Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | PRESUNÇÃO JUDICIAL OBJETO DO RECURSO QUESTÃO RELEVANTE MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DEPÓSITO BANCÁRIO CLÁUSULA ACESSÓRIA NEGÓCIO REAL OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA OBRIGAÇÃO CONJUNTA PRESUNÇÃO JURIS TANTUM | ||
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Data do Acordão: | 07/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | I- Admite-se no STJ que, ainda por via da válvula de escape de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674º, 3, 2ª parte, amparada no art. 682º, 2, 2.ª parte, do CPC, a revista possa servir para empreender a sindicação das presunções judiciais construídas e assumidas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349º e 351º do CCiv.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. II- O possível controlo do STJ no campo das presunções judiciais situa-se ao nível da averiguação de vícios na formação do juízo indutivo que lhe é próprio e o cumprimento das regras legais do procedimento probatório (existência de factos-base, admissibilidade e inexistência de ilogicidade ou ilogismo manifesto). III- Não é possível a intervenção de controlo do STJ em sede de revista se nenhuma presunção judicial ou de facto foi utilizada pela Relação para formar a sua convicção no aditamento de certos factos como provados e, ademais, se tais factos foram aditados (por migração do bloco de factos não provados) por análise e ponderação crítica de meios de prova submetidos à livre convicção do julgador (art. 662º, 4, do CPC). IV- O contrato de depósito bancário (à ordem ou a prazo), enquanto convenção acessória do contrato de “abertura de conta”, caracteriza-se por dois elementos essenciais: (i) a entrega material ou electrónica pelos depositantes de uma quantia em dinheiro ao banco depositário, que passa a ser titular da propriedade e risco das disponibilidades monetárias depositadas (arts. 1316º e 796º do CCiv.); (ii) a restituição de igual quantia nos termos acordados, usualmente acrescida de juros. Estamos perante negócios reais “quoad constitutionem”, que exigem, além do acordo das partes, um acto material de entrega dos fundos monetários, e “quoad effectum”, pois implicam a transferência da propriedade dos fundos para o banco, ficando o depositante (anterior proprietário dos fundos) na titularidade (por conversão do seu direito real) de um direito de crédito à restituição das quantias depositadas. V- Como contrato conexo com a (abertura de) conta bancária (contrato-matriz), beneficia do regime de movimentação acordado para o caso de ser uma conta colectiva (aberta ou ulteriormente colocada no nome de dois ou mais titulares): solidária (livremente movimentada a débito por qualquer um dos titulares), conjunta (apenas movimentada simultaneamente por todos os titulares) ou mista (alguns dos titulares podem movimentar a conta mas apenas em conjunto com outro ou outros dos titulares). VI- Este regime de movimentação e funcionamento dos débitos em conta constitui declaração tácita sobre a solidariedade ou conjunção do direito de crédito à restituição perante o banco proprietário dos fundos depositados (arts. 512º, 1, 2ª parte – «cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles»; 513º – resulte «da vontade das partes» – e 217º; do CCiv.). VII- Sendo solidários estes direitos de crédito em face do banco proprietário, pode haver estipulação das partes sobre a quota-parte ideal que a cada um compita nas relações internas; nada se convencionando, presume-se que os credores «comparticipam em partes iguais no crédito», «sempre que da relação jurídica existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve obter o benefício do crédito» (art. 516º do CCiv.). Contudo, tal regime, convencional ou legal, não obsta a que se demonstre – desde logo, para elisão dessa presunção – qual a percentagem ou quota-parte que em concreto cabe a cada um dos contitulares em função da proveniência dos fundos depositados (quotas convencionadas, presumidas ou provadas); tal faz compreender que se possa aplicar a norma que determina que «o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum» (art. 533º do CCiv.). VIII- Sendo apurada materialidade que logra ilidir a presunção “juris tantum” do art. 516º do CCiv., em sede de comparticipação de cada um dos contitulares da conta no direito de crédito à restituição do depósito (à ordem e a prazo já vencido), seja no montante à ordem, seja no montante a prazo/poupança, no contexto do montante global que, à data do falecimento de um dos seus contitulares, constituía esse mesmo saldo numa conta colectiva “solidária”, pode concluir-se, por aplicação do art. 533º do CCiv., pela atribuição exclusiva do direito de crédito à restituição à quantia depositada ao falecido contitular e seu ingresso no património do de “cujus”. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 400/18.0T8PVZ.P1.S2 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA, cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e cônjuge mulher DD, pedindo: a) que os réus sejam condenados, solidariamente, a restituir à herança aberta por óbito de BB, na pessoa da cabeça de casal, a Autora, a quantia de 79.612,36€, acrescida dos juros de mora legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; caso assim não se entenda, b) que os réus sejam condenados, solidariamente, a restituir à herança aberta por óbito de BB, na pessoa da cabeça de casal, a Autora, a quantia de 19.870,18€, acrescida dos juros de mora legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. Em síntese, alega que os únicos herdeiros de BB, falecido em .../.../2017, são AA, aqui Autora e cabeça de casal da respetiva herança, EE, FF, GG, FF, HH e II. O falecido era, à data do óbito, titular de uma conta no BPI, com o n.º ...0. Era nessa conta que era depositada a sua reforma, que ao tempo do seu óbito se situava no montante mensal de 412,16 €, acrescido da quantia de 165,20€, complemento da reforma da sua falecida cônjuge. Essa conta, após o óbito desta, passou a ter como contitulares os Réus, tornando-se numa conta solidária de BB e dos Réus. Contudo, todo o dinheiro existente nessa conta era propriedade de BB, proveniente, por um lado, do pedido de resgate de reforma “Aforro PPR”, no montante de 52.628,16€, com o n.º de certificado ...67, em que o tomador do seguro, a pessoa segura e o beneficiário em vida era o BB e o beneficiário por morte os seus herdeiros legais; e, por outro lado, resultava ainda dos montantes da reforma e dos complementos de reforma após o óbito da cônjuge que ali eram depositados em exclusividade. Nunca os contitulares dessa conta, aqui Réus, depositaram na mesma qualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus. Em 25/9/2017 essa conta tinha um saldo de 79.055,00 €. Nessa data, o Réu marido deu ordem de transferência desse montante para a conta de que é beneficiário e cujo IBAN é ...50. Entretanto, em .../.../2017, foi depositada na conta do falecido BB a quantia de 577,36 € e, nesse mesmo dia, o Réu marido deu ordem de transferência desse montante para a conta de que é beneficiário, acima identificada. Assim, o Réu marido fez sua a quantia de 79.611,36€. O dinheiro transferido entrou no património do casal formado pelos Réus e foi utilizado em proveito do casal, pelo que ambos estão obrigados à restituição à herança do falecido BB, representada pela cabeça de casal, a aqui Autora. Mais alega que à data do óbito do BB o saldo dessa conta era de 89.055,00 €, correspondente a 79.055,00€ que o réu marido transferiu para conta sua, acrescidos da última transferência de 557,36€ e de 10.000,00€ que a Autora conseguiu transferir para a sua conta para suportar as despesas que viessem a ocorrer após o óbito. 