Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
179/1999.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO
APRESENTAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ADMISSIBILIDADE
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA / TRAMITAÇÃO DO PROCESSO / RECURSO DE ARBITRAGEM.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / FORMAS DE PROCESSO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA PRELIMINAR / INSTRUÇÃO DO PROCESSO.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 389.º.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP) DE 1991: - ARTIGOS 56.º, 58.º, 59.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 265.º, N.º3, 460.º, N.º2, 463.º, N.º 1, 464.º, N.º2, 508.º-A, N.º2, AL. A), 512.º, 512.º-A, 523.º, N.º 2, 524.º, 535º, 552º, 579º, 588.º, 612º, 645º.
DESPACHO MOPTC 6-XII/95, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1995, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2ª SÉRIE, DE 21 DE MARÇO DE 1995.
LEI Nº 168/99, DE 18-9: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20/01/2005, PROCESSO N.º 04B4282, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 11/02/2010, PROCESSO N.º 09B0280, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 7/06/2011, PROCESSO N.º 320/1998.L1.S1;
-DE 10/07/2012, PROCESSO N.º 157/1999.L2.S1, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A tramitação do recurso da arbitragem, desenhada pelos arts. 58.º e ss. do CEXP de 1991, revela que se trata de um processo, a um passo, aproximado de um recurso, mas simultaneamente estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar, no qual o requerimento de interposição de recurso desempenha a função de petição inicial, a que se segue a resposta, realização de prova, alegações e decisão.

II - Sendo uma acção declarativa especial, regula-se – nos termos do art. 463.º, n.º 1, do CPC – pelos arts. 56.º e ss. do CExp e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário.

III - O art. 56.º e ss. do CExp – que prevê a produção de prova, tanto pelo recorrente como pelo recorrido, em ordem à fixação de um montante indemnizatório – não prevê a apresentação de documentos ou o oferecimento de outras provas em momento posterior ao requerimento de interposição de recurso e resposta ao mesmo, nem tinha que prever, uma vez que o sistema parte do princípio de que as regras comuns são aplicáveis aos processos especiais, salvo se afastadas por normas específicas.

IV - O art. 56.º do CExp é, assim, compatível com o regime definido pelos arts. 523.º, n.º 2, 524.º, 512-A e 588.º, todos do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1.No âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública, no qual figuram como expropriante AA – Concessionária para a Travessia do ..., S.A. e como expropriada a BB. Lda., relativo à parcela 11.1, com a área de 12.772m², parte do prédio denominado “R...” ou “R…”, situado na ..., freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha nº ..., inscrito na matriz sob o artigo 1934, foi fixada a indemnização de 2937560$00 pela decisão arbitral de fls. 74. Ambas as partes recorreram.

Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, realizou-se a avaliação. Foram apresentados dois relatórios, a fls. 698 e a fls. 782,  notificados às partes. A expropriada deduziu reclamação contra o que foi apresentado por dois dos peritos nomeados pelo tribunal e pelo perito indicado pela expropriante; os correspondentes esclarecimentos foram prestados, a fls. 887 e 1146.

A fls. 922, invocando o “direito ao contraditório e ao poder de controlar os ‘testemunhos’ que invocam os peritos”, bem como o “dever de descoberta da verdade” que recai sobre o tribunal, a expropriada veio requerer ao juiz que decidisse:

“a) Admitir dois relatórios periciais e de avaliação a 2 parcelas contíguas da destes autos onde os peritos do Tribunal e o então perito da AA concluíram da possibilidade e viabilidade económica das próprias bacias das salinas para agricultura – juntos como docs. e 2 3;  b) Ordenar a produção de esclarecimentos verbais de todos os Senhores Peritos, em audiência de julgamento sobre as questões de facto supra referidas; c) Ordenar a produção de prova testemunhal, sobre a factualidade referente às questões supra referidas, indicando-se as seguintes testemunhas: (…)”.

A fls. 1017, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de fls. 922, nestes termos:

“Os artº 56º e 58º do CE/91 definem como momentos para junção de documentos e requerer as demais provas, a interposição de recurso e a resposta ao mesmo. Podendo, obviamente ser juntos documentos, relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa em momento posterior, sempre que existam factos supervenientes que o exijam (art. 524º do CPC). A expropriada alega que os Srs. Peritos mudaram a sua posição quanto ao tipo de pescado na região, em relação a outros relatórios que apresentaram em outros processos expropriativos, pelo que existe a necessidade de contrariar os ‘testemunhos’ dados aos Srs. Peritos para fundamentarem o cálculo por si efectuado. Ora, nos presentes autos foi efectuada a avaliação pelos Srs. Peritos nomeados, foram pedidos esclarecimentos e os mesmos prestados, pelo que, não pode agora a expropriada em sede de alegações pretender invalidar a avaliação efectuada e os esclarecimentos prestados por, porventura, não irem ao encontro dos desejos da expropriada. Nem pretender proceder, sem mais, a uma comparação de avaliações efectuadas em parcelas situadas na mesma região, pois cada parcela tem as suas características próprias e deve ser avaliada de per si tendo os Srs. Peritos em conta os valores praticados na região relativamente aos elementos a considerar. Não existem, por outro lado, factos supervenientes que justifiquem a junção de documentos ou a realização de quaisquer outras diligências probatórias neste momento, pelo que, por extemporaneidade, não se admite a junção de documentos aos autos. Determina-se, pois, o desentranhamento dos documentos de fls. (…)”.

A expropriada interpôs recurso, que foi admitido como agravo, com subida diferida.

Pela sentença de fls. 1193, foi negado provimento ao recurso da expropriante e concedido provimento parcial ao recurso da expropriada, fixando-se a indemnização em €52.588,71, actualizável nos termos indicados.

A expropriante recorreu; e a expropriada, nas contra-alegações, veio ampliar o objecto do recurso.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1422, que não admitiu a ampliação do objecto do recurso, foi concedido provimento à apelação, sendo fixado em € 15.294,47 o montante da indemnização, e negado provimento ao agravo, nos seguintes termos:

«2.5. Passando, agora, ao conhecimento do agravo interposto pela Expropriada, importa referir que o momento para a apresentação dos meios de prova, no âmbito do recurso da arbitragem, no processo de expropriação está, expressamente, previsto nos artigos 56.° e 58.°, n.º 2, do Código das Expropriações.

Efectivamente, com a interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente oferece todos os documentos e requer as demais provas. Por outro lado, com a resposta ao recurso interposto, a parte contrária pode juntar, também, todos os documentos e requerer as demais provas.

