil euros), que sacaram à ordem da Massa Insolvente.

55. Em troca do que esta Sra. Administradora passou declaração comprometendo-se a, verificando-se a boa cobrança deste cheque, proceder ao cancelamento dos registos de arresto e penhora.

56. Após a concretização da supramencionada notificação judicial avulsa para revogação da “procuração”, o referido Dr. DD entregou ao aqui advogado dos réus o original daquela procuração, nela apondo a declaração referida em 2º.

57. No dia 7 de dezembro de 2017, a Sra. Administradora da Insolvência apresentou no processo de insolvência requerimento em que deu conta da boa cobrança deste cheque dos réus e pediu o cancelamento da penhora.

58. No dia 8 de dezembro de 2017, os aqui réus, representados pelo seu atual advogado, apresentaram no supra identificado processo de insolvência um requerimento com o teor do documento de fls. 151 a 153 da providência cautelar apensa (cfr. doc. 27 junto com a oposição dos réus ao arresto), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, requerendo que: “1. Determinar que a Sr.ª Administradora da Insolvência faça, aos requerentes, a entrega efectiva do prédio adquirido; 2. Determinar que, havendo qualquer oposição ou resistência, assim como caso seja necessário o arrombamento da porta, as autoridades policiais prestem à Sra. Administradora da Insolvência o necessário auxílio”.

59. O que já foi deferido por despacho de 8 de janeiro de 2018.

60. No dia 29 de janeiro de 2018, a Sr.ª Administradora da Insolvência requereu que fosse passada certidão para cancelamento do arresto ali feito e ali convertido em penhora.

61. Foi celebrado um acordo de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a X... Company SE, Sucursal en España, e a Ordem dos Advogados de Portugal, titulado pela apólice de seguro nº ..., através do qual foram transferidos para a Seguradora Interveniente, a partir de 1 de Janeiro de 2018, nos termos e limites expressamente previstos na correspondente apólice de seguro, os riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados, tudo nos termos e condições constantes do documento ... (fls. 332 verso a 345 dos autos), junto com a contestação da X... Company SE, Sucursal en España, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (alínea N) dos factos assentes).

62. Encontra-se atualmente em vigor uma apólice de seguro, a qual tem por objetivo garantir aos segurados, mediante pagamento do prémio e sujeito aos termos e condições da apólice, “a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de responsabilidade civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais, causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido (a) pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados” (alínea O) dos factos assentes).

63. No referido acordo de seguro a X... Company SE, Sucursal en España, assumiu, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do acordo, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor) (alínea P) dos factos assentes).

64. Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados” – cfr. artigo 2.º, n.º 1 das condições especiais do referido acordo (alínea Q) dos factos assentes).

65. À data da citação da X... Company SE, Sucursal en España, para a presente ação, encontrava-se já em vigor a apólice de seguro ... (junta como Doc. 1 supra referido), sendo o limite indemnizatório máximo acordado para o seu período de vigência/ “período seguro” (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2018 às 0:00 de 1 de Janeiro de 2019) fixado em €150.000,00 (alínea R) dos factos assentes), prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo do segurado, cujo valor ascenderá à quantia de €5.000,00 por sinistro – cfr. cláusula 9ª das condições particulares da apólice (no mais, dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 332 verso a 345 dos autos) (alínea S) dos factos assentes).

66. No dia 6 de abril de 2018, a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou nos autos de insolvência, comprovativo de ter cancelado a penhora do prédio dos autos.

67. No dia 22 de novembro de 2017, o Dr. DD tomou conhecimento dos factos descritos na notificação judicial avulsa supra referida, e bem assim tomou conhecimento que aqueles factos, se verdadeiros, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio aí posto em crise, podendo, neste quadro, vir a ser responsabilizado pelos réus.

68. Apenas com a citação para a presente demanda teve a X... Company SE, Sucursal EN España conhecimento do alegado sinistro profissional alegadamente incorrido pelo Interveniente, Dr. DD.

69. Não tendo o advogado segurado participado e/ou comunicado à ora Interveniente XL quaisquer dos factos em apreço nos autos.

70. Não obstante todas as diversas diligências e tentativa de contactos encetados pela Interveniente XL (no seguimento da citação para a presente demanda), com vista a apurar e aferir quais os verdadeiros factos e/ou circunstâncias que estiveram envolvidas no decorrer do alegado patrocínio posto em crise nos autos, a mesma não nunca conseguiu contactar com o Dr. DD, não conseguindo, assim, qualquer resposta.

