Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
695/09.0TBBRG.G2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO DE SERVIDÃO
ÓNUS DA PROVA
BASE INSTRUTÓRIA
ÂMBITO DA REVISTA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS / SERVIDÕES PREDIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 1543.º, 1550.º, 1569.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 506.º, 663.º, 664.º, 668.º, 712.º, 722.º, 729.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
– DE 2 DE JULHO DE 2009, PROC. Nº 08B3995;
– DE 16 DE MARÇO DE 2011, PROC. Nº 263/1999.P1.S1;
– DE 25 DE OUTUBRO DE 2011, PROC. 277/07.0TCMR-G1.S1;
EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. A base instrutória não é definitiva, seja ou não objecto de reclamação. Pode ser ampliada por decisão tomada na audiência final, em recurso de apelação ou por determinação do Supremo Tribunal de Justiça.

2. A decisão da Relação de determinar a ampliação da matéria de facto não é controlável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Fora dos estritos limites do disposto no nº 3 do artigo 722º e do nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, não é possível a alteração da decisão de facto no recurso de revista.

4. Apenas ocorre nulidade por excesso de pronúncia quando o tribunal aprecia questão de que não podia ter conhecido, por não ter sido suscitada pelas partes nem ser de conhecimento oficioso (cfr. nº 1 do artigo 660º do Código de Processo Civil).

5. A desnecessidade susceptível de permitir a extinção judicial de uma servidão de passagem há-de ser aferida em função do prédio dominante e não do respectivo proprietário.

6. A jurisprudência dominante vai no sentido de que só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante.

7. O ónus da prova da desnecessidade incumbe à parte que requer a extinção.

8. Salvaguardadas evidentemente hipóteses de abuso de direito ou semelhantes, bastará ao proprietário do prédio serviente provar que a servidão deixou de proporcionar utilidade ao prédio dominante para que consiga obter a sua extinção; mas tem de estar demonstrada a desnecessidade.

Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação do réu a “abster-se de passar pelo terreno do autor de qualquer forma, respeitando a plena propriedade do mesmo uma vez inexistente qualquer servidão sobre si”. Subsidiariamente, e a entender-se existir uma servidão, pediu que fosse “demarcada a norte do tanque de água”, e, subsidiariamente ainda, que se declarasse “a mesma extinta”.

Para o efeito, e em síntese, alegou que o réu tem passado indevidamente pelo seu terreno, onde habita numa moradia, nomeadamente com camiões pesados, transportando materiais de e para o prédio de que é proprietário, e que utiliza como “estaleiro de construção civil”; que tinha existido um caminho pedonal, que passava por um outro prédio, que deixou de ser usado; que o prédio do réu é contíguo à Estrada Nacional nº 14, “que lhe possibilita a comunicação imediata com a via pública”. Afirmou ainda que, a ter existido a servidão, ela se teria extinguido por desnecessidade.

Os réus contestaram. Por entre o mais, alegaram a ilegitimidade do autor, por estar desacompanhado da sua mulher; afirmaram que o caminho por onde passa a sua servidão não pertence ao prédio do autor; que, de qualquer modo, não pode sustentar-se a desnecessidade da servidão, uma vez que “o réu sempre se serviu por este caminho de servidão”; e que “é do conhecimento geral e do autor também que as Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo àquela estrada”. Em reconvenção, pediram que fossem declarados proprietários do prédio que beneficia da servidão, cuja constituição por usucapião deve ser declarada, e que os autores fossem condenados a reconhecer que a servidão de que beneficiam não permite a passagem “com veículos automóveis”, mas apenas “a pé, carros de bois ou tractor”.

Foi admitida a intervenção principal de DD, mulher do autor (cfr. despacho de fls. 129), por este requerida a fls. 124.

A acção e a reconvenção foram julgadas parcialmente procedentes, pela sentença de fls.271. Mas a sentença foi anulada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 367, “para que seja ampliada a base instrutória”, para apurar “se é permitido o acesso directamente da via pública ao prédio dos RR. (e o inverso)”, por ser “fundamental para se formular um juízo sobre a necessidade ou desnecessidade da servidão reconhecida aos RR.”.

O autor interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido pelo despacho de fls. 431, uma vez que não cabe recurso do acórdão da Relação proferido ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil, como foi o caso (nº 6 do mesmo artigo 712º).