Perante esta regulação específica, pode afirmar-se que não existe qualquer lacuna no processo especial de expropriação, não se justificando, por isso, recorrer, de forma subsidiária, ao Código de Processo Civil, nomeadamente ao disposto no seu art. 523.°, n.º2. Para além disso, as situações nem sequer são equiparáveis, pois enquanto no processo civil está em causa o momento da apresentação dos documentos no âmbito da acção, já no processo de expropriação está em causa o momento da apresentação dos documentos na fase do recurso da arbitragem. Tais situações correspondem a fases processuais distintas e, como tal, com regulação específica e diferenciada. Neste sentido, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 1998 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, T. 2, pág.93).

As normas dos artigos 56.° e 58.°, n.º 2, do Código das Expropriações não contendem com quaisquer princípios de natureza constitucional, sendo despropositada a invocação do princípio do contraditório. As partes, depois da avaliação, podem ainda apresentar reclamação, obtendo esclarecimentos dos peritos, verificados os respectivos pressupostos, como podem também alegar (art. 63.° do Código das Expropriações). Nessa medida, têm oportunidade, pois, de se pronunciar, com grande amplitude, sobre a prova, nomeadamente a que advém da avaliação, não estando em causa a existência de um processo equitativo.

Por outro lado, o princípio da igualdade, em matéria de expropriações, tal como foi alegado, tem natureza substantiva, não fazendo qualquer sentido a sua invocação, para tentar justificar a apresentação de documentos, cuja junção não foi requerida no momento processual próprio.

Não se contemplando no Código das Expropriações uma audiência final, não podia ser deferida a prestação de esclarecimentos verbais por parte dos peritos, sem que isso corresponda à violação de qualquer princípio, sendo certo ainda que não está em causa o poder conformador do legislador, que entendeu, na altura, não ser indispensável a realização de uma audiência final no processo especial de expropriação.

Nesta conformidade, o despacho recorrido, que indeferiu a pretensão da Agravante, quanto à apresentação de documentos, testemunhas e prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos em audiência final, está de acordo com a lei vigente aplicável.»

2. A expropriada recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil (contradição entre o acórdão recorrido, por um lado, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2010, proc. 09B0280, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Junho de 2011, proc. nº 1271/10.0YRLSB, por outro); o recurso, admitido na Relação e ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, veio finalmente a ser considerado admissível pelo despacho de fls. 1639, na sequência do acórdão deste Supremo Tribunal de fls. 1628.

Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

«1ª- Aplicável, no que ao regime processual concerne, ao presente processo expropriativo é o Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18­-09 (CE/99), por ser o diploma vigente ao tempo dos trâmites processuais em causa.

2ª- O regime regra para a junção de documentos e requerimento de demais prova no recurso de decisão arbitral e resposta ao mesmo, previsto nos art.s 58.º e 60.º, n.º 2.º do CE/99 – disposições correspondentes aos art.º 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 – não exclui a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que é o próprio art.º 463.º, n.º 2 do CPC que prevê essa aplicação, no respeitante a prova requerida em momento posterior ao previsto em tais artigos do CE/99.

3ª- O CE/99 – à semelhança do de 91 – concede às partes, por força do previsto nas normas aplicáveis do CPC, a possibilidade de juntarem documentação ou requererem demais prova em momento posterior ao recurso da decisão arbitral e respectiva resposta, prevendo, inclusivamente, que essa produção de prova possa ser oficiosamente determinada pelo Juiz, na fase instrutória subsequente a tais peças, de acordo com o disposto no art.º 61.º, n.º 1 do CE/99 – 59.º, n.º 1 do CE/91.

4ª- Sufragando, por meio de interpretação restritiva do disposto em art.s 58.º e 60.º, n.º 2 do CE/99 – correspondentes aos art.s 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 – a tese de que este código não padece de qualquer omissão suprível pela aplicação do disposto no CPC, no que à prova requerida além daquele momento processual respeita, viola e coarcta o Tribunal a quo direitos fundamentais da recorrente, além de decidir em sentido diametralmente oposto ao adoptado nos acórdãos fundamento (Ac. do TRL de 14-06-2011, proferido no processo 1271/10.0YRSLB-1 e Ac. do STJ de 11-02-2010, proferido no processo 09B0280).

5ª- Assim, violou o tribunal a quo com a sua decisão as disposições contidas no art.º 523.º, n.º 2; 524.º, n.º 2; 512.º A; 588.º, n.º 1; 652.º, n.º 3, al. c); e 519.º do CPC, bem como o disposto em art.ºs 56.º, 58.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1 do CE/99.

6ª- Aliás, a interpretação consignada no acórdão recorrido viola o disposto nos art.s 20.º, n.º 1 e 62.º, n.º 2 da CRP, a interpretação realizada pelo Tribunal a quo dos art.s 58.º e 60.º, n.º 2 do CE/99 e 524.º, n.º 2 do CPC, no sentido de que em processos expropriativos está vedada às partes a apresentação de documentos que se tenha tornado necessária por virtude de ocorrências posteriores à interposição do recurso da decisão arbitral, violando, pois, o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente do princípio da proibição da indefesa e, consequentemente os direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada.

7ª- Por outro lado, a decisão de indeferimento do pedido de esclarecimentos verbais dos Srs. Peritos, que implica a violação dos princípios processuais da imediação e da oralidade, expressos nos art.s 588.º e 652.º, n.º 2 do CPC, deve, igualmente, ser considerada inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º1 e 62.º, n.º 2 da CRP, na medida em que a interpretação realizada dos art.s 61.º, n.º 3 do CE/99 e 588.º, n.º 1 do CPC, no sentido de que em processos expropriativos, o pedido realizado pelas partes de produção de esclarecimentos verbais pelos Srs. Peritos pode ser liminarmente negado pelo tribunal, uma vez que tal viola o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente do princípio da proibição da indefesa e, consequentemente, os direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada;

8ª- Por fim, atento o conteúdo do relatório maioritário e seus esclarecimentos, aquelas diligências probatórias deveriam ter sido admitidas, sob pena de violação do fim da prova pericial (388.º do CC), dos princípios da imediação, da oralidade (588.º, 616, n.º2 e 652.º, n.º2 CPC) e do contraditório (517.º CPC) e, em ultima análise, dos direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada, consagrados no artigo 62.º da CRP.»

Nas contra alegações, a expropriante concluiu nestes termos:

«1ª- O Acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao recurso de agravo da expropriada, sustentando o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, contém a correcta interpretação e aplicação das normas dos artigos 56.° e 58.° do CE/91, que determinam, expressamente, que com o recurso da decisão arbitral e resposta deverão ser oferecidos todos os documentos e requeri das as demais provas. O mesmo raciocínio se aplica se tivermos em atenção os correspondentes preceitos do CE/99.

2ª- Ao contrário do que sustenta a agravante, a norma do artigo 523.°, n.º2 do CPC não é aplicável subsidiariamente ao processo expropriativo. Por um lado, porque não estamos perante uma lacuna e, por outro, porque não se verifica qualquer similitude do procedimento expropriativo com o processo comum, justificativa da aplicação analógica ao caso do disposto no n.º2 do artigo 523.° do CPC.