71. O autor foi cliente daquele Dr. DD.

72. Em 21-8-2020, através de notificação judicial avulsa, efetuada na rua ..., JJ, ..., conseguiu o A. notificar os RR, dando-lhe conta do conteúdo dessa NJA com o teor vertido no documento nº ...6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente que: “(…) de que por culpa exclusivamente imputável aos réus, o requerente perdeu o interesse na realização do contrato definitivo ou celebração da escritura pública, e  para, num prazo máximo de 5 dias, devolverem ao A. a quantia entregue a título de sinal, acrescida do seu dobro, ou seja, €100.000,00 (documentos ...6 a ...1 juntos com a petição inicial e confissão efetuada no artigo 35º da contestação).

73. Em resposta a essa NJA, remeteram os réus carta ao autor, datada de 28-8-2020, com o teor vertido no documento ...2 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.


6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Saber se se verifica ofensa da autoridade de caso julgado formada no âmbito do Processo n.º 2590/17...., que correu termos na Instância Central Cível ... – Juiz ....


7. Importa, antes de mais, proceder a uma breve caracterização dos presentes autos e bem assim dos Processos n.ºs 2590/17.... e 4353/20....:

A) No âmbito dos autos de processo com o n.º 2590/17...., o autor (naquela e na presente acção) pediu a resolução do contrato-promessa e consequente condenação dos (ali e aqui) réus na devolução do sinal em dobro, com fundamento em incumprimento definitivo imputável aos mesmos réus.

Para melhor compreensão do que se encontra em discussão, importa salientar que, de acordo com o que foi invocado pelo (ali e aqui) autor, os (ali e aqui) réus celebraram o mencionado contrato-promessa por intermédio de procurador com poderes para o efeito.

Em sede de contestação, os (ali e aqui) réus invocaram, no que ora releva, a ineficácia e invalidade da procuração constante dos autos, assim como do contrato-promessa, com fundamento na circunstância de a assinatura aposta na procuração não ser da sua autoria, alegando ainda que «os réus assinaram um conjunto de documentos a que não prestaram muita atenção».

Foi proferida sentença que julgou não provado que «os réus tivessem aposto pelo seu próprio punho as assinaturas correspondentes aos seus nomes constantes do documento referido no ponto 1º dos factos provados» (facto não provado n.º 1), tendo, contudo, considerado que, em face dos demais elementos dos autos, havia que concluir pela validade e eficácia do contrato-promessa.

As excepções peremptórias de invalidade e ineficácia foram, assim, julgadas improcedentes.

Contudo, considerando não ter sido provado ocorrer incumprimento definitivo do contrato, foi proferida sentença de improcedência do pedido formulado pelo (ali e aqui) autor.

Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo (ali e aqui) autor, tendo os (ali e aqui) réus requerido a ampliação do objecto do recurso – impugnando a decisão de improcedência das ditas excepções – em caso de procedência do recurso interposto pelo autor, não tendo a questão objecto da requerida ampliação chegado a ser conhecida, em face da confirmação da sentença de 1.ª instância.

B) Após o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 2590/17...., os aqui réus instauraram uma acção (Processo n.º 4353/20....) contra o aqui autor, pedindo a declaração de que: «a) o despacho de investidura na posse do prédio, quer a revogação da “procuração” datada de 25/08/2016, em que figura como mandatário o Dr. DD, e tido o alegado nesse pedido de revogação feitos pelos Autores, através do então seu advogado, Dr. KK, foi feito quando ainda estavam convictos de que tinham assinado a procuração a favor daquele Dr. DD; b) o declarado no referido documento denominado “procuração”, com data de 25/08/2016, bem como o contrato-promessa de venda de 11/11/2016, que com base nele foi outorgado pelo Dr. DD não corresponde à vontade dos Autores; c) o alegado quer no pedido de investidura da posse quer na revogação da procuração, não podem ser atendidos no sentido da ratificação do contrato promessa de compra e venda de 11/11/2016 celebrado entre o Réu e o Dr. DD falsamente em representação dos Autores; d) o documento denominado “procuração”, com data de 25/08/2016, descrito nesta petição não tem existência jurídica e que, em consequência, também o contrato promessa celebrado em 11/11/2016 entre o Dr. DD, alegadamente em representação dos Autores e o Réu como promitente comprador, não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica daqueles (aqui Autores).».