2. O Réu CC apresentou Contestação e deduziu Pedido Reconvencional. Invocou as excepções de falta de personalidade jurídica e de capacidade judiciária da Ré DD, referindo para o efeito que a mesma faleceu no dia .../.../2018, antes de ser proposta a acção. Caso assim não entenda, defendeu que deverá ser suspensa a instância, nos termos do art. 269º, 1, a), do CPC. E, caso assim também não se entenda, invocou a exceção de ilegitimidade passiva da mesma Ré, defendendo que a mesma não tem interesse em contradizer. Quanto ao mais, impugna, na sua generalidade, a factualidade invocada pela Autora: alega que o falecido BB foi casado com a sua mãe e que na pendência do matrimónio, mais concretamente na década de 80, os dois abriram uma conta em conjunto no BPI, cujos saldos são desconhecidos. Ainda na constância do matrimónio, os dois subscreveram um Plano de Pagamento de Reforma de 235 Unidades – BPI Ref. Investimento. Após o óbito da mãe do réu, já em meados de 2000, o PPR foi resgatado e a conta no BPI encerrada. O montante que se encontrava depositado naquela conta foi transferido para uma outra conta PPR, cuja titularidade seria, posteriormente, partilhada pelo falecido BB, pelo Réu e pela Ré, à qual estavam associados juros mais elevados. Tomando em consideração que parte dos valores eram provenientes dos saldos das contas da mãe do réu, e portanto também seus por direito próprio, e atendendo à relação de proximidade entre as partes, o falecido BB solicitou ao Réu que este e a sua cônjuge a qualidade de contitulares daquela conta bancária, o que ocorreu em Abril de 2001. A acrescer a tudo isto, na medida em que os juros eram elevados, entre 25% e 28%, e atendendo a que o Réu e o seu padrasto mantinham boas relações, assentes na confiança mútua, o falecido BB optou, com o conhecimento do Réu, por fazer diversos depósitos naquela mesma conta e aí depositar a sua reforma e o complemento da reforma da sua esposa, para que ambos pudessem beneficiar da elevada taxa de juro aplicável em concreto. Nesta senda, o Réu procedeu da mesma forma, depositando por diversas vezes montantes avultados. Concretizando, o PPR iniciado em 1998, que provém do PPR existente aquando do óbito da mãe do réu, foi reforçado em 2008 com 40.000,00 €, na conta n.º ...01, tendo como beneficiários o réu e a sua esposa, sendo certo que todos sairiam beneficiados, na medida em que viam os créditos investidos incrementados em função da taxa de juro. O falecido BB não pretendia usufruir do referido PPR (atenta a sua avançada idade) mas tão só deixá-lo para os Réus, uma vez que tudo aquilo que havia obtido em vida se devia à mãe do Réu, considerando que tudo isso pertenceria, por direito próprio, ao réu. Contudo, nunca ficou acautelada a identificação dos beneficiários do produto financeiro subscrito, na medida em que era claro para os intervenientes que o Réu era o titular da maioria dos rendimentos que constavam daquela conta e que após o óbito do BB não se levantaria a questão da titularidade dos bens. Em 2006, como forma de estratégia financeira, o produto daquele PPR foi resgatado e aplicado no Aforro PPR cujo saldo foi resgatado após o óbito do BB. Sucede que os beneficiários destes produtos são, por mero defeito, os herdeiros legais, não tendo o falecido BB nomeado o beneficiário anterior, que seria o Réu, pois grande parte do valor que se encontrava na conta tinha sido depositada por ele. Reiterou-se que não foi o laço familiar que determinou que a conta bancária tivesse ambos os Réus como contitulares mas sim o facto de grande parte dos rendimentos terem sido depositados por estes. Sucede que, a certa altura, pouco antes do óbito do BB, o réu começou a deparar-se com movimentações atípicas na conta bancária, em concreto, com o levantamento de quantias que ascendiam aos 450,00€ num só dia, tendo assistido ao levantamento de 1.130,15€ no espaço de uma semana. Dois dias após o óbito, no dia 25 de Setembro, o réu apercebeu-se que tinham sido levantados 10.000,00€ num só dia. Perante o sucedido e seguindo o conselho do gerente de conta, querendo evitar a usurpação do valor restante, o réu transferiu-o, num total de 79.055,00€, para uma outra sua conta. Mais alegou que a Autora litigava de má fé. No pedido reconvencional, o Réu pediu a condenação da massa da herança, aqui representada pela Autora, no pagamento ao Réu do valor de 94.200,00€, a título de enriquecimento sem causa, segmentados em (i) empréstimo não pago de 75.000,00€, (ii) metade do valor de jóias da sua falecida cônjuge, apropriadas e não partilhadas, no montante de 9.200,00€, exigível à massa da herança, (iii) montante de 10.00 € para uma quantia levantada pela Autora da conta. Peticionou ainda a condenação da Autora como litigante de má fé. 3. Comprovado nos autos o óbito da Ré DD, foi habilitado como seu herdeiro o seu viúvo, o aqui Réu CC. Válida e regularmente citado nessa qualidade, o Réu Habilitado apresentou Contestação. Impugnou, na sua generalidade, os factos alegados pela Autora, trazendo aos autos uma versão dos mesmos em tudo idêntica à que expôs na sua contestação. Peticionou igualmente e nos mesmos termos a condenação da autora como litigante de má fé. 4. A Autora apresentou Réplica. Invocou a prescrição do direito que o reconvinte pretende fazer valer e que fundamenta no instituto do enriquecimento sem causa. Impugnou, na sua generalidade, os factos nos quais o Réu alicerça o pedido reconvencional, bem como aqueles com base nos quais o Réu, por si e na qualidade de herdeiro habilitado da ré, invoca a propriedade dos montantes depositados na conta bancária em causa nos autos. Em articulado autónomo a Autora pugnou ainda pela improcedência do pedido da sua condenação como litigante de má fé. O Réu pronunciou-se, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição invocada pela Autora. O Réu requereu ainda a ampliação do pedido reconvencional. Peticionou que o tribunal conhecesse ex officio da nulidade, por ausência de forma, do contrato de mútuo celebrado entre o Réu e BB, condenando a Autora, enquanto representante da massa da herança do falecido BB, à restituição ao património do Réu do montante global de 75.000,00€. Notificada, a Autora pronunciou-se pelo indeferimento da requerida ampliação do pedido reconvencional. 5. Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual: se fixou o valor da causa (173.812,36€); se decidiu pela admissibilidade do pedido reconvencional no que toca à quantia de 10.000€ e pela admissibilidade do pedido reconvencional no que toca às quantias de 75.000,00€ e 9.200,00€ se refere, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento do requerimento de ampliação do pedido reconvencional formulado pelo Réu; se considerou prejudicado, face ao incidente de habilitação de herdeiros deduzido pela Autora, o conhecimento das excepções de falta de personalidade e capacidade judiciárias da Ré DD; se considerou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da mesma Ré; se relegou para elaboração de sentença o conhecimento da excepção de prescrição do direito do Réu em sede de pedido reconvencional, enquanto alicerçado no instituto do enriquecimento sem causa, invocada pela Autora na Réplica. Quanto ao mais, foi a instância considerada válida e eficaz, procedendo-se à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova. 6. Após realização da audiência de discussão e julgamento, o Juiz ... do Juízo Central Cível ... proferiu sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados, julgou a reconvenção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Autora do pedido contra ela formulado e, por fim, julgou improcedente o pedido de condenação da Autora em litigância de má fé. 7. Demonstrando inconformismo com esse resultado da lide, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), sendo oferecidas contra-alegações pelo Réu e Herdeiro Habitado da co-Ré, com ampliação do âmbito do recurso. Uma vez identificadas as questões a decidir – “Questão prévia: violação do sigilo profissional pela testemunha JJ, solicitadora de profissão; - modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas, tendo em vista a alteração da decisão de direito; - ampliação do objecto do recurso - modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas” –, foi proferido acórdão em que, em sede de reapreciação da matéria de facto, se procedeu à eliminação, modificação e aditamento de factos provados, e, em sede de aplicação do direito aos factos, se decidiu “revogar a sentença, na parte em que julgou a acção improcedente por não provada, com a absolvição dos réus dos pedidos contra eles formulados, condenando-se os Réus a restituir à herança aberta por óbito de BB a quantia de € 79.612.36, da qual já foi disponibilizada € 29.685,00”. 8. Insatisfeito com a inversão do decidido em 2.