3ª- Com efeito, no momento processual em que ocorre a interposição do recurso da decisão arbitral, e conhecidos que são já os contornos e o objecto do litígio – a determinação da indemnização – impõe-se às partes o dever de, desde logo, juntarem todos os documentos de que queiram socorrer-se em abono das suas teses de defesa dos valores indemnizatórios que entendem adequados.

4ª- Acresce que, como vimos supra, a ratio da consagração da norma contida no n.º 2 do artigo 523.° do CPC para o processo ordinário não colhe no âmbito do recurso da decisão arbitral em expropriação litigiosa.

5ª- Por outro lado, e conforme decidido por esse Supremo Tribunal, "Sabe-se, porém, que o Código das Expropriações se preocupou com a observância dos princípios da celeridade ( ... ) e da economia processual ( .. .). E é precisamente nesta preocupação do legislador que reside a norma do art. 56. bem como as seguintes dos arts. 57. e 58. do referido diploma." Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2005 (proc. n.º 04B4282, in www.dgsi.pt).

6ª- Assim, onde exista omissão, no Código das Expropriações, não se discute a aplicabilidade subsidiária do CPC (como será o caso do regime consagrado no artigo 524.°, n.º 2 do CPC). Já não assim, porém, onde o Código das Expropriações regule, de per si, uma específica questão processual, como é o caso do respectivo artigo 56.°.

7ª- Do que antecede, conclui-se que bem andou o Tribunal a quo ao arredar a aplicação da norma do artigo 523.°, n.º 2 do CPC, improcedendo, assim, as conclusões do agravo da expropriada.

8ª- Não violou o Acórdão recorrido o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente da proibição da indefesa, porquanto o processo de expropriação litigiosa prevê momentos processuais específicos para junção de prova, pelo que se os mesmos não foram respeitados pela agravante, somente a ela poderão ser imputáveis as eventuais consequências daí resultantes.

9ª- O Acórdão recorrido não violou, igualmente, o princípio do contraditório, ao decidir pela extemporaneidade das diligências probatórias de esclarecimentos verbais dos peritos, bem como produção de prova testemunhal, porquanto as mesmas devem ser requeridas, como vimos, no recurso da decisão arbitral ou na resposta, atento o disposto nos artigos 56.° e 58.° do CE, e não em fase posterior.»

3. Inscrito o processo em tabela e feita a votação, ficou vencida a relatora inicial e foi elaborado novo projecto, nos termos previstos no nº 3 do artigo 713º do Código de Processo Civil.

Está em causa neste recurso, apenas, saber se deve ser decidido favoravelmente o requerimento de fls. 922 da expropriada, pretendendo juntar documentos, obter esclarecimentos dos peritos e a produção de prova testemunhal, não obstante ter sido apresentado depois de realizada a avaliação prevista no nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações e de notificadas as partes dos esclarecimentos prestados pelos peritos que nela intervieram.

Os factos relevantes constam do relatório.

Tendo em conta a data de declaração de utilidade pública (Desp. MOPTC 6-XII/95. de 27 de Fevereiro de 1995, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 21 de Março de 1995), é aplicável ao caso, em bloco, o Código das Expropriações de 1991, apesar de o recurso da decisão arbitral ter sido interposto já depois da entrada em vigor do Código aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro (cfr. respectivo artigo 4º). De qualquer modo, a verdade é que, do ponto de vista do presente recurso, seria indiferente a aplicação de um ou de outro destes diplomas, porque se chegaria ao mesmo resultado aplicando os artigos 58º e seguintes do Código de 1999.

4. O acórdão recorrido entende que decorre do regime previsto no artigo 56º do Código das Expropriações que o recorrente só pode requerer prova “no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral”. Em síntese, e como se viu já, porque (a) tendo o Código das Expropriações “regulamentação específica”, não cabe recorrer ao Código de Processo Civil, e nomeadamente ao seu artigo 523º, nº 2, para saber quando pode ser oferecida prova documental, porque (b)”as situações” – recurso num caso, acção no outro – “nem sequer são equiparáveis (…)”, antes “correspondem a fases processuais distintas”, e porque (c) “não se contempla(…) no Código das Expropriações uma audiência final”.

 Entretanto, foi aprovado neste Supremo Tribunal o acórdão de 10 de Julho de 2012, proferido no proc. 157/1999.L2.S1 (disponível em www.dgsi.pt), que decorreu entre as mesmas partes e no qual se tratou precisamente da questão que constitui o objecto deste agravo, em moldes que aqui se reiteram.

Decidiu-se neste acórdão, que seguiu expressamente o entendimento que informou os acórdãos de 11 de Fevereiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0280) e de 7 de Junho de 2011 (proc. nº 320/1998.L1.S1), que merecia deferimento o requerimento apresentado pela expropriada com o mesmo objectivo daquele que agora está em causa, também depois de ter sido notificada dos esclarecimentos prestados pelos peritos, na sequência da avaliação prevista no nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações. Em síntese, porque, tendo sido interposto recurso da decisão arbitral que fixou a indemnização, “o processo de expropriação litigiosa é um processo [jurisdicional] especial, na medida em que a sua tramitação constitui um desvio relativamente às formas de processo comum”, que se rege, “como decorre do nº 1 do art. 463º do C.P.C., pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, é-lhe aplicável o que se acha estabelecido para o processo ordinário”. Assim, e nomeadamente porque “do art. 56º do Cód. das Expropriações de 1991” (e do artigo 58º do Código de 1999) não decorre “a impossibilidade de oferecer documentos fora do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral”, é aplicável o disposto nos artigos 523º, nº 2 e 524º do Código de Processo Civil, quanto à junção de documentos, bem como nos artigos 512-A e 588º do Código de Processo Civil. E ainda porque é esta a solução que melhor permite prosseguir os princípios do contraditório e da verdade material, bem como a tutela do direito de defesa.

Com efeito, a tramitação do “recurso da arbitragem”, desenhada pelos artigos 58º e segs. do Código das Expropriações de 1991, revela que se trata de um processamento funcionalmente aproximado de um recurso, pois visa reagir contra a fixação da indemnização constante da decisão arbitral (no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, observa-se que “fundamentalmente, o requerimento da interposição de recurso é um meio de oposição
à decisão arbitral”
), mas, simultaneamente, estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar. Neste processamento, o requerimento de interposição de recurso desempenha a função de petição inicial, seguindo-se-lhe a resposta, a realização da prova, as alegações e a decisão.