Na sequência da anulação, foi aditado à base instrutória o quesito 21º-A, com o seguinte texto: “As Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo do prédio dos RR à Estrada Nacional nº 14?” (despacho de fls. 440), ao qual veio a ser respondido “não provado” (despacho de fls. 481), esclarecendo-se que a alteração da utilização do prédio dos réus (“o prédio era e sempre foi de natureza rústica (…), passando o réu a dar-lhe outra finalidade, estaleiro de materiais de construção civil, o que obriga naturalmente a assegurar outro tipo de acesso”) não impede que as Estradas de Portugal possam “autorizar o acesso directo ao prédio, para fins de estaleiro, desde que salvaguardadas as condições impostas na legislação rodoviária, o que implica obras no prédio dos réus”.

A fls. 488 foi proferida nova sentença, na qual se decidiu:

“a) Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência (…),

– reconhecer que o autor e a chamada são donos e proprietários do prédio descrito de 1. a 4. dos factos provados, devendo os réus reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito;  

– reconhecer que sobre o mesmo prédio foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio dos réus descrito em 5. dos factos provados, para execução de trabalhos nas leiras, e  para tocar mato, a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), com trajecto descrito nos pontos 33 a 37 dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39 a 43.;

 – declarar a mesma servidão de passagem extinta, por desnecessidade, face à existência de um acesso directo ao mesmo prédio referido em 5., cujo licenciamento apenas depende da realização de obras da responsabilidade dos réus;

 – absolver os réus dos demais pedidos formulados na acção;

b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, e em consequência”, decidir

“— reconhecer que os réus são donos e proprietários do prédio descrito em 5. dos factos provados, devendo o autor e a chamada reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito;          

– reconhecer que sobre o prédio descrito em 6. dos factos provados foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio do autor e da chamada, a pé, com carros de bois, tractor ou alfaias agrícolas e veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), com trajecto descrito nos pontos 33 a 37 dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39 a 43.;

 – absolver autor e chamada  dos demais pedidos formulados na reconvenção”.

2. Os réus recorreram, de novo, para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Pelo acórdão de fls. 592, a apelação foi julgada parcialmente procedente e a sentença foi revogada “na parte em que declara extinta por desnecessidade a servidão de passagem constituída em prol do prédio dos RR.”.

Interessa agora recordar que a Relação entendeu:

“E não estando demonstrado que os RR. podem aceder à via pública através da sua propriedade e vice-versa, não obstante a mesma ser contígua ao seu prédio, não pode ser declarada extinta por desnecessidade a servidão de passagem.

Mas apesar de não poder ser declarada a extinção do direito, não significa que os RR. possam utilizar o caminho de servidão com a extensão com que o estão a utilizar.

(…) No caso, não se apurou que o direito de passagem que os RR. adquiriram por usucapião abrangesse a utilização com camiões e veículos pesados que tem vindo a ser feita. (…) Não se alegou nem provou qualquer acordo das partes com o propósito de alterar a extensão da servidão”.

3. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«A)   Nas   suas   peças   processuais,   os   RR,   recorrentes   para   a   Relação, restringiram o objecto processual, sendo certo que em recurso já não lhes era permitido ampliá-lo de modo a abranger uma questão nova que passou por uma decisão instrutória de que não se reclamou ou recorreu.

B] Não é um facto mas antes uma conclusão ou ilação dizer em contestação "até porque é do conhecimento geral e do Autor também, que as Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo àquela estrada".

C] Parece que não podia o tribunal de recurso transformar uma ilação, contida na expressão "conhecimento geral e do A também", num facto como "As EP rejeitaram o licenciamento referente ao prédio X ou Y", ou "o prédio identificado X ou Y não tem licenciamento das EP";

D] Não teria o tribunal de julgamento qualquer dever de levar para a base instrutória uma mera suposição pois só de factos é feita a base instrutória.

E] O licenciamento é irrelevante para a questão, que é de facto não de
direito, uma vez que a obra da entrada de cujo licenciamento se discute foi
efectuada pela própria entidade que licencia e até em data anterior à entrada
em vigor do DL13/71, de 23/01.

F] Em 1979 a Junta Autónoma das Estradas, como expropriante,
responsabilizou-se pela manutenção de quaisquer serventias aos terrenos
dessa EN14, e do qual faz parte o prédios dos RR conforme documento que se
juntará para debater esse facto novo trazido ao processo em recurso.

G] A decisão recorrida viola a lei substantiva, designadamente a
interpretação que faz do artigo 1569
º quando entende ser relevante o
licenciamento de entrada no prédio dominante, sem cuidar de saber sobre o
momento da sua constituição, se anterior ou posterior a 1971, ou da autoria
da sua construção, se particular se entidade pública, que torna desnecessária
outra entrada que onerava prédio serviente.

