Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
197/14.2TTALM.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 04/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE - ORGÃOS DA INSOLVÊNCIA / ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA / FUNÇÕES DO ADMINISTRADOR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS PROCESSUAIS.
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, ‘Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas’ Anotado, Almedina, 2013, p. 269-271.
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ‘Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado’, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2013, p. 458.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pp. 88 e 89.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, Nº.1, 51.º, 55.º, N.º1, AL. B), 85.º, 89.º, N.º2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 347.º, N.ºS1 E 2.
LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LOFTJ): - ARTIGOS 85.º (ACTUAL 126.º, N.º 1, B), LOSJ), 89.º, N.º1 (ACTUAL ARTIGO 128.º, N.º 1, DA LOSJ) E N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/9/1994 – PROCESSO N.º 858/94;
-DE 16/11/2010 – PROCESSO N.º 981/07.3TTBRG.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A competência material afere-se pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, não estando o tribunal adstrito à qualificação que a/s parte/s tenha/m produzido para definir o objecto da acção.

II - Em matéria cível, compete aos Tribunais do Trabalho, para além do mais, conhecer das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.

III - Aos Tribunais de Comércio compete o julgamento das acções previstas no artigo 89.º, n.º 1, da LOFTJ (actual artigo 128.º, n.º 1, da LOSJ), cabendo-lhe, igualmente, o julgamento dos apensos e incidentes que, porventura, se suscitem no âmbito das acções cuja competência lhes é atribuída.

IV - Da declaração de insolvência de pessoa colectiva não deriva, automaticamente, a cessação dos contratos de trabalho em vigor até essa data (artigo 347.º, n.º 1, do Código do Trabalho), passando a gestão desses vínculos a ser assumida pelo administrador da insolvência, conforme decorre do artigo 55.º, n.º 1, al. b), do CIRE, com a faculdade prevista no n.º 2 do citado artigo 347.º do Código do Trabalho.

V - Todavia, praticado acto pelo administrador da insolvência, gerador de consequências sobre a massa insolvente, mormente o acto previsto no artigo 347.º, n.º 2, do Código do Trabalho, os encargos que daí decorram projectam-se na massa insolvente, conforme decorre do disposto no artigo 51.º do CIRE.

VI - Proposto procedimento cautelar visando a declaração de ilicitude da cessação do contrato de trabalho promovida pelo administrador da insolvência, deve o mesmo correr por apenso ao respectivo processo, conforme imposto pelo artigo 89.º, n.º 2, do CIRE, sendo a competência para o seu conhecimento e tramitação cometida ao Tribunal do Comércio, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 2, da LOFTJ.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 197/14.2TTALM.L1.S1

Revista – 4.ª Secção.

FS[1] (GR/LD).

 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                    I.

1.

AA, com os sinais dos autos, instaurou, em 17 de Março de 2014, no 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada, o presente procedimento cautelar de suspensão do despedimento individual contra “Massa Insolvente …, Ld.ª”, pedindo que: (i) seja declarada a ilicitude do seu despedimento e se ordene a sua suspensão preventiva; (ii) se ordene à requerida que junte todos os meses comprovativos dos pagamentos integrais das suas retribuições desde Dezembro ou, se assim não se entender, pelo menos incluindo o mês de Março, no valor mensal de € 2.781,50 líquidos, bem como os valores devidos em espécie, a título de alojamento e alimentação, no valor mensal de € 2.775,00 e de € 751,30, ou o devido proporcional por cada dia que passe sem terem sido, ou que não venham a ser, disponibilizadas; (iii) seja a requerida condenada a pagar-lhe uma quantia pecuniária não inferior à retribuição horária da requerente, no valor de € 16,04 por cada dia de atraso em tais cumprimentos, a título de sanção pecuniária compulsória.

Alegou, em síntese útil, que trabalha para a sociedade “BB, Ld.ª” desde 29 de Agosto de 2011, tendo sido admitida ao serviço da mesma para desempenho das funções de Advogada.

Em 12 de Dezembro de 2013, a ‘BB’ foi declarada insolvente, sendo que, na sequência de várias missivas, o Administrador de Insolvência comunicou à requerente a cessação definitiva do seu contrato, com efeitos reportados a 25 de Março de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 347.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Sustenta a ilicitude do despedimento, com fundamento na falta de fundamentação da decisão e inobservância das legais formalidades.

2.

Foi proferida decisão liminar, que indeferiu o procedimento cautelar de suspensão do despedimento com base na incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho, em razão da matéria.

3.

Inconformada com esta decisão, dela recorreu a requerente para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão prolatado a fls. 230-244, julgou o recurso de apelação totalmente improcedente, mantendo a decisão liminar de indeferimento proferida pela 1.ª instância.