Ou seja: trata-se de um processamento declarativo que, como se escreve no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, “partindo da decisão dos árbitros, se desenvolve como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista a discussão e apuramento da justa indemnização, com respeito pelo princípio do contraditório e com recurso a todos os meios de prova”. É uma acção declarativa especial, na acepção do nº 2 do artigo 460º do Código de Processo Civil; e a sua tramitação, como decorre do nº 1 do artigo 463º do mesmo Código, regula-se pelos artigos 56º e seguintes do Código das Expropriações “e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário.”

Como se sabe, o critério a que o legislador português atendeu para definir a tramitação das acções declarativas cíveis, distinguindo entre o processo comum e os processos especiais, foi o de apenas criar processos especiais quando a tramitação comum não for adequada ao objecto a julgar; e, dentro desta perspectiva, a de regular especificamente os pontos em que o processo comum não se revela adequado àquele objecto, no mais se aplicando suas as regras.

Ora a tramitação definida pelos artigos 56º e segs., que, repete-se, comporta a produção de prova, em ordem à fixação de um montante indemnizatório que efectivamente respeite os critérios fixados pelo Código das Expropriações, prevê que, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente requeira e ofereça as provas que lhe permitam sustentar a sua “discordância” em relação à “decisão arbitral”; que o mesmo possa fazer o recorrido, na resposta; que devam ser realizadas “as diligências instrutórias que o juiz entenda úteis à boa discussão da causa” (nº 1 do artigo 59º); que haja, obrigatoriamente, uma avaliação.

Não prevê a apresentação de documentos ou o requerimento ou oferecimento de outras provas em momento posterior; nem tinha que prever, porque o sistema parte do princípio de que as regras comuns são aplicáveis aos processos especiais, salvo se afastadas por normas específicas. Mas, tal como o disposto no nº 1 do artigo 523º do Código de Processo Civil para os documentos não exclui a sua apresentação posterior, nos termos previstos no seu nº 2 ou no artigo 524º, consoante as circunstâncias, nem o previsto no nº 2 do artigo 464º (“pode”), na al. a) do nº 2 do artigo 508º-A e no artigo 512º exclui requerimentos probatórios posteriores aos momentos ali definidos, tendo nomeadamente em conta o disposto nos artigos 512º-A (alteração do rol de testemunhas), ou afasta a possibilidade de se requerer a prestação de esclarecimentos pelos peritos, na audiência de julgamento (artigo 588º), também o artigo 56º do Código das Expropriações é compatível com o regime definido pelo nº 2 do artigo 523º e pelos artigos 524º, 512º-A e 588º do Código de Processo Civil.

Não o impedem os argumentos de não estarem em causa fases processuais comparáveis, porque estão; ou de não estar prevista uma audiência final, o que não é de forma alguma impeditivo de se ouvirem testemunhas ou de se poder pedir esclarecimentos aos peritos, relativamente à avaliação realizada nos termos do nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações.

Diga-se ainda, a concluir este ponto, que o juiz pode determinar a realização de provas não requeridas pelas partes, nos termos expressos do nº 1 do artigo 59º do Código das Expropriações. Trata-se, aliás, de um preceito conforme com os poderes instrutórios que ao juiz são em geral conferidos pelo nº 3 do artigo 265º do Código de Processo Civil, completado pelo disposto relativamente aos meios de prova em especial (cfr. artigos 535º, 552º, 579º, 612º, 645º do Código de Processo Civil), poderes que manifestamente possibilitam a utilização de provas não requeridas, nem no requerimento de interposição de recurso, nem na correspondente resposta.

5. No acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 2005 (www.dgsi.pt, proc. nº 04B4282), citado pela recorrida e que decidiu no sentido do acórdão recorrido no que toca à possibilidade de junção de documentos, invocam-se ainda os princípios da celeridade e da economia processual em apoio da conclusão de que “no recurso da arbitragem, a junção de documentos pelo recorrente só pode ocorrer com a apresentação do requerimento de recurso, não devendo ser atendidos os que vierem a ser juntos mais tarde”.

Trata-se de princípios gerais do processo, não restritos ao processo de expropriação; e que, invocados para sustentar a referida limitação às possibilidades de prova (quer do ponto de vista do recorrente, quer no que toca ao recorrido, tendo em conta o nº 2 do artigo 58º do Código), conduziriam a uma interpretação que se tem por inadequada, quer do ponto de vista do objectivo do recurso da decisão arbitral, que é a fixação da justa indemnização ao expropriado, quer na perspectiva das exigências do processo equitativo. Como se escreveu no acórdão de 10 de Julho de 2012, “(…) sob pena de excessiva compressão dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, e consequente risco de assim se chegar a uma decisão substancialmente injusta, porque afastada da verdade material, não faria sentido que, confrontadas com o resultado da avaliação – vale por dizer, com os elementos factuais e a respectiva valoração pericial necessariamente implicada nesta diligência – as partes ficassem em absoluto impedidas de carrear para o processo meios de prova (documentais, ou outros) cuja apresentação só se tenha tornado necessária em face do conteúdo do relatório pericial”. A vantagem alcançada com a aplicação dos preceitos acima referidos – recorde-se, os constantes dos artigos 523º e 524º, 512º-A e 588º –, permitindo o requerimento de prova ou de esclarecimentos dos peritos no condicionalismo neles previsto, supera os inconvenientes que, na perspectiva da celeridade ou da economia processual, dela pode resultar. Cumpre ter presente, em particular, que a prova pericial tem o seu valor livremente apreciado pelo tribunal (artigo 389º do Código Civil) e que, no caso, foram apresentados dois relatórios diferentes.

Recorde-se por fim que, tal como sucedia no âmbito do recurso julgado pelo acórdão de 10 de Julho de 2012, a recorrente justificou a apresentação dos documentos com os termos do relatórios dos peritos que realizaram a avaliação prevista no nº 2 do artigo 59º do Código das Expropriações, sustentando que estes trouxeram ao processo “factualidade nova” (alegações, fl. 1470): “além de tudo quanto já se pôs em evidência, não é necessário um esforço interpretativo muito grande para se concluir que podem integrar o conceito de ‘ocorrência posterior’ a que alude o artº 524º, nº 2 do CPC"; no caso, posterior à interposição de recurso da decisão arbitral.

6. Torna-se assim desnecessário apreciar as inconstitucionalidades suscitadas pela recorrente.

7. Nestes termos, concede-se provimento ao agravo, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que seja deferido o requerimento de fls. 922, ficando consequentemente sem efeito todos os actos processuais que se lhe seguiram, incluindo a sentença que fixou a indemnização devida à expropriada.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2012

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Ana Paula Boularot (vencida)

Lopes do Rego

Orlando Afonso

Távora Victor

_______________
DECLARAÇÃO DE VOTO

Não acompanhamos a tese que fez vencimento pelos fundamentos jurídicos constantes do meu projecto de Acórdão, que junto.