H] Há desnecessidade (de servidão) se o prédio dominante tem acesso à via pública, o proprietário serviente tem interesse na extinção e para o proprietário dominante não se eliminem interesses atendíveis –  Acórdão RC de 10.05.2005: CJ, 2005, 35º 9.

I]  "A desnecessidade de subsistência da servidão para o prédio dominante como requisito previsto no 1569ºnº2 do Código Civil para a extinção de uma servidão afere-se em relação ao momento da introdução da acção em juízo, não   sendo   necessária   a   prova   de   uma   superveniência   absoluta   da desnecessidade    após    a    constituição    da    servidão.    A    lei    pretende essencialmente, uma ponderação actualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando ao prudente critério do juiz avaliar se, no momento,     considerado     e     segundo     um    juízo     de    prognose     de proporcionalidade  subjacente  aos  interesses   em  jogo,  haverá  ou  não alternativa que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio encravado possa ser eliminado o encargo sobre o prédio serviente". (...) Acórdão ST) de 27.05.1999: BMJ, 487º – 313.

J]  Os RR foram notificados do douto Despacho Saneador e nunca dele reclamaram.

K] De todo modo parece que nem nessa fase poderiam fazê-lo pois também nenhum facto desse jaez havia, em alguma das suas peças processuais, sido invocado.

L] A decisão que considera ampliação a novos factos nunca alegados, em qualquer peça processual, viola o princípio do dispositivo nomeadamente o normativo constante do artigo 264º do Código de Processo Civil.

M) Porquanto parecer ser apenas de admitir uma ampliação em relação a factos alguma vez alegados e com relevância processual.

N) Parece existir, na ampliação a novos factos, sem relevância para o caso em análise, uma violação da lei processual.

0) Constituindo-se ferida de nulidade a própria sentença, o que se invoca nos termos da alínea d) do nº ldo artigo 668º do Código de Processo Civil.

P) por ter tomado em consideração factos de que não poderia conhecer por inexistentes no processo.

Q) Mesmo que esse licenciamento tivesse a relevância que se lhe quis atribuir, que não tem, não pode, por outro lado, a pessoa que age como proprietária criar ou agir gerando uma convicção nos outros de que age a coberto da lei, por sempre ter tido um comportamento conforme ao de um normal proprietário, onde se inclui a convicção de agir conforme a todos licenciamentos por lei exigidos, para de surpresa, alegar, em sede de recurso, nunca em julgamento, que afinal a sua propriedade não estava devidamente licenciada, para dessa forma obter efeitos que só a si aproveitam em prejuízo da pessoa atingida pela protecção dada ao confiante.

R] Constituindo essa actuação um venire contra factum proprium.

S] Dito de outra forma não é lícito ao próprio utilizador de uma entrada com acesso a uma estrada nacional invocar a sua inacção, isto é, a sua própria falta de pedido de licenciamento, pois só os  proprietários podem requerer licenciamentos respeitantes às suas propriedades, para dela, a inacção, se servir, procurando obter outros fins, como seja uma servidão em terreno vizinho, onerando as pessoas a quem levou a crer que o fazia a cobro de licenciamento».

Juntou documentos e requereu a alteração de “um facto tão objectivo quanto o descrito no artigo 37 no que concerne ao «que daqui para a frente [isto é a partir da frente da casa do pai do réu, descrita em 6.] só podia seguir-se o trajecto a pé»”.

Os réus contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso do autor e a manutenção do acórdão recorrido; e, “subsidiariamente”, interpuseram recurso subordinado, no qual concluíram nestes termos:

«Subsidiariamente

Quanto ao recurso subordinado:

deve ser dado provimento a este recurso e, em consequência:

1- Reconhecer-se que o Autor e Chamada (Recorrentes no Recurso de Revista) são donos e proprietários do prédio (id. em 1. e 4. dos Factos Provados que os RR. (Recorridos no Recurso de Revista) são donos e proprietários do prédio referido em 5. dos Factos Provados devendo cada uma das partes reconhecer a outra nessa qualidade.

2. - Reconhecer-se que sobre o prédio do Autor e Chamada (Recorrentes no Recurso de Revista) (id. em 1. e 4. dos Factos Provados, foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor (ou em benefício) daquele prédio dos RR. (Recorridos no Recurso de Revista) – identificado em 5. dos factos provados, para a execução de trabalhos nas leiras e para roçar mato, a pé, com carro de bois e alfaias agrícolas, bem com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados) com a largura de 2,50 m, alterada em 2004 por acordo, para 5 m, desde o seu início e até à entrada daquele prédio dos RR. (Recorridos no Recurso de Revista) referido em 5. , até junto ao local onde existe o portão referido em 19. e 42 dos Factos Provados e pelo trajecto descrito nos pontos 33. a 37. dos Factos Provados e alterado conforme descrito nos Factos Provados de 39. a 43.