º grau, o Réu e Herdeiro Habilitado da co-Ré interpôs recurso de revista para o STJ, pugnando pela respectiva procedência. Confrontado com a arguição de lapso que consubstanciaria uma contradição entre o fundamentado e o decidido, veio o TRP proferir acórdão, em conferência, nos termos dos arts. 613º e 614º do CPC, que decidiu rectificar o dispositivo do acórdão antes proferido, que passou a ter a seguinte redacção (e ficando a este a constituir complemento e parte integrante do acórdão recorrido: art. 617º, 2, CPC, aplicado analogicamente): “Pelo exposto e em conclusão acordam os juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso, e em consequência, determinar a alteração da matéria de facto em conformidade com o supra decidido e em revogar a sentença, na parte em que julgou a ação improcedente por não provada, com a absolvição dos réus dos pedidos contra eles formulados, condenando-se os Réus a restituir à herança aberta por óbito de BB a quantia de € 79.632,36, da qual já foi disponibilizado o valor de € 20.262.36.euros.” Apreciando e decidindo das questões recursivas, o STJ proferiu acórdão no qual – pronunciando-se sobre o uso dos poderes-deveres atribuídos pelo art. 662º, 2, do CPC e pedido de ampliação da matéria de facto nos termos do art. 682º, 3, do CPC, com prejudicialidade decisória para as demais questões – se julgou procedente a revista pelo fundamento prioritariamente invocado, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos à Relação para: (i) ser apreciada a impugnação da matéria de facto com cumprimento do dever legal previsto no art. 662º, 2, b), do CPC, nos termos ordenados; (ii) ser ampliada a matéria de facto, nos termos ordenados, em ordem a constituir base suficiente para se proferir a decisão de direito; (iii) ser proferida nova decisão sobre a matéria de facto e julgada novamente a causa em conformidade e de acordo com o direito aplicável. 9. Devolvidos os autos, foi proferido despacho pela Senhora Juíza Desembargadora, ao abrigo do art. 662º, 2, b), do CPC, determinando-se a realização das diligências probatórias tendo em vista a produção da prova documental ordenada no acórdão do STJ (a saber: junção do documento que os Réus protestaram juntar e a que aludem no item 104.º da Contestação; informação fornecida pelo banco BPI relativa à conta de depósito bancário, co-titulada por BB e CC) – em síntese, pretendia-se ampliar a matéria de facto “para se apurar se o reforço de € 40.000 do PPR foi feito através de quantias pertencentes ao réu, tal como aquele declarou no depoimento que prestou” (assim se enquadrou no acórdão agora recorrido). O banco BPI, através da Direção de Operações (Resposta a Entidades Oficiais e Herdeiros), veio aos autos informar que “o movimento de 40.022,95 €, realizado no dia 11/11/2008, é relativo a uma transferência do BPI Reforma Investimento PPR para o BPI Reforma Aforro PPR, efetuado por BB, NIF …”. O Réu e Recorrido CC não juntou o referido documento, que comprovaria que o PPR iniciado em 1988 foi reforçado em 2008, tendo esse PPR como beneficários o Réu e a sua falecida cônjuge, e requereu ainda que o BPI fosse oficiado para juntar documentos que pudessem determinar a natureza, a origem e a titularidade do movimento de € 40.022,95, o que foi deferido por despacho. O Banco BPI respondeu ao despacho e remeteu novos documentos (ref.ª CITIUS ...90). * Após alegações das partes no exercício do contraditório perante a prova adicional produzida, o TRP proferiu novo acórdão a julgar a apelação, no qual, em sede de reapreciação da matéria de facto, considerada em especial a prova produzida em sede de apelação após ser proferido o anterior acórdão do STJ, se procedeu à eliminação do facto provado 1.38, à modificação dos factos provados 1.39., 1.42 e 1.13, assim como à migração do facto não provado 2.3. (repetido em 2.26.) para o elenco dos factos provados como 1.59 e, por fim, à eliminação do facto não provado 2.1. e consequente aditamento do facto provado 1.58., e, em sede de aplicação do direito aos factos, se decidiu “revogar a sentença, na parte em que julgou a acção improcedente por não provada, com a absolvição dos réus dos pedidos contra eles formulados, condenando-se os Réus a restituir à herança aberta (…) por óbito de BB a quantia de € 79.612.36, da qual já foi disponibilizado o valor de € 29.685,00”. 10. O Réu e Habilitado CC veio, novamente sem se resignar, interpor novo recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões tendo em vista a sua procedência: “O Tribunal a quo deu como provado que o saldo bancário depositado na conta BPI co-titulada pelos Réus era propriedade exclusiva do falecido BB e, bem assim, que o PPR fora constituído com pertences seus. O Recorrente não se conforma com a actividade desenvolvida pelo Tribunal da Relação e, muito menos, com a suas conclusões, porquanto violem o direito vigente, nos seguintes termos: DA VIOLAÇÃO E ERRADA APLICAÇÃO DA LEI DO PROCESSO: a) Da contradição da decisão recorrida sobre a matéria de facto: I. O Tribunal a quo decidiu alterar a matéria de facto assente pela 1.ª Instância, aditando aos factos provados que «o dinheiro referente às operações bancárias discriminadas no facto 1.13 era propriedade do falecido BB» (facto 1.58) e que «a “Reforça Aforro PPR” identificada em 1.13. foi feita pelo falecido BB com dinheiro integralmente seu» (facto 1.59), bem como aditou ao facto 1.1.3 «O dinheiro da conta identificada em 1.10. era proveniente de quantias pertencentes a BB.» II. Contudo, na ótica do Recorrente, e salvo melhor opinião, a factualidade agora dada por assente encontra-se em contradição com o facto provado 1.13. e com os factos não provados 2.2. e 2.28. III. O facto 1.13. refere que «O dinheiro da conta identificada em 1.10. era proveniente de quantias pertencentes a BB, designadamente, do pedido de resgate da “Reforma Aforro PPR”, no montante de 52.628,16 €, com o nº de certificado ...67, em que o “Tomador Seguro”, a “Pessoa Segura” e o “Beneficiário em Vida” era BB e o “Beneficiário em Morte” eram os seus herdeiros legais, “Reforma Aforro PPR” essa constituída em 02.06.1998; e, dos montantes da reforma e dos complementos de reforma, estes após o óbito da esposa, que BB foi auferindo ao longo dos anos e que, pelo menos a partir de 2001, ali eram depositados em exclusividade, bem como dos reembolsos do IRS de BB, aí depositados pelo Réu, bem como juros resultantes da identificada aplicação financeira». IV. Foi emjulgamentode apelação que o Tribunal daRelação deu parcial razão ao ora Recorrente e decidiu aditar ao facto 1.13. a parte final: «[…] bem como dos reembolsos do IRS de BB, aí depositados pelo Réu, bem como juros resultantes da identificada aplicação financeira». V. Resulta da fundamentação adoptada pelo Tribunal a quo que a utilização da expressão “designadamente” visa abranger a totalidade das proveniências e movimentos da conta BPI identificada no facto provado 1.10. e não concretamente individualizadas no ponto 1.13. VI. Se somarmos as proveniências concretamente identificadas àquelas outras que não foram explicitamente enunciadas, mas que se reconduzam à expressão “designadamente”, de acordo com a decisão recorrida, temos, então, que a TOTALIDADE das proveniências e ingressos patrimoniais da conta BPI estão abrangidos pelo ponto 1.13. dos factos provados. VII. O Tribunal a quo deu como provado que o dinheiro referente às operações bancárias indicadas em 1.13. era propriedade do falecido BB, o que incluía o PPR. Porém, deu simultaneamente como não provado que os Réus nunca depositaram na conta qualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus (factos não provados 2.2. e 2.28). VIII. A contrario, resulta deste facto não provado que o Tribunal a quo admite que os Réuspossam,emalgummomento,terdepositado nacontaqualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus, não lhe sendo possível afirmar com certeza o contrário. IX. Se não se provou que nunca os Réus depositaram na conta qualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus como é que é possível dar simultaneamente por provado, seguindo o raciocínio supra, que todo o saldo da conta bancária identificada no facto 1.13. era propriedade do falecido BB? X. Existe uma contradição patente entre os factos provados 1.58 e 1.59 e o facto não provado 2.2 (e 2.28), isto porque o facto 1.13. (referido no facto 1.58) contém uma enunciação exemplificativa dos ingressos patrimoniais e da proveniência do saldo bancário da conta BPI, o que resulta desde logo do uso da expressão “designadamente”, a qual pretende abranger outras movimentações refletidas nos extratos bancários, como se alcança da fundamentação da decisão recorrida. XI. Quando a decisão recorrida dá como provado que a totalidade do dinheiro das operações identificadas no facto 1.13. era propriedade de BB está a reportar-se à totalidade do saldo e não apenas às operações aí especificamente discriminadas (uma vez que essa discriminação, sendo meramente exemplificativa, abrange simultânea e igualmente todas as demais resultantes da prova documental). XII. Porém, não pode simultaneamente dar-se como provado que BB é proprietário da totalidade do dinheiro da conta BPI e dar-se como não provado que os Réus nunca nela depositaram nenhuma quantia, uma vez que a prova do primeiro facto necessariamente excluía a possibilidade de prova do segundo. XIII. Se ficasse provado, como ficou, que BB era proprietário de todo o dinheiro da conta, bem que se tinha de dar como provado igualmente que os Réus nunca aí depositaram dinheiro seu ou proveniente de rendimentos seus, ou quando muito, eliminar-se também o facto não provado 2.2. e 2.28. XIV. O que não se pode consentir é na manutenção da decisão desses factos (o 1.58. e 1.59. por um lado, e o 2.2. e 2.28, por outro), uma vez que nesse caso a decisão padece de contradição entre factos que impede a decisão de direito da causa. Só quando for possível determinar [com] exatidão a composição e titularidade do saldo bancário da conta BPI se poderá considerar ou não ilidida a presunção prevista noart. 