 Ainda irresignada, a requerente interpôs o presente recurso de Revista, cuja motivação fechou com a formulação deste quadro de síntese:

1. Vem o presente Recurso interposto do Acórdão de fls. (…), que confirmou o indeferimento liminar do Procedimento Cautelar, por considerar o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para o conhecer, não obstante a competência se determinar pela causa de pedir e pedido formulados;

2. Da leitura da Petição resulta que o facto jurídico que fundamenta a pretensão deduzida (como impõe o art. 581.º, n.º 4, do NCPC) é uma relação de «trabalho subordinado»; assim, a competência para conhecimento da Providência devia ser atribuída aos Tribunais/às Secções do Trabalho;

3. Sem prejuízo, a Recorrida foi declarada insolvente, em 12/12/2013, no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, ora Instância Local, no processo que aí corre/ia termos sob o n.º 2173/13.3TBEVR;

4. Tal decisão transitou em julgado mas, até ao presente, no apenso M, relativo à liquidação do activo, (cfr. Acta de Abertura de Propostas em carta fechada, de 20/06/2014, que se copia), verificou-se não ter sido apresentada qualquer proposta para a aquisição dos bens apreendidos, fixando o Administrador de Insolvência a modalidade de venda dos mesmos, por negociação particular (como se pode comprovar, inteira e correspectivamente, no sítio de publicidade da insolvência, bem como no (anterior) portal Citius, in https://citius.tribunaisnet.mj.pt.habilus/myhabilus.aspx);

5. Também resulta inequívoco que, neste âmbito, nada se peticiona quanto a créditos que, por anteriores à insolvência, aí foram reclamados (aliás, juntou-se, sob o n.º 6, a respectiva Reclamação de Créditos), o que se alega em contraposição ao mui douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, publicado no DR 39, Série I, de 25/02/2014, no BTE n.º 8, de 28/02/2014 (…) no seguinte: “importa então saber se, após a declaração da insolvência da R., decretada na pendência da presente acção, por sentença transitada em julgado, e em cujo processo (de insolvência) a recorrente reclamou os créditos que aqui peticionava - subsiste alguma utilidade ou fundada razão, juridicamente consistente, que justifique a prossecução de acção, maxime até ao posterior momento da sentença de verificação de créditos”, cf. pág. do Ponto 2 - A questão decidenda;

6. Apesar de, no caso sub judicio, não ser o competente, no Acórdão n.º 029/12, de 05/11/2013, do Tribunal dos Conflitos, (disponível em http://www.dgsi.pt.OpenDatabase), tem-se entendido que para julgar uma providência cautelar o Tribunal competente é, em contraposição com o Administrativo, não o Tribunal de Comércio onde correu termos a insolvência, mas sim, o Tribunal Cível;

7. Ademais, de acordo com o Acórdão n.º 016/12, de 08/1112012, também de tal Tribunal e site, “III - O tribunal competente é aquele onde a acção é proposta desde que o seja para um dos pedidos formulados; se o não for para os restantes, a solução não é declarar a competência do outro mas, aceitando a sua para apreciar os que lhe caibam, identificar aqueles de que não pode conhecer, prosseguindo aí o processo”;

8. Ademais, também não foi tido em devida consideração o Acórdão n.º 336/13.0TTSTR.E1, de 19/12/2013, da RE, que, especificamente quanto à providência cautelar de suspensão de despedimento, entendeu o seguinte: “ii. A circunstância de se haver requerido em tribunal, antes do despedimento, que fosse iniciado um Processo Especial de Revitalização (PER), processo que está em curso, de algum modo pode obstar à procedência da providência cautelar de suspensão de despedimento, já que, para além de nada se mostrar estabelecido nos artigos 34.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho que permita extrair uma tal conclusão, apenas a exequibilidade da decisão de suspensão do despedimento do trabalhador Requerente, relativamente às retribuições que lhe estejam em dívida pela Requerida, poderá encontrar o obstáculo decorrente do disposto no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, quando conjugado com o disposto no art. 39.º, n.º 2, do Cód. Proc. Trabalho; iii. Estamos perante realidades distintas, por um lado a decisão de suspensão do despedimento resultante da sua ilicitude e, por outro lado, a exequibilidade dessa decisão relativamente às retribuições em dívida ao trabalhador ilicitamente despedido, sendo certo que a providência cautelar não pode ser considerada uma acção para cobrança de dívidas ou de idêntica finalidade”:

9. Nem, tão pouco, o art. 78.º n.º 1 do NCPC, que consigna que as providências cautelares não têm, necessariamente, de correr desde o início por apenso à respectiva acção principal, e também nada impede que, aquando da apensação, o procedimento cautelar seja remetido a outro Tribunal em que aquela seja instaurada (vide n.º 2 de tal normativo), sendo que só durante 3 meses é que não podem ser propostas (novas) execuções e as por dívidas de natureza tributária até não correm por apenso;

10. Assim, a Providência em causa deveria correr termos, como se pugna, no Tribunal/Instância/ou Secção do Trabalho, em conformidade, também, com o disposto no art. 126.º, b), da LOSJ;