I Nos autos de expropriação por utilidade pública urgente, em que é Expropriante AA - CONCESSIONÁRIA PARA A TRAVESSIA …, S.A., E EXPROPRIADA BB, LDA., tendo por objecto a parcela n. ° 11.1, com a área de 12 772 m2, integrante do prédio denominado "R…", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob o n.o … (Alcochete), Expropriada e Expropriante recorreram para o Tribunal Judicial da Comarca de Montijo do acórdão arbitral, que fixara a indemnização no valor de 2937560$00.

A indemnização foi fixada no valor de € 52 588,71, dando-se provimento parcial ao recurso da Expropriada e negando-­se totalmente quanto ao da Expropriante (fls. 1193/1205).

Não se conformando com a sentença, recorreu a Expropriante quanto ao valor indemnizatório, tendo a Expropriada ampliado o objecto do recurso, tendo esta igualmente agravado do despacho de fls 1017 e 1018 que indeferiu o seu requerimento de fls 922 a 924, a solicitar a junção de documentos, prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos em audiência de julgamento e a apresentação de testemunhas.

O Tribunal da Relação, julgou improcedente a Apelação e negou provimento ao Agravo interlocutório nos seguintes termos:
«2.5. Passando, agora, ao conhecimento do agravo interposto pela Expropriada, importa referir que o momento para a apresentação dos meios de prova, no âmbito do recurso da arbitragem, no processo de expropriação está, expressamente, previsto nos artigos 56.° e 58.°, n.o 2, do Código das Expropriações.
Efectivamente, com a interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente oferece todos os documentos e requer as demais provas. Por outro lado, com a resposta ao recurso interposto, a parte contrária pode juntar, também, todos os documentos e requerer as demais provas.
Perante esta regulação específica, pode afirmar-se que não existe qualquer lacuna no processo especial de expropriação, não se justificando, por isso, recorrer, de forma subsidiária, ao Código de Processo Civil, nomeadamente ao disposto no seu art. 523.°, n.º2. Para além disso, as situações nem sequer são equiparáveis, pois enquanto no processo civil está em causa o momento da apresentação dos documentos no âmbito da acção, já no processo de expropriação está em causa o momento da apresentação dos documentos na fase do recurso da arbitragem. Tais situações correspondem a fases processuais distintas e, como tal, com regulação específica e diferenciada. Neste sentido, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 1998 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, T. 2, pág.93).
As normas dos artigos 56.° e 58.°, n.o 2, do Código das Expropriações não contendem com quaisquer princípios de natureza constitucional, sendo despropositada a invocação do princípio do contraditório. As partes, depois da avaliação, podem ainda apresentar reclamação, obtendo esclarecimentos dos peritos, verificados os respectivos pressupostos, como podem também alegar (art. 63.° do Código das Expropriações). Nessa medida, têm oportunidade, pois, de se pronunciar, com grande amplitude, sobre a prova,
nomeadamente a que advém da avaliação, não estando em causa a existência de um processo equitativo.
Por outro lado, o princípio da igualdade, em matéria de expropriações, tal como foi alegado, tem natureza substantiva, não fazendo qualquer sentido a sua invocação, para tentar justificar a apresentação de documentos, cuja junção não foi requerida no momento processual próprio.
Não se contemplando no Código das Expropriações uma audiência final, não podia ser deferida a prestação de esclarecimentos verbais por parte dos peritos, sem que isso corresponda à violação de qualquer princípio, sendo certo ainda que não está em causa o poder conformador do legislador, que entendeu, na altura, não ser indispensável a realização de uma audiência final no processo especial de expropriação.
Nesta conformidade, o despacho recorrido, que indeferiu a pretensão da Agravante, quanto à apresentação de documentos, testemunhas e prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos em audiência final, está de acordo com a lei vigente aplicável.
Assim, deve negar-se provimento ao agravo.»

Inconformada com tal segmento decisório, veio a Expropriada interpor recurso de Agravo, nos termos do artigo 754º, nº2 do CPCivil, apresentando as seguintes conclusões:
- Aplicável, no que ao regime processual concerne, ao presente processo expropriativo é o Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18­09 (CE/99), por ser o diploma vigente ao tempo dos trâmites processuais em causa.
- O regime regra para a junção de documentos e requerimento de demais prova no recurso de decisão arbitral e resposta ao mesmo, previsto nos art.s 58.º e 60.º, n.º 2.º do CE/99 - disposições correspondentes aos art.º 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 - não exclui a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que é o próprio art.º 463.º, n.º 2 do CPC que prevê essa aplicação, no respeitante a prova requerida em momento posterior ao previsto em tais artigos do CE/99.
- O CE/99 - à semelhança do de 91 - concede às partes, por força do previsto nas normas aplicáveis do CPC, a possibilidade de juntarem documentação ou requererem demais prova em momento posterior ao recurso da decisão arbitral e respectiva resposta, prevendo, inclusivamente, que essa produção de prova possa ser oficiosamente determinada pelo Juiz, na fase instrutória subsequente a tais peças, de acordo com o disposto no art.º 61.º, n.º 1 do CE/99 - 59.º, n.º 1 do CE/91.
- Sufragando, por meio de interpretação restritiva do disposto em art.s 58.º e 60.º, n.º 2 do CE/99 - correspondentes aos art.s 56.º e 58.º, n.º 2 do CE/91 - a tese de que este código não padece de qualquer omissão suprível pela aplicação do disposto no CPC, no que à prova requerida além daquele momento processual respeita, viola e coarcta o Tribunal a quo direitos fundamentais da recorrente, além de decidir em sentido diametralmente oposto ao adoptado nos acórdãos fundamento (Ac. do TRL de 14-06-2011, proferido no processo 1271/10.0YRSLB-1 e Ac. do STJ de 11-02-2010, proferido no processo 09B0280).
- Assim, violou o tribunal a quo com a sua decisão as disposições contidas no art.º 523.º, n.º 2; 524.º, n.º 2; 512.º A; 588.º, n.º 1; 652.º, n.º 3, al. c); e 519.º do CPC, bem como o disposto em art.ºs 56.º, 58.º, n.º 2 e 61.º, n.º 1 do CE/99.
- Aliás, a interpretação consignada no acórdão recorrido viola o disposto nos art.s 20.º, n.º 1 e 62.º, n.º 2 da CRP, a interpretação realizada pelo Tribunal a quo dos art.s 58.º e 60.º, n.º 2 do CE/99 e 524.º, n.º 2 do CPC, no sentido de que em processos expropriativos está vedada às partes a apresentação de documentos que se tenha tornado necessária por virtude de ocorrências posteriores à interposição do recurso da decisão arbitral, violando, pois, o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente do princípio da proibição da indefesa e, consequentemente os direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada.
- Por outro lado, a decisão de indeferimento do pedido de esclarecimentos verbais dos Srs. Peritos, que implica a violação dos princípios processuais da imediação e da oralidade, expressos nos art.s 588.º e 652.º, n.º 2 do CPC, deve, igualmente, ser considerada inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º1 e 62.º, n.º 2 da CRP, na medida em que a interpretação realizada dos art.s 61.º, n.º 3 do CE/99 e 588.º, n.º 1 do CPC, no sentido de que em processos expropriativos, o pedido realizado pelas partes de produção de esclarecimentos verbais pelos Srs. Peritos pode ser liminarmente negado pelo tribunal, uma vez que tal viola o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente do princípio da proibição da indefesa e, consequentemente, os direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada;
- Por fim, atento o conteúdo do relatório maioritário e seus esclarecimentos, aquelas diligências probatórias deveriam ter sido admitidas, sob pena de violação do fim da prova pericial (388.º do CC), dos princípios da imediação, da oralidade (588.º, 616, n.º2 e 652.º, n.º2 CPC) e do contraditório (517.º CPC) e, em ultima análise, dos direitos a uma justa indemnização e de propriedade privada, consagrados no artigo 62.º da CRP.