No âmbito da mencionada acção, cujo acórdão afinal consta dos autos como documento n.º ... junto com o presente recurso de revista, a 1.ª instância julgou verificada a excepção de caso julgado, tendo o ali réu (e aqui autor) sido absolvido da instância. Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães por se entender, em suma, o seguinte:

«[A]pesar de entre a decisão de mérito, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação n.º 2590/17...., e a presente ação, não existir identidade de pedidos, ocorrendo nelas identidade de sujeitos e de causas de pedir (quanto à causa de pedir invocada pelos Autores nos presentes autos e à matéria de exceção que invocaram naquela outra, em sede de contestação), e verificando-se, tal como bem salienta a 1ª Instância, que pedindo os Autores, nos presentes autos, que se declare a invalidade e/ou a ineficácia do referido contrato-promessa e procuração, com fundamento, aliás, em causas de pedir que os próprios Autores invocaram na ação n.º 2590/17...., a título de exceção, e aí apreciadas e decididas, por decisão de mérito, transitada em julgado, que as julgou improcedentes, é indiscutível que ocorre entre a presente ação e aquela outra um nexo de prejudicialidade, em que a procedência da presente ação entra em confronto direto com a decisão de mérito proferida nessa ação, havendo incompatibilidade entre ambas as ações, em que a procedência do pedido desta ação entra em colisão direta e frontal com a decisão de mérito, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação n.º 2590/17...., ocorrendo, portanto, na presente ação a exceção dilatória inominada da autoridade do caso julgado, que impõe na presente ação, o decidido no âmbito da referida ação n.º 2590/17...., que julgou válidos e eficazes em relação aos aqui Autores os mencionados contrato promessa e procuração, como facto indiscutível.».


C) No âmbito dos presentes autos, o A. formulou os mesmos pedidos[1] por si formulados no âmbito do Processo n.º 2590/17...., tendo invocado, para além da celebração do contrato-promessa e do direito ao pagamento do sinal em dobro, que procedeu à notificação dos RR. mediante notificação judicial avulsa, em 21.08.2020, comunicando que «o A perdeu o interesse na realização do contrato definitivo ou celebração da escritura pública, e para, num prazo máximo de 5 dias, devolverem ao A. a quantia entregue a título de sinal, acrescida do seu dobro, ou seja, 100.000,00€» e alegando ainda que do comportamento dos RR. se retira uma vontade inequívoca de não cumprir.

Como resulta do relatório do presente acórdão, a 1.ª instância entendeu que, por referência à decisão proferida no âmbito do Processo n.º 2590/17...., se verificava a autoridade de caso julgado, dando como incontestados os fundamentos de facto e de direito de tal decisão e considerando ser de discutir apenas a matéria de facto superveniente.

Prosseguindo, fixou a matéria de facto superveniente e, a final, proferiu decisão de procedência do pedido.

Tendo os RR. apelado, decidiu o Tribunal da Relação revogar a decisão da 1.ª instância, tendo considerado que não se verificava, in casu, autoridade de caso julgado.

8. Analisados os processos em confronto, há que deixar expresso que existe identidade das partes e do pedido, sendo a causa de pedir diferente; de facto, os AA., no âmbito dos presentes autos, adicionam, como fundamento do seu pedido, os factos respeitantes ao envio superveniente de notificação judicial avulsa e à comunicação remetida pelos RR. dando nota de que não pretendiam cumprir, factos esses que não haviam sido invocados no Processo n.º 2590/17... .


A invocação de factos supervenientes, com a invocação de factos essenciais novos, leva a concluir que a causa de pedir, é, nesta acção, diferente da causa de pedir formulada na primeira acção. Neste sentido, Mariana França Gouveia (A causa de pedir na acção declarativa, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 496 e seg.) defende a posição, que se acompanha, de acordo com a qual:

«A causa de pedir definida nestes termos tem ainda como consequência a não inserção no seu âmbito de factos supervenientes. Estes, sejam ou não essenciais, podem sempre voltar a ser alegados em posterior acção com o mesmo pedido, portanto, em casos de concurso aparente de normas».

Assim, a alegação de factos supervenientes, ainda que subsumíveis às mesmas normas que os factos invocados na acção anterior, deve considerar-se suficiente para, no caso que nos ocupa, afastar a identidade da causa de pedir.