516.º do Código Civil, o que jácorrespondeàsolução dedireito a daraopleito, que até lá serevela impossível. XV. Aplica-se ao caso o previsto no art. 682.º, n.º 3, in fine do CPC, devendo o presente processo baixar ao Tribunal da Relação do Porto de modo que se sane a contradição identificada quanto à decisão de factoassim viabilizando a decisão jurídica da causa, o que desde já se requer. II – DA VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA: a) Da censurável utilização de presunções judiciais: Ainda que assim não seja, o que não se admite, sempre terá este Supremo Tribunal que censurar o uso que o Tribunal a quo fez das presunções judiciais, nos seguintes termos: XVI. O Tribunal a quo segue um trilho lógico censurável na análise crítica que faz dos elementos probatórios carreados para os autos, recorrendo amiúde a presunções judiciais que ou padecem de ilogicidade ou que assentam em factos não dados como provados. XVII. O Tribunal recorrido valora um trecho do depoimento do Recorrente no qual este refere que a contitularidade da conta decorre da vontade do falecido BB para, no evento da sua morte, o Recorrente e a mulher terem acesso ao dinheiro aí depositado. XVIII.Apesar de o Réu ter, em resposta à mesma questão, referido expressamente que a contitularidade se justificava pelo facto de o dinheiro depositado na conta ser também seu e da sua esposa, o Tribunal da Relação concluiu que a justificação apresentada era muito utilizada «numa determinada altura pela generalidade das pessoas, que visava permitir, em caso de morte do primeiro titular da conta, que os sucessores não tivessem de pagar imposto sucessório, pois podiam aceder diretamente à conta, havendo que como um acordo tácito “no caso de morrer o dinheiro fica para ti”, ou para permitir que em caso de impossibilidade por doença, pudessem os cotitulares aceder à conta para custear, despesas de saúde ou outras». XIX. Se o próprio Tribunal a quo admite que a constituição da contitularidade na conta BPI pode decorrer de um mecanismo usual para a realização de atribuições patrimoniais como é que daí não extrai consequência alguma? Acaso não teria relevância, seguindo o percurso lógico proposto pelo Tribunal, o facto de o falecido BB ter feito ingressar na Conta o Réu e a sua esposa em vez da Autora e demais herdeiros? Não teria o falecido BB precisamente o objectivo de, nas palavras da própria fundamentação, acordar tacitamente que “no caso de eu morrer o dinheiro fica para os Réus” (talvez porque fosse, pelo menos em parte, deles…)? XX. O Tribunal a quo acabará por concluir em sentido divergente ao do inicialmente proposto, decidindo pela procedência do pedido principal e condenando o ora Recorrente a restituir à herança a totalidade do saldo bancário. XXI. Entende o Recorrente que se pode identificar neste trecho uma contradição e oposição entre os fundamentos e a decisão ou, pelo menos, alguma ambiguidade ou obscuridade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, a qual pode ser conhecida pelo STJ por força da al. c) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC, o que se invoca. XXII. O Tribunal a quo recorre a presunções judiciais para dar como assentes os factos 1.158 e 1.59, ou seja, parte de factos conhecidos, tais como a prova documental junta aos autos (nomeadamente os extratos bancários juntos pelo BPI e os demais documentos relacionados com a conta BPI e os PPR’s anteriormente carreados para os autos pelas partes), a experiência e especiais conhecimentos do Réu na banca e as regras da experiência comum, para firmar factos desconhecidos, nomeadamente que o falecido BB era proprietário exclusivo de todo o dinheiro depositado na conta BPI e, ainda, que havia constituído o PPR com dinheiro integralmente seu. XXIII.Apesar de mencionado na contestação e referido pela testemunha JJ, não se deu como provado, nem sequer instrumentalmente, que o Réu tivesse experiência na banca. XXIV.Nunca o Réu alegou deter conhecimentos especiais no que toca à subscrição de aplicações financeiras, facto que só foi mencionado pela testemunhaJJ,não constandodoenunciado damatéria defacto provada. XXV. O Tribunalaquorecorreu afactosinstrumentaisque nãoforamdadoscomo provados (que o Recorrente tinha experiência na banca e que detinha especiais conhecimentos em aplicações financeiras) para, usando-os como factos-base, construir as presunções judiciais que estão subjacentes à prova dos factos 1.58 e 1.59. XXVI. Todavia, esses factos não foram dados como provados, não constando do elenco respectivo. XXVII. Em consequência, não poderia deles ter-seservido o Tribunal recorrido para construir as presunções judiciais aqui em análise, conforme a jurisprudência do STJ tem reconhecido. XXVIII. Por partir de factos não provados, impõe-se a este douto Supremo Tribunal de Justiça que censure a utilização das presunções judiciais feita pela 1.ª Instância, porquanto violadoras dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, como se verá. XXIX. As presunções judiciais empregues pelo Tribunal recorrido padecem ainda de ilogicidade. XXX. As presunções judiciais construídaspelo Tribunalpartem dafalta desentido que teria, atendendo à normalidade do agir e acontecer, que BB após apresentar uma relação bens viesse apresentar uma relação adicional um ano depois, declarando a existência do PPR de KK se não o quisesse partilhar efectivamente com o Réu. XXXI. Contudo, conforme o próprio Tribunal a quo reconhece imediatamente a seguir, tal pode ter acontecido essencialmente por razões de natureza fiscal, que é, bem vistas as coisas, uma explicação muito mais coerente com as regras da experiência comum, as quais vão demonstrando amiúde todo o tipo de declarações fiscais não coincidentes com as realidades materiais. XXXII. É ilógico que a fundamentação da decisão recorrida aponte ao mesmo tempo para uma determinada explicação da realidade, i.e., que o PPR de BB não teve origem naquele outro de KK, explicação essa que o Tribunal a quo quer definitiva, e depois abra o flanco ao questionamento dessa mesma realidade, apresentando logo outras explicações e razões que depõem contra essa mesma realidade. Neste contexto, a própria decisão recorrida não ultrapassou um estado de dúvida “com razões”, não foi além da dúvida razoável, admitindo expressamente que a realidade que dá como assente possa, afinal, ter sido outra. XXXIII. Estamos, pois, perante uma contradição e uma ilogicidade completa, que viola os artigos 349.º e 351.º, mas também os artigos 342.º, 344.º, 350.º e 516.