11. Acresce que o pedido principal não é, de todo, o de peticionar créditos sobre a massa insolvente;

12. Sendo que, (cf., entre outros, o mui douto Acórdão da RL de 29/03/2012, no Proc. 9405/08.8TCLRS.L1-6, in http://www.dgsi.pt: “O C.I.R.E. distingue as «dívidas da insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e os que lhes sejam equiparados, designados como «créditos sobre a insolvente», das «dívidas ou encargos da massa insolvente» designados como «créditos sobre a massa», detidos pelos «credores da massa», e que são constituídas no decurso do processo de insolvência - arts. 47.º e 51.º”;

13. Com efeito, nesta sede pretende-se principalmente que seja decretada a suspensão da caducidade do contrato de trabalho, operada pelo Sr. Administrador de Insolvência, por poder configurar um despedimento ilícito face à inobservância do legal procedimento, e com base em vários fundamentos, gerais e especiais, de ilicitude, sendo que, na providência, “o tribunal não tem que se pronunciar sobre se existe, ou não, justa causa de despedimento. Isso é uma questão a dirimir na acção principal” - cf. Acórdão do Tribunal da RL, proferido em 25/05/2005, no Proc. 260212005-4, no respectivo link do site da DGSI;

14. Por assim ser, não há fundamento legal para que o Procedimento corra já por apenso à Insolvência;

15. Além do mais, a Providência não é uma “acção relativa a uma dívida” da Insolvente, que se subsuma ao conceito previsto no n.º 2 do art. 89.º do CIRE, pelo que, a competência para julgar a mesma é, com todo o respeito por opinião contrária, o/a correspondente Tribunal/Instância ou Secção do Trabalho;

16. Resultando a manutenção dos contratos de trabalho, após a insolvência, do disposto no art. 347.º, n.º 1, do CT, por força da imposição consagrada no art. 277.º do CIRE, e a extinção dos mesmos, por iniciativa do Administrador de insolvência regulada nos arts. 360.º e segs., e 388.º e segs., todos do CT;

17. E.g., a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho é qualificada como dívida da massa insolvente, e enquadra-se perfeitamente na previsão do art. 51.º, al. c), do CIRE – dívida emergente de acto de administração da massa insolvente –, podendo também integrar a alínea d) – dívida resultante da actuação do Administrador –, quando essa cessação é efectuada de forma ilícita.

18. Contudo, esse é um crédito que irá ser reclamado na acção principal, posteriormente, a intentar, e o meio próprio é, admite-se, como sempre se admitiu, o previsto no art. 89.º, n.º 2, do CIRE;

19. Aliás, o crédito a que se reporta essa dívida (crédito sobre a massa insolvente) não pode sequer ser reclamado pelo meio previsto no art. 128.º do CIRE, na medida em que este meio processual apenas se destina à reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência;

20. Ou seja, os créditos sobre a massa insolvente, se não forem pagos na data do vencimento, de acordo com o art. 172.º, n.º 3, do CIRE, terão que ser peticionados em acção própria (declarativa ou executiva) que corra por apenso ao processo de insolvência, nos termos do art. 89.º, n.º 2, do CIRE;

21. Logo, o Tribunal/Instância Local onde corre o processo de insolvência (só então) terá competência para preparar e julgar a respectiva acção, ao abrigo do disposto no art. 128.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da LOSJ, mas não tem, forçosamente, para julgar a providência cautelar em causa, até porque, o princípio da universalidade ou da plenitude da instância foi atenuado no CIRE;

22. Assim, providência e acção principal não só não têm, obrigatoriamente, que coexistir ao mesmo tempo, como também não têm, desde o início, de correr termos no mesmo Tribunal/Instância, pois nada impede que ocorra apensação de procedimentos cautelares cuja tramitação correu em Tribunais diferentes, maxime, em Tribunais/Instâncias com diferente competência em razão da matéria;

23. Aliás, vejamos a letra da lei: no art. 89.º, n.º 2, do CIRE consta (apenas) a palavra acções (vide também o art. 146.º, nº 1, do CIRE, que prevê a hipótese de acções a propor depois da declaração de insolvência, destinadas a obter o reconhecimento de créditos – acções declarativas, portanto, face ao art. 10.º do NCPC;

24. Não obstante a abrangência deste art. 10º, o legislador acrescentou (também, mas só), que se devem incluir as (acções) executivas, e que todas se devem reportar a dívidas da massa insolvente, o que, em ambos os casos, não é o que se passa;

25. Ademais, tais dívidas são as que constam no artigo 51.º do CIRE, onde, mais uma vez e continuamente, é utilizado o vocábulo dívidas, que aliás também aparece no artigo 172.º do CIRE, pelo que, também não sendo este o caso, tudo leva a concluir que a Providência não tem já de correr por apenso, contrariamente ao, ainda assim, deveras sapiente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