Não existindo identidade da causa de pedir, conclui-se pela não verificação do caso julgado na sua vertente negativa de excepção de caso julgado.


9. Importa ainda analisar se ocorre caso julgado na sua vertente positiva de autoridade de caso julgado.

Nas palavras do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 11.11.2020 (proc. n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1)[2], disponível em www.dgsi.pt, sumário que corresponde fielmente ao conteúdo da decisão:

«Quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado na segunda acção anterior invocada importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira».

Neste sentido, vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos de 19.06.2018 (proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2), 13.09.2018 (proc. 687/17.5T8PNF.S1), de 06.11.2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1.S1), de 28.03.2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), 24.10.2019 (proc. n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2), de 30.04.2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1), de 11.11.2020 (proc. n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1) e de 26.11.2020 (proc. n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

Exige-se, assim, que o caso decidido/julgado seja prejudicial em relação ao caso a decidir/julgar e que se inscreva, ainda que parcialmente, no objecto do processo a decidir.

Chegados aqui, poder-se-ia afirmar que os litígios supra descritos se encontram ligados por uma relação de concurso, que se verifica «quando vários objectos processuais se referem a um mesmo efeito jurídico» (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pág. 576), o mesmo é dizer, quando ambas as ações «têm um pedido idêntico, com diferentes fundamentos» (Rui Pinto, «Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias», Revista Julgar Online, Novembro de 2018, pág. 40).

Sucede que, no caso dos autos, o que se verifica é que os AA. adicionaram à causa de pedir delineada na primeira acção factos supervenientes, fazendo, ainda assim, apelo às mesmas normas jurídicas (referentes ao incumprimento definitivo do contrato-promessa). O mesmo é dizer, grande parte dos factos trazidos à discussão nos autos, foram já apreciados no âmbito do Processo n.º 2590/17.....

Deste modo, o objecto do processo não pode deixar de se considerar prejudicial face ao dos presentes autos já que o que aqui se discute foi já, em grande medida, discutido no âmbito da primeira acção.

Ora, as questões que foram resolvidas no âmbito do Processo n.º 2590/17.... reconduzem-se, tudo visto, à validade e eficácia do contrato-promessa e ao direito ao pagamento do sinal em dobro com fundamento em incumprimento contratual, matéria a elucidar, igualmente, no âmbito dos presentes autos. Verifica-se, pois, a relação de prejudicialidade de que depende a invocação da autoridade de caso julgado.


10. Aqui chegados, importa apreciar que matérias de encontram abrangidas pela mencionada autoridade e que matérias podem voltar a ser discutidas. Mais concretamente, importa apreciar se os RR. podem voltar a discutir a matéria de excepção invocada na primeira acção (ineficácia e invalidade do contrato promessa).

A questão não é isenta de dúvidas.

De acordo com a doutrina clássica, o conhecimento de excepções peremptórias, como é a invocada ineficácia/invalidade do contrato-promessa, não faz, em princípio, caso julgado fora do processo respectivo, nos termos do disposto no actual art. 91.º, n.º 2, do Código de Processo Civil («A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia»). Neste sentido, pronunciaram-se, designadamente, Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 327 e segs.), Antunes Varela/J.M. Bezerra/Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 717) e Teixeira de Sousa («Preclusão e Caso Julgado», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2017, I, pág. 160).

Posição diferente foi assumida por Vaz Serra (Anotação ao acórdão do STJ, de 29-06-1976, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 110, n.º 3599, págs. 228 e segs.), autor que defendeu a extensão do caso julgado às questões preliminares que constituam o antecedente lógico da parte dispositiva da sentença. Em sentido próximo, pronunciaram-se autores como Lebre de Freitas («Um polvo chamado autoridade de caso julgado», in Revista da Ordem dos Advogados, 2019, n.ºs III-IV, pág. 697), Mariana França Gouveia (ob. cit., pág. 505, nota 1536) e Ferreira de Almeida, (Direito Processual Civil, Vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, págs. 747 e segs.).