º, todos do Código Civil, na medida em que o estado de dúvida em que o próprio Tribunal da Relação se coloca, além de não autorizar a formulação de uma presunção judicial que levasse à prova dos factos 1.58 e 1.59, também demonstra que, no caso concreto, o Recorrente foi capaz de produzir contraprova suficiente que abalou ou tornou duvidosa a prova produzida pela Recorrida, pelo que esta não logrou ilidir apresunção que beneficia oRecorrente, interpretaçãoque cabe a este Venerando Supremo Tribunal fixar, o que se requer! XXXIV. Ilógico é também o trilho que o Tribunal a quo percorre para estabelecer que o dinheiro usado para constituir o PPR propriedade de BB, apontando como factos base os especiais conhecimentos do Recorrente na banca e na constituição de aplicações financeiras combinado com as regras da experiência comum. XXXV. Contudo, conforme ficou provado (facto 1.15), existia entre o Recorrente e o falecido BB uma relação de proximidade e confiança, que justifica que o Réu actuasse como actuou, permitindo que BB usasse dinheiro seu e da sua mulher para colocar num PPR por si exclusivamente titulado. XXXVI. Principalmente num quadro em que o falecido BB não tinha contacto com mais nenhuma família, o que só viria a acontecer depois dele ter ingressado na O... (facto referido na fundamentação da decisão a quo como tendo sido reconhecido pela Recorrida). XXXVII. É precisamente a relação de confiança e proximidade que existia entre o Recorrido e BB (cfr., inter alia, factos provados 1.15, 1.25, 1.26, 1.30, 1.33, 1.34, 1.35 e 1.53), que se assemelhava em tudo a uma relação entre filho e pai, que justifica as atitudes menos previdentes ou cautelosas que a decisão recorrida aponta ao Recorrente, sendo, pois, ilógico percorrer um caminho inverso. Ou seja, não pode o Tribunal dar como provada a relação de proximidade e confiança existente entre o Recorrente e o falecido BB e, ao mesmo tempo, em atropelo da lógica, descartar totalmente essa relação e o que ela significa, designadamente em termos de regras da experiência comum. É que as relações de proximidade implicam, pela sua própria natureza, um certo “baixar da guarda” em relação ao outro, permitindo-se certas atitudes e liberdades que escapam às explicações mais racionais. XXXVIII. Neste sentido, provado que fica a relação próxima entre o Recorrente e BB, não custaadmitir – sendoaté consonante com a normalidade do agir e acontecer – que, na ausência (à época) de outra família, o Recorrente tenha entregado certas quantias monetárias que lhe pertenciam para que o padrasto as investisse numa aplicação que o próprio Recorrente aconselhara, de modo a obter retornos superiores. XXXIX. A posição do Recorrente não se encontrava de todo desacautelada, na medida que logo em 2001 os Réus ingressam na conta associada ao PPR como cotitulares, tendo esse PPR, aquando do agravamento do estado de saúde de BB, sido transformado num depósito a prazo. XL. Não espanta – é até da mais elementar lógica – que se o Recorrente e o padrasto eram próximos, que se o primeiro geria a vida financeira do segundo, que o primeiro pudesse auxiliar o segundo a criar um PPR e nele tivesse também colocado quantias que lhe pertencia… XLI. Foi, aliás, o que fez em 2008, quandoreforçou o PPR com 40.000,00 Euros, tese que o Tribunal a quo afasta, porquanto a muita confiança que pudesse existir entre o Recorrente e o BB não justificava que o primeiro assim procedesse, para mais quando não constava como beneficiário em morte do PPR. XLII. Parece-nos que é precisamente o contrário, pecando por ilógica esta assunção: só a muita confiança existente entre os dois é que permitia explicar este facto, sendo novamente de notar que a posição do Recorrente não ficou desacautelada a partir do momento em que o PPR foi resgatado e transformado num depósito especial a prazo, isto porque, neste cenário, já não seriam os herdeiros de BB os beneficiários exclusivos do montante no evento da sua morte. XLIII.Fica patente que o caminho trilhado pela decisão recorrida para dar como assentes factos desconhecidos se encontra eivado de ilogicidades evidentes, as quais urgem ser corrigidas por este Supremo Tribunal. XLIV. As presunções judiciais elaboradas pelo Tribunal da Relação que permitiram estabelecer os factos provados 1.58 e 1.59, violam o disposto nos artigos 349.º, 351.º, 342.º, 344.º, 350.º e 516.º do Código Civil, correspondendo, pois, a uma verdadeira violação da lei substantiva, a qual deve ser cassada ou suprimida no presente recurso. XLV. Neste caso, a decisão de facto da presente lide pode e deve ser ampliada, tendo em conta os factos dados como provados em ambas as instâncias, estabelecendo-se as presunções judicias, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e 663.º, n.º 2 e 607.º n.º 4 do CPC, que se afigurarem adequadas ao caso concreto. b) Da violação do art. 516.º, 405.º, n.º 1 e 1032.º do Código Civil, e do art. 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 158/2002 de 02 de julho de 2002: Além do mais que supra se expôs, o Tribunal a quo faz ainda uma errada interpretação e aplicação de várias normas de direito substantivo, o que sempre deverá ser conhecido e apreciado: XLVI. O Tribunal a quo disse, relativamente à documentação junta pelo Banco BPI, que “este “novo” documento, vem afastar as dúvidas suscitadas a propósito da operação que se encontra registada nos extratos bancários da conta (fls. 296 e ss, mais concretamente a fls 347 verso), datada de 18.11.2008, em que há uma entrada na conta de 40.000,00 (correspondente a um resgate ...8) seguida no mesmo dia de uma Subs (subscrição ...)”, XLVII. acrescentando que a dúvida sobre se 40.000,00 Euros poderiam ser a quantia que o Recorrente menciona no seu depoimento se encontra afastada, pela documentação que o Banco BPI vem juntar aos autos. XLVIII. Ora, segundo a decisão recorrida, se nesse documento se identifica BB como tomador do seguro, pessoa segura e beneficiário em vida do produto é porque, afinal, só ele poderia ser o proprietário do dinheiro aí aplicado! XLIX. O PPR foi resgatado em 04 de Maio de 2016 (facto provado n.º 1.14.), tendo a ordem de resgate sido dada em 27 de Abril de 2016 (Doc. n.º ...0 junto com a petição inicial). O contrato de depósito a prazo e poupanças (depósito especial BPI 3 anos) foi subscrito em 05 de Maio de 2016 (Doc. n.º ...5 junto com a petição inicial), data em que o montante de 52.628,16 Euros é depositado na conta poupança. L. Da conjugação destes dois factos resulta claro que em 2017, à data da morte do BB, o montante de 52.628,16 Euros, que se presume ser o mesmo, não era já um Plano Poupança Reforma, mas um depósito a prazo. LI. O montante de 52.628,16 Euros que se quer forçosamente ver declarado como um PPR pertencente ao falecido, já não o era desde .../.../2016, tratando-se, antes, de um depósito a prazo a que se hão-de aplicar as regras próprias deste tipo de contratos e não aqueloutras dos planos de poupança-reforma. LII. Não poderia BB estar ciente das consequências decorrentes do resgate do PPR e querer esse mesmo resultado? Sendo esta hipótese conjectural, ela é, pelo menos, tão plausível a explicar de que o titular do PPR havia atingido o limite de idade e que o Banco havia proposto a conversão no depósito a prazo. LIII. De acordo com o n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2002, os participantes dos PPR só podem exigir o reembolso do seu valor nos casos legalmente previstos, desde logo em caso de reforma por velhice do participante (al. a) e uma vez atingidos os 60 anos de idade do participante (al. e). LIV. Nestas condições, o “limite de idade” invocado como causa para o resgate verifica-se em relação ao falecido BB desde o momento da constituição do Aforro PPR (em 1998), uma vez que terá aquele nascido em 1925. LV. Por conseguinte, não é possível atribuir o resgate do PPR a nenhuma determinação legal, mas a um acto da vontade do próprio participante, acto esse cujas razões subjacentes não ficaram esclarecidas ou provadas nestes autos, não tendo sequer sido colocado em causa, pelo que merece ser respeitado LVI. Ao não considerar estes factos, o Tribunal a quo aplicou incorretamente o art. 405.º, n.º 1 do Código Civil e o n.º 1 do art. 4.º Decreto-Lei n.º 158/2002, o que carece de reconhecimento por este Supremo Tribunal de Justiça. LVII. Não decorre da lei que os reforços de um PPR tenham de ser necessariamente efectuados pelo seu titular ou futuro beneficiário, sendo possível, e até recorrente, uma situação de dissociação entre quem constitui o plano e o reforça e quem posteriormente dele beneficia, como sucede com as aplicações financeiras deste género instituídas pelas entidades empregadoras em benefício dos seus trabalhadores. LVIII. As relações que se estabelecem entre o tomador do seguro, a pessoa segura e o beneficiário do PPR, que impropriamente assume a estrutura de um contrato de seguro, são meramente obrigacionais e não reais, não existindo nenhuma presunção inelidível de que a propriedade do dinheiro depositado pertence ao participante do esquema de poupança. LIX. É perfeitamente possível que, por exemplo para beneficiar de condições fiscais ou taxas de juro mais vantajosas, duas pessoas acordem entre si a constituição de um plano poupança-reforma, em que uma delas realize as atribuições patrimoniais (em dinheiro) em nome da outra, comprometendo-se esta última, ainda que informalmente, a devolver esse dinheiro, acrescido dos juros, em determinado momento, conste ou não quem realiza as atribuições patrimoniais como o beneficiário do PPR. E se o fizessem estariam as partes ainda dentro dos limites do princípio da liberdade contratual estabelecido no art. 405.