3.-Reconhecer-se que RR. (Recorridos no recurso de revista) autorizaram, em 2004, o Autor e Chamada ( Recorrentes no Recurso de Revista) a procederem ao alargamento do caminho para 5 m, com a condição de tal largura se manter até à entrada do prédio daqueles, id. em 5. dos Factos Assentes, até junto ao local onde existe o portão
referido em 19. Dos Factos Provados, o que foi aceite pelo Autor e Chamada ( Recorrentes no Recurso de Revista).

Como consta de 39. a 43. Dos Factos Provados.

4.- Serem o Autor e Chamada (Recorrentes no Recurso de Revista)   condenados a não impedirem, embaraçarem ou, por qualquer modo, estorvarem o exercício da passagem dos RR. (Recorridos no Recurso de Revista) a pé, com carro de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados, para o mencionado prédio destes (identificado em 5. dos Factos provados)

Sem Prescindir:

Caso não se decida como acima exposto, ou caso a servidão venha  a  ser  julgada   extinta   por desnecessidade

5.-Devem o Autor e Chamada (Recorrentes no recurso de revista), por não cumprirem a condição referida em 42 e 43 dos Factos Provados da sentença recorrida, ser condenados a procederem à mudança da mencionada servidão  de passagem, para o seu primitivo local, ou seja, para o local anterior ao do alargamento do caminho, para 5m, efectuado em 2004 (conforme n° 39. Dos Factos Provados), com todas as legais consequências.»

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1. O prédio rústico constituído por uma leira de terra de mato e lenha, situado no ... e lugar do mesmo nome, da freguesia de ..., a confrontar pelo norte com caminho e EE, pelo sul e poente com caminho para F..., e pelo nascente com terra do P..., esteve descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob a ficha n.º ....

2. A este prédio foi anexado o descrito sob n.º ..., por formarem um só prédio rústico denominado “L...”, de terreno de mato, situado no lugar do M... ou F..., tendo dentro em si um tanque, a confrontar pelo norte com caminho do Monte e prédio de EE, pelo sul com terreno do P..., pelo nascente com EE e pelo poente com caminho público.

3. Através do Av. 3/Ap. 41/15.12.02 foram alteradas as confrontações, passando a mencionar-se norte e nascente “Brisa – Auto-Estradas de Portugal”, sul caminho público e FF e poente o mesmo e GG.

4. Após extractação mencionada através do Av. 2/Ap. 41/15.12.02, o prédio está hoje descrito como “Rústico - M..., F... ou L... - L..., terreno de mato com 1.200m2, a confrontar do norte e nascente com “Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A”, sul caminho público e FF e poente FF e GG – artigo 61.º”, sob n.º … da 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga, da freguesia de ..., encontrando-se registado a favor do autor AA, por compra, por meio da inscrição G-1, Ap. 41/16.12.02.

5. O prédio denominado L...., sito no lugar da L..., cultura, ramada e videiras, com 3992m2, descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º …, da freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ….º, a confrontar do norte com auto-estrada, do sul com GG, do nascente com Estrada Nacional e do poente com AA, desanexado do n.º …, está registado a favor do réu BB, por partilha e compra, por meio da inscrição Ap. 41/2000.03.08.

6. O prédio sito no lugar da L..., parcela de terreno para construção, com 250m2, inscrito sob o art. ….º da matriz, a confrontar a norte, sul e poente com EE e nascente com HH, descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º …, da freguesia de ..., está registado a favor do pai do réu FF, por compra, por meio da inscrição Ap. 8/1967.01.03.

7. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 2 de Fevereiro de 1991 EE e II, declararam vender a FF, que declarou comprar, uma parcela de terreno já devidamente demarcada e de forma rectangular com a área de 250 m2, destinada a construção urbana, a confrontar do nascente com HH e dos restantes lados com os vendedores, a desanexar do prédio rústico sito no lugar da L..., freguesia de ..., descrito na Conservatória sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o art. ….º.

8. O prédio referido em 5. confina, na sua extrema norte, com o prédio referido em 1..

9. O autor apresentou uma petição/reclamação ou queixa na Câmara de Braga, em 12 de Dezembro de 2008, nos termos dos docs. 14 a 16 da pi.

10. A 13 de Janeiro de 2009 o autor apresentou queixa-crime contra o réu, que deu origem ao inquérito n.º 83/09.8TABRGA, pelo crime de dano, por alegada destruição de um muro ocorrida a 12 de Dezembro de 2008, que veio a ser arquivado.