Nas contra alegações a entidade Expropriante concluiu da seguinte forma:
- O Acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao recurso de agravo da expropriada, sustentando o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, contém a correcta interpretação e aplicação das normas dos artigos 56.° e 58.° do CE/91, que determinam, expressamente, que com o recurso da decisão arbitral e resposta deverão ser oferecidos todos os documentos e requeri das as demais provas. O mesmo raciocínio se aplica se tivermos em atenção os correspondentes preceitos do CE/99.
- Ao contrário do que sustenta a agravante, a norma do artigo 523.°, n.º2 do CPC não é aplicável subsidiariamente ao processo expropriativo. Por um lado, porque não estamos perante uma lacuna e, por outro, porque não se verifica qualquer similitude do procedimento expropriativo com o processo comum, justificativa da aplicação analógica ao caso do disposto no n.º2 do artigo 523.° do CPC.
- Com efeito, no momento processual em que ocorre a interposição do recurso da decisão arbitral, e conhecidos que são já os contornos e o objecto do litígio - a determinação da indemnização - impõe-se às partes o dever de, desde logo, juntarem todos os documentos de que queiram socorrer-se em abono das suas teses de defesa dos valores indemnizatórios que entendem adequados.
- Acresce que, como vimos supra, a ratio da consagração da norma contida no n.º 2 do artigo 523.° do CPC para o processo ordinário não colhe no âmbito do recurso da decisão arbitral em expropriação litigiosa.
- Por outro lado, e conforme decidido por esse Supremo Tribunal, "Sabe-se, porém, que o Código das Expropriações se preocupou com a observância dos princípios da celeridade ( ... ) e da economia processual ( .. .). E é precisamente nesta preocupação do legislador que reside a norma do art. 56. bem como as seguintes dos arts. 57. e 58. do referido diploma." Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2005 (proc. n.º 04B4282, in www.dgsi.pt).
- Assim, onde exista omissão, no Código das Expropriações, não se discute a aplicabilidade subsidiária do CPC (como será o caso do regime consagrado no artigo 524.°, n.º 2 do CPC). Já não assim, porém, onde o Código das Expropriações regule, de per si, uma específica questão processual, como é o caso do respectivo artigo 56.°.
- Do que antecede, conclui-se que bem andou o Tribunal a quo ao arredar a aplicação da norma do artigo 523.°, n.º2 do CPC, improcedendo, assim, as conclusões do agravo da expropriada.
- Não violou o Acórdão recorrido o direito fundamental de acesso aos tribunais, na vertente da proibição da indefesa, porquanto o processo de expropriação litigiosa prevê momentos processuais específicos para junção de prova, pelo que se os mesmos não foram respeitados pela agravante, somente a ela poderão ser imputáveis as eventuais consequências daí resultantes.
- O Acórdão recorrido não violou, igualmente, o princípio do contraditório, ao decidir pela extemporaneidade das diligências probatórias de esclarecimentos verbais dos peritos, bem como produção de prova testemunhal, porquanto as mesmas devem ser requeridas, como vimos, no recurso da decisão arbitral ou na resposta, atento o disposto nos artigos 56.° e 58.° do CE, e não em fase posterior.

II A questão decidenda no âmbito do presente recurso consiste em saber se a Expropriada, ora Agravante, poderia requerer novos meios de prova após a interposição do recurso da decisão arbitral, como esta defende, arrimada nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 14 de Junho de 2011 e deste Supremo Tribunal de 11 de Fevereiro de 2010, sendo que o Acórdão objecto deste recurso neste conspectu respondeu negativamente.

Vejamos então.

Comecemos por dizer que no caso sub juditio se aplica o CExpropriações de 1991 aprovado pelo DL 438/1991, de 9 de Novembro, uma vez que tal como se decidiu no Acórdão sob censura, a declaração de utilidade pública do terreno objecto de expropriação teve lugar em 1995 (publicada no DR II Série de 21 de Março de 1995), todavia com expressão idêntica nos preceitos invocados pela Recorrente e insertos no CExpropriações de 1999.

A vexata quaestio nestes autos, como apontamos supra, consiste em saber se não obstante o artigo 56º daquele CExpropriações predisponha que «No requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente exporá logo as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito.» (correspondente ao artigo 58º do CExpropriações de 1999), não exclui a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, uma vez que é o próprio artigo 463º, nº2 deste diploma que prevê essa aplicação, no respeitante a prova requerida em momento posterior ao previsto naquele supra mencionado normativo.

Aquele ínsito, ao deixar expresso que o Recorrente instrui o seu requerimento de interposição de recurso com todos os documentos, requerendo as demais provas e indicando o seu perito, delimita, sem dúvida, o momento de apresentação das provas, bem como igualmente delimita a apresentação das suas alegações, por forma a habilitar o Tribunal da ciência das razões da sua discordância da decisão arbitral objecto da sua impugnação.

Invoca a Recorrente em seu favor o preceituado no artigo 463º do CPCivil.

Este normativo no seu nº1 predispõe no que aos processos especiais concerne os mesmos «regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário.», aliás na sequência do que preceituado se encontra no artigo 460º, nº1 do mesmo compêndio, posto que os processos poderão ser comuns ou especiais, adiantando o seu nº2 que «O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.»