º, n.º 1 do Código Civil, sendo aquele acordo expressão da autonomia das suas vontades, gerando efeitos meramente obrigacionais e inter partes. LX. Questão diversa é já da propriedade do dinheiro que serve para constituir ou reforçar a poupança-reforma, sendo possível alegar e provar a sua origem e propriedade e peticionar a condenação do tomador do seguro ou do beneficiário na sua restituição, sem que com isso fique prejudicado o regime jurídico do contrato de seguro ou das poupanças-reforma, uma vez que estamos perante relação obrigacionais distintas, i.e., por um lado, as obrigações da instituição financeira ou da seguradora para com o titular e/ou beneficiário da aplicação, e, por outro lado, as obrigações que decorrem de um acordo conforme aquele supra descrito. LXI. Aceitar-se interpretação diversa seria o mesmo que dizer que num contrato de depósito bancário a questão da propriedade dos fundos aí depositados também é indiferente, porque existem, do mesmo modo, titulares e beneficiários (pelo menos em caso de morte) dos saldos depositados. LXII. O Tribunal a quo, ao estabelecer que as quantias usadas para investir no PPR eram propriedade exclusiva de BB porque era este o tomador do seguro, a pessoa segura e o beneficiário em vida do mesmo, interpreta erradamente o art. 405.º, n.º 1 e o art. 1032.º do Código Civil, uma vez que apesar de o falecido BB ser o tomador do seguro, a pessoa segura e o beneficiário em vida, tal não significa necessariamente que fosse o proprietário do dinheiro investido no aforro, o qual poderia pertencer a outrem, designadamente ao Recorrente. LXIII. Não basta determinar quem constava como tomador do seguro, pessoa segura e beneficiário em vida do mesmo para determinar a propriedade dos montantes que serviram para constituir e/ou reforçar esse esquema financeiro, sendo antes, também, necessário apurar a origem desses montantes, na medida em que bem podem não pertencer ao sujeito que consta como titular do esquema de poupança, sendo ainda necessário verificar as circunstâncias em que a constituição do PPR ocorreu, para determinar, caso haja uma dissociação entre o titular do direito real sobre as quantias e o beneficiário da aplicação, se existiu ou não, por um exemplo, uma intenção de liberalidade ou de efectuar uma atribuição patrimonial. LXIV. O ofício que o Banco BPI veio juntar apenasinforma os autos do Autor da transferência do montante de 40.022,95€ (quarenta mil e vinte e dois euros e noventa e cinco cêntimos) e de quem seriam os beneficiários em vida como em morte do PPR, não apresentando qualquer documento que suporte essa informação. LXV. Não existindo qualquer tipo de suporte, nem por parte do Banco BPI, nem tampouco por parte da Autora, de onde se retire a proveniência do montante de 40.022,95 € (quarenta mil e vinte e dois euros e noventa e cinco cêntimos) que serviu à constituição dos PPR (quer do PPR BPI Reforma Investimento como do Reforma Aforro PPR), não é possível provar a proveniência e a titularidade do valor em causa. LXVI. Observando o comprovativo de resgate junto aos autos pelo Banco BPI, percebe-se que este pedido de resgate foi feito já quando o Sr. BB se encontrava a residir na O..., como se verifica pela morada presente no mesmo documento. Nessa altura da sua vida, sabemos que o Sr. BB era auxiliado pelo seu enteado e aqui Recorrente, Sr. CC, em várias tarefas e necessidades do quotidiano, o que significa que nada obsta a que o Réu tenha auxiliado o Sr. BB a fazer a movimentação bancária do montante em causa – o que se justifica plenamente, uma vez, além de cotitulares da conta bancária, são família e, portanto, dispunham de um nível de proximidade muito acentuado (o que, aliás, se comprova pelo facto de o Réu ter ajudado o seu padrasto quando este foi operado à próstata ou quando o auxiliou na procura por um lar, de modo que pudesse passar os seus dias em condições mais adequadas ao seuestado desaúde,tendo,inclusive, pagoa jóia correspondente à entrada do falecido BB no lar da O..., cujo valor total foi de cerca de 160.000,00 € (cento e sessenta mil euros). LXVII. Essa possibilidade é, aliás, corroborada pelo facto de o comprovativo de resgate que o Banco BPI forneceu não se encontrar assinado pelo Sr. BB. LXVIII. O Tribunal a quo, ao não ter interpretado desta forma as disposições legais discriminadas, violou a lei substantiva, errando na interpretação e aplicação das mencionadas normas, donde resulta, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC, fundamento para o presente recurso de revista. LXIX. Em consequência,resulta também violado o art. 516.º doCódigoCivil, quando combinado com o art. 346.º do mesmo diploma, porquanto o Recorrido produziu prova suficiente para colocar em dúvida a propriedade dos montantes que serviram para constituir o PPR, pelo que só em erro de aplicação poderia o Tribunal a quo ter considerado ilidida a presunção prevista no art. 516.º do CC.” * Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso Visto o elenco de Conclusões, que delimitam objectivamente o objecto do recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), são estas as questões que surgem agora como questões a decidir: (i) Contradição entre a decisão sobre a matéria de facto e a decisão jurídica e aplicação do art. 682º, 3, do CPC – Conclusões I. a XV.; (ii) Uso de presunções judiciais nos factos provados 1.58. e 1.59. – Conclusões XXII. a XLV.; (iii) Nulidade do acórdão recorrido com base no art. 615º, 1, c), do CPC – Conclusões XVI. a XXI.; (iv) Erro de julgamento na aplicação dos arts. 516º, 405º, 1, e 1032º do CCiv., assim como do art. 4º, 1, do DL 158/2002, de 2 de Julho – Conclusões XLVI. a LXIX.. 2. Factualidade Após a reapreciação já referida, feita em segunda via, foram considerados provados os seguintes factos: 1.1. A autora é, conjuntamente com sua irmã EE, herdeira de LL, entretanto falecida. 1.2. FF, FF e GG são herdeiras de MM, falecido no estado de solteiro. 1.3. HH e II são herdeiras e únicas filhas de NN. 1.4. MM, LL e NN eram filhos de OO e PP. 1.5. MM, LL e NN eram irmãos germanos de BB, falecido em .../.../2017, também filho de OO e PP. 1.6. Os únicos herdeiros de BB são AA, aqui autora, EE, FF, GG, FF, HH e II. 1.7. A aqui autora foi nomeada cabeça de casal por todos os herdeiros. 1.8. O falecido BB foi torneiro mecânico de profissão, tendo‐se reformado ainda antes do falecimento de sua esposa ocorrido em .../.../1998. 1.9. Desde 2006 passou a residir na O... onde veio a falecer. 1.10. O falecido BB era, à data do seu óbito, cotitular de uma conta no BPI, com sede na Rua ..., no ..., com o n.º ...01. 1.11. Era nessa conta que era depositada a sua reforma que ao tempo do seu óbito se situava no montante mensal de 412,16 €, acrescida da quantia de 165,20 € de complemento da reforma da sua falecida esposa. 1.12. Em 18.04.2001, essa conta passou a ter como cotitulares o réu CC e a sua esposa, a ré DD, tornando-se numa conta solidária. 1.13. O dinheiro da conta identificada em 1.10. era proveniente de quantias pertencentes a BB, designadamente, do pedido de resgate da “Reforma Aforro PPR”, no montante de 52.628,16 €, com o nº de certificado ...67, em que o “Tomador Seguro”, a “Pessoa Segura” e o “Beneficiário em Vida” era BB e o “Beneficiário em Morte” eram os seus herdeiros legais, “Reforma Aforro PPR” essa constituída em 02.06.1998; e, dos montantes da reforma e dos complementos de reforma, estes após o óbito da esposa, que BB foi auferindo ao longo dos anos e que, pelo menos a partir de 2001, ali eram depositados em exclusividade, bem como dos reembolsos do IRS de BB, aí depositados pelo Réu, bem como juros resultantes da identificada aplicação financeira. (Modificado pela Relação.) 1.14. O valor da “Reforma Aforro PPR” identificada em 1.13. foi, em 04.05.2016, resgatado, tendo passado, em 05.05.2016, para um contrato de depósito a prazo e poupanças denominado “Depósito Especial BPI 3 Anos”. 1.15. O réu marido era enteado de BB, existindo entre eles uma relação de proximidade. 