26. E por fim, transcrevem-se ainda outras partes do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014: Dispõe “o art. 85 º quanto aos efeitos processuais da declaração de insolvência sobre as acções (declarativas) pendentes e o art. 88.º relativamente às acções executivas (pendentes ou a instaurar);

27. A apensação continua pois, por regra, a reportar-se às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente', (...) "e a depender de requerimento do administrador (...) "; ora, porém, com outra (mais abrangente) exigência de fundamento, o da conveniência para os fins do processo, inexistindo qualquer previsão diferenciada para as acções do foro laboral;

28. Isto posto – e concluindo-se que a apensação, sequente à declaração da insolvência do devedor, não só não é oficiosa/automática, como respeita a um conjunto diferente de acções, mais restrito – evidente é que este não é o caso dos autos;

29. (…) “Em síntese, aproximando a conclusão: - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;

30. A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE”(...)”, seja por via da reclamação deduzida no prazo declaratória da insolvência (…), “seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência”;

31. O que também tudo, não é, notoriamente o caso.

32. E independentemente até de se concordar que: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa”, não é o caso, “proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento”, - idem -, “do crédito peticionado”, - ibidem -, “pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287. º do C.P.C”;

33. Assim foi firmada tal Jurisprudência, com alguns votos de vencido, nomeadamente o do Exmo. Conselheiro Sebastião Póvoas, em suma, porque: “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não contém para as acções declarativas uma norma homóloga à das execuções”, nem, tão pouco, para os procedimentos cautelares, nem, muito menos, para aqueles que não atingem e/ou em que não se apreciem questões relativas a bens integrantes/compreendidos da/na massa insolvente;

34. “Às acções declarativas” (...) “é aplicável” (...) “o artigo 85.º” (...) “A apensação desses processos à insolvência”, até, “não é oficiosa” (…);

35. Acresce que, “tratou-se de uma situação diferente” (...) “pois o crédito peticionado” (...) “não tinha sido reclamado na insolvência nem relacionado pelo Administrador”;

36. Ora, no caso até foi apresentada Reclamação de Créditos, contudo, só foram reclamados os que existiam/se encontravam em dívida à data da declaração de insolvência, como admissível;

37. “Só tendo-o sido” (...) “é que a acção” (...) "se torna supervenientemente inútil”, pelo que nunca se podia concordar, como não se concordou, com a Decisão de 1ª instância, e, agora, com o Acórdão da RL;

38. “…Formularia o segmento final, para enfatizar ser necessária a pré-existente reclamação do crédito, ou o seu relacionamento pelo Administrador (...);

39. (...) “Concluiria: “A reclamação de um crédito num processo de insolvência, ou o seu relacionamento pelo Administrador” (e, até ao presente, os créditos que irão ser peticionados na acção principal não estão relacionados, quanto mais reconhecidos – cf. doc. n.º 5 junto com a Petição, e cf. doc. 1 que junta nos termos do art. 680.º do NCPC), constituirá “causa de extinção da instância, por inutilidade da lide, da acção declarativa” (relembre-se, que não é o caso), “em que o pedido formulado contra o insolvente é o mesmo crédito”, (e também não é);

40. Logo, também com tais fundamentos, e por argumento de maioria de razão, cf. Acórdão da Relação do Porto (“RP”) de 18-05-2009, proferido no Proc. 3175/06.1TBPRD.Pl: “A abertura de um processo de falência em Estado Membro impõe-se” (...) “em todos os outros Estados Membros” (...) “mesmo que nestes tenha entretanto corrido providência cautelar de arresto”, continua a pugnar-se – confia-se que bem mas, V. Exas., Veneráveis Conselheiros, melhor julgarão –, pela competência, em razão da matéria, da pertinente Secção do Trabalho ou Instância, para tramitar e julgar o presente Procedimento;

41. Se assim não se entender, então, sempre se deve ordenar a remessa dos presentes autos para correr por apenso ao Processo de Insolvência.

42. Assim o impõem alguns princípios estruturantes do processo civil português, mormente os da economia e celeridade processuais, bem como, a justiça material versus formal;

43. Efectivamente, como se entendeu, v.g., no Acórdão da RE n.º 731/12.2TBSTB-A.E1, de 21-03-2013, disponível in http://www.dgsi.pt:Relativamente às acções instauradas após o trânsito em julgado” (...) “em Tribunal diverso do da insolvência, deve o juiz remeter os autos ao processo de insolvência, para apensação, por se tratar de um caso de competência por conexão”;

44. (...) “a solução para a questão reside no art. 146.º, nº 1, do CIRE, que expressamente prevê a hipótese de acções a propor já depois da declaração de insolvência (“findo o prazo das reclamações”), destinadas a obter o reconhecimento de créditos (acções declarativas, portanto, face ao art. 4.º do CPC (...); “O conhecimento da acção, e verificação dos respectivos pressupostos, compete ao Tribunal competente, que,” (...) “por imposição do art. 148.º do CIRE, determina que tais acções, as acções a que se refere o respectivo capítulo do CIRE, “corram por apenso” (...);