Quer isto significar que, estando nós no âmbito de uma legislação especial só nos será licito recorrer à lei geral, quando exista uma situação lacunar que o permita e a lacuna implica que haja um caso que a Lei não preveja e que careça de regulamentação, artigo 10º, nº1 do CCivil, cfr Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª edição, 68/69 «(…)Os processos especiais constituem formas excepcionais, visto só serem aplicáveis aos caos expressamente previstos na lei, sendo o processo comum a forma adjectiva arvorada em regra pelo sistema (que a considera aplicável a todos os casos – indiscriminadamente referidos – a que não corresponda processo especial). O primeiro ponto a investigar na escolha da forma aplicável à dedução de qualquer pretensão em juízo consiste assim em saber se a essa pretensão (abstractamente considerada) corresponde alguma das formas especiais de processo (processos especiais) previstos na lei. No caso afirmativo, o pedido terá de ser deduzido a acção desenvolvida de acordo com o esquema (processo especial) correspondente; no caso oposto, cair-se-á no processo comum, onde também não há um só, mas vários tipos ou formas de processo.(…)».

Ora, no caso sujeito, para além de estarmos indubitavelmente perante um processo especial, a Lei previu especificamente o momento de apresentação das provas, estabelecendo uma restrição temporal em relação ao regime geral previsto para o processo ordinário, inexistindo pois qualquer situação lacunar necessitada de integração, maxime por recurso às regras gerais do processo civil por aplicação analógica, ver Oliveira Ascensão, O Direito, 13ª edição refundida, 434 e seguintes e a propósito do artigo idêntico no CEpropriações de 1999 (o supra apontado artigo 58º Cujo teor ora se transcreve «No requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da sua discordância, oferecer todos os documentos, requer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577º do Código de Processo Civil.»), diz-nos Salvador da Costa in Código Das Expropriações E Estatuto Dos Peritos Avaliadores, 2010, 357 «Dada a letra e o fim deste artigo, o oferecimento das provas constituídas e o requerimento das provas constituendas, salvo a pericial, dada a sua obrigatoriedade, não podem ser diferidos para momento posterior».

Daqui resulta, com mediana clareza que o CExpropriações não concede às partes, por força do previsto nas normas aplicáveis do CPCivil, a possibilidade de juntarem documentação ou requererem demais prova em momento posterior ao recurso da decisão arbitral e respectiva resposta, nem sequer prevê, ex adverso da conclusão formulada pela Recorrente nesse preciso sentido, que essa produção de prova possa ser oficiosamente determinada pelo Juiz, na fase instrutória subsequente a tais peças, de acordo com o disposto no artigo 59º, nº1.

O que este normativo predispõe é que «Findo o prazo de apresentação da resposta, seguir-se-ão imediatamente as diligências instrutórias que o juiz entenda úteis à boa decisão da causa.», mas tais diligências instrutórias terão de ter por base os requerimentos que nesse sentido foram efectuados pelas partes aquando da interposição do recurso e da resposta da entidade recorrida, nos termos dos artigos 56º, 57º e 58º, nº2, do CExpropriações, não podendo o juiz «à la diable» substituir-se às partes ordenando diligências de prova não solicitadas, a não ser aquela que obrigatoriamente tem lugar em processo de expropriação, mesmo que não seja directamente requerida, qual é a avaliação, artigo 59º, nº2 do mesmo diploma.

É que, sem embargo de estarmos perante um processo especial, está o mesmo integrado na função jurisdicional, e neste conspectu são-lhe aplicáveis, mutatis mutandis, os princípios gerais que regem o processo civil, tais como o principio do dispositivo, vg, através da delimitação do thema decidendum no requerimento de interposição de recurso e da formulação dos quesitos para o acto de avaliação; o principio da auto responsabilização das partes, directamente relacionado com aqueloutro, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem elas a sofrer as consequências da sua inactividade; e o princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas, impedindo-as de se guardar para momentos ulteriores, não prevenidos pela lei, onde poderia acontecer que a parte contrária já não se pudesse defender convenientemente, cfr Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 1ª edição 1997, 369/370.

Assim sendo, não foi efectuada qualquer interpretação restritiva pelo Acórdão impugnado, do preceituado no artigo 56º do CExpropriações de 1991, ao não admitir o que a Recorrente requereu através do seu requerimento de fls 922 a 924 datado de 14 de Maio de 2009, isto é, a junção de documentos, prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos em audiência de julgamento e a apresentação de testemunhas, em momento muito posterior ao da interposição do seu recurso da decisão arbitral, o qual deu entrada em 4 de Setembro de 2006, cfr fls 276 (tendo o da Agravada dado entrada em 7 de Setembro de 2006, cfr fls 299), sendo certo que, além do mais, o processo de expropriação não comporta uma fase de audiência de discussão e julgamento, tal qual a mesma é prevista para o processo comum ordinário, mas antes e apenas aquelas diligências instrutórias a que aludiu supra, prevenidas no normativo inserto no artigo 59º.



Sempre se acrescenta ex abundanti o seguinte: mesmo que por mera hipótese de raciocínio se pudesse estender ao processo expropriativo as normas gerais do processo civil no que tange aos documentos, veja-se que o normativo inserto a que alude o artigo 524º, nº2 do CPCivil permite a junção de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por via de ocorrência em momento ulterior, em qualquer estado do processo.

Os documentos que a Agravante requereu a junção, através do seu requerimento de fls 922 a 924 e cujo desentranhamento foi ordenado, cfr fls 930 a 971, tratavam-se de uma notícia do Jornal Expresso intitulada «Aquicultura, um potencial moribundo, datada de 30 de Setembro de 2006 e dois relatórios periciais de avaliação ambos com data de entrada em Tribunal de 3 de Julho de 1997, como deflui da resposta da Recorrida de fls 978 a 980, a qual não é infirmada pela Agravante na «resposta à resposta» que lhe foi concedida e que faz fls 983 a 988.

Todos esses elementos, porque produzidos em data anterior à da interposição do recurso da decisão arbitral interposta pela Expropriada, aqui Agravante, de onde poderem ter sido juntos, na oportunidade, com a respectiva motivação, em obediência ao preceituado no artigo 56º do CExpropriações, já que era do seu conhecimento e não poderia ignorar, que a avaliação é de realização obrigatória e qual a finalidade da mesma, pelo que sempre se incluiria no principio da auto responsabilização das partes e da preclusão, com todas as consequências daí advenientes a circunstância de a Agravante, na altura própria não ter feito juntar os pretendidos documentos.

Por outra banda, no que tange à indicação de testemunhas, deveriam as mesmas ter sido arroladas aquando da interposição do recurso da decisão arbitral, não havendo qualquer preceito legal que permita, em sede de processo expropriativo, a audição de testemunhas numa fase subsequente à prevenida no artigo 59º, nº1 daquele mesmo diploma, aplicando-se aqui, mutatis mutandis, aqueles princípios gerais reguladores do processo civil.

Insurge-se ainda a Agravante contra a decisão recorrida porquanto na sua tese o indeferimento do pedido de esclarecimentos verbais dos Srs Peritos implica a violação dos princípios processuais da imediação e da oralidade, expressos nos artigos 588º e 652º, n.º 2 do CPCivil.