Num primeiro nível de ponderação do caso sub judice, afigurar-se-ia que a opção por uma ou outra das orientações em causa teria consequências decisivas. Se, designadamente, se aderisse à segunda orientação, parece que a circunstância de, na acção anterior (Processo n.º 2590/17....), a questão da ineficácia/invalidade do contrato-promessa assumir a natureza de questão fundamental, levaria a defender a inclusão de tal matéria nos limites objectivos do caso julgado ou, se se preferir, a defender o efeito preclusivo do caso julgado, com a conclusão de que tal matéria não poderia voltar a ser discutida nos presentes autos.

Sucede, porém, que tal efeito preclusivo do caso julgado sempre dependeria de os (ali e aqui) RR. terem ficado vencidos no âmbito do Processo n.º 2590/17...., pois que apenas nesse cenário se verificaria um efectivo reconhecimento do direito invocado pelo (ali e aqui) A..

Nas palavras de Lebre de Freitas:

«[C]om o caso julgado precludem, em caso de condenação no pedido, as exceções, invocadas ou invocáveis, contra o pedido deduzido, bem como, quando proceda uma exceção perentória, as contraexceções contra ele invocadas ou invocáveis.» (cit., pág. 696).

De resto, as referências que a doutrina (cfr. os exemplos dados por Antunes Varela, ob. cit., pág. 716, e por Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 723-724 e pág. 742) faz à extensão do caso julgado às questões prejudiciais fundamentais pressupõem necessariamente a procedência da excepção e consequente absolvição do pedido ou a improcedência da excepção com a consequente procedência do pedido formulado pelo autor.

Nas palavras de Ferreira de Almeida (ob. cit., págs. 721 e seg.):

«O alcance e autoridade do caso julgado, não podendo confinar-se aos estreitos contornos definidos pelos art.ºs 580.º e ss., com vista à deteção da aludida exceção dilatória nominada, deve estender-se às situações em que a sentença reconheça, no todo ou em parte o direito do A., assim fazendo precludir todos os meios de defesa do R., os concretamente deduzidos e até os abstratamente dedutíveis com base em direito próprio (procedência da acção)».

Recordemos o que sucedeu no Processo n.º 2590/17....:

- A sentença decidiu pela validade e eficácia do contrato-promessa; porém, a final, considerando não ter sido provado existir incumprimento definitivo do contrato, foi proferida decisão de improcedência do pedido formulado pelo autor;

- Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo autor, tendo os réus requerido a ampliação do objecto do recurso – impugnando o juízo de improcedência das excepções – a ser apreciada em caso de procedência do recurso interposto pelo autor;

- A questão objecto da requerida ampliação não chegou a conhecida, por ter ficado prejudicada pela confirmação da sentença de 1.ª instância, isto é, por ter ficado prejudicada pelo entendimento de não existir de incumprimento definitivo;

- A final, manteve-se a decisão de improcedência da acção.

Temos, pois, que, no caso que ora nos ocupa, se verifica que as excepções peremptórias foram julgadas improcedentes, tendo, não obstante, a acção improcedido por outros motivos, razão pela qual há que afastar a autoridade de caso julgado.

O referido entendimento justifica-se igualmente pela circunstância, igualmente invocada, de que os réus apenas podiam reagir judicialmente contra uma decisão desfavorável, o que apenas sucederia em caso de procedência do pedido formulado pelo autor.

Por outras palavras, uma vez que a decisão da 1.ª instância proferida no Processo n.º 2590/17.... lhes foi favorável, os réus não podiam apelar; apenas podiam – como fizeram – requerer a ampliação do objecto da apelação para, em caso de procedência da apelação do autor, ver reapreciada a questão da ineficácia/invalidade do contrato-promessa.

Como a decisão da Relação também lhes foi favorável, ao manter a decisão de improcedência da acção com fundamento em inexistência de incumprimento definitivo – ficando assim prejudicada a apreciação da ampliação do objecto do recurso –, não podiam os réus recorrer, razão pela qual não lograram obter uma apreciação definitiva acerca da matéria da invocada excepção de ineficácia/invalidade do contrato-promessa.

Assim, considera-se que a decisão recorrida deve ser confirmada, ainda que pelos fundamentos expostos.

11. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 29 de Setembro de 2022

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira

______

[1] Sendo que, conforme consta do relatório do presente acórdão, o A. desistiu do pedido, formulado apenas na presente acção, de compensação do crédito reclamado com a dívida por custas deduzido na alínea d) da petição inicial, desistência que foi homologada por sentença proferida em 09.12.2020.
[2] Relatado pela relatora do presente acórdão e votado pela aqui 1.ª Adjunta.