45. “Esta apensação, ao contrário das acções pendentes a que alude o art. 85.º do CIRE, não está sujeita a critérios de oportunidade ou a requerimento do administrador da insolvência”, e por isso deve ocorrer…

46. Inclusive de acordo com o n.º 1 e o n.º 2, 1.ª parte, ambos do art. 278.º do CPC, seguindo, após, os seus trâmites de acordo com os formalismos do CPT, por se tratar de matéria que, quer se concorde ou não com o Tribunal/Instância/Secção competente para a respectiva tramitação, devia ser preparada e julgada por um/a Tribunal/Instância/Secção de competência especializada em Direito do Trabalho;

47. Efectivamente, cf. Acórdão da RL de 04/03/2009, in CJ de 2009, 2.º-158: “tendo, por força do acórdão do Tribunal Central Administrativo, aquele tribunal sido declarado materialmente incompetente para o conhecer, com a consequente remessa para o Tribunal do Trabalho, importa nos termos do art. 105.º, nº 2, do CPC fazer-se a correspondente adequação processual (…)”.

48. Por fim, cf. Acórdão RG de 18/12/2006, Proc. n.º 2107/06-1.dgsi.Net, disponível no respectivo link do site da DGSI: “porque o tribunal para onde o processo foi remetido está vinculado à decisão que lho mandou endereçar,” com todo o maior respeito por entendimento diverso, assim também se deve consignar;

49. Em sinopse, e com a devida reverência, considera-se que foram violados ou, pelo menos, que foi efectuada uma incorrecta interpretação ou aplicação, bem como, determinação da norma ou princípio aplicável, nomeada mas não exaustivamente, face a todo o alegado, dos arts. 34.º e segs., e 39.º e segs., todos do CPT; dos arts. 347.º e, indirectamente, 360.º, 361.º, 363.º, 381.º e 383.º, todos do CT; dos arts. 51.º, 89.º, 128.º, 146.º a 148.º e 277.º, todos do CIRE; arts. 126.º e 128.º da LOSJ e arts. 4.º, 96.º al. a), 97.º n.º 1, 2.ª alternativa, 99.º n.º 1, e 278.º n.ºs 1 e 2, primeira parte, todos do CPC, pelo que pugna-se por uma interpretação ou aplicação, e/ou determinação da devida norma ou princípio, que considere o/a Tribunal/Instância/Secção do Trabalho competente para tramitar e julgar o presente Procedimento Cautelar, ou que ordene a remessa do mesmo para a devida Instância Local ou Secção de Comércio.

Conclui, por fim, que «deve o presente Recurso, por violação, quer de lei substantiva (consistindo em erro de interpretação ou de aplicação, e/ou na determinação da norma aplicável), como de lei processual (violação e/ou errada aplicação), ser julgado procedente e, consequentemente, ou considerar-se competente o Tribunal do Trabalho de Almada, rectius, a devida Secção do Trabalho, para julgar o Procedimento Cautelar em causa ou, decidir-se que o Tribunal competente é o (anterior) 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Évora, rectius, a Instância Local Cível de Évora, por forma a que aí não se possa voltar a suscitar a questão da competência e, concomitante ou independentemente, ordenar-se a remessa destes autos para serem apensos à Insolvência que, sob o n.º 2173/13.3TBEVR, aí tramita/va, só assim se fazendo verdadeira Justiça material.

4. A requerida não apresentou contra-alegações.

Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer que, notificado às partes, foi objecto de resposta por parte da recorrente, nos termos que aqui se têm por editados.

Preparada a deliberação, com prévia entrega do projecto de acórdão aos Exm.ºs Adjuntos, cumpre conhecer.

                                                                       ____



                                                     II.

         A – O “thema decidendum”.

Ante as conclusões formuladas – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito da impugnação, ressalvadas as temáticas de conhecimento oficioso –, constitui questão axial a apreciação da competência dos Tribunais do Trabalho para conhecer de procedimento cautelar de suspensão de despedimento quando, em momento anterior à sua propositura, a requerida tenha sido declarada insolvente.

Subsidiariamente, e no caso de a resposta ser negativa, importa saber se podem os presentes autos ser remetidos para a Instância do Comércio competente.

B – Dos Fundamentos.

B.1 – De Facto.

A instância recorrida relevou, com interesse para a apreciação da questão, os factos e/ou as circunstâncias de facto constantes do Relatório do Acórdão e considerou, ainda, os seguintes factos:

- Foi proferida sentença de declaração de insolvência da “BB – …, S.A.” em 12 de Dezembro de 2013, a qual transitou em julgado;

- A presente acção deu entrada em juízo em 17 de Março de 2014.

                                                                        __

B.2 – O Direito.

Conhecendo.