11. Correu termos no 4.º Juízo cível de Braga o procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, proposto a 12 de Dezembro de 2008 pelo aqui réu contra o autor e a chamada, onde foi proferida decisão a ratificar o embargo de obra e a determinar a suspensão da obra desenvolvida pelos ali requeridos e descrita no art. 5.º dos factos provados – construção de um muro, em blocos de cimento, ao longo de todo o leito do terreno onde se encontra implantada a servidão …”, a 11 de Dezembro de 2008.

12. Por decisão proferida a 31 de Julho de 2009, declarou-se extinto o procedimento cautelar, por caducidade, nos termos do art. 389.º, n.º 1, al. a) do C.P.Civil. – cfr. fls. 196 e 197 do procedimento cautelar.

13. Teor do Alvará de licença de construção n.º … da Câmara Municipal de Braga.

14. O autor implantou e edificou uma moradia unifamiliar no prédio referido de 1. a 4.. (Alíneas A) a N) da matéria de facto assente)

15. Actualmente o prédio referido em 5. é usado como estaleiro de construção civil, na zona que confronta com a EN14, encontrando-se a parte outrora cultivada sem qualquer uso.

16. Até à construção da casa do autor existia um muro que separava os prédios referidos em 1. e 5., em pedra solta, onde existia uma abertura com uma cancela.

17. Desde que o autor terraplanou o prédio referido em 1., o réu tem passado no caminho, que passa frente à fachada principal da casa do autor, com veículos pesados, carros e carrinhas.

18. Para o que alargou a abertura no muro referido em 16.

19. O réu colocou um portão na abertura que alargou.

20. Aproveitando a terraplanagem referida e o alargamento do caminho o réu faz passar pelo prédio referido em 1. veículos pesados.

21. O que acontece várias vezes ao dia, em dias de trabalho.

22. Transportando de e para o seu prédio mercadorias.

23. Os camiões passam a cerca de um metro da fachada principal da casa do autor.

24. Fazendo vibrar as paredes a cada passagem.

25. E fazendo ruído.

26. O que perturba o autor no seu sossego, tranquilidade e privacidade.

27. Actualmente no prédio referido em 5. (descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º …  com a área de 3992 m2) existe um caminho que termina na EN 14, tendo sido colocado junto à mesma via um portão que permite a entrada. (resposta alterada pelo TRG, agrupando os anteriores pontos 27. e 29. dos factos provados, quesitos 19.º e 21.º)

28. Contíguo ao mesmo prédio existe uma Estrada Nacional.

29. Desde o ano de 2009 que o réu colocou um rail com dobradiça, a tapar essa entrada, sendo aquele amovível.

30. Para aceder ao prédio referido em 5., através do caminho que passa em frente à casa do autor, o réu tem de fazer um trajecto mais íngreme.

31. Desde sempre, antes e após a partilha e aquisição do prédio referido em 5., o acesso ao mesmo, para a execução de trabalhos nas leiras, de cultivo, e para roçar mato;

32. A pé, com carros de bois e alfaias agrícolas;

33. Era feito através de um caminho, com a largura aproximada de 2,50 metros, e com a extensão aproximada de 50 metros;

34. Com início no caminho público (hoje estrada municipal), localizado a sul do prédio referido em 6.;

35. Que prosseguia junto ao muro que delimitava o prédio referido em 6. e pelo extremo nascente/norte do prédio rústico, propriedade de GG.

36. Atravessava, em linha ligeiramente diagonal, até à frente da casa do pai do réu, sendo que daqui para a frente só podia seguir-se trajecto a pé.

37. Para acesso aos prédios referidos em 1. e 5. e prosseguia em direcção e para serventia dos prédios que se situavam para lá do local onde está hoje implantada a auto-estrada.

38. Caminho que esteve marcado no chão com sulcos feitos pelos rodados dos carros de bois e tractores até ao limite referido em 37., sendo desde aí um trilho pedonal;

39. Em 2004, para criar condições ao licenciamento de construção, o autor contactou o réu marido, na qualidade de proprietário do prédio referido em 5. e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF, proprietária do prédio referido em 6., bem como a proprietária do prédio localizado a poente, solicitando a ambos o alargamento do caminho supra referido para 5 metros de largura.

40. Os réus autorizaram o alargamento do leito do caminho, como, para tal efeito e com autorização dos restantes herdeiros, recuaram, em cerca de um metro, o muro de vedação do prédio referido em 6., e executaram o novo muro.