1.16. Mediante escrituras públicas de “Partilha” outorgadas em 26.02.2008 e 09.12.2010, BB e os réus procederam à partilha de dois prédios urbanos que integravam a herança deixada por KK, os quais foram adjudicados aos réus que declararam já ter procedido ao pagamento das respetivas tornas a BB. 1.17. Em 25.09.2017, após as transferências referidas em 1.46., tinha a conta referida em 1.10. um saldo de 79.055,00 €. 1.18. Nessa data de 25.09.2017, o réu marido deu ordem de transferência do montante de 79.055,00 € para a conta de que é beneficiário e cujo IBAN tem o n.º ...50. 1.19. Em 11.10.2017, foi depositado na conta identificada em 1.10. a quantia de 577,36 € e, nesse mesmo dia, o réu marido deu ordem de transferência desse montante para a conta de que é beneficiário e cujo IBAN tem o n.º ...50. 1.20. O dinheiro transferido, identificado em 1.18. e 1.19. entrou no património do casal formado pelos réus. 1.21. A autora transferiu da conta identificada em 1.10. para conta sua 10.000,00 €. 1.22. A autora, após o óbito de BB, suportou despesas com o seu funeral, com a respetiva habilitação de herdeiros, com a certidão de óbito do falecido e com as certidões de nascimento do falecido e das suas herdeiras, nos valores de, respetivamente, 2.913,30 €, 150,00 €, 20,00 € e 60,00 €. 1.23. Em data não concretamente apurada mas anterior a 1974, BB foi contratado pela mãe do réu, KK, para exercer funções de motorista. 1.24. A partir de data não concretamente apurada mas posterior àquela em que foi contratado pela mãe do réu, BB passou a residir na casa do réu e da sua mãe. 1.25. À data em que BB foi contratado pela mãe do réu, a sua única família eram os seus pais e irmãos, não tendo cônjuge ou filhos. 1.26. BB conviveu e confraternizou com o réu, em especial a partir da altura em que KK decidiu casar com ele. 1.27. KK e BB casaram em 14.09.1974 no regime de separação de bens. 1.28. KK faleceu em .../.../1998. 1.29. KK deixou testamento, no qual legou ao seu marido, BB, por conta da sua quota disponível, o usufruto de dois prédios urbanos e o veículo da marca Peugeot, modelo 204, com a matrícula NR-..-... 1.30. A partir do momento em que a sua esposa, KK, morreu, BB contou com o auxílio do réu para o orientar em questões económico-financeiras. 1.31. Após o matrimónio com a mãe do réu, BB deixou de exercer qualquer atividade profissional. 1.32. BB não detinha fortuna própria. 1.33. O réu amparou o seu padrasto, BB, na altura em que este foi operado à próstata, tendo o mesmo ficado hospedado na sua casa para aí recuperar da intervenção cirúrgica à qual foi submetido. 1.34. O réu auxiliou BB na procura de um lar, na sequência do que este passou a residir permanentemente na C.... 1.35. Após a ida de BB para a “O...”, o réu nunca deixou de acompanhar o seu padrasto, o qual passava consigo as festividades. 1.36. KK subscreveu um Plano de Poupança e Reforma de 235 Unidades, “BPI Ref. Investimento”, o qual existia à data do seu óbito. 1.37. Após o óbito de KK, em data não concretamente apurada, o “PPR” identificado em 1.36. foi resgatado. 1.38. (Eliminado pela Relação.) 1.39. BB depositava na conta identificada em 1.10. os valores provenientes do reembolso do IRS, bem como a sua reforma e o complemento da reforma da sua esposa, tal como se refere em 1.11. (Modificado pela Relação.) 1.40. A “Reforma Aforro PPR” identificada em 1.13. e depois o “Depósito Especial BPI 3 Anos” beneficiavam de uma taxa de juro de valor não apurado. 1.41. BB gastava valores depositados na conta identificada em 1.10. 1.42. O PPR identificado em 1.13. foi reforçado em 18.11.2008, com 40.022,95 € depositados na conta identificada em 1.10., por ordem de BB. (Modificado pela Relação.) 1.43. No dia 06.09.2017 foram efetuados na conta identificada em 1.10. dois levantamentos, um de 100,00 € e outro de 200,00 €. 1.44. No dia 07.09.2017 foram efetuados na conta identificada em 1.10. dois levantamentos de 200,00 € cada um. 1.45. No dia 13.09.2017 foram efetuados na conta identificada em 1.10. três levantamentos, um de 200,00 €, um de 100,00 € e outro de 50,00 €. 1.46. No dia 25.09.2017 foram efetuadas pela autora da conta identificada em 1.10. para conta sua duas transferências no valor de 5.000,00 € cada uma, perfazendo o montante identificado em 1.21. 1.47. O réu foi alertado para as transferências identificadas em 1.46. por um funcionário do “BPI”. 1.48. Querendo evitar a retirada da conta identificada em 1.10. do valor restante, 79.055,00 €, o réu transferiu a totalidade deste valor para uma outra conta a que só ele tinha acesso. 1.49. Sabendo que BB tinha falecido, o réu ficou alarmado com as movimentações bancárias, principalmente, considerando os valores movimentados. 1.50. Já casado, BB recebia as rendas dos inquilinos das casas da sua esposa. 1.51. Quando BB foi operado à próstata ainda a sua esposa era viva apesar de já doente. 1.52. Nessa altura, como BB iria ficar ausente por algum tempo, foi providenciado o internamento de KK num lar. 1.53. O período da convalescença de BB foi passado na casa dos réus, tal como se refere em 1.33. 1.54. Após a sua recuperação, BB foi buscar a esposa ao lar e cuidou dela até ao seu decesso. 1.55. O dinheiro que BB usava no seu quotidiano para fazer face aos gastos pessoais era proveniente da conta identificada em 1.10. 1.56. A autora teve na sua posse o cartão de débito da conta identificada em 1.10. e o respetivo código de acesso. 1.57. Em 19.12.2017 o réu transferiu para a conta identificada em 1.10. os montantes de 577,36 € e 19.685,00 €. 1.58. O dinheiro referente às operações bancárias discriminadas no facto 1.13. era propriedade do falecido BB. (Aditado pela Relação; consequente à eliminação do facto não provado 2.1.) 1.59. A “Reforma Aforro PPR” identificada em 1.13. foi feita pelo falecido BB com dinheiro integralmente seu. (Aditado pela Relação; anterior facto não provado 2.3./2.26., eliminado.) Foram considerados não provados os seguintes factos: 2.1. (Eliminado pela Relação.) 2.2. Nunca os aqui réus depositaram na mesma qualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus. 2.3. (Eliminado pela Relação.) 2.4. Foi apenas pelo facto a que se alude em 1.15. que BB colocou o réu, conjuntamente com a ré mulher, como titulares da sua conta identificada em 1.10. 2.5. O dinheiro transferido, identificado em 1.18. e 1.19., foi utilizado pelos réus, designadamente, em despesas de alimentação, transporte, manutenção do lar conjugal, deslocações e férias. 2.6. O motivo que determinou a ida de BB para a habitação do réu e da sua mãe esteve relacionado não só às funções que exercia, mas também com as dificuldades financeiras que o primeiro sentia no seu seio familiar, pelo que, deste modo, com essa mudança acabou por ser proporcionado a BB um conforto que este nunca havia tido junto da sua própria família. 2.6. O referido conforto foi facilmente proporcionado por KK, na medida em que esta era proprietária de uma avultada fortuna. 2.7. Após o matrimónio com a mãe do réu, BB passou a viver apenas totalmente “às custas” de KK e dos proventos que esta retirava dos imóveis que arrendava, bem como da fortuna que esta desde sempre possuía. 2.8. BB não dispunha de quaisquer rendimentos próprios nem de quaisquer poupanças pessoais. 2.9. Tudo o que BB obteve durante a vida foi sempre por benemerência atribuída por KK. 2.10. Após o falecimento da sua mãe, o réu sustentou BB a expensas próprias. 2.11. Na pendência do matrimónio, mais concretamente no decorrer da década de 80, BB e KK abriram uma conta em conjunto no BPI, cujos saldos são desconhecidos e a qual foi posteriormente encerrada pelo BB. 2.12. A conta a que estava associado o “PPR” identificado em 1.36. foi encerrada em meados de 2000. 2.13. O montante a que se alude em 1.42. foi depositado na conta identificada em 1.10. pelo réu. 2.14. BB não pretendia usufruir do PPR identificado em 1.13. (atenta a sua avançada idade) mas tão só deixá-lo para os réus, uma vez que tudo aquilo que havia obtido em vida se devia a KK, considerando, por inerência, que tudo isso pertenceria, por direito próprio, ao réu. 2.15. Nunca ficou acautelada a identificação dos beneficiários do PPR identificado em 1.13., na medida em que era claro para os intervenientes que o réu era o titular da maioria dos rendimentos que constavam daquela conta, pelo que após o óbito de BB não se levantaria a questão da titularidade dos bens. 2.16. Não conjeturava BB possuir quaisquer herdeiros, na medida em que não tinha qualquer relação e/ou contactos com os seus familiares. 