1. Os contornos da questão.

         Como globalmente flui do argumentário e proposições recursórias de síntese, a Exm.ª recorrente, discordando do juízo decisório alcançado no acórdão recorrido, sustenta a tese da competência do Tribunal/Instância do Trabalho para apreciar o procedimento cautelar de suspensão de despedimento que intentou, louvando-se, sobretudo, na causa de pedir e pedido subjacentes ao presente procedimento – declaração de ilicitude do despedimento com a sua consequente suspensão –, bem como na interpretação literal de vários normativos constantes do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), mormente quando neles se alude a acções relativas a dívidas da insolvente ou da massa insolvente, realçando que no presente procedimento cautelar não está em causa uma dívida da insolvente ou da massa insolvente.

         Vejamos então.

2. Enquadramento normativo (Breve nota).

A competência, maxime a material, integra um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a questão do mérito, do fundo da causa.

É pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou ré tenham produzido para definir o objecto da acção.

Por isso se diz que na fixação da competência do Tribunal, em razão da matéria, se deve atender «…à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (Acórdão do S.T.J. de 27/9/94 – processo n.º 858/94), sendo que, para os sobreditos efeitos, importará considerar, em suma, os termos em que a acção se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa) – cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1956, páginas 88 e 89[2].

Em matéria cível, a competência dos Tribunais de Trabalho vinha estabelecida no art. 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), com as sucessivas alterações – agora com previsão homóloga no art. 126.º, n.º 1, b), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, regulamentada pelo Dec.-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março – relevando, no que ora importa, o que se estabelece na sua alínea b):

«Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível: - b) das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (…)».

O que resulta, substancialmente, da previsão contida na citada alínea b) é que a competência do Tribunal do Trabalho se afere em função do direito que, em concreto, se pretende ver acautelado, tornando-se mister que ele provenha, emirja ou resulte da violação de obrigações que, para o demandado, decorram de uma relação juslaboral.

Por seu lado, a competência dos Tribunais do Comércio encontra/va previsão no disposto no artigo 89.º, n.º 1, a), da LOFTJ (corresponde-lhe actualmente o art. 128.º, n.º 1, a), da LOSJ), cabendo-lhe igualmente o julgamento dos apensos e incidentes que, porventura, se suscitem no âmbito das acções cuja competência lhe é atribuída (n.º 2 do mesmo art. 89.º).

3. Isto posto.

Tendo como referencial de significação os normativos acima transcritos, as Instâncias coincidiram no juízo decisório relativo à incompetência material dos Tribunais do Trabalho para conhecer do objecto do presente procedimento.

Ao invés da tese propugnada, decidiram no sentido de que essa competência está afecta aos Tribunais de Comércio, por força da declaração de insolvência da requerida, decretada antes da propositura do procedimento cautelar e já transitada em julgado.

No Acórdão recorrido, depois de invocadas a doutrina e a jurisprudência tidas por pertinentes, ponderou-se (transcrição parcial):

«A questão que se nos apresenta é a de saber se, cessando o contrato de trabalho em data posterior à declaração de insolvência do empregador, por decisão do administrador de insolvência, a providência cautelar para suspensão do despedimento é da competência, em razão da matéria a conhecer, do tribunal do trabalho ou do tribunal de comércio, por neste correr o processo de insolvência.

(…)

A Autora instaurou a presente providência cautelar contra a massa insolvente, alegando ter sido vítima de um despedimento ilícito, fundando a sua pretensão na violação [do] procedimento para a cessação de contratos de trabalho pelo administrador de insolvência, previsto no art. 347.º, n.º 1, do CT.

Nos termos deste preceito legal, “1. A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado. 2. Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa. (sic)

No âmbito dos seus poderes de administrador da insolvência, compete-lhe “b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.” (sic – art. 55º, nº 1, b), do CIRE)».

Em ordem à formulação do seu juízo decisório, o Tribunal recorrido louvou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de Fevereiro de 2014, proferido no Processo n.º 713/12.4TTMTS.P1, no qual, em síntese, se considerou que …«o crédito laboral emergente dum contrato de trabalho cessado após a declaração de insolvência não é igual a um crédito laboral resultante duma cessação ocorrida anteriormente a tal declaração.

Com estes considerandos pretendemos afirmar que o acto de cessação dum contrato de trabalho ao abrigo do n.º 2 do artigo 347.º do Código do Trabalho constitui um acto de administração da massa insolvente, praticado pelo respectivo administrador.

Ora, assim sendo, e porque deste acto resulta a constituição de dívidas para a massa insolvente, correspondentes aos créditos resultantes da cessação, lícita ou ilícita, do contrato de trabalho, há que convocar o disposto no artigo 51.º, n.º 1, al. c), do CIRE, segundo o qual as dívidas emergentes de actos de administração são dívidas da massa insolvente, com um regime diverso das dívidas da insolvência – arts. 1.º, 3.º, 46.º/1 e 47.º/1, todos do CIRE – …designadamente não os efeitos previstos no artigo 85.º, 86.º e 88.º do mesmo diploma quanto às acções declarativas e executivas pendentes – mas o regime previsto no artigo 89.º, n.º 2, segundo o qual[a]s acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária”.