Aqui chegados façamos um périplo pelo processado.

Por despacho de fls 650 foram nomeados os peritos, designado dia para o início da diligência e notificadas as partes nos termos do artigo 61º, nº1 do CExpriações.

Na sequência de tal notificação a aqui Agravante circunscreveu o objecto da perícia e formulou os seus quesitos que fez juntar aos autos através do seu requeimento de fls 659 a 662.

Na sequência do requerido pelas partes os Srs Peritos apresentaram Relatório pericial que se encontra junto de fls 698 a 778 e 782 a 831, tendo as partes sido devidamente notificadas, cfr fls 835 e 836.

A Agravante apresentou a sua reclamação a tais respostas solicitando esclarecimentos vários, reclamação essa deferida após audição da parte contrária que a ela se opôs, tendo sido ordenada pelo Tribunal, através do despacho de fls 869.

Na sequência de tal notificação, os Srs peritos vieram prestar os esclarecimentos solicitados, conforme resulta de fls 887 a 891 e 1146.

Conforme deflui do articulado legal referente ao recurso da arbitragem – artigos 56º a 64º do CExpropriações de 1991, aqui aplicável – nomeadamente do preceituado no artigo 61º, aquele diploma apenas é omisso no que tange ao processamento da avaliação, o que vale por dizer que neste particular, inexistindo norma expressa, o mesmo comporta a aplicação das normas gerais do processo civil, aliás de acordo com o que a propósito vem consignado no normativo inserto no artigo 463º, nº1 e, assim sendo, bem se compreende que, com as devidas adaptações, tenha sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 586º, quanto ao resultado da perícia, bem como ao preceituado no artigo 587º, este como aqueles do CPCivil, quanto à notificação do resultado da mesma às partes, apresentação por estas das suas reclamações e caso as mesmas sejam atendidas, decisão do Tribunal no sentido de os Srs Peritos completarem o Relatório.

Todos estes procedimentos foram oportunamente cumpridos pelo Tribunal de 1ª instância, com obediência ao principio do contraditório legalmente exigido e se não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 588º do CPCivil, isto é, convocação dos Srs Peritos para prestarem esclarecimentos em sede de audiência final, tal não foi feito porque o processo de expropriação não comporta, como deflui inequivocamente do seu processado específico, audiência de discussão e julgamento, e assim sendo, os esclarecimentos dos Srs Peritos foram prestados nos autos nos termos pretendidos pela Agravante e para os quais foram notificados, não havendo quaisquer outros esclarecimentos a prestar, maxime, numa diligência judicial não prevista pela Lei expropriativa enquanto Lei especial que se sobrepõe àquela Lei geral que só é chamada quando existe uma situação lacunar e a sua aplicação não conflituar com aqueloutra.

No processo de expropriação não há lugar a audiência de discussão e julgamento, tal como a mesma se encontra configurada no processo civil, concretizando-se a discussão e o julgamento no mesmo com a apresentação das alegações das partes, findas que estejam as diligências de prova, nos termos do artigo 63º, seguindo-se a decisão com a fixação do montante indemnizatório, de harmonia com o disposto no artigo 64º, ambos os dispositivos do CExpropriações, cfr Osvaldo Gomes, ibidem, 386/387 e Ac STJ de 20 de Janeiro de 2005 (Relator Araújo Barros), in www.dgsi.pt.

Assim sendo, não se vislumbra como é que a interpretação consignada no acórdão recorrido possa violar o disposto nos artigos 20º, nº1 e 62º, nº 2 da CRPortuguesa, coarctando, por um lado o acesso ao direito e aos Tribunais por banda dos interessados e, por outro, pondo em causa a fixação de uma justa indemnização, posto que o Tribunal cumpriu todas as regras processuais aplicáveis ao procedimento expropriativo bem como seguiu o iter legalmente adequado, isto é, com estrita obediência aos princípios da igualdade e do contraditório.

Aceitar a tese que vem sustentada pela Agravante, seria admitir a derrogação do preceituado no artigo 463º, nº1 do CPCivil, no que tange às regras reguladoras do processo especial, o qual se passaria a reger então pelas regras próprias e gerais de forma indiscriminada, o que conduziria necessariamente a uma incongruência do próprio processado que o legislador, com as especificidades introduzidas concerteza não quis implementar, o que de todo o modo, sempre seria inadmissível.

São todas as estas especificidades supra aludidas que levam a concluir que quer no que respeita à junção de documentos, rol de testemunhas e pedido de novos esclarecimentos, verbais aos Srs Peritos, fora dos momentos legalmente prevenidos para o efeito e que se deixaram enunciados, não se pode pretender estabelecer qualquer analogia entre o processo comum civil e o processo de expropriação, cfr o Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 2005 que supra se citou.

Com efeito, a Recorrente não podia ignorar que na sequência do recurso por si interposto deveria oferecer todos os documentos e requerer as demais provas e indicar o seu perito (veja-se que a Agravante neste requerimento arrolou duas testemunhas, juntou dezasseis documentos, indicou o seu perito e até produziu os seus quesitos, cfr fls 276 a 298), bem sabendo que era esse o momento certo para produzir as suas provas, de onde, tendo em seu poder outras provas, como ficou demonstrado que tinha, deveria ter desde logo instruir aquele requerimento com todos os elementos documentais que reputasse pertinentes e adequados à demonstração dos seus fundamentos, em conformidade com o previsto no artigo 56º do CExpropriações e se não o fez, sibi imputet, aplicando-se aqui o princípio da auto responsabilização das partes, fazendo recair sobre a Agravante a consequência da sua inacção, ao não fazer desde logo juntar todos os documentos e ao não arrolar todas as testemunhas, embora quanto à audiçãodas que foram primitivamente indicadas, veja-se que o Tribunal não as ouviu, o que estava dentro dos seus poderes, pois o artigo 59º, nº1 do CExpropriações apenas estabelece a produção das provas que o Juiz entenda «úteis à boa decisão da causa».

No que tange ao pedido formulado de novos esclarecimentos dos Srs Pertitos, agora a prestar verbalmente em sede de audiência de julgamento, sobre as questões suscitadas na sequência dos esclarecimentos prestados pelos mesmos a instâncias da Agravante, como se deixou referenciado, o processo expropriativo não contempla a existência de uma audiência de julgamento formal, nem comporta qualquer diligência de «esclarecimentos aos esclarecimentos», quando este já tenham sido efectuados pelos Srs Peritos.

As conclusões improcederiam assim e a meu ver, na sua totalidade, o que me levaria a negar provimento ao Agravo e a manter a decisão plasmada no segmento do Acórdão objecto deste recurso.


(Ana Paula Boularot)