41. A proprietária do prédio localizado a poente, cedeu a restante parte do terreno necessário ao alargamento para os cinco metros.

42. Quer esta quer os réus colocaram como condição dessa alteração que se mantivesse tal largura até à entrada no prédio referido em 5., até junto ao local onde existe o portão referido em 19.

43. E permitiram os réus, em contrapartida, a mudança do caminho para a extrema poente do prédio do autor.

44. Os muros de ambos os lados do novo caminho foram executados pelos réus, embora a construção do que delimita o caminho da extrema do prédio de GG fosse paga pelo autor.»

Ambos os recursos foram admitidos.

5. Cumpre apreciar o recurso dos autores; o recurso subordinado só será tido em conta se proceder o recurso principal, porque foi apresentado a título subsidiário.

Segundo explica o próprio recorrente, as questões que coloca no recurso são as seguintes:

“Saber se em recurso é possível ao Tribunal da Relação ampliar o julgamento para reapreciar matéria não incluída na base instrutória, a qual não foi objecto de reclamação, sem relevância para a causa, sobre facto cuja contraditoriedade aproveita apenas o próprio de cuja alegação e prova depende.

Alegaremos que existe uma errada interpretação da lei no que concerne ao instituto das servidões.

Alegaremos que existe uma errada aplicação do processo.

Alegaremos por fim que tendo a Relação conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, por não estarem disponíveis no processo, deu causa à nulidade, que se invocará, da decisão”.

Antes de as conhecer, há que observar o seguinte:

– Não serão consideradas afirmações de facto constantes das alegações, que não têm suporte nos factos que vêm provados;

– Não procede a afirmação de que o regime definido pelo Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, não se aplicaria ao caso, com fundamento em que a Estrada Nacional ou a entrada para o prédio dos réus “existem antes de 1971”, ou semelhante;

– Não é possível neste recurso de revista pretender a alteração da decisão de facto, fora dos estritos limites do disposto no nº 3 do artigo 722º e do nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil; indefere-se, assim, a pretensão de alteração de matéria de facto, formulada na parte final das alegações do recurso principal;

– Não serão considerados os documentos juntos com as alegações do recurso principal, com base no artigo 727º do Código de Processo Civil. Desde logo, porque o documento datado de 18 de Março de 2013 se refere a uma comunicação do autor e vem anexar um documento de data muito anterior; e ainda porque visa provar factos que, para além de não poderem ser alegados e provados na revista, não relevam para o conhecimento do recurso, tendo em conta o regime legalmente definido para a extinção de servidões constituídas por usucapião, com fundamento em desnecessidade por parte do prédio serviente, como se verá adiante. Ainda que se tratasse de factos subjectivamente supervenientes, só poderiam ter sido alegados até ao encerramento da discussão em primeira instância (artigos 663º e 506º, nº 1, do Código de Processo Civil);

– Exclui-se desde já, igualmente, a possibilidade de este Supremo Tribunal apreciar a pretensão de alteração da matéria de facto formulada no recurso subordinado, por também se não enquadrar nos limites dos artigos 722, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil.

6. O recorrente vem arguir a nulidade do acórdão recorrido por “ter tomado em consideração factos de que não poderia conhecer por inexistentes no processo” (conclusão p)), referindo-a à al. d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, na versão em vigor no momento em que foi proferido o acórdão recorrido.

Mas a nulidade a que o recorrente se refere – excesso de pronúncia – apenas ocorre quando o tribunal aprecia questão de que não podia ter conhecido, por não ter sido suscitada pelas partes nem ser de conhecimento oficioso (cfr. nº 1 do artigo 660º do Código de Processo Civil); vício esse que é diferente da eventual utilização de factos dos quais o tribunal se não podia servir, para conhecer as questões que constituem o objecto do recurso, por a isso obstar a regra constante do artigo 664º, conjugada com o disposto no artigo 264º.

Para além disso, e sobretudo, esta arguição de nulidade parece decorrer da afirmação de que se verificou uma ilegal “ampliação a novos factos”; mas o acórdão recorrido não procedeu a nenhuma ampliação da matéria de facto. Foi o acórdão de fls. 367, que não está sob recurso, que anulou a sentença proferida em primeiro lugar, para que fosse apurado “se é permitido o acesso directamente da via pública ao prédio dos RR (e o inverso)”, como se viu já, o que implicou um aditamento à base instrutória. E igualmente se explicou nesse acórdão que esse aditamento não é impedido pela circunstância de não ter havido reclamação da base instrutória, podendo em qualquer caso ser determinada a ampliação respectiva, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil.