Não se trata já portanto da possibilidade do administrador de insolvente considerar relevante a apensação das acções pendentes, tal como dispõe o artigo 86.º, mas sim da própria lei determinar concretamente que tais acções relativas a dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com isto alterando, por apelo à competência extensiva dos tribunais do comércio, a normal reserva de competência material do tribunal do trabalho para a apreciação de créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho».

E, aderindo à jurisprudência transcrita, concluiu o Tribunal recorrido aduzindo que «a lei distingue claramente entre dívidas da massa insolvente, ou seja, do património do devedor à data da declaração de insolvência (a que acrescem os bens ou direitos que o devedor adquira na pendência do processo – cfr. art. 46.º n.º 1 do CIRE), onde a presente se enquadra por via do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 51.º do CIRE, e dívidas da insolvência, que correspondem aos créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, ou equiparados, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração (cfr. art. 47.º do CIRE), e cada uma dessas situações segue regime jurídico distinto, sendo que, para o que ao caso importa, vale o regime previsto no art. 89.º n.º 2 do CIRE, por estar em causa uma questão que implica a discussão da existência de dívidas da massa insolvente.

(…)

Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas em como o tribunal de trabalho não é materialmente competente para conhecer da causa (…)».

4. Tudo revisto e ponderado:

Concordamos, no essencial, com o juízo decisório alcançado.

Com efeito – como se disse já – a recorrente visa obter, mediante o presente procedimento cautelar de suspensão do despedimento, o reconhecimento, ainda que meramente perfunctório, da ilicitude do despedimento promovido, com fundamento no artigo 347.º do Código do Trabalho, pelo administrador da insolvência.

Na verdade, da declaração de insolvência de pessoa colectiva não deriva, automaticamente, a cessação dos contratos de trabalho que, porventura, vigorassem até essa data (artigo 347.º, n.º 1, do Código do Trabalho), passando, no entanto, a gestão desses vínculos a ser assumida pelo administrador da insolvência, conforme decorre do artigo 55.º, n.º 1, al. b), do CIRE, com a faculdade prevista, é certo, no n.º 2 do citado artigo 347.º do Código do Trabalho.

Ora, uma vez praticado acto pelo administrador da insolvência gerador de consequências sobre a massa insolvente, os encargos que daí decorram projectam-se já não no insolvente, porquanto não constituídos em momento anterior à declaração da insolvência, mas sim na própria massa insolvente, conforme decorre do disposto no artigo 51.º do CIRE.

Daí que as acções que visem a impugnação desses actos, e dos efeitos que dos mesmos decorram, sigam – conforme bem ponderado foi pelas Instâncias – já não o regime do art. 85.º do CIRE (preceito do qual derivou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 1/2014, de 8 de Maio de 2013, publicado no DR, 1.ª Série, de 25 de Fevereiro de 2014), mas sim o regime do artigo 89.º do mesmo diploma, em cujos termos:

 «1 – Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente»; e, no n.º 2, estabelece-se que «as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária».

         Como reflectem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado’, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2013, pág. 458), «[o] primeiro ponto a destacar, na anotação deste artigo, é o de ele se referir exclusivamente a dívidas da massa insolvente, tal como as identifica o art. 51.º.

         Assente, deste modo, a previsão normativa, o n.º 1 do art. 89.º impede a instauração de acções executivas para obter o pagamento dessas dívidas, durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência.

         Podem, todavia, ser propostas acções de natureza declarativa e procedimentos cautelares desde que, quanto a estes, não tenham natureza executiva. (Sublinhámos).

         Trata-se, assim, de um ‘período de carência’ que só se pode compreender como um meio de tutela da massa insolvente.

         Em geral, segundo dispõe o n.º 2, as acções relativas a dívidas contra a massa insolvente, mesmo as executivas – quando sejam admitidas – correm por apenso ao processo de insolvência», donde resulta, necessariamente, ser da competência dos tribunais do comércio o seu conhecimento e tramitação, conforme consentido pelo artigo 89.º, n.º 2, da LOFTJ.

         Também Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado’, Almedina, 2013, pág. 269-271) nos dizem que «[a] proibição de instauração de acções do n.º 1 respeita apenas às executivas, não incluindo as declarativas. Mas, mesmo estas, deverão, nos termos do n.º 2, correr por apenso ao processo de insolvência, não devendo os seus titulares recorrer à reclamação de créditos prevista no art. 128.º ou à verificação ulterior do artigo 146.º.

         Entre os direitos que podem ser exercidos contra a massa estarão:

         - (…)

         - Os direitos emergentes, para os trabalhadores, da cessação de contratos de trabalho promovida pelo administrador da insolvência».