2.17. Para o falecido BB a sua família reduzia-se aos réus. 2.18. Os beneficiários do “Depósito Especial BPI 3 Anos” identificado em 1.14. são, por mero defeito, os herdeiros legais, não tendo BB nomeado o beneficiário anterior que seria o aqui réu, na medida em que grande parte do valor que se encontrava na conta tinha sido depositada pelo mesmo. 2.19. Não foi o laço familiar que determinou que a conta identificada em 1.10. tivesse os réus como cotitulares, mas sim o facto de grande parte dos rendimentos terem sido depositados por estes. 2.20. O funcionário identificado em 1.47., por segurança, acabou por sugerir ao réu proceder ao levantamento do remanescente das quantias que se encontravam na conta identificada em 1.10. 2.21. O valor identificado em 1.18. pertencia, na sua totalidade, ao réu. 2.22. O valor identificado em 1.19. pertencia ao réu. 2.23. O valor dos honorários do mandatário dos réus ascende a 1.000,00 €. 2.24. Depois de ir buscar a sua esposa ao lar, tal como se refere em 1.54., BB levou-a para a casa do casal. 2.25. BB sempre disse à autora que a quantia que estivesse no Banco à sua morte reverteria para a sua irmã NN, se ainda fosse viva nessa altura, bem como para as sobrinhas, filhas dos dois irmãos já falecidos, tendo para tanto mais referido à autora que aquando da sua morte contactasse o réu, o qual já estava encarregue de levantar o dinheiro existente na conta e o entregar à autora, para ser dividido entre si e as demais herdeiras, tendo mesmo fornecido ao réu o contacto da autora e feito o mesmo à autora, facultando-lhe o contacto do réu. 2.26. (Eliminado pela Relação.) 2.27. BB, antes de falecer, referiu à autora que o dinheiro existente na conta identificada em 1.10. era todo seu e seria para distribuir pelos seus herdeiros pois não fizera testamento. 2.28. Os réus não depositaram nunca qualquer verba na conta identificada em 1.10. 2.29. BB entregou, por diversas vezes, o cartão de débito da conta identificada em 1.10. à autora e forneceu-lhe o respetivo código de acesso para que procedesse a levantamentos de diversas quantias, indicando-lhe o destino a dar ás mesmas, o que esta sempre cumpriu escrupulosamente. 2.30. As movimentações identificadas em 1.43., 1.44. e 1.45. foram efetuadas a pedido de BB e para que lhes fosse dado o destino que entendesse. 2.31. O dinheiro identificado em 1.43., 1.44. e 1.45. foi aplicado na aquisição de uma cadeira de rodas para banho, em produtos de higiene, incluindo fraldas, no pagamento de consultas médicas, vestuário, transportes de e para o Hospital ... e outras despesas e aplicações que BB entendeu fazer. 2.32. A autora efetuou a transferência identificada em 1.21. e 1.46. com conhecimento e acordo dos demais herdeiros e porque o seu tio lhe facultara o cartão de débito, o código de acesso e lho recomendara fazer. 2.33. BB depositava na conta identificada em 1.10. as rendas que recebia das casas de que era usufrutuário. 2.34. Que o montante desse “PPR” de KK tivesse sido aplicado no “Plano de Reforma” “Reforma Aforro PPR” identificada em 1.13., o qual está associado à conta identificada em 1.10. (Aditado pela Relação, anterior facto provado 1.38.) 3. Aplicação do direito 3.1. Contradição na matéria de facto e aplicação do art. 682º, 3, do CPC O Recorrente começa por se insurgir contra a alegada contradição entre os factos provados 1.13., 1.58. e 1.59 e os factos não provados 2.2. e 2.28. Em suma, seria incompatível dar como provada a titularidade de BB dos fundos depositados na conta bancária do BPI e dar-se como não provado que os Réus nunca depositaram na mesma qualquer valor seu ou proveniente de rendimentos seus. Ora, não vemos que seja incompatível tal materialidade provada com tal facto não provado. Não se considerar provado que os Réus tivessem depositado fundos da sua titularidade nessa conta não é contraditório com o facto de se imputar a proveniência de tais fundos a BB. Contraditório seria, isso sim, nesta mesma lógica, considerar provada a proveniência exclusiva de tais fundos a BB e igualmente a proveniência de valores imputados aos Réus, pois aí a incompatibilidade seria objectiva e teria consequências na correcta aplicação do direito. Não é assim que acontece. Em nada o facto não provado 2.2. (repetido em 2.28.) briga com a coerência factual dos factos provados 1.13., 1.58. e 1.59., pelo que não se vê que haja de sanar contradição entre provado e não provado e que, muito menos, se veja tal como essencial para a correcta subsunção do direito à factualidade provada – razão pela qual não há que convocar aqui o art. 682º, 3, do CPC. 3.2. Uso e controlo de presunções judiciais e invocação de nulidade 3.2.1. Tem sido jurisprudência constante do STJ que, ainda por via da válvula de escape de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674º, 3, 2ª parte, amparada no art. 682º, 2, 2.ª parte, sempre do CPC, a revista possa servir para empreender a sindicação das presunções judiciais construídas e assumidas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349º e 351º do CCiv.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido[1]. A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido (“base da presunção”), e se chega a um facto desconhecido (“facto presumido”) – art. 349º do CCiv. A presunção judicial, natural ou de facto funda-se nas regras práticas da experiência, ou seja, nos ensinamentos decorrentes da observação (empírica) dos factos. O único controlo que esta instância pode fazer neste capítulo é conferir se o iter percorrido para tirar a presunção respeitou as regras legais do procedimento probatório (a saber: existência de factos-base, admissibilidade e inexistência de ilogicidade ou ilogismo manifesto). Logo, trata-se de uma intervenção residual – desde logo porque ainda estamos no domínio da matéria de facto, cuja reapreciação está por regra vedada na impugnação da revista. Como foi sublinhado, por ex., no Ac. do STJ de 9/3/2021[2], “as presunções judiciais, consistindo em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º do CC), situam-se no plano da matéria de facto. A estrutura lógica das presunções é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico. (…) A possível intervenção do STJ no campo das presunções judiciais situa-se precisamente ao nível da perscrutação de vícios na formação desse juízo indutivo”.
3.2.2. O Recorrente alega que os factos provados 1.58. e 1.59., tal como aditados pela Relação, resultam de presunções judiciais que assentam em factos que não constam do elenco de factos provados como “factos-base” e, por outro lado, não são lógicas na fundamentação e dedução. A alegação do Recorrente significa, neste detalhe, a pretensão do correspectivo efeito legal por aplicação desse regime de controlo das presunções judiciais.
Transcreve-se: Se assim é, portanto, nenhuma intervenção de controlo em sede de revista é possível:
3.2.4. Do que se encontra dito, também encontramos razões para fazer soçobrar a arguição da nulidade prevista na al. c) do art. 615º, 1, do CPC, imputada no percurso dedutivo de tais supostas presunções judiciais (cfr., em especial, a Conclusão XVI.). Ora, perante o que se transcreveu e assinalou quanto à fundamentação da modificação da matéria de facto constante dos factos provados 1.58. e 1.59., sem socorro de presunções judiciais ou naturais, não se pode imputar qualquer daqueles vícios à fundamentação; ao invés, como predito, compreende-se como coerente, lógica e compreensível o percurso da fundamentação que conduz à modificação da matéria de facto por aditamento dos factos 1.58. e 1.59., em coerência com a modificação do facto provado 1.13. É notório que o Recorrente apresenta um manifesto inconformismo com o julgamento da matéria de facto a cargo da Relação e a sua repercussão na decisão jurídica do pleito. Com efeito, pode discordar-se da valoração crítica da prova indicada pelas partes, produzida e acessível nos autos e submetidas ao princípio do dispositivo, em regime de prova livre. Mas tal apontado “erro de julgamento”, no âmbito decisório da livre convicção do julgador, no cosmos decisório do art. 662º do CPC, não está sujeito à impugnação junto do STJ. Assim, improcede a nulidade invocada pelo Recorrente, em conclusão deste segmento da impugnação. *
Nesta argumentação, não se verifica – nem se vê como pertinente a convocação para a questão de direito reapreciada em 2.ª instância – qualquer violação dos arts. 405º, 1, e 1032º do CCiv., e do art. 4º do DL 158/2002, de 2 de Julho.
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