E assim é. A base instrutória não é definitiva, seja ou não objecto de reclamação. Eliminada pelo novo Código de Processo Civil, mas existente enquanto decorreu o processo em 1ª e 2ª Instâncias, podia ser ampliada por decisão tomada na audiência final (al. f) do nº 2 do artigo 650º do Código de Processo Civil, na versão relevante), em recurso de apelação (nº 4 do citado artigo 712º) ou mesmo por determinação do Supremo Tribunal de Justiça (nº 4 do artigo 729º).

E igualmente se sabe que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da correspondente decisão da Relação (nº 6 do artigo 712º). Como atrás se relatou, não foi admitido o recurso então interposto do acórdão de fls. 367, por este mesmo motivo. O recorrente não pode agora desconsiderar essa irrecorribilidade e pretender a reapreciação de questões decididas definitivamente por acórdão que não está sob recurso.

Apenas se recorda que o mesmo acórdão de fls. 367 esclareceu que o aditamento não implicava nenhuma infracção às regras que delimitam os factos de que o tribunal pode conhecer, uma vez que, nos artigos 57º e 59 da contestação, fora alegado ser do conhecimento geral que “as Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo do seu prédio à estrada nacional. Existindo naquele local uma linha contínua”, não tendo fundamento a afirmação de que essa alegação não contém matéria de facto.

Improcedem portanto a arguição de nulidade e a alegação de violação da lei de processo; além do mais, repete-se, este recurso de revista não respeita ao acórdão de fls. 367.

7. O autor sustenta ainda que o acórdão recorrido interpretou erradamente “a lei no que concerne ao instituto das servidões.”

Mas também não tem razão. No que a este regime respeita, o acórdão recorrido tomou como assente, por falta de impugnação, a extensão da servidão “que onera o prédio do A. e da mulher a favor do prédio dos RR.” definida pela 1ª Instância e apreciou a questão da desnecessidade “tendo em conta o decidido quanto à extensão da servidão”, como não podia deixar de ser.

Ou seja: teve como referência, como se diz no próprio acórdão, uma servidão de passagem constituída sobre o prédio dos AA. e a favor dos prédios dos RR., “a pé e ainda com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados”, esclarecendo que, nem uns, nem outros, recorreram da sentença na parte em que assim definiu aquela extensão.

Considerando que a extinção por desnecessidade opera quando a servidão deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, o que implica a ocorrência de um facto superveniente que tenha esse efeito; que o ónus da prova da desnecessidade incumbe à parte que requer a extinção; e que não estava demonstrado “que os RR. podem aceder à via pública através da sua propriedade e vice-versa, não obstante a mesma ser contígua ao seu prédio”, a Relação concluiu que “não pode ser declarada extinta por desnecessidade a servidão de passagem”. Mas recordou que a servidão que se constituiu por usucapião não abrange “a utilização com camiões e veículos pesados que tem vindo a ser feita”, e que não está provada qualquer alteração nesse sentido. Significa isto que foi uma servidão com a extensão acima definida que foi julgada não extinta por desnecessidade.

8. A servidão que está em causa neste recurso foi declarada judicialmente constituída por usucapião. O proprietário do prédio serviente tem portanto a possibilidade de obter a correspondente extinção judicial, posto que se mostre “desnecessária(…) ao prédio dominante” (nº 2 do artigo 1569º do Código Civil).

Seguindo de perto o que já se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 263/1999.P1.S1, é seguro que tal desnecessidade há-de ser aferida em função do prédio dominante, e não do respectivo proprietário. Com efeito, “as servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente” – artigo 1543º do Código Civil e, por exemplo, acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08B3995

E a desnecessidade tem ainda de ser superveniente em relação à constituição da servidão de passagem e de decorrer de alterações ocorridas no prédio dominante (cfr. por exemplo o acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Março de 2007, www.dgsi.pt, 07A091); no entanto, como se escreveu também no acórdão de 16 de Março de 2011, “a precisão de que terá de decorrer de alterações no prédio dominante tem de ser devidamente entendida: são ainda alterações, para o efeito que agora releva, por exemplo, modificações verificadas nos prédios vizinhos ou em vias de acesso próximas ou contíguas, que se repercutam nas condições de acesso do prédio em causa.” Este requisito da superveniência não é, todavia, consensual (cfr. acórdão de 25 de Outubro de 2001 (www.dgsi.pt, proc. 277/07.0TCMR-G1.S1).

Como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Março de 2007, já citado, e sempre seguindo o acórdão de 16 de Março de 2011, a
“jurisprudência largamente dominante”
vai no sentido de que só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante. Como escreve Oliveira Ascensão em Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, pág. 239 e segs., pág. 244) (“A servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização, lato sensu, de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante, surge-nos a figura da desnecessidade”.