         (…)

         Se forem propostas acções para pagamento das dívidas da massa – quando o possam ser – elas “correm por apenso ao processo de insolvência” (…)».

         Na interpretação destes preceitos, bem como nos demais que regulam o processo de insolvência e recuperação de empresa, é imperioso ter presente que a ‘finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal (art. 1.º/1 do CIRE), postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes» - cfr. o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência já acima citado.

Prosseguindo.

Como flui do teor do relatório do presente acórdão, em consonância com o enunciado dos factos retidos pelo Tribunal recorrido, é pacífico que o invocado despedimento ocorreu já depois de proferida a sentença que declarou a «BB – …, S.A.» insolvente e que, por consequência, também o presente procedimento cautelar, visando a suspensão daquele despedimento, foi promovido em momento ulterior àquela declaração e ao seu trânsito.

Daí que qualquer consequência emergente desse despedimento onere necessariamente, já não o insolvente, mas sim a massa insolvente, porquanto se tratou de acto praticado pelo administrador da insolvência, projectando-se já sobre a massa as suas consequências.

Estamos, assim, em pleno âmbito de aplicação das conjugadas normas dos artigos 51.º e 55.º do CIRE, pelo que a acção (ou procedimento cautelar) que seja susceptível de onerar a massa insolvente deve correr por apenso ao respectivo processo, conforme imposto pelo artigo 89.º, n.º 2, do CIRE, sendo a competência para o seu conhecimento e tramitação, por necessário, cometida ao Tribunal do Comércio, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º 2, da LOFTJ.

É incontroverso, como aduz a recorrente, que os citados preceitos se referem a dívidas da massa insolvente – …ao passo que por via do presente procedimento cautelar se visa a suspensão de um despedimento, com a consequente reintegração do trabalhador –, o que, na sua óptica, demanda que se conclua estarmos perante realidades distintas.

Ou seja: um pedido de suspensão de um despedimento não assume natureza pecuniária ou de dívida susceptível de subsunção nos preceitos que imporiam a propositura dos respectivos processos por apenso ao processo de insolvência.

Não é esse todavia o nosso entendimento.

Na verdade – e embora concordemos que, na sua pureza, a suspensão de um despedimento, por via cautelar, é distinto de uma dívida da massa insolvente –, o certo é que as consequências, porventura advenientes daquela suspensão, projectar-se-iam fatalmente naquela massa insolvente, onerando-a e gerando correspectivas dívidas, quanto mais não fosse, as atinentes ao pagamento de retribuições.

Destarte, não é propriamente por o preceito aludir a dívidas da massa insolvente que se devem excluir do seu âmbito de aplicação acções que, não tendo na sua base, imediata ou directamente, dívidas de natureza pecuniária, têm, contudo, a virtualidade de virem a afectar, por via reflexa, a massa insolvente, o que reclama a competência dos tribunais do comércio para o seu conhecimento.

Em suma, e sem necessidade de outras mais dilatadas considerações, improcedem as conclusões 1) a 40) da alegação da revista.

Por outro lado:

Pugna a recorrente, em caso de improcedência das demais questões por si suscitadas, pela remessa dos presentes Autos ao tribunal competente «para correr por apenso ao Processo de Insolvência».

Enfrentando a peticionada providência/determinação, colocada na Apelação, o acórdão revidendo expendeu a propósito a seguinte fundamentação:

«Nos termos do disposto no art. 99.º n.º 1 do CPC: “1. A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

2. Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.” (sic).

Do confronto dos dois dispositivos legais resulta que só há um caso em que, julgado absolutamente incompetente o tribunal, o processo tem [de] ser remetido ao tribunal competente, e que é o previsto no n.º 2, o qual carece, no entanto, de acordo das partes no aproveitamento dos articulados.

No caso do n.º 1, que é o dos Autos, a instância extingue-se.

Em face do exposto, sem necessidade de outros considerandos, improcede, também nesta parte, o recurso interposto».

Tudo visto.

O Acórdão recorrido fez correcto enquadramento da questão suscitada pela recorrente, inexistindo, em bom rigor, qualquer norma ou princípio estruturante do processo civil que legitime a pretensão formulada.

Assim, sufragam-se os fundamentos expostos e a solução que enformam, soçobrando fatalmente as correspondentes conclusões do acervo recursivo.

 Tratado tudo quanto, do essencial, nos cumpria conhecer, vamos terminar.

                                                     __

                                                    III.

                                              DECISÃO

Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

(Anexa-se sumário).

                                                                       ***

                                                                                                      

Lisboa, 15 de Abril de 2015

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

___________________
[1] - Com apoio da Assessoria.
[2] - Cfr., no mesmo sentido, inter alia, o Acórdão do STJ de 16.11.2010, proferido na Revista n.º 981/07.3TTBRG.S1, acessível em www.dgsi.pt.