Para além do argumento extraído dos trabalhos preparatórios do Código Civil, no que ao nº 2 do artigo 1569º se refere – em síntese, pretendeu-se manter as causas de extinção constantes do § único do artigo 2279º do Código Civil de 1867, aditado pelo Decreto nº 19.126, de 16 de Dezembro de 1930: ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, pág. 676 e Pires de Lima, Servidões Prediais, Anteprojecto de um título do futuro Código Civil, Boletim do Ministério da Justiça nº 64, págs. 34-35 –, a verdade é que uma interpretação mais restritiva do requisito, fazendo-o equivaler a indispensabilidade, não se harmoniza com a possibilidade de extinção por desnecessidade de servidões que não sejam servidões legais (no sentido de poderem ser impostas coactivamente).

Com efeito, e pensando na servidão de passagem, por ser a que está em causa, pode constituir-se por usucapião uma servidão em situações que não preenchem os requisitos para a imposição de um direito legal de passagem. Dito por outra forma: a circunstância de não ser indispensável a servidão de passagem (por não ocorrer o encrave, absoluto ou relativo, exigido pelo artigo 1550º do Código Civil) não obsta à constituição do direito correspondente por usucapião. Seria contraditório que fosse permitido ao titular do prédio serviente provocar a extinção da servidão que onera o seu prédio, invocando uma desnecessidade que não impediu a respectiva constituição.

Cumpre assim adoptar um conceito de desnecessidade paralelo ao interesse que justifica a constituição, e que é o da utilidade para o prédio dominante (no domínio do anterior Código Civil, cfr. Oliveira Ascensão, op. cit., pág. 260: “é à inutilidade, e não à dispensabilidade, que a lei se reporta”); cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil citado, vol. cit., pág. 677, por remissão para o acórdão da relação de Coimbra de 25 de Outubro de 1983, in Colectânea de Jurisprudência, ano VIII – 1983, t.4, pág. 62 e segs. Uma servidão pode constituir-se por ser útil ao prédio dominante (não tem de ser indispensável) e pode extinguir-se se essa utilidade desaparecer.

Como se observa no acórdão de 21 de Fevereiro de 2006 (www.dgsi.pt, proc. nº 05B4254), a propósito do conceito de desnecessidade relevante para o efeito que agora releva, “tem este Tribunal entendido que o conceito de "desnecessidade da servidão" abstrai da situação pessoal do proprietário do prédio dominante, devendo ser apreciada em termos objectivos. Só quando a servidão deixou de ter para aquele qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista n.°394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista n.°2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa, não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização desse prédio. O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente. E é nesta perspectiva que também a "necessidade da servidão" deve ser considerada como requisito da sua constituição por usucapião. “

Finalmente, também é certo que o ónus da prova da desnecessidade da servidão recai sobre o proprietário do prédio serviente, que pretende a declaração judicial da extinção da servidão (nº 1 do artigo 342º do Código Civil) – cfr. acórdãos de 1 de Março de 2007 , de 16 de Março de 2011, e de 25 de Outubro de 2011 já citados.

Salvaguardadas evidentemente hipóteses de abuso de direito ou semelhantes, bastará ao proprietário do prédio serviente provar que a servidão deixou de proporcionar utilidade ao prédio dominante para que consiga obter a sua extinção; mas tem de estar demonstrada a desnecessidade – que, no caso presente, não está provada.

 

9.Como foi já debatido nos autos e resulta da lei, não é livre o acesso entre as estradas nacionais e os prédios contíguos, por óbvias razões de segurança do trânsito, como aliás se observa logo no início do preâmbulo do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro.

Deixando de lado controvérsias que implicam a consideração de factos que não foram oportunamente alegados e sujeitos a prova, a verdade é que dos factos provados não resulta que o réu tenha efectivamente acesso à Estrada Nacional, directamente, do seu prédio; tanto basta para que se não possa concluir pela desnecessidade da servidão.

10. Os recorrentes alegam ainda abuso de direito por parte dos réus, sustentando que invocam a sua própria inacção para dela beneficiarem, “procurando obter outros fins, como seja uma servidão em terreno vizinho, onerando as pessoas a quem levou a crer que o fazia a cobro de licenciamento”; mas esta alegação não tem suporte nos factos que vêm provados.

11. Improcedendo o recurso principal, não cabe conhecer do recurso subordinado, porque foi expressamente interposto como recurso subsidiário, relativamente às contra-alegações que sustentavam a improcedência do recurso principal.

            12. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

            Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2014

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego