Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4/17.4SFPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
BANDO
REINCIDÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
REFORMATIO IN PEJUS
Apenso:
Data do Acordão: 03/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 434.º, do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21-12, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, que dizem respeito aos recursos de decisões das relações proferidas em 1.ª instância e aos recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, os quais, por força desta alteração legislativa, passam a admitir recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do art. 410.º do CPP.

II - Não sendo o caso, pois que se trata de recurso de acórdão da Relação proferido em recurso, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, não é admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do art. 410.º, sem prejuízo do conhecimento oficioso destes vícios em vista da boa decisão de direito, que possa ser prejudicada ou afetada pela sua subsistência, conforme jurisprudência firme deste tribunal,

III - Dirigindo-se os recursos diretamente à matéria de facto, por pretendida “expurgação” de factos que os recorrentes consideram “genéricos”, em virtude de não estarem determinadas as quantidades de produtos estupefacientes vendidas em algumas das situações, e sendo da competência do tribunal da Relação o conhecimento das questões de facto (art. 428.º do CPP), devem os recursos ser rejeitados nesta parte.

IV - O art. 25.º (tráfico de menor gravidade) do DL n.º 15/93, de 22-01, remete para a previsão do art. 21.º, com adição de elementos respeitantes à ilicitude, que não à culpa, que atenuam a pena; a atenuação não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, em função de circunstâncias referidas exemplificativamente – os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias.

V - Como fundadamente concluiu o acórdão recorrido, na avaliação global dos factos e das suas circunstâncias particulares, que os relacionam com uma atividade planeada, repetida e organizada de tráfico, atuando os arguidos em “bando”, para fornecimento do mercado de uma determinada área geográfica, num local a que os adquirentes se dirigiam para se abastecerem de heroína e cocaína – “drogas duras”, de elevado grau de danosidade –, não se pode reconduzir a ação ao âmbito de previsão normativa do artigo 25.º do mesmo diploma.

VI - A circunstância qualificativa prevista na al. j) (atuação como membro de bando) do art. 24.º do DL n.º 15/93, que não reproduz a al. g) (concurso de duas ou mais pessoas) do art. 27.º da lei anterior (DL n.º 430/83, de 13-12, inspira-se diretamente no art. 3.º, n ,º 5, al. a), da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 1988), segundo a qual “as Partes asseguram que os seus tribunais e outras autoridades competentes possam ter em consideração as circunstâncias factuais que conferem particular gravidade às infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 do presente artigo, tais como (…) a participação na infracção de uma organização criminosa à qual o agente pertença”.

VII - À data da publicação deste diploma não existia uma definição legal do conceito de “organização criminosa”, que só veio a ser esclarecido no art. 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, de 15.11.2000 («Convenção de Palermo»), que inspirou a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24-10-2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada, pelos recortes conceptuais das definições de «grupo criminoso organizado» e de «grupo estruturado».

VIII - Um grupo criminoso não estruturado, fora desta definição, deixou de se poder incluir no conceito de grupo criminoso organizado, na aceção da «Convenção de Palermo». É o que sucede com o conceito de “bando”, objeto de elaboração jurisprudencial pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo a punição agravada pelo facto de existir um grupo criminoso que não reúne as características do grupo criminoso estruturado, cujos membros praticam de forma reiterada, conjuntamente com, pelo menos, outro elemento do grupo, crimes de tráfico, o que vai além dos limites da autoria (coautoria).

IX - Estando provado que agiam como membros de um grupo com estas características, os arguidos devem ser punidos em função da qualificativa prevista na al. j) do art. 24.º do DL n.º 15/93, de 22-01.

X - Estando presentes os pressupostos formais da reincidência (art. 75.º, n.os 1 e 2, do CP), verificando-se uma íntima conexão entre os crimes reiterados, o que constitui um fator determinante do juízo de culpa agravado que a fundamenta e não estando demonstrada a intervenção de circunstâncias que possam excluir tal conexão, como a degradação económica, dificuldade em encontrar emprego, experiência criminógena da prisão ou outras que impeçam o agente de retomar uma vida conforme ao direito, mostra-se justificada a condenação dos arguidos como reincidentes.

XI - A descrição dos factos provados contém suficiente concretização das ações levadas a efeito pelos arguidos na organização e execução das operações de venda dos produtos estupefacientes, não exigindo o art. 21.º do DL n.º 15/93 uma quantificação dos produtos vendidos, a qual apenas adquire relevo autónomo para efeitos de determinação da medida concreta da pena, nos termos do art. 71.º do CP, mas já não para efeitos do preenchimento do tipo de crime.

XII - Não procede a alegação de que, no recurso interposto do acórdão da 1.ª instância para o tribunal da Relação, o Ministério Público apenas pôs em causa a qualificação jurídica dos factos, com o fundamento em que, diversamente do decidido no acórdão recorrido (que condenou os arguidos pela prática de crimes de tráfico, da previsão do art. 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01), os arguidos deveriam ser punidos pela prática de crimes de tráfico agravado nos termos da al. j) do art. 24.º do mesmo diploma (como constava da acusação), sem pedir expressamente a condenação em penas mais graves, o que, na perspetiva dos recorrentes, impedia o tribunal da relação de aplicar penas de medida superior às aplicadas em 1.ª instância, por a isso se opor a proibição da reformatio in pejus (art. 409.º, n.º 1, do CPP).

XIII - A proibição da reformatio in pejus no processo penal – que, fora dos casos previstos no n.º 1 do art. 409.º do CPP comportaria um vício estrutural do processo, conflituante com o direito da acusação ao recurso e com a realização da justiça –, apesar de não estar expressamente referida no texto da Constituição, constitui um princípio constitucional que se impõe apenas em caso de recurso em exclusivo interesse da defesa, por respeito do direito do arguido ao recurso, enquanto componente do direito de defesa constitucionalmente garantido (art. 32.º, n.º 1, da CRP), e do princípio da acusação.

XIV - Tendo havido recurso do Ministério Público, não no interesse da defesa, nada impede, antes se justifica, no sentido da realização da justiça do caso, que o tribunal da Relação possa agravar as penas aplicadas em 1.ª instância.

XV - Em consequência, improcedem, na sua totalidade, os recursos interpostos pelos arguidos quanto à qualificação jurídica dos factos, à reincidência, à medida das penas aplicadas e à alegada violação da reformatio in pejus.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I.  Relatório

1. Por acórdão de 23.04.2021 do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., foi decidido:

1. Condenar o arguido AA, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

2. Condenar o arguido BB, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

3. Condenar o CC, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

4. Condenar o arguido DD, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva.

5. Condenar o arguido EE, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

6. Condenar a arguida FF, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

7. Condenar o arguido GG, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva.

8. Condenar o arguido HH, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

9. Condenar o arguido II, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

10. Condenar o arguido JJ, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

11. Condenar o arguido KK, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva.

12. Condenar o arguido LL, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

13. Condenar o arguido MM, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

14. Condenar o arguido NN, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

15. Condenar o arguido OO, como coautor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

2. Não se conformando com essa decisão, dela interpuseram recursos para o Tribunal da Relação ... o Ministério Público e os arguidos EE, AA, CC, GG, DD, KK, II e BB.

3. Por acórdão de 27.10.2021, o Tribunal da Relação ... decidiu:

a) Determinar a retificação do lapso contido no acórdão recorrido, nos termos referidos no ponto 2.2.5.1. do acórdão;

b) Determinar a alteração dos pontos 28. e 25. dos factos dados como provados na decisão recorrida, nos termos definidos nos pontos 2.2.2.1. e 2.2.3.1. do acórdão;

c) Julgar improcedentes as impugnações da decisão de facto, negando ainda provimento aos recursos interpostos pelos arguidos EE, AA, CC, GG, DD, KK, II e BB.

d) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério e Público e, consequentemente, condenar os arguidos:

1. AA, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2. BB, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 7 (sete) anos e (seis) meses de prisão.

3. CC, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

4. DD, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

5. EE, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

6. GG, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

7. II, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

8. JJ, como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal.

9. FF, como coautora de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova, ao abrigo do art.º 50.º, n.º 1 e 5 e 53.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal

e) Manter quanto ao mais a decisão recorrida.

4. Discordando da decisão do Tribunal da Relação ..., dela recorrem os arguidos AA, CC, DD e II, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivações, de que extraem as seguintes conclusões (transcrição):

4.1. Recurso do arguido AA

I – Foi o arguido, ora recorrente, condenado pelo Tribunal “a quo” como autor material de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I–A e I-B que lhe estão anexas e reincidente nos termos dos art.ºs 75.º e 76.º do Código Penal na pena de 8 (oito) anos de prisão.

II – O douto Acordão proferido pelo Tribunal da Relação ... condenou como “coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão”.

III – A decisão recorrida não configura uma correta interpretação e aplicação do direito e das regras jurídicas concernentes aos factos provados nos autos.

IV – Não pode ser o arguido condenado a pena superior àquela que lhe foi aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, sob pena, naturalmente, de se verificar violação do princípio “reformatio in pejus”.

V - Ora, nas alegações de recurso apresentadas pelo Ministério Publico, não se pugna pelo agravamento da pena do aqui Recorrente, bem como pelo agravamento das penas dos demais arguidos, pelo que a pena não poderia ter sido agravada, visto que não pode o Tribunal da Relação condenar em pena mais grave do que aquela que inicialmente lhe foi aplicada, nomeadamente numa pena de mais um ano e seis meses de prisão.

VI - Não assiste razão ao MP ao invocar erro notório na apreciação da prova, de acordo com o previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

VII - O Tribunal de Primeira Instância apreciou os elementos de prova, estando sujeito naturalmente ao princípio da livre apreciação da prova e proferiu decisão que, apesar de o Recorrente não concordar com a mesma, não pode deixar de concordar com ela no sentido de que os arguidos não atuaram “em bando”.

VIII - Assim, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, e bem, no modesto entendimento do Recorrente que não se verificou a atuação em bando devido à quantidade de produtos estupefacientes apreendidos, ao facto de se estar na presença da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor e de a atividade não ter gerado lucros avultados para os arguidos.

IX - Não ficou provado na audiência de discussão e julgamento, que o aqui Recorrente pertencia a um grupo organizado para proceder à venda de produto estupefaciente, pelo que não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova produzida, de acordo com o Acórdão proferido em Primeira Instância.

X - É consabido por todos que o Juiz é livre na apreciação das provas produzidas em audiência perante si, e no uso dessa liberdade de julgamento e arbítrio (que se deseja sábio e prudente), deixar-se ou não convencer por este ou aquele depoimento e formar a sua convicção, conforme o estipulado no art.º 127.º do CPP.

XI - Conjugada a prova, junta aos autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não se pode concluir que os arguidos atuaram “em bando”, não se verificando os pressupostos necessários para a aplicação da qualificativa agravante prevista na alínea j) do DL 15/93, de 22 de janeiro.

XII - No douto acórdão proferido, com o devido respeito por melhor opinião, não foram suficientemente ponderados como fatores atenuantes da pena, as condições, sócio-económicas do arguido e família, nomeadamente o que consta do seu relatório social, nomeadamente a sua proximidade relacional com os familiares mais próximos que tem sido mantida por um regime regular de visitas e contactos telefónicos.

XIII - O arguido estava a trabalhar quando foi detido e “investiu no aumento das habilitações académicas e nas qualificações profissionais e manteve na sua generalidade uma conduta de adequação e cumprimento das medidas de flexibilização da pena”.

XIV - O arguido “projeta retomar ao agregado materno e procurar organizar a sua independência pela profissionalização, preferencialmente, na área da panificação e pastelaria”, encontrando-se a tirar um curso de pastelaria no Estabelecimento prisional.

XV - In casu, punir o recorrente com uma pena de prisão tão elevada – de 9 anos e 6 meses – terá um efeito manifestamente nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior, aniquilando a sua vida em sociedade.

XVI - A aplicação de uma pena tão elevada poderá “precipitar” a morte do “Homem Social”.

XVII - Apesar do recorrente não ficar desonerado da obrigação de conduta legal pelas suas circunstâncias sócio-económicas, na verdade considera excessiva e muito dura a pena a que foi condenado, nomeadamente em comparação com a pena aplicada a outros arguidos.

XVIII - Errou o Tribunal da Relação ..., por um lado quanto à determinação da medida da pena, pois fixou um quantum que é manifestamente elevado para um indivíduo nas concretas condições do arguido, ora recorrente, e por outro, se afigura desajustado das necessidades de prevenção geral e especial.

XIX - A aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração social do agente, artigo 40.º n.º 1 do Código Penal. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, ou seja, não há pena sem culpa e a culpa decide a medida da pena.

XX - Ora, com o devido respeito por opinião diversa, o Recorrente entende ser suficientemente dissuasora da continuidade de comportamentos semelhantes, a aplicação de pena de prisão não superior a seis anos ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui recorrente uma pena justa proporcional e adequada.

Nestes termos e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso, ser julgado totalmente procedente, por provadas as conclusões em que se alicerça, sendo revogado o douto Acórdão proferido pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação ..., com as demais consequências legais”.

4.2. Recurso do arguido CC

1 - Deve a questão prévia proceder, e em virtude ser o processo reenviado para o Tribunal da Relação ... ou apreciar-se a matéria aí constante (Pontos 10, 23, e 28 dos factos dados como provados, melhor identificados no Recurso do arguido, que deve instruir os autos)

2 - O arguido foi condenado pela prática como coautor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro com referência às tabelas I-A e I-B, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, naturalmente efetiva na sua execução,

3 - Após Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão

4 - Do Recurso interposto pelo M.P extraem-se as seguintes conclusões que são inclusivamente transcritas no douto Acórdão

1.2.1. Do Ministério Público

“1. 1 - A decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

2 - Resulta da conjugação dos factos dados como provados que o tribunal a quo deu como assente que os arguidos AA, BB, CC, DD, GG, JJ, EE, FF, HH e II pertenciam a um grupo que se dedicava, de forma organizada, à venda direta e reiterada de produtos estupefacientes aos consumidores.

3 - Como corolário lógico dessa circunstância deveria ter sido dado como provado que os indicados arguidos atuaram com a consciência de que participavam num grupo que se dedicava à venda direta e reiterada de estupefacientes a consumidores.

4 - Sucede que o tribunal a quo não o fez, tendo apenas estabelecido que:

“67. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

68. Os arguidos conheciam as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham e que vendiam, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, na execução de um plano previamente gizado e ao qual aderiram, sempre com a intenção de obter proventos económicos.

69. Os arguidos sabiam que as suas acordadas e conjuntas condutas são proibidas e punidas por lei.”

5 – Deu, assim, origem a uma incongruência nos factos dados como provados, incorrendo em erro notório na apreciação da prova, erro-vício previsto na norma acima indicada.

6 - Deve o tribunal ad quem sanar tal vício, fazendo constar do elenco dos factos provados que os “Que os arguidos AA, BB, CC, DD, GG, JJ, EE, FF, HH e II atuaram com a consciência de que participavam num grupo, que se dedicava à venda direta e reiterada de estupefacientes a consumidores.”

7 – Os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ vinham acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal.

8 - O tribunal recorrido afastou, contudo, a agravante prevista no art.º 24.º al. j), do Decreto-Lei no 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal, considerando que os arguidos não atuaram enquanto membros de um “bando”.

9 – Sustentou a rejeição da circunstância agravativa “bando” em três argumentos: a quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos; o facto de se estar na presença da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor; a atividade não ter gerado lucros avultados para os arguidos

10 – Tais argumentos são, com o devido respeito, irrelevantes.

11 - A agravante prevista na alínea j), do art.º 24.º, do DL 15/93, de 22.01, visa punir a maior perigosidade da conduta de tráfico de estupefacientes quando desenvolvida por um grupo que se especializa na prática dessa atividade, sendo que esta vai além da simples coautoria, sem alcançar, no entanto, a complexidade inerente a uma associação criminosa.

12 - A ênfase é colocada nas caraterísticas do grupo que se dedica ao tráfico e não nas concretas quantidades dos produtos estupefacientes apreendidos, ou no facto de se estar na presença da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor ou, ainda, de a atividade não ter gerado lucros avultados para os arguidos, circunstâncias, ademais, bastante fluidas, designadamente a quantidade de droga apreendia e as quantidades de dinheiro apreendias, diretamente ligadas com o momento em que ocorreu a operação policial, mas que não correspondem, obviamente, às quantidades de produtos estupefaciente e quantias em dinheiro proveniente das vendas movimentadas pelo grupo ao longo do período de cerca de três anos em que foi desenvolvida a atividade de tráfico.

13 - Ao introduzir como circunstâncias que afirmam ou afastam a agravação prevista na referida alínea j), do art.º 24.º, a quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos, o tamanho das doses diretamente vendidas ao consumidor e o lucro gerado para os arguidos, o tribunal recorrido aditou requisitos qualificativos da conduta de tráfico de estupefacientes que a lei, maxime o art.º 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, não prevê, não contém.

14 - Mesmo sem a alteração do quadro factual atrás defendida, os factos dados como provados contêm todos os pressupostos da existência de um “bando” exigidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: pluralidade de agentes atuando de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais grave e, por isso, mais censurável do que a mera coautoria ou comparticipação criminosa, não é de considerar verdadeira associação criminosa.

15 - Em consequência, a decisão recorrida, ao afastar a agravante modificativa típica prevista no art.º 24.º, al. j), do DL no 15/93, de 22.01, efetuou uma errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes cuja prática é imputada aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, que comprovadamente atuaram como membros de um bando.

16 – Atento o exposto, devem os referidos arguidos ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal.”

5 - Analisadas as mesmas, e ainda que se venha a manter a decisão no que tange à manutenção da qualificativa constante no artigo 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, entende o recorrente que a pena que lhe foi cominada pelo Douto Tribunal de 1ª Instância não pode ser agravada, uma vez que pese embora se tenha procedido à alteração da qualificativa jurídica pugnada, pelo M.P. ( e a mesma vise em abstrato um agravamento das oenas a cominar) não foi pedido expressamente o agravamento das penas cominadas no que à sua situação em concreto se reporta, apenas entendeu que os arguidos deviam ser condenados pela sua atuação em bando.

6 - O que, ainda que tal entendimento venha a manter-se, será sempre de manter a pena cominada pelo tribunal de 1ª Instância, sob pena de se violar o princípio do “reformatio in pejus”,

7 - O âmbito do recurso do M.P. limitou-se à qualificação jurídica pugnada e não ao agravamento das penas.

8 - Parte dos factos imputados ao arguido são genéricos e por isso não susceptíveis de defesa ou exercício de um efetivo e pleno contraditório, expurgando-se os mesmos do douto Acórdão devem ser retiradas as devidas consequências e em virtude diminuir-se a concreta medida da pena a aplicar ao arguido,

9 - Entende o arguido não estarem verificados os pressupostos materiais para a verificação da qualificativa agravante do artigo 24.º alínea j) do DL 15/93 de 22 de Janeiro,

10 - Veja-se que não constam do Acórdão factos objetiváveis que permitam a integração e qualificação da conduta como algo que transcenda a coautoria, não se apura a indiferença de atuações ou o grau de pertença na conduta reiterada, sendo intervenientes distintos em momentos distintos, não se apura que existisse um sentimento de pertença a um grupo ou bando destinado à prática de crime

11 - O arguido:

Dispõe de apoio familiar,

É de condição económica e social humilde,

Encontra-se inserido profissionalmente,

O arguido, nas vezes em que resulta efetivamente responsabilidade criminal da sua conduta, é visto no local de venda, a exercer funções de venda direta ou de vigilância dos acessos ao bairro,

Funções ou tarefas essas residuais, secundárias face ao desenrolar da ação de tráfico desenvolvida,

Certo é que se imputam ao arguido ações até 30/11/2018,

Contudo, não se pode ignorar que a atividade de traficância continuou até 19/2/2020!

A atividade continuou, e o aqui arguido foi substituído por outros elementos, que realizavam a sua função acessória,

O arguido tem efetivamente que ser responsabilizado pela sua conduta,

Há que atender a que se volveram quase três anos desde os factos aqui em julgamento

O arguido modificou completamente a sua vida,

Tem filhos menores a cargo,

A pena que lhe foi cominada não corresponde à conduta por si desempenhada, sendo manifestamente excessiva, uma vez que a culpa que lhe pode ser assacada não é correspondente com a moldura penal de 5 anos e 6 meses de prisão,

Devem as questões que antecedem proceder e em virtude diminuir-se o quantum da pena a cominar,

Sem prejuízo, ainda que se inaltere a factualidade dada como provada, a pena cominada foi manifestamente excessiva por desproporcional, violadora do disposto no artigo 70.º e 71.º do C.P. e 18.º n.º 2 da C.R.P. face à culpa que deve o arguido responder e ser responsabilizado,

Entende-se que uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente.

12 - Foi expurgado um ponto (facto 25), que importava a culpa do arguido e tal não se verteu na medida da pena a cominar,

13 - Sendo provida a questão constante nos pontos 9 e 10 das conclusões, deve fruto da conclusão tida em 12 diminuir-se a medida da pena

14 - O agravamento previsto pelo tráfico de estupefacientes praticado sob a forma de bando, foi aplicado de forma aritmética agravando as penas de um ano a todos os arguidos,

15 - Foram violadas as seguintes disposições, artigo 24.º alínea j) do DL 15/93 de 22 de Janeiro artigo 70.º e 71.º do C.P.P., artigo 410.º n.º 2 a), b) e c), artigo 430.º, todos do C.P.P. artigo 18.º n.º 2 e 32.º 1, 2 e 5 da C.R.P

16 - Deve o presente recurso proceder e em virtude aplicar-se uma pena não superior a 5 anos (sendo a mesma não privativa da liberdade)”.

4.3. Recurso do arguido DD

1. Verifica-se a existência do vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal (C.P.P), o que se invoca, com as consequências legais previstas no n.º 1 do artigo 426.º do mesmo diploma.

2. Os Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na matéria de facto assente no acórdão, não correspondem aos Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na fundamentação da convicção do Tribunal sobre a mesma matéria de facto, havendo, por conseguinte, contradição insanável da fundamentação.

3. A matéria de facto assente no acórdão, da qual se retira que o recorrente assumia papel de vendedor no seio da organização é contraditória com a matéria assente no acórdão, do qual se retira que o arguido não procedia à venda direta, o que representa contradição insanável da fundamentação; pode ler-se que o arguido DD se deslocava “(…) às habitações no bairro onde os estupefacientes eram guardados (casas de recuo,) a fim de, controlar e entregar, a cocaína e heroína aos indivíduos que procediam à venda direta”.

4. O grau de ilicitude é inferior ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, tendo em consideração os dados factuais apurados relativamente ao arguido DD, nomeadamente atendendo ao número reduzido de circunstâncias que praticou a atividade delituosa, bem como atendendo à função desenvolvida pelo mesmo no seio da organização do tráfico e às suas motivações.

5. Durante o período de cerca de 3 anos em que durou a atividade de tráfico de estupefacientes (de 19 de setembro de 2017 a 19 de fevereiro de 2020) a investigação judicial efetuada só constatou a participação do arguido DD em quatro circunstâncias apenas, conforme se refletiu na matéria de facto provada.

6. Atenta a factualidade apurada pode concluir-se também que o arguido DD não assumia no seio da organização da atividade de tráfico é fácil uma posição de relevância, uma vez que o seu papel se resumia a ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância, ou seja, era um simples “pau mandado”, que agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas.

7. Resultam também de forma evidente, atenta a factualidade assente no acórdão, as circunstâncias do crime, nomeadamente as motivações e fins que levaram os arguidos a agir desta forma e que estão essencialmente relacionadas com a subsistência dos arguidos ou dos seus familiares. Como refere o próprio Tribunal, tratava-se da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor, que não gerou lucros avultados para os arguidos, facto que ficou demonstrado na condição sócio económica dos mesmos, descrita na matéria de facto provada.

8. Não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo circunstâncias que depõem a favor do recorrente, nomeadamente o facto do mesmo ter um percurso vida muito difícil, tendo crescido no seio de uma família desestruturada, de muito modesta condição social e económica, encontrando-se a sua residência inserida no bairro social de ..., conotado com problemáticas sociais e criminais relevantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes.

9. O Tribunal a quo não valorou suficientemente factores de caráter pessoal e familiar do recorrente, que assumem especial relevância no que respeita às finalidades de ressocialização da pena, como o facto do mesmo estar atualmente inserido profissional e familiarmente, conforme decorre do teor do Relatório Social.

10. Deveria ter sido imputada ao arguido DD a prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e atentas as considerações efetuadas sobre o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a motivação do arguido, bem como os dados do Relatório Social, satisfaz de modo adequado e suficiente, a aplicação de uma pena não superior a 3 anos.

11. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que foi erradamente fixada a medida concreta da pena, sendo violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, uma vez que a pena aplicada ao arguido ora recorrente pelo crime de tráfico de estupefaciente peca por ser excessiva, devendo ser reduzida. Tudo ponderado quanto à ilicitude do facto e às exigências de prevenção geral e especial, satisfaz de modo adequado e suficiente uma pena não superior a 4 anos.

12. Independentemente da qualificação jurídica dos factos, entende ainda a defesa que, atendendo às circunstâncias do crime e à sua atual inserção profissional e familiar, a pena deverá ser suspensa na sua execução, ao abrigo do regime previsto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.:

- Deve ser dado provimento ao presente recurso e verificado o vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, com as consequências legais; ou

- Deve ser imputada ao arguido DD a prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e a aplicação de uma pena de prisão não superior a 3 anos, suspensa na sua execução;

- Se assim não se entender, deve a pena aplicada ao arguido ser reduzida em medida não superior a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução.”

4.4. Recurso do arguido II

“I - Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido Tribunal da Relação ... como co-autor, reincidente, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

II – Em 1.ª Instância, por acórdão proferido no dia 23/04/2021, o Arguido vinha condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

III - No douto acórdão de que se recorre, a pena do mesmo foi agravada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, entendendo o recorrente de que não poderá ser condenado em pena superior à aplicada em primeira instância.

IV - Tal acréscimo, da pena em que vai condenado, tale quale como proferida no douto acórdão recorrido será, s.m.o., violadora do princípio da proibição da “reformatio in pejus”.

V – O douto recurso apresentado pelo MP, parcialmente procedente, não peticiona pela agravação da pena em que os arguidos vão condenados.

VI – O douto recurso apresentado pelo MP apenas peticiona que “16 – Atento o exposto, devem os referidos arguidos ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º al. j), do Decreto-Lei no 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal.”

VII – Entende a defesa que o douto acórdão recorrido, ao agravar a pena concretamente aplicada ao arguido, para além do peticionado no douto recurso do MP, violou o princípio da proibição da “reformatio in pejus”:

VIII - O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo na medida em que este, salvo o devido respeito, extravasa o princípio estatuído no Art. 32.º da CRP, pelo qual, perante a dúvida razoável, o Tribunal tenderá por decidir no sentido mais favorável ao Arguido.

IX - Entende o arguido, que as expressões utilizadas nos pontos, 10, 23, 25 e 28 são genéricas, concretamente “quantidade não apurada”.

X - Sendo por isso manifestamente inviabilizadoras de um pleno contraditório e por isso violadoras do disposto no artigo 32.º n.º 1, 2 e 5 da C.R.P. Igual modo,

XI - É imputado ao recorrente um papel central e nuclear na atividade do tráfico de estupefacientes em crise nos presentes autos, pese embora, na realidade, só já numa fase bem avançada investigação é que o arguido nela é parte,

XII - Sem mais fundamentação que o justifique, o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo atribui ao recorrente um papel na cúpula do grupo criminoso,

XIII - Quando na verdade, e no limite, este apenas seria uma mera “roda dentada” num mecanismo já de per si organizado e estruturado, como resulta das próprias palavras do Sr. Agente Principal PP. (Cf. prova gravada n.º áudio 20210125...),

XIV - Os factos em apreço, por serem genéricos e inviabilizarem um pleno e efetivo direito ao contraditório, devem ser expurgados do Acórdão, e em consequência da diminuição dos factos que importem a responsabilização penal do aqui arguido, deve tal repercutir-se na medida concreta da pena a cominar,

XV - Ao não apurar concretamente quais condutas/ações/comportamentos que permitam aferir ou juízo ou a conclusão pretendida, deve o tribunal a quo expurgar tal facto da fundamentação e da Motivação, devendo decidir a favor do Reo, sob pena de se violar o disposto no artigo 32.º n.º 1 da C.R.P. Bem assim,

XVI - A medida da pena cominada é manifestamente excessiva, e porquanto violadora do disposto no artigo 18.º n.º 2 da C.R.P.

XVII - Entende o recorrente, que da prática dos factos que se apurou que o mesmo praticou, devia a sua conduta, face ao circunstancialismo, falta de sofisticação de meios, inexatidão de quantidades transacionadas, falta de elementos objetivos que permitam aflorar quer a intensidade da conduta dolosa, quer dos concretos proveitos obtidos, se deveria enquadra a conduta do arguido no artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro ao invés da prática de um crime do artigo 21.º do suprarreferido diploma,

XVIII - Na falta de concretas condutas que se possam imputar ao arguido, o meio e as circunstâncias como foi desenvolvida a atividade (através de venda direta), a falta de sofisticação de meios, deve convolar-se o crime imputado num crime de tráfico de menor gravidade p. e. p pelo artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro,

XIX - Denote-se que desempenhou a atividade ilícita de forma exposta, através de venda direta na rua, assumindo um papel secundário na ação ilícita praticada.

XX - Termos em que, enquadrando a conduta do recorrente no supramencionado artigo, deve a concreta medida da pena ser diminuída no seu quantum.

XXI - A reincidência depende da verificação de requisitos formais e de um requisito material (subjectivo).

XXII - Aos requisitos formais acresce então o requisito subjetivo: isto é, tendo em conta as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

XXIII - Objetivamente, no caso sub judice os requisitos formais da aplicação da reincidência encontram-se verificados, uma vez que o ora Recorrente foi condenado no processo n.º 480/05...., da ... Vara Criminal do ... e no processo n.º 2/10...., da ... Vara Criminal, respetivamente pela prática, em 12/12/2005, de um crime de roubo simples e pela prática, em 14/01/2010 tráfico de estupefacientes, nas penas de 18 (dezoito) meses de prisão (suspensa) e 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, também respetivamente.

XXIV - Foi ainda condenado, no âmbito do processo n.º 246/07…, da ... Vara Criminal do ..., pela prática em 30/04/2009 de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva.

XXV - Foram cumuladas as penas parcelares impostas nos três processos supra id., sendo o Arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado em 16/03/2011.

XXVI - Esteve ininterruptamente preso desde 18 de Outubro de 2010 e 15 de Junho de 2016, data em que foi restituído à liberdade, ainda que sob a forma condicional, até ao seu termo, que ocorreu na data de 14/05/2016.

XXVII - O último crime cometido pelo arguido foi em 14 de Janeiro de 2010, tendo sido condenado pela prática de crime de trafico de estupefacientes na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva.

XXVIII - A introdução deste requisito subjetivo, tornou evidente que não basta a prática pelo agente de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 6 meses, antes de terem decorrido 5 anos da prática de um outro crime doloso também ele punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses e cuja condenação tenha transitado em julgado.

XXIX - In casu, não se nega a existência de crimes reiterados, mas tal não implica a conclusão automática de que àquele que repete o mesmo crime deve ser aplicada a moldura da reincidência. Como referimos nas palavras de Figueiredo Dias, podemos estar perante causas de degradação económica, dificuldade em encontrar emprego, a experiência criminógena da prisão ou outras que impeçam o agente de retomar uma vida conforme ao direito sem que isso implique considerações desfavoráveis sobre a sua personalidade.

XXX - Neste âmbito defendemos tal como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que: “Este elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime.” (...)

XXXI - A aplicação de uma pena, seja ela privativa da liberdade ou não, importa sempre o calcorrear de um raciocínio lógico-dedutivo, por forma a aplicar uma pena que seja justa, proporcional, adequada e necessária à culpa do agente.

XXXII - Desta feita, o artigo 70.º do Código Penal estabelece que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

XXXIII - Segundo o Conselheiro MAIA GONÇALVES esta norma consubstancia “o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa ou pena não privativa de liberdade, e traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via.” (Cf. Código Penal Português Anotado e Comentado, anotação do Art. 70.º, Almedina, pág. 240)

XXXIV - Assim, a pena de prisão será sempre a última ratio que o julgador poderá lançar mão para aplicar a pena. A pena não privativa da liberdade deverá ser a preferida sempre que esta puder realizar a recuperação social do delinquente e as particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de pena privativa da liberdade. Assim, podemos falar num princípio da prevalência das penas não privativas da liberdade.

XXXV - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

XXXVI - O recorrente praticou parcialmente os factos aqui em apreço, tendo necessariamente de ser responsabilizado por isso, contudo, o arguido desempenhou um papel menor, mormente, já numa fase final dos quase 3 (três) anos de investigação, efetuou vendas para terceiros, não sendo a sua intervenção nuclear ou essencial na atividade que se desenvolveu, uma vez que resulta inclusive dos autos, que foi substituído por outros elementos.

XXXVII - Alguns dos factos que lhe foram imputados, não traduzem qualquer ilicitude, uma vez que pese embora tenha estado no local onde decorreu a venda de produto estupefaciente, não se apurou concretamente o que lá foi fazer, o que disse, com quem falou, se comprou algum produto estupefaciente ou qualquer ato que importe responsabilidade criminal,

XXXVIII - Entende-se que uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, requer a V. Ex.as se dignem:

- dar provimento ao presente Recurso e em consequência revogar o douto Acórdão ora recorrido;

- aplicar ao arguido uma pena de prisão em limite não superior a cinco anos de prisão, ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui Recorrente uma pena justa, proporcional e adequada (…)”.

5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, apesentou resposta o Ministério Público, com exaustiva indicação de doutrina e jurisprudência, concluindo pela improcedência dos recursos, nos seguintes termos (transcrição):

“Conclusões:

Questões comuns aos recursos dos arguidos AA, CC e II

- da violação do princípio de reformatio in pejus:

- Dispõe o art Artigo 409.º, do CPP (Proibição de reformatio in pejus):

1 - Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.

2 - A proibição estabelecida no número anterior não se aplica à agravação da quantia fixada para cada dia de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.

- Como enunciou o Ac. Rel. Lisboa, de 2019-10-08 (Rec. n.º 700/16.3PHLRS.L2-5ª secção, rel. Anabela Cardoso, in www.dgsi.pt “I. Inexiste qualquer obstáculo legal a que o tribunal de recurso repondere (oficiosamente) a qualificação e o enquadramento jurídicos das condutas dos arguidos, uma vez suscitada a questão da medida das penas impostas, havendo apenas que respeitar o princípio da proibição da reformatio in pejus se o recurso não tiver sido deduzido pelo Ministério Público”.

- Como salientou o Ac. STJ, de 13-07-2017, (Proc. n.º 240/12.0PCSTB.S1 - 3.ª Secção, Exm.º Conselheiro Maia Costa (relator), in www.stj.pt – sumários) I - O instituto da proibição da "reformatio in pejus" está consagrado no art. 409.º, n.º 1, do CPP, que estabelece que quando o recurso da decisão final é interposto somente pelo arguido, ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido, o tribunal superior não pode agravar, na espécie ou na medida, as sanções impostas na decisão recorrida”.

- Ou seja, só na ausência de recurso interposto pelo Ministério Público é que o Tribunal da Relação não pode alterar a pena aplicada, como decorre do enunciado do Ac. Rel. Évora, de 2017-12-05 (Rec. n.º 23/15.5GBSTR.E1, rel. Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt): “Por isso que tendo o Tribunal procedido, na sentença, a uma incorrecta definição/identificação da moldura penal abstracta correspondente ao crime da condenação, e tendo sido este erro cometido em benefício do arguido, na ausência de recurso do Ministério Público, não pode a Relação corrigir a pena aplicada (fixando-a dentro da moldura penal realmente correspondente ao crime cometido), sob pena de violação da reformatio in pejus” – idem, o Ac. Rel. Guimarães de 8-07-02 (Rec. n.º 115/12.2GCVRL.G1, rel. Ausenda Gonçalves, in www.dgsi.pt.

- As penas aplicadas àqueles arguidos decorreram da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público da decisão proferida em 1ª instância e em desfavor dos ora recorrentes, pelo que não ocorre violação da norma do n.º 1 do art. 409.º do CPP, devendo os recursos serem rejeitados, nesta parte, por manifesta falta de fundamento legal

Questão comum a todos os recursos

- da violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição de excesso, no que se refere à medida das pena aplicadas.

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, sendo objectivo da pena essencialmente o de exercer uma influência na comunidade geral – ameaçar se cometer um crime, pois ao cometer fica submetido a uma determinada pena – prevenir a prática de crimes.

Como decidiu o Ac. do STJ 30-10-2019 (Proc. n.º 1/18.2PEEVR.S1 - 3.ª Secção, Gabriel Catarino (relator), in www.stj.pt - sumários) “I - O bem jurídico tutelado com a incriminação substanciada no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01 – tipo-base – assume uma natureza complexa, a um tempo de feição colectiva, a saúde de uma comunidade, e outro de índole singular, qual seja a estabilidade físico-psíquica do indivíduo”.

No Ac. de 30-10-2019 (Proc. n.º 419/18.0JELSB.L1.S1-A - 3ª Secção, Exm.º Conselheiro Nuno Gonçalves (relator), in www.stj.pt), o STJ decidiu - “II - Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto, estabelecendo o “teto” ou limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente.

III - O tráfico de estupefacientes é um crime contra a saúde pública que produz forte impacto na sociedade: direto, pelos perniciosos e por vezes irreversíveis danos na saúde dos consumidores; indireto na medida em que a adição às drogas corrompe as estruturas familiares, satura os serviços de saúde e assistência social e fomenta outra criminalidade.

IV - Reúne a quase universal postura de punição e perseguição, como refletem numerosas Convenções e Instrumentos internacionais visando a sua prevenção e forte repressão”.

Consideramos justas e adequadas as penas aplicadas aos ora recorrentes, penas que respeitam os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação (sobre os quais se pronunciaram os Acs. do STJ de 10-09-2014 (processo n.º 455/08-3.ª), de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 11-01-2012 (processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, (processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª); de 31-01-2012 (processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª); de 05-07-2012 (processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª).

Acresce que, ressalvada a violação das regras da experiência, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o tribunal ad quem não deve imiscuir no quantum exacto da pena salvo, ainda a desproporção da quantificação efectuada – entre muitos, os Acs. de 30.11.2000 (proc. n.º 2808/00-5ª); de 30.08.2001 (proc. n.º 2806/01-5ª); de 17.01.2002 (proc. n.º 2132/01-5ª) de 09.05.2002 (proc. n.º 628/02-5ª, CJSTJ, 2002, t. 2, p. 193); de 30.10.2003 (CJSTJ, t. 3, p. 208); de 15.12.2005 (CJSTJ, t. 3. p. 229); de 14.06.2007 (CJSTJ 2007, t. 2, p. 220); de 05.07. 2007 (CJSTJ 2007, t. 2, p. 242); de 05.06.3013 (CJSTJ, 2013, t. 2, p. 213) e de 15.02.2017 (proc. n.º 976/15.3PATM. E1. S1, 3ª).

Ou seja, o STJ tem entendido que desde que sejam observados os critérios globais insertos no art. 71.º do C. Penal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável.

Questões comuns ao recurso dos arguidos II e CC:

- da violação do princípio do acusatórios (sob alegação de “factos genéricos”)

- à sabido que o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado sobre a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que depois não encontrem no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização, designadamente em relação à imprecisão da matéria de facto quanto ao tempo e ao local da prática dos factos, designadamente quando a descrição se reduz a mera utilização de fórmulas vagas e genéricas, contende com o direito ao contraditório, constitucionalmente garantido e, nessa medida, ofende as garantias de defesa do arguido, sendo então insusceptível de fundamentar uma condenação penal – [cf., entre outros, os acórdãos STJ de 05.04.2006 (proc. n.º 05P2932), 14 de Setembro de 2006, Proc. 2421/06, 5ª secção, 10.05.2006 (proc. n.º 06P1190), de 17 de Janeiro de 2007, Proc. 06P364424, de 24.01.2007 (proc. 06P3112), de 21 de Fevereiro de 2007, Proc.º 3932/06 - 3.ª Secção, 24.07.2007 (proc. 08P578), de 15 de Novembro de 2007, Proc. 3236/07, 5ª secção, de 2 de Abril de 2008, proc. 578/08, 3ª secção e de 2 de Julho de 2008, 3ª secção, Proc. 3861/07.

- Como é habitual suceder no de crime de tráfico de estupefacientes, muitas vezes, senão mesmo quase sempre, não é possível uma concretização rigorosa sobre as quantidades de estupefaciente transacionadas– apenas restando ao tribunal efectuar uma descrição dos factos considerados relevantes de forma mais genérica.

- a descrição dos factos consubstanciada na fórmula “quantidade não concretamente apurada”, não consiste em qualquer efabulação, antes traduz a realidade da vida, pela que a sua consideração como constituindo factos integrantes do crime de tráfico de estupefacientes, é perfeitamente passível de conter precisão suficiente para garantir o exercício pelo arguido/recorrente do direito de defesa e do contraditório (ínsito naquele), assegurando, ainda, a possibilidade da sua relevância jurídico-penal.

- Na verdade, tal como enunciou o Ac. da RG de 23-09-2013 (proc. n.º 1631/12.1PBBRG.G1; Relator: Exm.º Desembargador Fernando Monterroso) “I – A norma do art. 283 n.º 3 al. b) do CPP apenas impõe a obrigatoriedade da narração dos factos da acusação conter a indicação do lugar, do tempo e da motivação da sua prática, se tal for possível”.

- Assim, o segmento “concretamente “quantidade não apurada”, não padece das características de vaguidade e imprecisão, não constituem fórmulas nebulosas, difusas, obscuras incompatíveis com o exercício efectivo do direito de defesa, razão pela qual entendemos inexistir violação do princípio do acusatório, do contraditório e do direito de defesa.

Questões do recurso do arguido II:

- violação do princípio in dubio pro reo:

Perfectibiliza-se a violação do predito princípio quando o tribunal opta por decidir, na dúvida, contra o arguido – Acs. do STJ de 19.11.1997 e de 10.01.2008 (BMJ, 471-115 e Proc. n.º 07P4198, respectivamente).

Em nossa opinião, resulta indemonstrado que o tribunal incorreu em dúvida e que, mantendo-a, optou por decidir contra o recorrente., pois que, salvo para o recorrente, não é possível vislumbrar que o Tribunal se tivesse defrontado com uma dúvida insanável e, sustentando-a, tenha decidido de forma desfavorável àquele, já que aquela dúvida tem de consistir numa dúvida insanável e razoável, quer quando não foi possível ultrapassar o estado de incerteza após a aplicação de todo o empenho e diligência no esclarecimento dos factos, quer quando é injustificável perante terceiros excluindo as dúvidas arbitrárias ou as meras conjecturas ou suposições, quer, por último, no sentido de constituir uma dúvida séria, e argumentada.

- discordância sobre a ocorrência da reincidência;

São pressupostos formais da reincidência:

- A prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação;

- Crime de natureza dolosa;

- Que deve ser punido, sem a reincidência, com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;

- Que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

- Que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos (este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.

É pressuposto material da verificação da reincidência, que de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar especialmente porque a condenação ou as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.

O Acórdão recorrido consagra o requisito formal da agravante da reincidência, e, quanto ao requisito material, indica a matéria de facto concreta, no sentido de concluir que as anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, não surtiram qualquer efeito para o ora recorrente, de forma o impedirem-no de reiterar a atuação criminosa.

Questões do recurso do arguido DD

- sobre o vício previsto na al. b) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP

Os vícios previstos no art. 410.º n.º 2/CPP, a existirem, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum (vide art. 410.º n.º 2 do C.P.P.), “sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo consideráveis eventuais entre a decisão e o que do processo consta em outros locais” (Acs. do STJ de 29.11.89 e 19.12.90 (Proc. n.º s 40255/3ª e 41327/3ª, respetivamente).

Tais vícios decisórios implicam, ou o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art.º 426.º, n.º 1, ou, sendo possível, serão supridos no próprio tribunal de recurso (art.º 430.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).

O vício da contradição insanável da fundamentação – al. b) do n.º 2, do art. 410.º/CPP – invocado pelo recorrente, perfectibiliza-se quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto.

Como se esclarece no acórdão do STJ, de 19.11.2008 (Proc. n.º 3453/08-3.ª), “a contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluem mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão…”.

Assim, há manifesta contradição porquanto, sobre o mesmo ponto, fazem-se afirmações inconciliáveis que se excluem mutuamente.

- O crime de tráfico de estupefacientes é um crime formal de perigo comum cuja consumação se verifica com a aquisição da droga destinada ao tráfico, por qualquer forma, como uniformemente vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/2/1986, 2/4/1986, 2/5/1990 e de 7/3/2001, respectivamente in Boletim do Ministério da Justiça n.ºs 354, 356 e 397, págs. 331, 122 e 128 e Colectânea de Jurisprudência, ACSTJ, Ano IX, Tomo I, pág. 237.).

Trata-se de um de crime de perigo comum dado que o agente, ao praticar uma das condutas tipificadas, não domina a expansão do perigo criado, havendo o risco de atingir uma multiplicidade de bens jurídicos que vão desde a vida e integridade física à liberdade de determinação e à própria saúde pública em geral.

Sendo possível distinguir diversos bens jurídicos protegidos com a incriminação – a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes...etc. – poder-se-á precisar que o bem jurídico primordialmente protegido pela previsão do tráfico de estupefacientes é a incolumidade pública, considerada no particular aspecto concernente à saúde pública, que se deve garantir contra os factos fraudulentos, de perigo comum, interessando tal crime, comerciar, deter para comércio, ministrar ou facilitar a outros substâncias estupefacientes (apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/5/1985, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 347, pág. 220; Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 1/3/2001, Colectânea de Jurisprudência, ACSTJ, Ano IX, tomo I, pág. 234).

Para que se verifique o crime basta a verificação de uma das acções típicas, independentemente da situação concreta ter criado ou não um perigo de violação de determinados bens jurídicos, tendo o legislador antecipado a protecção penal para um momento anterior à verificação do dano (Acórdãos do Tribunal Constitucional de 6/11/91, in B.M.J. n.º 411, pág. 56 e de 7/6/94, in D. R., II Série, de 27/10/94).

Não descortinamos, na nossa modesta leitura do Acórdão recorrido, que o mesmo enferme do apontado vício ou de outro, constante das als. a) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

- sobre a qualificação jurídica dos factos (da requerida integração dos factos na norma do art. 25.º, al. a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/019).

O artigo 21.º, n.º 1 descreve-se a matriz ou o padrão do crime de tráfico, enumerando-se os actos que, na prevenção legal, são potenciadores de perigo para a saúde pública.

Correspondem esses actos a passos direccionados, naturalmente, para a colocação da droga no mercado do consumo.

A prática de um só, daqueles actos, é suficiente para a consumação do crime, sendo, por isso, o tráfico considerado como um “crime exaurido” no sentido de que a prática de um só acto é gerador do resultado típico.

Sendo certo que na previsão daquele normativo caberão as mais diversas condutas, umas mais graves do que outras, não menos certo é que, ao nível da sanção a aplicar, só poderão individualizar-se mediante a apreciação das circunstâncias concretas da acção.

O artigo 25.º do citado diploma preceitua que “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade( - “Os meios utilizados reportar-se-ão à organização e à logística de que o arguido se socorre, na modalidade ou circunstância da acção relevará particularmente a perigosidade em termos de difusão das substâncias, tendo a qualidade da droga a ver com a sua periculosidade - de algum modo observada no ordenamento das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93 -, sendo o elemento quantidade o mais difícil de avaliar, posto que o n.º 3 do artigo 26.º, e de algum modo o n.º 2 do artigo 40.º, possam ser tomados como índices para alguma comparação” - cfr. Acórdão do STJ de 20/3/2002, in CJ, ACSTJ, Ano X, tomo I, pág. 243.) das plantas, substâncias, ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV”.

Como vem definindo a jurisprudência, o crime p. p. pelo art. 25.º, al. a) caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, o do art. 21.º n.º 1.

A título exemplificativo, e no sentido apontado, os Acs. do STJ de 13.04.2005 (CJ, 184, p. 173); de 13.03.2003, de 29.11.2005, de 15.02.2007, de 30.04.2008, de 07.07.2009 (proc. n.º 52/07.2PEPDL), de 04.07.2010 e de 24.04.2010 (CJs, 166, p. 191; 187, 219; 198, p. 191 e proc. n.º 08P1416; 200, p. 234 e proc. n.º 141/08.6P6PRT, respectivamente); antes, o Ac. do STJ de 28.06.2006 (CJ, 187, p. 219) e Ac. da RP de 10.10.2007 (proc. n.º 0714610).

Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores da menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

A natureza do estupefaciente apreendido constitui, entre outros, um dos índices de exclusão da aplicação da norma do art. 25.º al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01, como se infere da doutrina dos Acs. do STJ de 28.09.2000: “I- A emissão de juízo sobre a menor gravidade do tráfico terá forçosamente que partir da análise global da conduta do agente, só dela podendo emergir a conclusão de se estar (ou de não se estar) perante um tráfico qualificável nesses termos. II-Verificado um caso do art. 21.º n.º 1 do DL 15/93, de 22/01, o tráfico apenas deve ser avalizado como de gravidade menor, se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo nomeadamente em conta (o mesmo é dizer, a título exemplificativo) os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das substâncias em causa”.

- O Supremo Tribunal de Justiça vem convergindo no entendimento de que, para que se possa entender haver ilicitude consideravelmente diminuída no domínio do tráfico de estupefacientes, o que se não confunde com ilicitude diminuta, é necessário que estejam revelados factos dignos de consideração, notáveis, grandes, importantes ou avultados, designadamente quanto à qualidade e quantidade da droga em questão. Essa avaliação envolve a ponderação global dos factores em presença, valorando a interdependência dos índices fornecidos pelo legislador, em termos exemplificativos – meios utilizados, qualidade e quantidade -, em termos de concluir, no respeito pelo programa politico-criminal vigente, mas também de acordo com o princípio da proporcionalidade, pela presença de pequeno tráfico.

Como se diz no Ac. do STJ de 15/12/99 (proc. 912/99, 3ª secção, relator Cons. Armando Leandro, www.dgsi.pt) «A tipificação do art. 25.º do DL 15/93 parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor da concretização da intenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa de punição desses casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm suporte adequado dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar».

- Para o Acórdão do S.T.J. de 17-4-2008 (processo 08P571) «Trata-se … de um tipo caracterizado por menor gravidade em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do art. 21.º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e de menor gravidade reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude” … A qualificação diferencial entre os tipos base (art. 21.º, n.º 1) e de menor intensidade (art. 25.º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso – em avaliação, não obstante, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária. A construção da ilicitude e a “considerável diminuição” há-de, assim, resultar da imagem global do facto no que respeita, naturalmente, à intervenção do recorrente na actividade que está em causa e aos limites da sua intervenção no contexto que a matéria de facto revela»

Citando os Acórdãos do S.T.J. de 20-12-2006 (processo 3059/06;) de 25-10-2007 (processo 07P3255) e de 15-4-2010 (processo 17/09.0PJAMD.L1.S1), expende o Ac. da RC de 01-02-2012 (proc. n.º 1428/10.3T3AVR.C1; Relator: Exmª Desembargadora Olga Maurício “(…) Mas aqui a jurisprudência tem avançado dados que auxiliam numa tal tarefa. Assim, ilicitude consideravelmente diminuída pode decorrer ou da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, ou devido à não ocorrência/devido à ausência daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs como habituais nos comportamentos e actividades contemplados no crime tipo, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo.

Concretizando, para a constatação de uma menor ilicitude assumem relevo, entre outros eventuais factores, a organização que está por trás do comportamento, o tipo de atuação, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados, a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes. É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto. - Ac. da RP de 18-03-2020 (proc. n.º 306/19.5JAPRT.P1; Relator: Exmª Desembargadora Liliana de Páris Dias).

Na esclarecedora síntese avançada no acórdão do S.T.J. proferido em 15-12-1999, no processo 912/99, «a tipificação do art. 25.º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar».

Para o Ac. do STJ, de 12.03.2015, proc. n° 7/10.OPEBJA .S1, in www.dgsi.pt.A " ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante" .

Ora, uma vez que “O tipo legal previsto no art. 25.º do DL 15/93, de22/01, tem em vista situações de condutas típicas descritas no n.º 1 do art. 21.º, mas em que, pela sua ilicitude acentuadamente, consideravelmente diminuída, e não diminuta, seria desproporcionado punir o agente com uma pena encontrada em função dos limites abstractos da pena ali definidos. Entre outras circunstâncias, poderão diminuir consideravelmente a ilicitude do facto «os meios utilizados», «a modalidade ou as circunstâncias da acção», «a qualidade ou a quantidade» dos produtos” – Ac. do STJ de 18.12.2013 (proc. n.º 1/12.6GBAVR – e porque “A pedra de toque para aferir da prática do crime de tráfico de menor gravidade é centrada no facto de a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações – art. 25.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01” – Ac. do STJ de 15.03.2012 (proc. n.º 15/10.0PECTB) - parece-nos, na senda da jurisprudência citada, maxime do Ac. da R. Coimbra de 17.11.2010 (proc. n.º 33/09.1PEFIG), que os factos provados nestes autos não integram a previsão do art. 25.º, al. a), do DL 15/93,de 22/01, já que a avaliação complexiva que pressupõe não se afigura compatível com a natureza e características das substâncias transacionadas – cocaína e heroína- bem como o período de tempo durante o qual foi desenvolvida a actividade de narcotraficância pelo arguido.

Questão do recurso do arguido CC

O recorrente discorda da perfeição da circunstância consagrada na al. j) do art. 24.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01.

No Ac. de 29.06.1995 (proc. n.º 47 773, in CJ 1995, T2, p. 251), o STJ considerou que a figura do bando, introduzida no art. 24.º, à semelhança de diversas legislações estrangeiras, visou estabelecer uma situação de atuação ilícita entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa, pelo que «Para a verificação de actuação em bando, no crime de tráfico de estupefacientes, o legislador teve em mente considerar como mais graves do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censuráveis do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa”, aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes actuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e comum a certa divisão e especialização de funções de cada uma dos seus componentes ou aderentes, como sucede na “associação criminosa” (…) A figura do bando visa abarcar, então, aquelas situações de pluralidade de agentes actuando “de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções”, que embora mais graves - e portanto mais censuráveis – do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir “uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes”».

- Na definição do Ac. do STJ de 27.02.1997 (proc. n.º 908/96), o bando é um agrupamento de pessoas conexionadas, mais emotiva que racionalmente, à volta da realização mais ou menos persistente e ronceira da actividade criminosa, com vista a determinado objectivo, aproveitando fundamentalmente em cada momento, a existência e a capacidade de cada elemento individual e colectivamente considerados.

Daí a posição tirada no Ac. da RP de 11-07-2007 (proc. n.º 0742986), com o seguinte sumário:” A figura do bando abarca as situações de pluralidade de agentes actuando de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais graves e, por isso, mais censuráveis do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas”.

No Ac. da RP de 23.02.2011 (proc. n.º 1152/08.7PEGDM.P1) foi enunciado que “II - O conceito de bando integra, à semelhança de outras legislações, uma situação de actuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa.

III - Para a  verificação de actuação em bando, no crime de tráfico de estupefacientes, o legislador teve em mente considerar como mais graves do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censuráveis do que aquelas em que existe uma perfeita e definida "associação criminosa", aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes actuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes, como sucede na associação criminosa”.

Para nós, os factos assentes como provados, resultantes da motivação da decisão – que aqui damos como reproduzida parecem comprovar, na esteira do Acórdão desta Relação, que o recorrente agiu como membro de bando, de organização incipiente, facilitada pela angariação de uma rede de revendedores, no sentido em que realizou vendas de estupefacientes, tendo a colaboração de outros membros do bando.

Terminando as conclusões, inevitavelmente extensas, propendemos pela improcedência dos recursos (em nota: rectius, rejeição dos recursos dos arguidos AA, CC e II, por manifesta improcedência) e confirmação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ....”

6. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, “sufragando os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação ..., que se encontram devidamente desenvolvidos e adequadamente sustentados, quer de facto quer de direito”, e referindo que “por merecerem o nosso acolhimento, nos dispensam, por desnecessário e redundante, do aditamento de mais desenvolvidos considerandos”.

7. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos nada disseram.

8. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi remetido à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

Factos provados

9. As instâncias julgaram provados os seguintes factos, que se mostram estabilizados:

“1. Desde 19.09.2017, QQ (até ao seu falecimento em 6.03.2018), e outros indivíduos não identificados, organizaram um local de venda direta de cocaína e heroína, aos consumidores que se deslocavam ao Bairro ..., no ..., situado nas imediações do armazém dos serviços de ... camarária (armazém do lixo), junto ao Bloco ....

2. A venda de estupefacientes iniciava-se pelas 17h30horas e prolongava-se até cerca das 03.00 horas.

3. De acordo com a organização do grupo, o arguido AA era o responsável máximo pela atividade desenvolvida dentro do Bairro ....

4. Assim, no interior do bairro, no último patamar, estava o arguido AA, que tinha como função controlar todos os demais arguidos, distribuir os estupefacientes, receber o dinheiro, bem como no final da venda, confirmar os valores recebidos e quantidades de droga em sobra, “pagar” a todos os indivíduos que tinham colaborado no dia.

5. Ao longo do hiato temporal infra descrito, alguns arguidos variaram de funções, subindo e descendo na hierarquia, consoante as necessidades verificadas e o grau de confiança neles depositada.

6. A fim de iludir as autoridades policiais, dispunham de casas, no interior e no exterior do Bairro, para guardar, preparar, “cortar” e dosear o produto estupefaciente, assim como, para guardar os ganhos monetários decorrentes da atividade de tráfico e toda a parafernália necessária ao desenvolvimento de tal atividade.

7. Tais casas, quando não pertenciam aos elementos do grupo, pertenciam a indivíduos com os quais firmaram acordos, e que a troco de um pagamento em dinheiro ou estupefacientes, agindo de comum acordo, sob as suas ordens, instruções e vigilância, guardavam os estupefacientes, os ganhos monetários e a parafernália necessária ao desenvolvimento.

8. Entre as casas utilizadas foram identificadas:

i) a residência do arguido HH, sita no Bairro ..., ..., ...;

ii) a residência dos arguidos FF e EE, sita no Bairro ..., ..., ...;

iii) a residência utilizada pelo arguido AA, sita no Bairro ..., ..., ...;

iv) a residência do arguido II, sita na Rua ..., ...;

v) uma residência sita no Bairro ..., ..., arrendada RR.

9. Os arguidos FF e EE recebiam € 75,00, por semana, como contrapartida para guardar os estupefacientes na residência.

10. Os arguidos BB, CC, DD, GG e JJ, deslocavam-se às habitações no bairro onde os estupefacientes eram guardados (casas de recuo,) a fim de, controlar e entregar, a cocaína e heroína aos indivíduos que procediam à venda direta.

11. Visando a venda dos estupefacientes, o arguido AA firmou acordos com consumidores, que se revezavam e que, a troco de um pagamento em dinheiro ou estupefacientes, agindo de comum acordo com o arguido AA, sob as suas ordens, instruções e vigilância, procediam à venda direta de doses individuais de cocaína e heroína, aos compradores que se deslocavam ao bairro.

12. O arguido AA, quando não conseguia angariar indivíduos, também, procedia à venda direta de cocaína e heroína, aos consumidores que se deslocavam ao ponto de venda do grupo, sito nas imediações do armazém dos serviços de ... camarária (armazém do lixo), junto ao Bloco ....

13. Conjuntamente com os vendedores/consumidores, existia um outro grupo de indivíduos, que se posicionavam em locais estratégicos, no interior do bairro, com a única função de vigiar as entradas e saídas e alertar da presença de forças policiais nas imediações e local de venda, criando uma rede, impossibilitando ou pelo menos, criando graves entraves a ações policiais, com sucesso.

14. Os arguidos AA, BB e II faziam um uso de comunicações telefónicas, optando apenas por combinar encontros e confirmando horas, privilegiando o contacto pessoal.

15. No desenvolvimento de tal atividade, os arguidos AA, BB e II eram cautelosos, evitando conversas telefónicas, usando uma linguagem codificada, mudando frequentemente de aparelho telefónico e número de telemóvel, visando iludir as autoridades policiais e dificultar a sua detenção.

16. Os arguidos AA, BB e II, utilizaram os seguintes números de telefone e telefones que utilizaram para estabelecer contactos entre si e com terceiros (cfr. anexo de transcrições):

(…)

18. AA

Alvo Telemóvel / IMEI

...58

...60

...12

...00

...99

...40

…06

...30

19. II

Alvo Telemóvel / IMEI

...13

...50

20. Neste contexto, foram vários os telefonemas efetuados e recebidos pelos arguidos, assim como as mensagens trocadas, em que concertaram entre si e com terceiros, a atividade de tráfico por todos desenvolvida, conforme resulta do anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.

21. A descrita atuação do grupo foi alvo de diligências de investigação pela PSP, nomeadamente vigilâncias e interceções telefónicas, que culminaram na realização, no dia 19 de fevereiro de 2020, de buscas e apreensões.

(…)

23. No dia 25.09.2017, entre as 17.34h e as 18.15h, os arguidos AA e CC, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de estupefaciente no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto o arguido CC distribuiu no terreno os três vigilantes, o arguido KK e dois indivíduos não identificados, o arguido AA orientou o arguido DD como vendedor, os arguidos venderam cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a 40 indivíduos que aguardavam o início da venda. (Relatório de Vigilância, fls. 530 a 532, Reportagem Fotográfica de fls. 533 a 570, do 3.º Volume).

24. No dia 28.09.2017, entre as 17.29h e as 18.50h, os arguidos AA e DD e o falecido QQ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto o arguido AA permaneceu em vigilância junto do vendedor não identificado, o arguido DD entregou cocaína e heroína ao vendedor não identificado e recolheu o dinheiro proveniente das vendas, que posteriormente entregou ao falecido QQ. Nesta ocasião, os arguidos venderam cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 11 indivíduos. (Relatório de Vigilância, fls. 586 a 589, Reportagem Fotográfica, fls. 590 a 650, 3.º Volume).

“25. No dia 12.10.2017, entre as 17.00h e as 18.40h, os arguidos BB, DD e o falecido QQ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, o arguido LL assumiu a posição de vigilante, um indivíduo de nome SS e o arguido KK procederam à venda de cocaína e heroína; neste período, os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 30 indivíduos que ali se deslocaram.”. [alterado pelo acórdão da Relação de Lisboa]

26. No dia 18.10.2017, entre as 16.48 horas e as 19.15 horas, o falecido QQ e os arguidos AA, BB e DD, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto os arguidos CC e KK assumiram a posição de vendedores, três indivíduos não identificados assumiram a posição de vigilantes. Neste dia, os arguidos AA, DD e CC, com a colaboração do arguido EE, abasteceram-se de cocaína e heroína na casa 31, da entrada 173, do Bloco ..., do bairro, residência dos arguidos EE e FF.

27. Os arguidos KK e o CC foram detidos em plena atividade de venda direta a consumidores, sendo que o KK tinha na sua posse heroína com o peso líquido de 12,625 gramas e cocaína com o peso líquido de 9,959 gramas, a quantia de 86,35 euros, e o CC, que tinha como função receber o dinheiro, foi-lhe apreendida a quantia de 432,00 euros, recebida pela venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 40 indivíduos que ali se deslocaram. (Relatórios de Vigilância, fls. 704 a 706 e 734 e 735, Reportagem Fotográfica, fls. 707 a 733, 3.º Volume, Auto de Notícia por Detenção de fls. 2 a 3 do apenso B).

28. No dia 30.01.2018, entre as 17.40 horas e as 18.03 horas, o falecido QQ e o arguido CC, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto os arguidos AA e KK assumiram a posição de vendedores, o arguido CC e três indivíduos não identificados assumiram a posição de vigilantes. Neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 4 indivíduos que ali se deslocaram para o efeito.” [alterado pelo acórdão da Relação de Lisboa]

(…)

30. No dia 02.02.2018, entre as 17.22 horas e as 18.20 horas, os arguidos AA, CC e KK, de comum acordo e em conjugação de esforços organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto o arguido KK assumiu a posição de vendedor, os arguidos CC e AA mantiveram uma posição de controlo sobre os três vigilantes não identificados; neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 6 indivíduos que ali se deslocaram. (Relatório de Vigilância, fls. 1055 a 1056, Reportagem Fotográfica, fls. 1057 a 1084, 4.º Volume).

31. No dia 28.02.2018, entre as 17.15 horas e as 18.15 horas, os arguidos CC, KK e EE, de comum acordo e em conjugação de esforços organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, enquanto o arguido KK assumiu a posição de vendedor, os arguidos CC e EE assumiram uma posição de vigilantes; neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 11 indivíduos que ali se deslocaram. (Relatório de Vigilância, fls. 1134 a 1136, Reportagem Fotográfica, fls. 1137 a 1157, 4.º Volume).

(…)

34. No dia 03.09.2018, a arguida FF guardou na sua residência, cocaína e heroína em quantidade não apurada, pertencente ao arguido AA. (cópia do auto de fls. 1541 a 1542, 5.º Volume, transcrição, sessão 548 do anexo de transcrições).

35. No dia 30.11.2018, o arguido CC seguia apeado na Rua ..., no Bairro ..., com um saco plástico preto pela mão, ao ser alertado da presença da polícia, atirou o saco para o chão e encetou fuga, tendo sido apreendido o saco contendo moedas e notas, no valor total de € 5.055,00, proveniente da venda de cocaína e heroína realizada pelos arguidos. (Auto de Notícia, fls. 1727 a 1728, Auto de Apreensão, fls. 1729 a 1730, Reportagem Fotográfica, fls. 1731 a 1735, do 5.º Volume).

36. No dia 14.03.2019, entre as 17.20 horas e as 18.00 horas, os arguidos AA, KK e MM, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, um individuo não identificado assumiu a posição de vendedor, enquanto os arguidos assumiram uma posição de vigilantes; neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 30 indivíduos que ali se deslocaram.(relatório de vigilância de fls. 1901 a 1902 e reportagem fotográfica de fls. 1903 a 1914, 6.º volume).

(…)

39. No dia 19.03.2019, entre as 15.36 horas e as 18.50 horas, o arguido AA, de comum acordo e em conjugação de esforços com indivíduos não identificados, um individuo de nome TT, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente. (relatório de Vigilância, fls. 1940 a 1941, reportagem Fotográfica, fls. 1942 a 1956, 6.º Volume).

40. No dia 27.03.2019, entre 16.42 horas e as 17.50 horas, os arguidos AA e GG, de comum acordo e em conjugação de esforços com indivíduos não identificados, um de nome UU, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, procederam à venda de cocaína a heroína a pelo menos 25 compradores que ali se deslocaram para o efeito.

Neste dia, o arguido AA utilizou a residência dos arguidos EE e FF, situada no Bloco ..., entrada 173, casa 31, de onde era levado os estupefacientes para venda. Assim, pelas 17h53, o arguido GG foi intercetado por elementos da PSP em plena venda de cocaína e heroína. Nessas circunstâncias, o arguido tinha, a tiracolo, uma bolsa de cor ..., que continha a quantia monetária de € 146,40 (cento e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos), vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 13,951 gramas e de heroína com o peso líquido de 19,071 gramas, divida em 194 doses (relatório de vigilância de fls. 1974 a 1976 do 6.º volume, auto de notícia de fls. 1, auto de apreensão de fls. 4, teste rápido de fls. 6 e 7, reportagem fotográfica de fls. 15 a 18, exame pericial de fls. 68 todos do apenso D).

(…)

43. No dia 20.09.2019, entre as 00.45 e as 3.30 horas, os arguidos AA, GG e EE, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, e utilizaram, novamente, a residência dos arguidos EE e FF para abastecer a cocaína e heroína. Enquanto o arguido GG procedeu à venda dos estupefacientes a indivíduos que se deslocavam junto ao Bloco ..., o arguido EE assumiu a posição de vigilante junto daquele. (Relatório de Vigilância, fls. 2120 a 2122, 6.º Volume).

44. No dia 14.02.2020, entre as 17.23 horas e as 18.05 horas, os arguidos BB, II e o falecido VV, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, o arguido II assumiu a posição de vendedor, enquanto o arguido BB controlou a venda, o VV e outros indivíduos não identificados assumiram uma posição de vigilantes; neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a pelo menos 6 indivíduos que ali se deslocaram.(Relatório de Vigilância, fls. 2584 e 2585, 8.º Volume).

45. No dia 19.02.2020, entre as 17.05 horas e as 18.10 horas, os arguidos AA, BB e o JJ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente. O arguido JJ assumiu a posição de vendedor, enquanto os arguidos AA e BB controlavam a venda e os vigilantes espalhados pelo bairro, o falecido VV e outros indivíduos não identificados assumiram uma posição de vigilantes; o arguido JJ foi intercetado pela polícia, tinha na sua posse vários pedaços de estupefaciente Cocaína, com o peso líquido de 7,424 gramas e vinte e quatro embalagens de estupefaciente Heroína, com o peso líquido de 2,564 gramas, e € 162,00 proveniente da venda e uma argola com duas chaves da casa 12, Entrada ..., Bloco ..., do Bairro .... (Relatório de Vigilância, fls. 2599 a 2617, 8.º Volume).

(…)

48. No dia 19 de fevereiro de 2020, pelas 17h58, na execução de mandados de busca e apreensão foram encontrados:

(…)

53. Na residência do arguido AA, sita no Bairro ..., Rua ..., ..., ...:

- no quarto da mãe do arguido, na mesinha de cabeceira, no interior de uma bolsa preta a quantia de €2.600,00 (dois mil e seiscentos euros) em notas do BCE e um mealheiro contendo €684,00 (seiscentos e oitenta e quatro euros);

- no gavetão da cama €1.000,00 (mil euros) em notas; debaixo do gavetão da cama €2.000,00 (dois mil euros); num armário em vidro €430,00 (quatrocentos e trinta euros) e ainda um mealheiro contendo €330,00 (trezentos e trinta euros); no guarda-fatos, dentro de uma bolsa €420,00 (quatrocentos e vinte euros); em cima da cómoda foi encontrada uma caixa em madeira, contendo MDMA com o peso líquido de 0,891 gramas e 0,512 gramas de S...; na gaveta da cómoda a quantia de €1.645,00 (mil seiscentos e quarenta e cinco euros); na mesinha de cabeceira do lado esquerdo foi encontrada uma bolsa branca contendo €327,50 (trezentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos) em notas e moedas e ainda €405,00 (quatrocentos e cinco euros) em notas; na mesinha de cabeceira do lado direito €195,00 (cento e noventa e cinco euros) e ainda um mealheiro contendo no interior €100,02 (cem euros e dois cêntimos); No chão, no interior de um par de sapatos, foram encontradas duas sacas: uma contendo a quantia monetária de €100,00 (cem euros) e a outra €130,00 (cento e trinta euros), perfazendo o valor global de €10.366,52 (dez mil, trezentos e sessenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos). Foi ainda apreendido o veículo automóvel de matrícula ...-VL-..., no valor de € 15.000,00, adquirido pelo arguido AA em 28.01.2020, com os proventos obtidos com a atividade de tráfico, que o arguido registou em nome do irmão WW; realizada busca ao veículo, foi apreendido uma bolsa de cor ... contendo um molho de chaves de cofres, um molho de chaves referente a residência, a quantia de € 224,00, um telemóvel de marca e modelo ....

(…)

55. Na residência do arguido II, sita na Rua ..., ...:

- Quarto ... - do II:

- num móvel: 1(uma) embalagem em plástico, contendo vários pedaços de cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 15, 193; a quantia monetária de 195€ (cento e noventa e cinco euros); 1 (um) telemóvel de marca ... de cor ..., com o IMEI...02; 1(um) telemóvel de marca ..., de cor .../..., com capa de proteção, com os IMEI...23; 1 (um) telemóvel de marca ... modelo ... de cor ...; 1 (uma) embalagem do cartão SIM e cartão PIN.../PUK referente ao n.º ...31;

- Quarto ..., em cima do móvel, 1 (um) um rolo de sacos plásticos transparentes;

- na Sala, na gaveta de um móvel (próprio para colocação de televisor), 1 (uma) faca com vestígios de estupefaciente, com cabo em plástico, com 18,5 cm de lâmina em Inox, e com 30 cm de comprimento total; 1 (uma) faca com vestígios de estupefaciente, com cabo em plástico, com 15 cm de lâmina em Inox, e com 27 cm de comprimento total; em cima do móvel 1(um) telemóvel de marca ..., modelo ..., de cor ..., com bateria, com o IMEI...39;

- em cima do sofá, no interior de um cofre em madeira, 1 (uma) embalagem contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 0,312 gramas, 2 (duas) embalagens de um produto incolor com o peso bruto de 1,967 gramas; no interior de um caixa própria para guardar óculos, vários pedaços canábis (resina) com o peso líquido de 1,759 gramas;

- num guarda loiça, numa gaveta, 1(uma) embalagem contendo 9,686 gramas de bicarbonato de sódio;

- no aparador, uma caixa de sapatos, com várias sacas plásticas com moedas, totalizando €83,11 (oitenta e três euros e onze cêntimos) em moedas (1 (uma) moeda de 2€; 21 (vinte e um) de 1€; 26 (vinte e seis) de 0,50€; 85 (oitenta e cinco) de 0,20€; 94 (noventa e quatro) de 0,10€; 337 (trezentos e trinta e sete) de 0,05€; 129 (cento e vinte e nove) de 0,02€; 128 (cento e vinte e oito) de 0,01€);

- Na despensa:

- 1(um) cofre, e no interior duas bolsas contendo a quantia monetária €19.200 (dezanove mil e duzentos euros), em 1 (uma) nota de 500€, 18 (dezoito) de 200€, 31 (trinta e uma) de 100€, 24 (vinte e quatro) de 50€, 282 (duzentos e oitenta e dois) de 20€, 415 (quatrocentos e quinze) de 10€, 202 (duzentos e duas) de 5€.

56. Não obstante as detenções efetuadas nos autos, o arguido II persistiu na atividade de venda de estupefacientes, no Bairro ....

57. Tanto assim que no dia 29 de abril de 2020, pelas 22h15, na Rua ..., no Bairro ..., no ..., o arguido II procedeu à venda de cocaína e heroína a três consumidores que o procuraram, quando foi intercetado por elementos da PSP.

58. Nessas circunstâncias, o arguido II tinha consigo, a quantia de € 60,00 (sessenta euros), vários pedaços de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 11,02 gramas e heroína com o peso líquido de 5,65 gramas, dividida em 48 doses (auto de notícia de fls. 1, relatório de vigilância de fls. 5, auto de apreensão de fls. 7, teste rápido de fls. 9, reportagem fotográfica de fls. 19 e 20 do apenso E e exame pericial de fls. 4047)

(…)

62. Os bens, objetos e valores referidos, bem como todos os demais que foram apreendidos nos presentes autos, provinham ou eram utilizados na atividade de venda, transporte e armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade, nomeadamente para combinar os locais de entrega do estupefaciente, ou constituíam o seu preço, recompensa ou pagamento, ou foram adquiridos com tais proveitos.

63. Os estupefacientes apreendidos eram destinados pelos arguidos à venda a terceiros, mediante contrapartidas monetárias, com vista a obter elevado/s ganhos económicos.

64. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos são provenientes das vendas de estupefacientes por eles efetuadas ou a seu mando, ou com as quais colaboravam.

65. Os telemóveis são pertencentes aos arguidos e foram adquiridos com os proventos da atividade de tráfico de estupefacientes e foram por estes utilizados no âmbito dessa atividade.

66. O veículo automóvel de matrícula ...-VL-..., pertence ao arguido AA, por este utilizada na atividade de transporte e venda de estupefacientes, foi adquirida com os proventos económicos obtidos com a atividade de tráfico.

67. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

68. Os arguidos conheciam as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham e que vendiam, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, na execução de um plano previamente gizado e ao qual aderiram, sempre com a intenção de obter proventos económicos.

69. Os arguidos sabiam que as suas acordadas e conjuntas condutas são proibidas e punidas por lei.

70. O arguido AA sofreu as seguintes condenações anteriores:

71. No processo n.º 30/07...., da ... Vara Criminal do ..., foi condenado pela prática em 2007.03.20, de um crime de roubo na forma consumada p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de roubo na forma tentada p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, do Código Penal, na pena única de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, por acórdão proferido em 2009.03.11, transitado em julgado em 2009.03.31; por decisão proferida a 2012.04.10 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

72. No processo n.º 552/09...., do ... Juízo de Pequena Instância Criminal ..., foi condenado pela prática em 2009.05.24, de dois crimes de injúria agravada e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, substituída pela pena de 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, por decisão proferida em 2009.11.13, pena declarada extinta pelo cumprimento em 2011.03.17.

73. No processo n.º 222/08...., do ... Juízo Local Criminal ..., foi condenado pela prática em 2008.04.28, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de quatro meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, por sentença proferida em 2009.11.19, transitada em julgado 05.01.2010; por decisão proferida em 2010.11.09, foi revogada a suspensão da execução da pena de quatro meses de prisão, pena declarada extinta pelo cumprimento em 2011.01.26.

74. No processo n.º 32/08...., do ... Juízo Criminal ..., pela prática em 2008.01.15, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, por sentença de 2010.01.28, transitada em 2010.02.17, na pena única de 120 dias de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa de € 5,00, pena declarada extinta pelo pagamento em 2010.09.21.

75. No processo n.º 13/18...., do ... Juízo Criminal ..., foi condenado pela prática em 2008.01.07, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de sete meses de prisão suspensa pelo período de um ano, por sentença de 2010.03.26, transitada em 2010.05.05, por decisão de 2011.12.20, foi revogada a suspensão da pena de sete meses de prisão, pena julgada extinta pelo cumprimento em 2012.10.04.

76. No processo n.º 327/11...., do ... Juízo de Pequena Instância Criminal ..., foi condenado pela prática em 2011.02.19, de um crime de furto simples, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €6,00, por sentença proferida em 2011.03.03, transitada em julgado em 2011.03.23.

77. No processo n.º 572/08...., da ... Vara Criminal do ..., pela prática em 2008.07.16, de um crime de resistência e coação sobre funcionário e de um crime de injúria agravada, na pena única de um ano de prisão efetiva, por decisão de 2010.12.16, transitada a 2011.05.26.

78. No processo 79/10...., da ... Vara Criminal do ..., foi condenado pela prática em 2010.06.17, de um crime de tráfico de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D. L. n.º 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão efetiva, por acórdão de 2011.05.19, transitado em 2011.11.28.

79. Neste processo n.º 79/10...., por acórdão de cúmulo jurídico (com a pena aplicada no processo n.º 572/08....), proferido em 2012.07.11, transitado em julgado em 20 de setembro de 2012, o arguido foi condenado na pena única de 4 anos e 8 meses.

80. No processo n.º 260/09...., da ... Vara Criminal do ..., pela prática em 2009.03.06, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, por decisão de 2011.11.28, transitada em 2011.12.19.

81. Neste processo n.º 260/09...., da ... Vara Criminal do ..., foi realizado cúmulo jurídico, por acórdão de 2012.10.24, transitado em 2012.11.19, cumulou as penas dos processos n.º 32/08...., 13/18...., 222/08...., 572/08...., 30/07...., 327/11...., 79/10...., foi o arguido condenado nas penas autónomas de 4 anos de prisão efetiva, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão efetiva e na pena de 100 dias de multa, convertida em 66 dias de prisão subsidiária.

82. No processo n.º 246/07...., da ... Vara Criminal do ..., foi condenado pela prática em 2007.06.21, de um crime de roubo na forma consumada e de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão efetiva, por acórdão de 2012.06.11, transitado em 2012.07.02.

83. No processo n.º 246/07...., foi realizado cúmulo jurídico, por acórdão proferido em 2013.10.17, transitado em 2013.11.18, cumulou com as penas cumuladas no processo n.º 260/09...., o arguido foi condenado nas penas de cumprimento sucessivo, de 4 anos de prisão efetiva, 5 anos de prisão efetiva e pena de 100 dias de multa, convertida em 66 dias de prisão subsidiária.

84. AA iniciou o cumprimento sucessivo de penas de prisão em 15-12-2011 e manteve-se ininterruptamente preso até, no processo 246/07.... da ... Vara Criminal do ..., o TEP ter concedido liberdade condicional a 23 de agosto de 2016 até 23 de agosto de 2019, data em que foi concedida liberdade definitiva e declaradas extintas as penas de prisão.

85. As condenações sofridas pelo arguido AA, assim como as penas de prisão que cumpriu, não constituíram dissuasão suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos criminais, como bem demonstram os factos a que se reporta os factos provados.

86. Na verdade, atendendo ao percurso de vida do arguido revelador de desinserção social e profissional, seja ainda pela incontestável tendência para praticar ilícitos, o arguido continuou a conviver com delinquentes e tudo revela que não adquiriu hábitos de trabalho e de vida que o afastasse de uma tal atividade criminosa.

(…)

99. O arguido II foi condenado nos seguintes processos:

100. No processo n.º 480/05...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 12.12.2005, de um crime de roubo simples, na pena de 18 meses de prisão cuja execução foi suspensa, por acórdão transitado em julgado em 16-12-2008, por decisão de 2012.01.18, foi revogada a suspensão da execução da pena de 18 meses de prisão.

101. No processo n.º 2/10...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 14.01.2010, de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2011.06.28.

102. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 18-10-2010, à ordem deste processo na situação de preso preventivo.

103. No processo n.º 246/07...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 2009.04.30, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de um ano de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2012.07.02.

104. Neste processo 246/07.... da ... Vara Criminal do ..., no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares impostas nos três processos, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado em 2011.03.16.

105. Foi-lhe concedida a liberdade condicional em 15-06-2015 até ao termo previsto para 14-05-2016.

106. As condenações sofridas pelo arguido II, assim como as penas de prisão que cumpriu, não constituíram dissuasão suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos criminais, como bem demonstram os factos provados.

107. Na verdade, atendendo ao percurso de vida do arguido revelador de desinserção social e profissional, seja ainda pela incontestável tendência para praticar ilícitos, este continua a conviver com delinquentes e tudo revela que não adquiriu hábitos de trabalho e de vida que o afastasse de uma tal atividade criminosa.

108. Mais resultou provado, dos relatórios sociais que:

(…)

126. O arguido AA nasceu a .../.../1991.

127. AA referencia cresceu com a mãe e avô materno, dinamizado por um modelo educativo de reduzido controlo e insuficiente supervisão da conduta, com domicílio em zona do centro da cidade ..., onde se verificava considerável incidência de problemáticas de exclusão social.

128. A frequência escolar empreendida por AA padeceu de ajuste ao contexto escolar após a conclusão do 1.º ciclo do ensino devido à prevalência de conduta instável, indisciplinada e absentista, a qual, associada ao desinteresse pela progressão académica, concorreram para o precoce abandono daquela formação aos 13 anos de idade, sem que tenha concluído o 5.º ano.

129. O aumento da convivência grupal e de compartilha de interesses e identidade social, favoreceram as explorações de risco como o uso de substâncias, designadamente, de haxixe, por volta dos 11 anos, bem como de álcool pelos 14 anos, e de comportamentos delinquentes, intervencionados pelo sistema tutelar tendo cumprido a medida de internamento por de dois fins-de-semana em Centro Educativo.

130. AA apresenta uma carreira persistente, diversificada e reincidente desde 2008, preservada por um estilo de vida ocioso e de manutenção quer dos laços anti-sociais como das convivências marginais e transgressivas, interrompida com o cumprimento sucessivo das penas únicas de 4 anos de prisão e de 5 anos de prisão e dos 66 dias de prisão subsidiária.

131. AA deu entrada no Estabelecimento Prisional ... 15-12-2011, foi transferido para o Estabelecimento Prisional ... em 05-03-2012, investiu no aumento das habilitações académicas e nas qualificações profissionais e manteve na sua generalidade uma conduta de adequação e de cumprimento das medidas de flexibilização da pena.

132. Beneficiou da concessão da liberdade condicional da soma das penas em 23-08-2016, reintegrou o agregado materno e cumpriu aquela medida com termo ocorrido em 23-08-2019.

133. À data dos factos que integram a acusação proferida nestes autos, AA compunha o agregado materno e desempenhava as funções laborais de ... na ..., em regime de prestação de serviços até à sua reclusão.

134. A companheira e coarguida nos autos, XX de 28 anos de idade, comutava a residência entre este agregado e o respetivo agregado familiar de origem, que reside no mesmo bairro, mas em bloco distinto.

135. O arguido assegura o mesmo enquadramento familiar materno, composto pela mãe, 52 anos de idade e pelo irmão uterino, de 20 anos de idade, dinamizado por laços de entreajuda e coesão, facilitadores de suporte afetivo e financeiro.

136. Como a mãe de AA padece de problemas de saúde de carácter crónico e debilitante, beneficia da prestação de cuidados diários assegurados pela companheira do arguido.

137. Este núcleo está domiciliado no Bairro .... Rua ..., ..., correspondendo a um apartamento camarário, tipologia 3, com condições de habitabilidade, inserido em zona conotada com elevada incidência de problemáticas sociais e criminais.

138. A subsistência do agregado tem sido protegida pela pensão de invalidez da própria, no valor de 289 euros, pelo rendimento auferido pelo irmão do arguido, operário de empresa de manutenção de elevadores, correspondente ao salário mínimo nacional.

139. A companheira do arguido trabalha em regime de part-time como ajudante de refeitório escolar, auferindo o vencimento de €166,25, contribuindo pontualmente com cerca de €50,00 euros para as despesas básicas do agregado.

140. As despesas fixas com o arrendamento da habitação e com os serviços de fornecimento de eletricidade, de água canalizada e de comunicações por cabo correspondem a um valor mensal de cerca de €157,00.

141. AA projeta retornar ao agregado materno e procurar organizar a sua independência pela profissionalização, preferencialmente, na área da panificação e pastelaria.

142. AA cumpre no EP... desde o dia 21-02-2020 a medida de coação de prisão preventiva à ordem do presente Processo.

143. A conduta em meio prisional assumida pelo arguido é de adaptação, de cumprimento do disciplinado exigido, de frequência da componente prática do Curso de Formação Profissional, visto que tem a habilitação do 3.º ciclo, e de expectação de resolução da situação jurídica e penal.

144. Recorreu ao acompanhamento de Psicologia na procura de melhorar o seu bem-estar quotidiano.

145. A proximidade relacional com os familiares mais próximos tem sido mantida por um regime regular de visitas e de contactos telefónicos.

146. No meio comunitário de residência do arguido, bem como de alguns dos seus coarguidos, AA está associado à interação grupal com pares conotados com práticas transgressivas.

147. Nos registos da D.…, AA é elemento do agregado familiar.

(…)

214. O arguido CC nasceu a .../.../1994.

215. O processo de desenvolvimento de CC decorreu no seio da família de origem constituída pelos progenitores e cinco irmãos, detendo o agregado uma situação financeira e habitacional precária, vindo a ser a integrados em habitação social.

216. O ambiente familiar foi descrito como positivo, havendo um esforço para impor regras e horários, não obstante o arguido mantivesse um comportamento de desrespeito pelas regras.

217. Frequentou o infantário e pré-escola integrando o 1.º ciclo em idade regular.

218. Do seu percurso escolar salienta-se as dificuldades sentidas na aprendizagem e ao nível da atenção que tiveram impacto na motivação e aproveitamento escolar, tendo o arguido sido retido várias vezes, ainda que tenha frequentado a escola até cerca dos 20 anos de idade.

219. Ao nível comportamental foram registadas condutas desajustadas no espaço escolar que foram alvo de sanção, tendo sido suspenso da escola.

220. Motivo pelo qual foi alvo de intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

221. Permaneceu cerca de um ano inativo, tendo o seu primeiro emprego sido como na área da ... na empresa “S.…”, através de empresa de trabalho temporário, onde trabalhou cerca de 6 meses, encontrando-se desempregado desde junho/julho de 2015.

222. CC foi acompanhado na consulta de pedopsiquiatria do Hospital ..., apresentando um atraso ao nível cognitivo e défice de atenção, vindo a abandonar o acompanhamento após perfazer os 18 anos de idade.

223. Ao nível dos comportamentos aditivos, o arguido iniciou consumos de haxixe aos 16 anos de idade, no contexto do grupo de pares.

224. No processo n.º 187/16...., do Juízo Local Criminal ..., o arguido foi condenado pela prática em 2016.05.09, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, por sentença transitada em 08.05.2017.

225. No processo n.º 1657/20...., do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., o arguido foi condenado pela prática em 2020.11.04, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €5,50, por sentença transitada em julgado em 2020.12.07.

226. O arguido requereu a substituição de multa por trabalho a favor da comunidade, encontrando-se o respetivo plano de execução em elaboração pela Equipa de Reinserção ....

227. À data dos factos pelos quais se encontra acusado, tratando-se de um período alargado de tempo, CC vivia junto do agregado dos progenitores, em apartamento camarário localizado no Bairro ..., detendo o agregado uma situação financeira modesta.

228. O arguido esteve desempregado, ainda que pontualmente ajudasse o progenitor na atividade profissional daquele, na área da ....

229. No final de 2017, integrou-se laboralmente como ..., através de empresa de trabalho temporário “K.…”, durante cerca de 2 anos, findos os quais foi dispensado por não renovação de contrato.

230. CC é um jovem imaturo, e permeável à influência de terceiros, mostrando a família preocupação relativamente ao grupo de pares que este acompanhava, bem como relativamente aos consumos de haxixe, não ouvia os conselhos dos pais e irmãos, mantendo um registo de reserva da sua vida, desconhecendo a família pormenores do seu quotidiano.

231. O arguido conhece os coarguidos por frequentarem na sua maioria a sede do Bairro ..., que este também frequentaria de forma diária.

232. No final do ano de 2018, autonomizou-se do agregado de origem, para estabelecer união de facto com a namorada, vindo o seu descendente a nascer em novembro de 2018.

233. Presentemente, CC reside com a companheira, de 32 anos, auxiliar na A.…, e o descendente de ambos, com 2 anos de idade, aos fins-de-semana integram o agregado os dois descendentes da companheira, atualmente institucionalizados, com 15 e 10 anos de idade.

234. O agregado reside em casa térrea arrendada, tipologia 2, com condições de habitabilidade, localizada em zona sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais, próxima ao Bairro ....

235. CC encontra-se laboralmente ativo desde setembro de 2020, com trabalhador de ..., em empresa da área, auferindo cerca de 750 euros mensais, ainda que anteriormente tenha trabalho durante cerca de 3 meses como lavador de vidros, em regime de economia informal.

236. O núcleo familiar subsiste dos rendimentos de trabalho do casal e abono do menor, cerca de 1600 euros, apresentam como principais despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, 600 euros, fornecimento de eletricidade e água, cerca de 85 euros, mensalidade do infantário do descendente, cerca de 42 euros, e alimentação, sendo a situação financeira avaliada como equilibrada.

237. CC consome diariamente haxixe, considerando, no entanto, que tal não tem impacto significativo no seu quotidiano.

238. O arguido ocupa o seu quotidiano com trabalho e convívio com a família de origem (residente no Bairro ...) e constituída, beneficiando do apoio destes.

239. No âmbito do processo 27/19.... da ... Seção do DIAP ..., indiciado por condução sem habilitação legal, CC beneficiou de suspensão provisória de processo, pelo período de 6 meses, sujeita a injunção de prestar 70 horas de prestação de serviço de interesse público, que cumpriu de 05/08/2019 a 14/12/2019.

240. Em caso de condenação, CC manifesta adesão ao cumprimento de uma medida de execução na comunidade.

241. O arguido DD nasceu a .../.../1989.

242. O processo de crescimento/desenvolvimento do arguido decorreu no agregado familiar de uma tia materna, situação associada à separação dos seus progenitores e ao cumprimento de pena de prisão da figura materna.

243. O arguido tinha mais quatro irmãos, tendo dois integrado igualmente o agregado da tia materna e os outros dois foram entregues aos cuidados da avó materna.

244. Os tios maternos estiveram sempre ativos profissionalmente, o tio ... e a tia como empregada de ..., o que lhes permitia uma situação financeira capaz de fazer face às necessidades do agregado, sendo a dinâmica familiar descrita de forma positiva, marcada por laços de afetividade significativos entre os diferentes elementos do agregado.

245. O arguido foi mantendo ao longo dos anos contacto com o progenitor, no entanto este último assumiu, desde sempre, uma postura demissionária face ao processo educativo dos filhos, tendo falecido em 2009.

246. Após a libertação da progenitora, tinha o arguido cerca de 12/13anos, permaneceu integrado no agregado dos tios maternos, sendo a sua relação com a mãe marcada por algum distanciamento e frieza.

247. O percurso escolar do arguido foi iniciado em idade regulamentar, aos 6 anos, tendo abandonado o sistema de ensino aos 16/17 anos, concluindo apenas o 5.º ano de escolaridade.

248. O seu percurso escolar era caracterizado por um comportamento absentista e disruptivo, em contexto de sala de aula, razão pela qual foi alvo de vários processos disciplinares e consequente suspensão das atividades letivas.

249. Numa tentativa de inverter o seu insucesso escolar foi encaminhado para um curso de educação e formação/CEF, na área da ..., no entanto acabou por ser expulso do mesmo, acabando por abandonar o sistema escolar.

250. Nesta altura teve a sua primeira experiência profissional, com caracter informal, numa empresa de ... que faliu em 2005, não voltando, desde então, a exercer qualquer tipo de atividade laboral estruturada.

251. Em 2010 DD estabeleceu uma relação afetiva, passando a residir com a companheira e um filho da mesma, tendo mais tarde desta relação um filho, atualmente com 9 anos de idade, tendo o casal se separado ao fim de seis anos de vivência comum.

252. De salientar que dada a inatividade laboral que caracterizava o arguido, o arguido passou a ter momentos de total ociosidade, os quais estarão na supostamente na origem dos seus primeiros contactos com o sistema da administração da justiça.

253. No processo n.º 124/08...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 2008.08.15, de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, por acórdão transitado em julgado em 2009.10.06, pena julgada extinta em 2011.04.29.

254. No processo n.º 25/10...., do ... Juízo Criminal ..., o arguido foi condenado pela prática em 2011.04.15 de um crime de detenção de arma proibida, pela prática em setembro de 2010 de um crime de tráfico de menor gravidade, foi condenado na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado a 2014.07.02; o arguido foi colocado em liberdade condicional em 2016.09.30, tendo sido revogada a liberdade condicional em 2017.07.07, a pena de prisão foi julgada extinta, pelo cumprimento, em 2019.08.21.

255. À data dos factos constantes nos presentes autos o arguido vivia sozinho, na sequência da separação da ex-companheira, em dezembro de 2016, encontrando-se na altura em liberdade condicional e inativo profissionalmente.

256. Após incumprimento das injunções judiciais a que estava obrigado, a liberdade condicional foi revogada, tendo cumprindo o remanescente e sido libertado em 21.08.2019, altura em que integrou a casa de uma amiga, na morada constante dos autos.

257. Há cerca de meio ano estabeleceu novo relacionamento afetivo, integrando o agregado familiar da companheira (32 anos, desempregada), do qual fazem também parte três filhos desta última com 16, 14 e 6 anos de idade.

258. Reside em habitação camarária de tipologia 3.

259. O imóvel encontra-se inserido em bairro social, conotado com problemáticas sociais e criminais relevantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes.

260. Profissionalmente, o arguido iniciou atividade na ..., enquanto ..., local onde permaneceu cerca de sete meses, tendo posteriormente realizado biscates na ..., como pintor, situação que mantém no momento.

261. Em termos económicos esta família subsiste da atribuição do rendimento social de inserção, à companheira do arguido, no valor de 160 euros, do abono de família para crianças e jovens, relativo aos filhos desta última no valor de 165 euros o valor da pensão de alimentos, 160 euros e pensão de orfandade da filha mais nova da companheira no valor de 90 euros e do valor auferido pelo arguido através dos biscates realizados, cerca de 25/30 euros dia, apesar deste valor não ser constante.

262. Como despesas apresenta os gastos inerentes à manutenção da habitação, 12 euros de renda, energia elétrica no valor de 50 euros, fornecimento de água no valor de 30 euros mensais e pacote de televisão por cabo, no valor de 50 euros mensais.

263. O agregado familiar tem ainda a ajuda, ao nível alimentar, dos pais da companheira.

264. O arguido continua a beneficiar do apoio da companheira.

(…)

473. O arguido II nasceu a .../.../1988.

474. II é o mais novo de dois filhos.

475. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, tendo-se os pais separado quando contava 3 anos de idade.

476. Nessa sequência ele e irmão permaneceram à guarda da mãe, que registou algumas fragilidades ao nível do acompanhamento educativo e de implementação de estratégias de supervisão, sendo que sempre trabalhou para prover ao sustento do agregado.

477. Não obstante a situação económica carenciada, realidades que motivaram que tivesse consentido no internamento do arguido, aos 8 anos de idade, no Instituto Profissional ... pelo período de seis meses.

478. Aos 13 anos, em cumprimento de medida aplicada em processo Tutelar Educativo, o arguido foi encaminhado para o Centro de Reabilitação ... para completar um curso de formação profissional.

479. No entanto não concluiu a formação por não ter correspondido às suas expectativas.

480. Prosseguiu a frequência escolar até aos 16 anos de idade, sem ter conseguido concluir o 3.º ciclo do ensino básico, por revelar desinteresse pelos conteúdos curriculares, apresentando um comportamento desajustado às regras impostas no contexto escolar, elevado absentismo e preferência pela companhia do grupo de pares do meio de residência, conotados com conduta transgressiva, dos quais fazia parte o coarguido AA, seu vizinho e amigo de infância.

481. Aos 17 anos, iniciou o consumo de haxixe que passou a consumir de modo regular e posteriormente de cocaína, comportamento que associado às suas características pessoais comprometeram a inserção familiar e laboral, registando um percurso ascendente de instabilidade comportamental e emocional, desrespeitando as regras familiares, originando conflitos com a mãe, contexto que precipitou a sua ausência do agregado por período prolongado, tendo então pernoitando em quartos de pensões, em casa de amigos ou de jovens com quem estabelecia relacionamento afetivo.

482. A experiência profissional de II decorreu maioritariamente na área da restauração, contudo com um percurso irregular na preservação do posto de trabalho e de sucessiva frustração das expectativas por si criadas, resolvidos com atos impulsivos imaturos e conflitos com as entidades empregadoras.

483. No processo n.º 480/05...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 12.12.2005, de um crime de roubo simples, na pena de 18 meses de prisão cuja execução foi suspensa, por acórdão transitado em julgado em 16-12-2008, por decisão de 2012.01.18, foi revogada a suspensão da execução da pena de 18 meses de prisão.

484. No processo n.º 2/10...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 14.01.2010, de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2011.06.28.

485. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 18-10-2010, à ordem deste processo na situação de preso preventivo.

486. No processo n.º 246/07...., da ... Vara Criminal do ..., o arguido foi condenado pela prática em 2009.04.30, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de um ano de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2012.07.02.

487. Neste processo 246/07.... da ... Vara Criminal do ..., no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares impostas nos três processos, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado em 2011.03.16.

488. Durante o cumprimento da pena o arguido contou sempre com o apoio da mãe e da namorada, contudo, conforme consta das decisões proferidas no âmbito do competente processo de Tribunal de Execução das Penas, entre 03-01-2011 e 04-04-2013, II foi alvo da aplicação de seis medidas disciplinares, a primeira por posse de haxixe e a última por altercação e agressão violenta a outro recluso.

489. Nos últimos dois anos apresentou um bom percurso prisional, com desempenho de atividade laboral e sem ter sido alvo de medidas disciplinares e aparentava, manter abstinência relativamente ao consumo de estupefacientes.

490. Beneficiou de duas saídas jurisdicionais que decorreram de forma que foi avaliada positivamente, e foi-lhe concedida a liberdade condicional aos 2/3 da pena, em 15-06-2015, data em que o arguido foi libertado.

491. Uma vez em liberdade, o arguido reintegrou o agregado materno na morada constante do presente processo e retomou o convívio próximo com a namorada, que aparece nesta faze da sua vida como figura estruturante.

492. Conseguiu trabalho como empregado de mesa na “C.…” em setembro de 2015.

493. A estabilidade profissional também da namorada motivou a autonomização do casal, até aí a residir em casa da mãe do arguido, tendo arrendado um apartamento na Rua ..., próximo do local de trabalho do arguido e da residência materna.

494. Porém, o arguido voltou a consumir cocaína, inicialmente de modo controlado, mas que rapidamente se tornou central no seu quotidiano, tendo passado a praticar vida noturna.

495. À data dos factos na origem do presente processo o arguido residia no apartamento que havia arrendado com a companheira.

496. Ao fim de 4 anos e 10 meses perdeu o emprego, uma vez que não conseguia cumprir os horários nem permanecer o tempo necessário em funções, tendo passado a orientar o quotidiano em torno da satisfação do vício e na companhia dos amigos, praticando vida noturna.

497. Acabou por se ver forçado a entregar o apartamento por incapacidade de assumir o pagamento da renda, tendo novamente pedido à mãe para o acolher no seu domicílio.

498. O arguido encontra-se desde 29-04-2020, à ordem do presente processo, sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação na residência da sua mãe.

499. A manutenção de abstinência do consumo de cocaína vai de encontro à perceção da mãe do arguido.

500. O arguido reside com a mãe (55 anos, auxiliar dos serviços gerais num jardim de infância) sendo presentemente descrita uma dinâmica familiar funcional.

501. A este respeito a mãe assinala as alterações que se verificam no comportamento do arguido, que assume atitude de respeito e que durante o tempo em que esteve confinada por ter contraído Covid-19, se revelou de primordial importância no apoio que lhe prestou.

502. Residem na que há vários anos se constituiu a casa de morada de família, que consideram disponibilizar adequadas condições de habitabilidade e que fica integrada numa construção vulgarmente designada por “ilha”, situada em zona mista do centro da cidade onde se verifica alguma incidência de problemáticas sociais e criminais.

503. O arguido depende da mãe para a subsistência, sendo descrita uma situação económica que exige gestão criteriosa dos recursos.

504. Como forma de contributo, o arguido refere que assume as tarefas domésticas.

505. Como ocupação do tempo livre o II ocupa-se nas redes sociais, a jogar play station e a ver filmes na televisão.

506. Como projeto de vida indica o de conseguir arranjar trabalho estável que lhe permita autonomizar-se e constitui família, ambicionando vir a ter filhos.

507. O arguido projeta voltar a trabalhar com o antigo patrão da churrasqueira lhe prometeu que, assim que a pandemia passar que lhe volta a dar trabalho, e ter também uma oportunidade como ajudante de pintor da ... através de um amigo da mãe.

508. Nos contactos estabelecidos junto de vizinhos foi-nos referido que o arguido não é visto fora de casa e que não voltaram a ouvir discussões entre mãe/filho, assumindo comportamento adequado com os vizinhos.

509. O arguido confessou parcialmente os factos que lhe são imputados. (…).”

Dos recursos perante o tribunal da Relação

9. Nos recursos que apresentaram perante o tribunal da Relação os arguidos suscitaram as seguintes questões, todas elas apreciadas e decididas no acórdão recorrido (transcrição das conclusões, por interessarem à economia da decisão do presente recurso, como se verá nos locais próprios):

9.1. Recurso do arguido AA

“I – Foi o arguido, ora recorrente, condenado pelo Tribunal “a quo” como autor material de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I–A e I-B que lhe estão anexas e reincidente nos termos dos art.ºs 75.º e 76.º do Código Penal na pena de 8 (oito) anos de prisão.

II – Das várias declarações proferidas pelos Agentes da Polícia Judiciaria, questionados sobre a participação do arguido nos relatórios de vigilância realizados, os mesmos referem que “nunca viram nada de especial”, ou “não o viram a vender”.

III – A reincidência depende da verificação de requisitos formais e de um requisito material (subjetivo).

IV – O arguido esteve ininterruptamente preso desde 15 de dezembro de 2011 e 23 de agosto de 2016, data em que foi restituído à liberdade.

V - O último crime cometido pelo arguido foi em 17 de junho de 2010, tendo sido condenado pela prática de crime de trafico de estupefacientes na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão.

VI - Aos requisitos formais acresce então o requisito subjetivo: isto é, tendo em conta as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

VII - Após ter sido colocado em liberdade o arguido que era consumidor de drogas leves (haxixe), teve ajuda psicológica para melhorar o seu bem-estar.

VIII - In casu, não se verifica o seu requisito subjetivo para aplicação da figura da reincidência.

IX - No douto acórdão proferido, com o devido respeito por melhor opinião, não foram suficientemente ponderados como fatores atenuantes da pena, as condições, sócio-económicas do arguido e família, nomeadamente o que consta do seu relatório social, nomeadamente a sua proximidade relacional com os familiares mais próximos que tem sido mantida por um regime regular de visitas e contactos telefónicos.

X - O arguido estava a trabalhar quando foi detido e “investiu no aumento das habilitações académicas e nas qualificações profissionais e manteve na sua generalidade uma conduta de adequação e cumprimento das medidas de flexibilização da pena”, conforme consta no ponto 131 do douto acórdão.

XI – O arguido “projeta retomar ao agregado materno e procurar organizar a sua independência pela profissionalização, preferencialmente, na área da panificação e pastelaria”, conforme consta no ponto 141 do douto acórdão.

XII - In casu, punir o recorrente com uma pena de prisão tão elevada – de 8 anos – terá um efeito manifestamente nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior, aniquilando a sua vida em sociedade.

XIII - A aplicação de uma pena tão elevada poderá “precipitar” a morte do “Homem Social”.

XIV – Apesar do recorrente não ficar desonerado da obrigação de conduta legal pelas suas circunstâncias sócio-económicas, na verdade considera excessiva e muito dura a pena a que foi condenado, nomeadamente em comparação com a pena aplicada a outros arguidos.

XV- Errou o Tribunal a quo, por um lado quanto à determinação da medida da pena, pois fixou um quantum que é manifestamente elevado para um indivíduo nas concretas condições do arguido, ora recorrente, e por outro, se afigura desajustado das necessidades de prevenção geral e especial.

XVI- A aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração social do agente, artigo 40.º n.º 1 do Código Penal. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, ou seja, não há pena sem culpa e a culpa decide a medida da pena.

XVII - Ora, com o devido respeito por opinião diversa, o Recorrente entende ser suficientemente dissuasora da continuidade de comportamentos semelhantes, a aplicação de pena de prisão não superior a seis anos ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui recorrente uma pena justa proporcional e adequada.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exªs mui doutamente suprirão, requer a V. Ex.ªs se dignem:

- dar provimento ao presente Recurso e em consequência revogar o douto Acórdão ora recorrido;

- reapreciar a prova gravada;

- aplicar ao arguido uma pena de prisão em limite não superior a seis anos de prisão, ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui Recorrente uma pena justa, proporcional e adequada (…).”

9.2. Recurso do arguido CC

“1- A título prévio, o arguido CC requer a realização de audiência nos termos e para os fundamentos do artigo 411.º, n.º 5, para debater os seguintes pontos - Impugnação da matéria de facto, por terem sido incorretamente julgados os pontos 10, 23, 25 e 28 do Acórdão condenatório (ex vi violação do disposto no artigo 410.º n.º 2, alíneas a), b) e c).

- Da violação do princípio in Dubio pro Reo, face à imputação de factos genéricos (violação do disposto do artigo n.º 32.º n.º 5 da C.R.P.)

- Do enquadramento da conduta como a prática de um crime p. e. p. no artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de janeiro

- Da violação do disposto no artigo 70.º do C.P. e 18.º, n.º 2, da C.R.P.

2- O arguido foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, naturalmente efetiva na sua execução,

3- O arguido impugna os pontos dados como provados nos factos 10, 23, 25 e 28 do Acórdão proferido pelo tribunal a quo, dando cumprimento ao disposto no artigo 412.º n.º 2 a),

Sustentando entendimento diverso a seguinte prova, que deve ser renovada nos termos e para os efeitos do artigo 430.º, n.º 1, conjugado com o disposto no artigo 410.º, n.º 2 a), b) e c):

- Relatório de vigilância de fls. 530 a 532,

- Reportagem fotográfica de fls. 533 a 570 do 3.º volume

- Depoimento do Sr. Agente Principal PP, constante no ficheiro áudio 20210125..., entre os minutos, 35:00 e o minuto 36:00” (referentes ao ponto 28 dos factos dados como provados)

“É nos mesmos moldes, quem chega é o AA com o KK, um dos que fica a controlar onde costuma ficar o LL é o CC, é visto a fls. 989, é visto a controlar a passagem pedonal, esta passagem para eles era de extrema importância, porque sempre que a polícia tentava fazer uma ação era por onde tentava entrar, os nossos resultados positivos neste processo era na entrada deste túnel, (...) “

Entre os minutos, 36:35 e o minuto 36:45

“Senhor Procurador - O SS estava em posição de vigilância juntamente com o CC?

Senhor Agente Principal- Exatamente.

“Entre os minutos 37:45 e 37:55

“Senhor Procurador- CC estava em vigia com o tal SS?

Senhor Agente Principal – O SS estava também em vigia “

- Relatórios de vigilância de fls. 704 a 706, 734 e 735, e Reportagem fotográfica de fls 707 a 733 do 3.º Volume

4- É do próprio texto da decisão, que não resulta qualquer ato que se possa imputar ao arguido no que a este concreto dia 25/09/2017 (de onde emerge o facto/ponto 23 do Acórdão)

5- Ocorrendo manifesto vício constante no artigo 410.º n.º 2 alíneas a) e b), dado os factos entrarem em contradição entre si, conjugados com as mais elementares regras da experiência comum e do normal acontecer,

6- Refere ainda o tribunal, no que concerne ao ponto 24 (que por mero lapso, parece querer indicar que se refere ao ponto 25, referente ao dia 12/10/2017,)

“Os arguidos BB, CC e DD e o falecido QQ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente,”

7- Ora, salvo o devido e merecido respeito, novamente não se vislumbra de onde se retira esta conclusão nos precisos termos,

Do depoimento do Sr. Agente Principal PP, vertido na motivação constante dos factos dados como provados, resulta que no dia 12/10/2017 a venda do produto estupefaciente se terá iniciado pelas 17:30 minutos, e ter-se-á findado pelas 18:40,

8- Redige o tribunal a quo, que o arguido CC apenas se desloca ao local onde já decorria a venda e supostamente já se encontrariam a controlar o negócio outros coarguidos, pelas 18:07 minutos, tendo abandonado o local pelas 18:23minutos,

9- Contudo, não se descreve, nem se imputa, nem é possível aferir qual o motivo que o fez deslocar-se àquele concreto local e porque permaneceu o período de tempo correspondente

10- Abona a favor do arguido, que chega ao local em momento posterior, (excetuando o facto 25) onde já decorria a venda, tendo ali permanecido pouco tempo, sem que lhe tenha sido imputada qualquer factualidade passível de responsabilidade criminal, denote-se que já se encontravam no local coarguidos e outros intervenientes a controlar todo o desenrolar da ação, não se apurando a concreta conduta ou motivação de conduta do aqui recorrente,

11- Devendo o desvalor da sua ação se esgotar no resultado da sua ida ao local, sem que seja possível aferir mais além,

12- Entende o arguido, que as expressões utilizadas nos pontos, 10, 23, 25 e 28 são genéricas, designadamente “(...) de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de estupefaciente no Bairro ..., entre o Bloco ... e o armazém de recolha de lixo ali existente (...) “

“Neste período os arguidos procederam à venda de cocaína e heroína em quantidades não apuradas (...)”

13- Sendo por isso manifestamente inviabilizadoras de um pleno contraditório e por isso violadoras do disposto no artigo 32.º n.º 1, 2 e 5 da C.R.P.

14- Na falta de concretas condutas que se possam imputar ao arguido, o meio e as circunstâncias como foi desenvolvida a atividade (através de venda direta), a falta de sofisticação de meios, deve convolar-se o crime imputado num crime de tráfico de menor gravidade p. e. p pelo artigo 25.º do DL 15/93 DE 22 de janeiro

15- A medida da pena cominada é manifestamente excessiva, e porquanto violadora do disposto no artigo 18.º n.º 2 da C.R.P.

16- No sentido do ora pugnado vide o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo no 635/14.4PAVNG.P1 datado de 09- 03-2016 em que é relatora Maria Deolinda Dionísio “Ocorrendo falta de especificação das circunstâncias factuais, que permitam concretizar as expressões conclusivas, juízos de valor e alusões de contornos indeterminados e de natureza genérica que não permitem extrair e delimitar (e fiscalizar) a censura jurídico-penal inerente à globalidade do comportamento do arguido, existe insuficiência da matéria de facto para a decisão.

II - Na impossibilidade de especificação das circunstâncias concretas subjacentes à tal matéria, deverá a mesma ser eliminada dos factos provados.”

17- Ao não apurar concretamente quais as condutas, ações ou comportamentos que permitam aferir do juízo ou conclusão pretendida, deve o tribunal expurgar tal facto da fundamentação e da motivação, devendo decidir a favor do Reo, sob pena de se violar o disposto no artigo 32.º n.º 1 da C.R.P.

18- Caso o entendimento não se perfilhe, deve o douto tribunal nos termos do artigo 410.º n.º 2 alíneas a) e c) do C.P.P. considerar os pontos da fundamentação dos factos provados (supra indicados) como insuficientes para a decisão da matéria de facto provada bem como errónea a sua apreciação, pois o douto tribunal socorreu-se de factos genéricos sustentando a sua fundamentação numa mera convicção, insuficiente na ótica da defesa para se determinar o as condutas pretendidas, as quantidades de produto estupefaciente transacionadas determinantes para aferir as consequências penais.

19- Devendo em consequência retirarem-se as devidas ilações legais, ou seja, diminuindo os factos que acarretem responsabilidade criminal do arguido, deve a concreta medida da pena ser diminuída, uma vez que é excessivo o quantum da pena determinado,

20- Devendo optar-se por uma que seja não efetiva na sua execução, ou seja até 5 anos,

21- O arguido dispõe de apoio familiar,

22- É de condição económica e social humilde,

23- Encontra-se inserido profissionalmente,

24- O arguido, nas vezes em que resulta efetivamente responsabilidade criminal da sua conduta, é visto no local de venda, a exercer funções de venda direta ou de vigilância dos acessos ao bairro,

25- Funções ou tarefas essas residuais, secundárias face ao desenrolar da ação de tráfico desenvolvida,

26- Certo é que se imputam ao arguido ações até 30/11/2018,

27- Contudo, não se pode ignorar que a atividade de traficância continuou até 19/2/2020!

28- A atividade continuou, e o aqui arguido foi substituído por outros elementos, que realizavam a sua função acessória,

29- O arguido tem efetivamente que ser responsabilizado pela sua conduta,

30- Há que atender a que se volveram quase três anos desde os factos aqui em julgamento

31- Há data dos factos era consumidor de produto estupefaciente, cfr resulta do relatório social junto aos autos,

32- O arguido modificou completamente a sua vida,

33- Tem filhos menores a cargo,

34- A pena que lhe foi cominada não corresponde à conduta por si desempenhada, sendo manifestamente excessiva, uma vez que a culpa que lhe pode ser assacada não é correspondente com a moldura penal de 5 anos e 6 meses de prisão,

35- Devem as questões que antecedem proceder e em virtude diminuir-se o quantum da pena a cominar,

36- Sem prejuízo, ainda que se inaltere a factualidade dada como provada, a pena cominada foi manifestamente excessiva por desproporcional face à culpa que deve o arguido responder e ser responsabilizado,

37- As funções que o arguido desenvolveu na atividade de tráfico desenvolvida, foram as funções “base” que vieram inclusive a ser substituídas por outrem, demonstrando a pouca preponderância do arguido,

38- O arguido efetuou venda direta e vigilância, tarefas que apesar de terem de ser responsabilizadas não são determinantes para a prática do facto, sendo de uma censura “menor”,

39- Entende-se que uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente,

40- Foram violadas as seguintes disposições, artigo 70.º e 71.º do C.P.P., artigo 410.º n.º 2 a), b) e c), artigo 430.º, todos do C.P.P. artigo 18.º n.º 2 e 32.º 1, 2 e 5 da C.R.P.”

9.3. Recurso do arguido DD

“1. Verifica-se a existência do vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal (C.P.P), o que se invoca, com as consequências legais previstas no n.º 1 do artigo 426.º do mesmo diploma.

2. Os Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na matéria de facto assente nos pontos 23, 24 e 25 do acórdão, não correspondem aos Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na fundamentação da convicção do Tribunal sobre a mesma matéria de facto, havendo, por conseguinte, contradição insanável da fundamentação.

3. A matéria de facto assente nos pontos 23 e 25 do acórdão, da qual se retira que o recorrente assumia papel de vendedor no seio da organização é contraditória com a matéria assente no ponto 10 do acórdão, do qual se retira que o arguido não procedia à venda direta, o que representa contradição insanável da fundamentação; pode ler-se que o arguido DD se deslocava “(…) às habitações no bairro onde os estupefacientes eram guardados (casas de recuo,) a fim de, controlar e entregar, a cocaína e heroína aos indivíduos que procediam à venda direta”.

4. O grau de ilicitude é inferior ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, tendo em consideração os dados factuais apurados relativamente ao arguido DD, nomeadamente atendendo ao número reduzido de circunstâncias que praticou a atividade delituosa, bem como atendendo à função desenvolvida pelo mesmo no seio da organização do tráfico e às suas motivações.

5. Durante o período de cerca de 3 anos em que durou a atividade de tráfico de estupefacientes (de 19 de setembro de 2017 a 19 de fevereiro de 2020) a investigação judicial efetuada só constatou a participação do arguido DD em quatro circunstâncias apenas, conforme se refletiu na matéria de facto provada (pontos 23, 24, 25 e 26 do acórdão).

6. Atenta a factualidade apurada pode concluir-se também que o arguido DD não assumia no seio da organização da atividade de tráfico uma posição de relevância, uma vez que o seu papel se resumia a ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância, ou seja, era um simples “pau mandado”, que agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas.

7. Resultam também de forma evidente, atenta a factualidade assente no acórdão, as circunstâncias do crime, nomeadamente as motivações e fins que levaram os arguidos a agir desta forma e que estão essencialmente relacionadas com a subsistência dos arguidos ou dos seus familiares. Como refere o próprio Tribunal, tratava-se da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor, que não gerou lucros avultados para os arguidos, facto que ficou demonstrado na condição sócio económica dos mesmos, descrita na matéria de facto provada (cfr. pág. 129 do acórdão).

8. Não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo circunstâncias que depõem a favor do recorrente, nomeadamente o facto do mesmo ter um percurso vida muito difícil, tendo crescido no seio de uma família desestruturada, de muito modesta condição social e económica, encontrando-se a sua residência inserida no bairro social de ..., conotado com problemáticas sociais e criminais relevantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes.

9. O Tribunal a quo não valorou suficientemente fatores de caráter pessoal e familiar do recorrente, que assumem especial relevância no que respeita às finalidades de ressocialização da pena, como o facto do mesmo estar atualmente inserido profissional e familiarmente, conforme decorre do teor do Relatório Social (cfr. pontos 257 a 264 do acórdão).

10. Deveria ter sido imputada ao arguido DD a prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e atentas as considerações efetuadas sobre o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a motivação do arguido, bem como os dados do Relatório Social, satisfaz de modo adequado e suficiente, a aplicação de uma pena não superior a 3 anos.

11. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que foi erradamente fixada a medida concreta da pena, sendo violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, uma vez que a pena aplicada ao arguido ora recorrente pelo crime de tráfico de estupefaciente peca por ser excessiva, devendo ser reduzida. Tudo ponderado quanto à ilicitude do facto e às exigências de prevenção geral e especial, satisfaz de modo adequado e suficiente uma pena não superior a 4 anos.

12. Independentemente da qualificação jurídica dos factos, entende ainda a defesa que, atendendo às circunstâncias do crime e à sua atual inserção profissional e familiar, a pena deverá ser suspensa na sua execução, ao abrigo do regime previsto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.:

- Deve ser dado provimento ao presente recurso e verificado o vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, com as consequências legais; ou

- Deve ser imputada ao arguido DD a prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e a aplicação de uma pena de prisão não superior a 3 anos, suspensa na sua execução;

- Se assim não se entender, deve a pena aplicada ao arguido ser reduzida em medida não superior a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução.”

9.4. Recurso do arguido II

“I - Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido, no dia 23/04/2021, e que condenou os Arguido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

II - Entende o recorrente que a condenação sofrida resultou em grande parte da avultada quantia monetária apreendida dentro de um cofre fechado, na despensa da casa que habitava, no dia 18/02/2020, que não era sua propriedade e da qual o Tribunal a quo, na busca da verdade material, deveria ter tentado alcançar o verdadeiro proprietário.

III - O Recorrente vem impugnar, de forma alargada, a decisão da matéria de facto, pois, o douto Acórdão recorrida padece de contradição entre a matéria de facto dada como provada e de erro de julgamento nesse âmbito; em concreto,

IV - Devem ser eliminados os factos provados sob o ponto n.º 2, 44, 57, 58 e 107 do Acórdão recorrido dando cumprimento ao disposto no art.º 412.º, n.º 2, alínea a) do CPP, porquanto da prova produzida em Audiência de Julgamento não resultou de provado, de forma clara e inequívoca, que o comportamento do Arguido é conforme à matéria assente.

V - Ocorrendo manifesto vício constante no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), dado os factos entrarem em contradição entre si, conjugados com as mais elementares regras da experiência comum e do normal acontecer. Desde logo,

VI - O Facto n.º 107 dado como provado está em estreita contradição com os factos n.º 492 e 496, na medida em que num primeiro momento refere a desinserção profissional do arguido, para posteriormente dar como provado de que este trabalhava, há já 4 anos e 10 meses num restaurante denominado “C.…”. Bem assim,

VII - Ao dar como provado que o recorrente manteve ocupação profissional, num restaurante, que usualmente labora em regime de almoços e jantares, existe clara contradição, quanto ao arguido, do dado como provado a facto n.º 2 da matéria assente. Até porque,

VIII - Seria absolutamente impossível ao arguido permanecer, em simultâneo, em dois locais distintos.

IX - Pelo que se entende que, nesta parte, o douto acórdão violou as alíneas b) e c) do n.º 2 do Artigo 410.º do Código do Processo Penal. Igual modo,

X - O ponto 44 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado.

XI - Do depoimento do Sr. Agente Principal PP, do Relatório de vigilância de fls. 2584 e 2585 e da Reportagem Fotográfica de fls. 2587 a 2598 do 8.º Volume não é possível dar como provado que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.

XII - O próprio Agente Principal PP, em sede de audiência de julgamento é perentório em afirmar que não viu o recorrente a vender produto estupefaciente nesse dia, outrossim, que apenas presumiu que seria ele por causa do seu comportamento. (Cf. prova gravada ficheiro de áudio n.º 20210208...)

XIII - Por conseguinte, e maioria de razão, as provas indicadas ser renovadas nos termos e para os efeitos dos artigos 412.º, n.º 3, alínea c) e 430.º n.º 1 ambos do CPP.

XIV - Já quanto à matéria de facto dada domo provada nos pontos 57 e 58 entende o recorrente que da prova produzida e vertida em sede de audiência de julgamento apenas era possível obter posição diversa.

XV - A mera posse do produto estupefaciente, de per si, não pode consubstanciar a atividade de tráfico de estupefacientes.

XVI - Os próprios depoimentos dos agentes YY, ZZ e AAA envolvidos na detenção são contraditórios entre si, não se chegando a perceber quantas pessoas em concreto estavam no local, quantas eram consumidores e quem era o vendedor.

(Cf. prova gravada ficheiro de áudio n.º 2021021...., 20210208... e 20210208....)

XVII - Ocorrendo manifesto vício constante no artigo 410.º n.º 2 alíneas a) e b), dado os factos entrarem em contradição entre si, conjugados com as mais elementares regras da experiência comum e do normal acontecer. Sempre, sem prescindir,

XVIII - Os factos n.º 14 e 15 foram erroneamente dados como provados.

XIX - Da prova produzida e constante dos presentes autos e ainda que conjugada com o teor das transcrições das aludidas interceções se verificam que, forçosamente, decisão inversa haveria de ser aplicada. (Cfr. Anexo de transcrições)

XX - Salvo o devido respeito, o tribunal a quo não poderia partir de uma transcrição meramente casual em busca de variadas interpretações.

XXI - As aludidas interceções telefónicas são absolutamente inócuas no seu conteúdo, distando no tempo entre si, e mais não sendo do que a mera combinação de encontros.

XXII - Existiu erro notório na apreciação da prova, em violação da alínea c), do n.º 2 do Art.º 410.º do CPP ao dar como provado os pontos n.º 14 e 15 da matéria assente na medida em que, pelos padrões de normalidade do homem medio, das transcrições existentes não é possível estabelecer uma ligação, ainda que ténue, com a atividade do tráfico de estupefacientes.

XXIII - O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo na medida em que este, salvo o devido respeito, extravasa, e de que maneira o princípio estatuído no Art.º 32.º da CRP, pelo qual, perante a dúvida razoável, o Tribunal tenderá por decidir no sentido mais favorável ao Arguido.

XXIV - Entende o arguido, que as expressões utilizadas nos pontos, 10, 23, 25 e 28 são genéricas, concretamente “quantidade não apurada”.

XXV - Sendo por isso manifestamente inviabilizadoras de um pleno contraditório e por isso violadoras do disposto no artigo 32º nº 1,2 e 5 da C.R.P. Igual modo,

XXVI - É imputado ao recorrente um papel central e nuclear na atividade do tráfico de estupefacientes em crise nos presentes autos, pese embora, na realidade, só já numa fase bem avançada investigação é que o arguido nela é parte

XXVII - Sem mais fundamentação que o justifique, o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo atribui ao recorrente um papel na cúpula do grupo criminoso,

XXVIII - Quando na verdade, e no limite, este apenas seria uma mera “roda dentada” num mecanismo já de per si organizado e estruturado, como resulta das próprias palavras do Sr. Agente Principal PP. (Cf. prova gravada n.º áudio 20210125...)

XXIX - Os factos em apreço, por serem genéricos e inviabilizarem um pleno e efetivo direito ao contraditório, devem ser expurgados do Acórdão, e em consequência da diminuição dos factos que importem a responsabilização penal do aqui arguido, deve tal repercutir-se na medida concreta da pena a cominar,

XXX - Ao não apurar concretamente quais condutas/ações/comportamentos que permitam aferir ou juízo ou a conclusão pretendida, deve o tribunal a quo expurgar tal facto da fundamentação e da Motivação, devendo decidir a favor do Reo, sob pena de se violar o disposto no artigo 32.º n.º 1 da C.R.P. Bem assim,

XXXI - A medida da pena cominada é manifestamente excessiva, e porquanto violadora do disposto no artigo 18.º n.º 2 da C.R.P.

XXXII - Entende o recorrente, que da prática dos factos que se apurou que o mesmo praticou, devia a sua conduta, face ao circunstancialismo, falta de sofisticação de meios, inexatidão de quantidades transacionadas, falta de elementos objetivos que permitam aflorar quer a intensidade da conduta dolosa, quer dos concretos proveitos obtidos, se deveria enquadra a conduta do arguido no artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro ao invés da prática de um crime do artigo 21.º do suprarreferido diploma,

XXXIII - Na falta de concretas condutas que se possam imputar ao arguido, o meio e as circunstâncias como foi desenvolvida a atividade (através de venda direta), a falta de sofisticação de meios, deve convolar-se o crime imputado num crime de tráfico de menor gravidade p. e. p pelo artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de janeiro.

XXXIV - Denote-se que desempenhou a atividade ilícita de forma exposta, através de venda direta na rua, assumindo um papel secundário na ação ilícita praticada.

XXXV - Termos em que, enquadrando a conduta do recorrente no supramencionado artigo, deve a concreta medida da pena ser diminuída no seu quantum.

XXXVI - A reincidência depende da verificação de requisitos formais e de um requisito material (subjectivo).

XXXVII - Aos requisitos formais acresce então o requisito subjetivo: isto é, tendo em conta as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

XXXVIII - Objetivamente, no caso sub judice os requisitos formais da aplicação da reincidência encontram-se verificados, uma vez que o ora Recorrente foi condenado no processo n.º 480/05...., da ... Vara Criminal do ... e no processo n.º 2/10...., da ... Vara Criminal, respetivamente pela prática, em 12/12/2005, de um crime de roubo simples e pela prática, em 14/01/2010, tráfico de estupefacientes, nas penas de 18 (dezoito) meses de prisão (suspensa) e 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, também respetivamente.

XXXIX - Foi ainda condenado, no âmbito do processo n.º 246/07...., da ... Vara Criminal do ..., pela prática em 30/04/2009 de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva.

XL - Foram cumuladas as penas parcelares impostas nos três processos supra id., sendo o Arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado em 16/03/2011.

XLI - Esteve ininterruptamente preso desde 18 de outubro de 2010 e 15 de junho de 2016, data em que foi restituído à liberdade, ainda que sob a forma condicional, até ao seu termo, que ocorreu na data de 14/05/2016.

XLII - O último crime cometido pelo arguido foi em 14 de janeiro de 2010, tendo sido condenado pela prática de crime de trafico de estupefacientes na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva.

XLIII - A introdução deste requisito subjetivo, tornou evidente que não basta a prática pelo agente de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 6 meses, antes de terem decorrido 5 anos da prática de um outro crime doloso também ele punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses e cuja condenação tenha transitado em julgado.

XLIV - In casu, não se nega a existência de crimes reiterados, mas tal não implica a conclusão automática de que àquele que repete o mesmo crime deve ser aplicada a moldura da reincidência. Como referimos nas palavras de Figueiredo Dias, podemos estar perante causas de degradação económica, dificuldade em encontrar emprego, a experiência criminógena da prisão ou outras que impeçam o agente de retomar uma vida conforme ao direito sem que isso implique considerações desfavoráveis sobre a sua personalidade.

XLV - Neste âmbito defendemos tal como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que: “Este Elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime.” (...)

XLVI - A aplicação de uma pena, seja ela privativa da liberdade ou não, importa sempre o calcorrear de um raciocínio lógico-dedutivo, por forma a aplicar uma pena que seja justa, proporcional, adequada e necessária à culpa do agente.

XLVII - Desta feita, o artigo 70.º do Código Penal estabelece que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

XLVIII - Segundo o Conselheiro MAIA GONÇALVES esta norma consubstancia “o critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa ou pena não privativa de liberdade, e traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via.” (Cf. Código Penal Português Anotado e Comentado, anotação do Art. 70.º, Almedina, pág. 240)

XLIX - Assim, a pena de prisão será sempre a ultima ratio que o julgador poderá lançar mão para aplicar a pena. A pena não privativa da liberdade deverá ser a preferida sempre que esta puder realizar a recuperação social do delinquente e as particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de pena privativa da liberdade. Assim, podemos falar num princípio da prevalência das penas não privativas da liberdade.

L - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

LI - O recorrente praticou parcialmente os factos aqui em apreço, tendo necessariamente de ser responsabilizado por isso, contudo, o arguido desempenhou um papel menor, mormente, já numa fase final dos quase 3 (três) anos de investigação, efetuou vendas para terceiros, não sendo a sua intervenção nuclear ou essencial na atividade que se desenvolveu, uma vez que resulta inclusive dos autos, que foi substituído por outros elementos.

LII - Alguns dos factos que lhe foram imputados, não traduzem qualquer ilicitude, uma vez que pese embora tenha estado no local onde decorreu a venda de produto estupefaciente, não se apurou concretamente o que lá foi fazer, o que disse, com quem falou, se comprou algum produto estupefaciente ou qualquer ato que importe responsabilidade criminal,

LIII - Entende-se que uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, requer a V. Ex.as se dignem:

- dar provimento ao presente Recurso e em consequência revogar o douto Acórdão ora recorrido;

- reapreciar a prova gravada;

- aplicar ao arguido uma pena de prisão em limite não superior a cinco anos de prisão, ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui Recorrente uma pena justa, proporcional e adequada, sendo que só assim se fará A expetável JUSTIÇA!!”

Do âmbito do recurso

10. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (conforme o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, que agora se deve restringir aos recursos de acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da relação, por força das alterações ao n.º 1 do artigo 432.º do CPP introduzidas pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Nos termos do disposto nos artigos 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos citados n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

Mostram-se satisfeitos os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do CPP, correspondentemente aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer dos vícios de decisão a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais, na previsão deste preceito, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e não ocorrem nulidades não sanadas que devam ser conhecidas.

11. Como tem sido insistentemente repetido, os recursos, enquanto “remédios jurídicos”, não têm por finalidade uma reapreciação do caso decidido na instância de julgamento e, em consequência, a obtenção de uma nova decisão que conheça do objeto do processo e que, em caso de aplicação de uma pena, substitua a sentença condenatória recorrida sujeita aos deveres de fundamentação diretamente impostos pelos artigos 374.º e 379.º do CPP, disposições que são aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso, com as adaptações devidas (“correspondentemente”, na formulação do n.º 4 do artigo 425.º do CPP).

A reapreciação da sentença condenatória por um tribunal superior, por via de recurso do arguido, visa apenas garantir, nos termos da Constituição (artigo 32.º, n.º 1), o direito de apreciação de alegados erros ou vícios dessa sentença, que devem ser identificados pelo recorrente em satisfação do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º do CPP, nos termos aí previstos, que, como já se afirmou, delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso. Uma decisão proferida em recurso tem por objeto a decisão recorrida; não tem por objeto imediato o objeto do processo. Daí que as exigências de fundamentação impostas pelos artigos 374.º e 379.º careçam de adaptação. Como se diz no acórdão de 21.2.2007, proc. 06P3932 (Oliveira Mendes), em www.dgsi.pt, “as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art. 374.°, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379.°, ex vi art. 425.°, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância (o que bem se percebe, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo). Com efeito, os recursos não têm por finalidade a prolação de uma segunda ou nova decisão. Antes e tão só a sindicação da já proferida. Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado; e caso entenda que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso”.

12. Nos presentes recursos, os arguidos vêm, em síntese, suscitar as seguintes questões:

a) O arguido AA:

(1) violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus, por entender que o tribunal da Relação não podia ter-lhe aplicado pena superior à que foi aplicada pelo tribunal da 1.ª instância” (conclusões IV e V);

(2) qualificação jurídica dos factos: diferentemente do decidido em 1.ª instância, não se pode concluir dos factos provados, como concluiu o tribunal da Relação, que os arguidos atuaram em bando, ou seja, pela verificação da circunstância qualificativa prevista na al. j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo que, afirma, não assiste razão ao Ministério Público que, no recurso perante a Relação, quanto a esta questão, invocou que o acórdão da 1.ª instância evidenciava o vício de erro notório na apreciação da prova (conclusões VI a XI);

(3) determinação da medida da pena, que considera excessiva, alegando que o tribunal da Relação não ponderou devidamente as suas condições pessoais (condições sócio-económicas e familiares), que a pena não se mostra justificada pelas necessidades de prevenção e que, por estas razões, a pena não pode ser superior a seis anos de prisão (conclusões XII a XX).

b) O arguido CC:

(1) como “questão prévia”: alega que a decisão do tribunal da Relação que alterou o ponto 25 da matéria de facto provada “é incompreensível”, “devendo tal matéria ser ora analisada ou reenviado o processo para que o tribunal a quo possa proferir decisão sob esta matéria, sob pena de não existir um verdadeiro contraditório, violando-se assim o disposto no artigo 32.º n.º 5 da C.R.P, na medida em que ficou prejudicado um pleno e efetivo contraditório, mormente que ficou o direito ao recurso nessa concreta matéria” (conclusão 1);

(2) violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus”, por entender que, “ainda que se venha a manter a decisão do tribunal da Relação”, que alterou a qualificação jurídica dos factos, por ter concluído que se verifica a atuação em bando [al. j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93], a pena que lhe foi aplicada em 1.ª instância “não pode ser agravada, uma vez que, pese embora se tenha procedido à alteração da qualificativa jurídica pugnada pelo M.P (e a mesma vise em abstrato um agravamento das penas a cominar), não foi pedido expressamente o agravamento das penas cominadas no que à sua situação em concreto se reporta” (conclusões 4 a 7);

(3) qualificação jurídica dos factos, por entender que não estão verificados “os pressupostos materiais para a verificação da qualificativa agravante do artigo 24.º alínea j) do DL 15/93 de 22 de janeiro” (conclusões 8 a 10);

(4) determinação da medida da pena, que considera excessiva, por entender que não devem ser considerados factos genéricos dados como provados, que devem ser “expurgados” (conclusão 8), que, “ainda que se inaltere a factualidade dada como provada”, não foram adequadamente consideradas as suas condições pessoais, que já decorreram quase três anos desde a prática dos factos, que” modificou completamente o seu estilo de vida” (conclusão 11), que “foi expurgado um ponto (facto 25), que importava a culpa do arguido e tal não se verteu na medida da pena a cominar” (conclusão 12), e que, não sendo de considerar a qualificativa da al. j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, e sendo alterado o ponto 25 da matéria de facto provada (conclusão 13), deve ser aplicada uma pena de prisão não superior a cinco anos (conclusões 8 e 11 a 15).

c) O arguido DD:

(1) vício da contradição insanável da fundamentação (al, b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP), que “invoca, com as consequências legais previstas no n.º 1 do artigo 426.º do mesmo diploma” (reenvio do processo para novo julgamento, se não for possível o seu suprimento), alegando que “os relatórios de vigilância e reportagens fotográficas indicados na matéria de facto assente no acórdão, não correspondem aos relatórios de vigilância e reportagens fotográficas indicados na fundamentação da convicção do tribunal sobre a mesma matéria de facto” e que , retirando-se do acórdão “que assumia papel de vendedor no seio da organização”, essa afirmação “é contraditória com a matéria assente no acórdão, do qual se retira que o arguido não procedia à venda direta” (conclusões 1 a 3);

(2) qualificação jurídica dos factos: considera que deveria ter-lhe sido imputada a prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (conclusões 4 a 10);

(3) determinação da medida da pena: na consideração da menor ilicitude dos factos e das condições pessoais pugna pela redução da pena para medida não superior a 3 anos de prisão e, não sendo alterada a qualificação jurídica dos factos no sentido que pretende, pela redução da pena para medida não superior a 4 anos de prisão, em qualquer caso com suspensão de execução (conclusões 8, 9, 11 e 12 e final).

d) O arguido II:

(1) violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus”, por entender que, no recurso que interpôs do acórdão da 1.ª instância, o Ministério Público se limitou à alteração da qualificação jurídica, para crime mais grave, mas “não peticionou pela agravação da pena” (conclusões III a VII);

(2) pretende que sejam “expurgados” dos factos provados nos pontos 10, 23, 25 e 28 “expressões genéricas” como “quantidade não apurada”, que, em seu entender, inviabilizaram o contraditório, em violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, por, perante uma dúvida razoável, terem sido considerados contra si (conclusão VIII), e que sejam extraídas as consequências dessa alteração da matéria de facto, com redução da medida da pena aplicada, pois que, “no limite, apenas seria uma mera “roda dentada” num mecanismo já de per si organizado e estruturado, como resulta das próprias palavras do Sr. Agente Principal PP. (Cf. prova gravada n.º áudio 20210125...)” (conclusões VIII a XV);

(3) qualificação jurídica dos factos: considera que “face ao circunstancialismo, falta de sofisticação de meios, inexatidão de quantidades transacionadas, falta de elementos objetivos que permitam aflorar quer a intensidade da conduta dolosa, quer dos concretos proveitos obtidos”, a sua conduta se reconduz à prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e. p. pelo artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro (conclusões XVII e XVIII);

(4) determinação da medida da pena: considera que a pena é excessiva e que, em consequência da nova qualificação jurídica dos factos como crime de tráfico de menor gravidade, e da não consideração da reincidência, a medida da pena deve ser reduzida para medida inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução ou ser-lhe aplicada pena não privativa da liberdade (conclusões XVI a XX e XXXII a XXXVIII);

(5) quanto à reincidência: aceita que se verificam os requisitos formais da reincidência (condenações), mas diz que não ocorre oi requisito subjetivo, isto é, que “o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime” (conclusões XXI a XXX).

Quanto à “questão prévia” suscitada pelo recorrente CC [supra, 12., b) (1)]

13. Estão em causa os pontos 10, 23, 25 e 28 da matéria de facto dada como provada, sendo que o ponto 25 foi alterado pelo acórdão recorrido (como se vê da motivação do recurso).

No recurso do acórdão da 1.ª instância, que interpôs para a Relação (cfr. ponto 1.2.4 do acórdão recorrido), o arguido impugnou a matéria de facto, por considerar incorretamente julgado o ponto 25, indicando as provas que deveriam ser consideradas, e alegou os vícios das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, de que, a seu ver, padecia a decisão recorrida (cfr. conclusões do recurso para o tribunal da Relação, supra).

O tribunal da Relação indeferiu a requerida renovação da prova “por não se ter reconhecido a existência de qualquer vício subsumível a alguma das alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP” (ponto 2.2.3.1. do acórdão recorrido).

Mas conheceu da impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º do CPP, e alterou o ponto 25 dos factos provados, eliminando a referência à participação do recorrente nesse facto (ponto 2.2.3.1).

Assim, onde anteriormente se lia “No dia 12.10.2017, entre as 17.00h e as 18.40h, os arguidos BB, CC e DD e o falecido QQ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente (…)”, passou a ler-se “No dia 12.10.2017, entre as 17.00h e as 18.40h, os arguidos BB, DD e o falecido QQ, de comum acordo e em conjugação de esforços, organizaram a venda de cocaína e heroína no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente (…)”.

14. No recurso para a Relação, o arguido também arguiu vícios do acórdão da 1.ª instância e impugnou a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 10, 23 e 28 (como se vê do texto do acórdão recorrido, que transcreve as conclusões do recurso).

O tribunal da Relação não identificou qualquer vício, nesta parte, e indeferiu a requerida renovação da prova. E, conhecendo da impugnação da matéria de facto, reapreciou as provas e concluiu que “não vislumbramos, pois, fundamento para que se imponha decisão diversa da recorrida, relativamente aos pontos 10., 23. e 28. dos factos dados como provados na decisão recorrida” (ponto 2.2.3.1).

Em consequência do que julgou improcedente a impugnação da decisão de facto [dispositivo do acórdão, al. c)].

15. No presente recurso, o arguido vem reeditar os argumentos e pretensões do recurso que apresentou perante a Relação, quanto aos vícios da decisão recorrida, fazendo-o com referência ao acórdão da 1.ª instância.

Diz o recorrente que “o tribunal (,,,) não desenvolveu um esforço intelectual como se impunha por dever de ofício, devendo tal matéria ser ora analisada ou reenviado o processo para que o tribunal a quo possa proferir decisão sob esta matéria, sob pena de não existir um verdadeiro contraditório, violando-se assim o disposto no artigo 32.º n.º 5 da C.R.P, na medida em que ficou prejudicado um pleno e efetivo contraditório, mormente por prejudicado que ficou o direito ao recurso nessa concreta matéria.

Como já se referiu, nos termos do artigo 434.º do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”, que dizem respeito aos recursos de decisões das relações proferidas em 1.ª instância e aos recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, que, por força desta alteração legislativa, passam a admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”.

Não sendo o caso, pois que se trata de recurso de acórdão da relação proferido em recurso, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, conforme jurisprudência firme deste tribunal, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º – em que se incluem os vícios da decisão recorrida cujo suprimento pode fundar uma decisão de reenvio, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento oficioso destes vícios em vista da boa decisão de direito, que possa prejudicada ou afetada pela sua subsistência.

Acresce que, no presente recurso, o arguido vem reeditar os argumentos e pretensões do recurso que apresentou perante a Relação, quanto ao vício da decisão recorrida, com referência ao acórdão da 1.ª instância, não invocando qualquer vício do acórdão da Relação, nomeadamente por integração, nos seus fundamentos, dos fundamentos da decisão da 1.ª instância. O presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas, recorde-se, um recurso do acórdão da relação, que conheceu daquele recurso.

Nesta conformidade, o recurso deve ser rejeitado nesta parte, por a decisão não admitir recurso [artigo 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP].

Quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação invocado pelo recorrente DD [supra, 12., c) (1)]

16. Recordando as conclusões do recurso, nesta parte, diz o recorrente:

1. Verifica-se a existência do vício da contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal (C.P.P), o que se invoca, com as consequências legais previstas no n.º 1 do artigo 426.º do mesmo diploma.

2. Os Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na matéria de facto assente no acórdão, não correspondem aos Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na fundamentação da convicção do Tribunal sobre a mesma matéria de facto, havendo, por conseguinte, contradição insanável da fundamentação.

3. A matéria de facto assente no acórdão, da qual se retira que o recorrente assumia papel de vendedor no seio da organização é contraditória com a matéria assente no acórdão, do qual se retira que o arguido não procedia à venda direta, o que representa contradição insanável da fundamentação; pode ler-se que o arguido DD se deslocava “(…) às habitações no bairro onde os estupefacientes eram guardados (casas de recuo,) a fim de, controlar e entregar, a cocaína e heroína aos indivíduos que procediam à venda direta”.

Como se pode ver do ponto 1.2.6. do acórdão recorrido, estas conclusões repetem, nos seus precisos termos, as conclusões do recurso que apresentou perante o tribunal da Relação (conclusões 1 a 3).

17. O tribunal da Relação conheceu e decidiu desta questão nos seguintes termos:

“2.2.5. Do recurso interposto pelo arguido DD

2.2.5.1. Da contradição insanável da fundamentação

Conclui o recorrente, nesta parte do recurso, que, relativamente aos factos dados como provados nos pontos 23., 24. e 25., “os Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na matéria de facto assente do acórdão não correspondem aos Relatórios de Vigilância e Reportagens Fotográficas indicados na fundamentação da convicção do Tribunal sobre a mesma matéria de facto, havendo, por conseguinte, contradição insanável da fundamentação.” Por outro lado, continua o recorrente, também relativamente ao pondo 10. se pode concluir que o recorrente “não procedia à venda direta, apenas tinha como função

ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância.”

Ora, sendo assim, entende o recorrente que tal facto está em contradição com os que resultam dos pontos 23. e 25., nos quais o Tribunal deu como provado que procedia à venda de produto estupefaciente.

Analisada a factualidade invocada, bem como a fundamentação que a sustenta, não vemos onde possa existir uma insanável contradição da mesma, com o sentido e alcance dados pelo art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

No primeiro caso, por ser patente o lapso cometido pelo Tribunal recorrido, ao indicar, acertadamente, como meios de prova, logo a seguir à descrição dos factos dados como provados nos pontos 23., 24. e 25., os relatórios e reportagens fotográficas que os sustentavam, que correspondem exatamente ao conteúdo da fundamentação expressa na motivação da decisão de facto, e com uma meridiana clareza, mas com um claro e manifesto lapso na referência tópica à numeração dos factos aí referidos, resultando com meridiana evidência que aos pontos 22., 23., e 24., referidos na motivação, a fundamentação se refere afinal aos 23., 24, e 25.. Lapso de numeração que vem detrás e é sequencial a toda a decisão. Ou seja, a referência aí feita ao facto 21. respeita afinal ao facto 22., e a feita ao 22. é, na verdade ao 23., a que atine, e assim sucessivamente, culminando com a referência aos factos 58., 59. e 60. (“Relativamente aos pontos 58., 59. e 60.”), que na verdade se refere aos pontos 59., 60. e 61.

Razão por que a contradição invocada pelo recorrente é meramente aparente, assente num lapso de escrita, não sendo por isso verdadeira e muito menos insanável para que gerasse a aplicação do art.º 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, que para a verificação do vício aí previsto, impõe, não só a existência de uma contradição que seja efetiva, mas também que a mesma resulte insanável com base no próprio texto da decisão, ao estabelecer que, “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

(…)

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;”

Pressupostos esses que, como acabámos de ver, se não verificam no caso dos autos.

Finalmente, não vemos onde possa haver contradição entre o que resulta do ponto 10. dos factos provados, quando aí se diz que o ora recorrente e os arguidos aí identificados se deslocavam “às habitações no bairro onde os estupefacientes eram guardados (casas de recuo) a fim de controlar e entregar a cocaína e heroína aos indivíduos que procediam à venda direta”, e de nos pontos 23. e 25. se ter dado como provado que no dia 25.09.2017, entre as 17.34h e as 18.15h, o recorrente, juntamente com os arguidos AA e CC, organizou a venda de estupefaciente no Bairro ..., entre o Bloco ... e um armazém de recolha de lixo ali existente, “enquanto o arguido CC distribuiu no terreno os três vigilantes, o arguido KK e dois indivíduos não identificados, o arguido AA orientou o arguido DD como vendedor, os arguidos venderam cocaína e heroína, em quantidades não apuradas, a 40 indivíduos que aguardavam o início da venda.” Porquanto só se do ponto 10. constasse o que o recorrente alega, isto é, que o mesmo “não procedia à venda direta” é que existira uma tal contradição. Mas uma tal proposição negativa não consta da factualidade provada, nem dela é possível ser deduzida.

As mesmas considerações são válidas para a contradição que o recorrente subjetivamente pretende ver apoiadas entre os pontos 10. e o 25. dos factos provados.

Irá, portanto, nesta parte, ser negado provimento ao recurso.

Considerando, por outro lado, o lapso manifesto constante da fundamentação recorrida, já acima referido, de harmonia com o disposto no art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do CPP, irá determinar-se a retificação de tal lapso, de modo que, no texto da motivação da decisão de facto, onde consta “Relativamente aos factos provados no ponto 21”, passe a constar:

“Relativamente aos factos provados no ponto 22”. E assim sucessivamente (…).”

18. Como anteriormente se referiu, nos termos do artigo 434.º do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, que dizem respeito aos recursos de decisões das relações proferidas em 1.ª instância e aos recursos de acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, que, por força desta alteração legislativa, passam a admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”. Não sendo o caso, pois que se trata de recurso de acórdão da relação proferido em recurso, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, conforme jurisprudência firme deste tribunal, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º – em que se inclui o alegado vício de contradição insanável da fundamentação –, sem prejuízo do seu conhecimento oficioso em vista da boa decisão de direito, que possa ser prejudicada ou afetada pela sua subsistência. Sendo que, como se referiu, vista a decisão recorrida, não se encontra fundamento que permita identificar este vício ou outro.

Acresce que, no presente recurso, o arguido vem reeditar os argumentos e pretensões do recurso que apresentou perante a Relação, quanto ao vício da decisão recorrida, com referência ao acórdão da 1.ª instância, não fazendo referência nem invocando qualquer vício do acórdão da Relação, nomeadamente por integração, nos seus fundamentos, dos fundamentos da decisão da 1.ª instância. O presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas, recorde-se, um recurso do acórdão da relação, que conheceu daquele recurso.

Nesta conformidade, o recurso deve ser rejeitado nesta parte, por a decisão não admitir recurso [artigo 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP].

Quanto à pretendida alteração dos factos provados – recursos dos arguidos CC [supra, 12., b) (4)] e II [supra, 12., d) (2)]

19. Embora referindo na motivação a presença de vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, o recorrente CC não os leva às conclusões, as quais, como se viu, delimitam as questões objeto do recurso, pelo que não tem este tribunal que se pronunciar sobre esta questão.

A final, a pretendida alteração da matéria de facto, com “expurgação” de factos que considera serem genéricos, é invocada apenas para efeitos da pretendida redução da medida da pena (conclusão 8).

Por sua vez, o arguido II invoca o uso de “expressões genéricas”, como “quantidade não apurada”, pretendendo também que estas sejam “expurgadas” dos factos provados nos pontos 10, 23, 25 e 28, por consideração, nomeadamente, de um depoimento prestado em audiência, e que, desta alteração, resulte uma diminuição da pena.

Estes recursos, embora na sua intencionalidade visem efeitos ao nível da determinação das penas, que os recorrentes questionam, dirigem-se diretamente à matéria de facto, ao estabelecimento dos factos a considerar para aqueles efeitos.

Para além disso, o arguido faz referência à violação do artigo 32.º da Constituição, por, em seu entender o tribunal a quo, perante uma “dúvida razoável”, ter decidido contra si (conclusão VIII), reproduzindo o que alegou perante o tribunal da Relação (conclusão XXIII), dirigido ao acórdão da 1.ª instância.  Esta alegação, que se traduz na invocação da violação do princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto (apreciação das provas), só podendo o Supremo Tribunal de Justiça dela conhecer – como se tem afirmado (por todos, o acórdão de 27.5.2020, proc. 45/18.4JAGRD.C1.S1, ECLI:PT:STJ:2020:45.18.4JAGRD.C1.S1) – desde que se reconduza a um vício da decisão, da previsão do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, revelado pelo texto da decisão recorrida,

Ora, como já se referiu, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça limita-se ao conhecimento da matéria de direito (artigo 434.º do CPP), sendo da competência do Tribunal da Relação o conhecimento das questões de facto (artigo 428.º do CPP), que se encontram decididas.

Assim sendo, e sem prejuízo da consideração do que vem alegado no âmbito da determinação da pena (infra), não sendo admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação em matéria de facto, são os recursos rejeitados nesta parte [artigo 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 2, al. b), do CPP].

Em consequência, fica o conhecimento do recurso limitada às questões de direito suscitadas no recurso, que seguidamente se apreciam.

Quanto à qualificação jurídica dos factos: tráfico de menor gravidade – recursos dos arguidos DD [supra,12., c) (2)] e II [supra,12., d) (3)]

a) Recurso do arguido DD

20. O arguido DD foi condenado, em 1.ª instância, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva.

Discordando da condenação, recorreu para o tribunal da Relação, alegando que, atentas as circunstâncias relevantes para a determinação do grau de ilicitude do facto, não poderia ser condenado pela prática do crime de tráfico da previsão do artigo 21.º, pois que a sua conduta se compreende na previsão do crime de tráfico de menor gravidade constante do artigo 25.º do mesmo diploma.

Porém, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal da Relação condenou-o como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j) [atuação como membro de um bando], do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

21. O tribunal da Relação apreciou e decidiu a questão nos seguintes termos:

“2.2.5.2. Da subsunção jurídica dos factos ao tipo-de-ilícito previsto no art.º 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, tráfico de menor gravidade.

Neste segmento do recurso, diz o recorrente que lhe deveria ser imputada a prática do crime do artigo 25.º, e não a do artigo 21º. Tanto mais “que o Tribunal considerou, atentas as respetivas especificidades no tocante ao indicador de ilicitude, que os atos praticados pelos arguidos KK, LL, MM, NN e OO, eram enquadráveis na previsão de tráfico de menor gravidade do artigo 25.º, por considerar que era um “modus operandi” simples, com recurso a meios sem qualquer sofisticação, que os arguidos procederam à venda direta de doses individuais de cocaína e heroína e/ou, serviram como vigilantes”. E comparando os factos a sim imputados com os que foram imputados ao arguido KK, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33 e 36, conclui que os mesmos são de maior extensão e gravidade que os imputados ao recorrente.

No âmbito do conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido BBB, no ponto 2.2.3.2., já nos pronunciámos sobre os critérios fáctico-jurídicos determinantes da aplicação do tipo-de-ilícito privilegiado, tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL n.º 15/93, cujos termos damos aqui por reproduzidos.

Em síntese do que aí foi já dito, podemos novamente sublinhar que os fatores a ter em conta, tendo em vista a ponderação da considerável diminuição da ilicitude, serão nomeadamente a quantidade e qualidade da droga traficada, os termos em que concretamente o tráfico é concretizado, a dimensão da atividade e dos lucros obtidos, a relevância que os mesmos possam ter no modo de vida do agente, a relação que este possa ou não ter com o consumo de estupefacientes, o modo de execução e a sua posição no circuito do tráfico, número de destinatários, etc.. Devendo proceder-se sempre e em qualquer caso a uma “avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação” [citando, em nota, o acórdão do STJ, de 23/11/2011, P.º 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pt/jstj].

Ora, como se diz no Ac. do STJ, de 20/12/2007, “’a modalidade e as circunstâncias da ação’ (no quadro de uma organização assemelhável a um ‘bando’) denegam, definitivamente, a ‘considerável diminuição da ilicitude’ de que o art.º 25.º do DL 15/93 faz depender a qualificação de determinado tráfico de drogas ilícitas como de ‘menor gravidade’” [Proc.º n.º 07P3168, in www.dgsi.pt, citado em nota].

E também como se diz no acórdão no Ac. do STJ, de 12/03/2015, já anteriormente citado: “De um ponto de vista empírico o tráfico de menor gravidade é, como o nome sugere, um tráfico de reduzida, pequena, diminuta danosidade social, com escassa ressonância ético-jurídica produtor de uma impressão juridicamente abaladora, limitadamente apenas à fímbria da norma de estatuição e de punição” [Proc.º 7/10.OPEBJA .S1, in www.dgsi.pt, citado em nota]

Seria assim com muitas dificuldades que veríamos a possibilidade de enquadrar os factos descritos nos autos, de que o recorrente foi autor, no tipo-de-ilícito do art.º 25.º do DL n.º 15/93, porquanto a imagem global que deles se extrai tal não permite.

Da factualidade dada como provada resulta que o ora recorrente, em várias ocasiões, assumiu um papel ativo na organização da atividade de tráfico no terreno, juntamente com os outros arguidos, posicionando vigilantes e vendedores, ora entregando a cocaína para ser vendida a quem no terreno a vendia, ora vendendo o recorrente, ele mesmo, ora sendo ele quem também se ia abastecer de cocaína e heroína na casa 31, para ser vendida, resultando na venda de produto estupefaciente a 23 indivíduos – pontos 23, 24, 25 e 26 dos factos provados, redundando tal atividade, levada a cabo nos dias 25/09/2017, 28.09.2017, 12.10.2017 e 18.10.2017, em vendas de droga a pelo menos 81 indivíduos.

Por outro lado, a quantidade e a qualidade, da droga que veio a ser apreendida na residência dos arguidos EE e FF, assim como o tráfico que foi sendo realizado num contexto de grupo organizado, no qual o recorrente se colocou várias vezes no papel de organizador da atividade desenvolvida, revelam bem a perigosidade e ofensividade para o bem jurídico protegido que a mesma concretamente representou.

Ora, tudo isto, e designadamente a reiteração da atividade delitual, afasta a possibilidade de, ao nível da ilicitude, se dizer que estamos perante tráfico de menor gravidade, porquanto, além de não se demonstrar que a ilicitude do facto é diminuída muito menos poderemos dizer que a mesma se mostra consideravelmente diminuída, como o exige o art.º 25.º do DL n.º 15/93.

Finalmente, a comparação que pretende fazer com o caso do arguido KK é infundada, desde logo porque dos factos dados como provados nos pontos 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33 e 36 resulta que aquele arguido teve um papel mais limitado na sua atuação, e embora também coordenasse no terreno a atividade, acabou por também fazer vendas diretas, sendo que a mais das vezes foi um mero vigilante ou um mero vendedor, enquanto o recorrente, além dessas funções, foi quem, pelo menos por duas vezes se abasteceu de cocaína e heroína e a distribuiu pelos vendedores, e recolheu dinheiro que resultava das vendas efetuadas, sendo que o outro arguido, mesmo quando foi visto a ter atitudes de organização no terreno, nomeadamente de orientação aos vigilantes, a verdade é que de seguida assumiu o mero papel de vendedor direto, de rua.

Sendo assim diversa a factualidade relativamente a um e outro arguido, não vemos onde possa ter havido um tratamento desigual e muito menos que a ilicitude dos comportamentos levados a cabo pelo ora recorrente passasse a ser vista como consideravelmente diminuída.

Razão por que, nesta parte, irá também ser negado provimento ao recurso.”

22. As conclusões do recurso do arguido para o Supremo Tribunal de Justiça reproduzem, de forma literalmente coincidente (pontos 4 a 10), as do recurso perante a Relação.

23. Como se extrai da fundamentação do acórdão da Relação, que remete para a matéria de facto provada, a atividade do arguido não se limitou, como este afirma, à “participação em quatro circunstâncias apenas, conforme se refletiu na matéria de facto provada”, “durante o período de cerca de 3 anos em que durou a atividade de tráfico de estupefacientes (de 19 de setembro de 2017 a 19 de fevereiro de 2020)”, nem, contrariamente ao alegado, se pode concluir que o arguido “não assumia no seio da organização da atividade de tráfico uma posição de relevância, uma vez que o seu papel se resumia a ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância, ou seja, era um simples “pau mandado”, que agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas” ou que se tratava “da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor, que não gerou lucros avultados para os arguidos, facto que ficou demonstrado na condição sócio económica dos mesmos, descrita na matéria de facto provada.”

Como fundadamente se afirma no acórdão recorrido, “da factualidade dada como provada resulta que o ora recorrente, em várias ocasiões, assumiu um papel ativo na organização da atividade de tráfico no terreno, juntamente com os outros arguidos, posicionando vigilantes e vendedores, ora entregando a cocaína para ser vendida a quem no terreno a vendia, ora vendendo o recorrente, ele mesmo, ora sendo ele quem também se ia abastecer de cocaína e heroína na casa 31, para ser vendida, resultando na venda de produto estupefaciente a 23 indivíduos – pontos 23, 24, 25 e 26 dos factos provados, redundando tal atividade, levada a cabo nos dias 25/09/2017, 28.09.2017, 12.10.2017 e 18.10.2017, em vendas de droga a pelo menos 81 indivíduos”. Em 25.9.2017, o arguido DD, como vendedor, orientado pelo arguido AA, numa ação organizada pelos arguidos AA e CC, agindo conjuntamente com estes e com o arguido KK e dois indivíduos não identificados, como vigilantes, participou na venda de cocaína e heroína a 40 indivíduos (ponto 23 da matéria de facto). Em 28.09.2017, conjuntamente com o arguido AA e QQ, organizou a venda de cocaína e heroína, entregando estes produtos a um vendedor não identificado e recolhendo o dinheiro das vendas a pelo menos 11 indivíduos, dinheiro que posteriormente entregou a QQ (ponto 24 da matéria de facto). No dia 12.10.2017, conjuntamente com os arguidos BB, DD e QQ, organizou a venda de cocaína e heroína a pelo menos 30 indivíduos (ponto 25 da matéria de facto). No dia 18.10.2017, conjuntamente com QQ e os arguidos AA e BB, organizou a venda de cocaína e heroína, de que, conjuntamente com os arguidos AA e CC, e com a colaboração do arguido EE, se abasteceu.

b) Recurso do arguido II

24. O arguido II foi condenado, em 1.ª instância, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Discordando da condenação, recorreu para o tribunal da Relação, alegando que, face ao circunstancialismo, falta de sofisticação de meios, inexatidão de quantidades transacionadas, falta de elementos objetivos que permitam aflorar quer a intensidade da conduta dolosa, quer dos concretos proveitos obtidos, e falta de concretas condutas que se possam imputar ao arguido, o meio e as circunstâncias como foi desenvolvida a atividade (através de venda direta), se deveria enquadrar a sua conduta no artigo 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, ao invés da prática de um crime do artigo 21.º do suprarreferido diploma,

Porém, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal da Relação condenou-o como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j) [atuação como membro de um bando], do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

25. O tribunal da Relação apreciou e decidiu a questão nos seguintes termos:

“2.2.7.3. Do enquadramento dos factos no tipo-de-ilícito de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01.

Damos aqui por reproduzidas as considerações sobre os pressupostos do preenchimento deste tipo de crime, já tecidas no âmbito do conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido CC, supra no ponto 2.2.3. 2..

Tendo em conta o ali referido e os factos dados como provados nos autos, somos levados a concluir que também em relação ao ora recorrente os mesmos apenas são subsumíveis ao crime de tráfico, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01 e não ao de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25.º do mesmo diploma.

Alega o recorrente que a “falta de sofisticação de meios, inexatidão de quantidades transacionadas, falta de elementos objetivos que permitam aflorar quer a intensidade da conduta dolosa, quer dos concretos proveitos obtidos, se deveria enquadrar a conduta do arguido no artigo 25.º do DL 15/93, de 22 de janeiro”. Acrescentando que desempenhou a atividade ilícita de forma exposta, através de venda direta na rua, assumindo um papel secundário na ação ilícita praticada.”

E ainda que “Nem pode relevar contra o Arguido o facto de o mesmo deter na sua residência cerca de 15g. de cocaína, para seu consumo.” Ademais porque “As quantias que foram apreendidas na sua residência, ainda que tivessem relevância para os autos em crise, o que não se concede, não estavam na sua disponibilidade. Outrossim, encontravam-se depositadas, dentro de um cofre fechado, do qual o recorrente não possuía a respetiva chave.”

Ou seja, não refere o arguido a recalcitrante persistência criminosa resultante, não só da circunstância de no dia 19/02/2020, após a situação de tráfico em que organizadamente interveio com outros arguidos, nos termos descritos no ponto 44., terem sido apreendidos na sua residência vários pedaços de cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 15,193, duas facas com vestígios de estupefaciente, uma embalagem com cocaína (cloridrato) com o peso liquido de 0,312 gramas, vários pedaços de canábis, (resina) como peso líquido de 1,759 gramas, uma embalagem contendo 9,686 gramas de bicarbonato de sódio, várias quantias em dinheiro em vários sítios das divisões da casa, a maior delas no valor de € 19.200,00, nos termos dados como provados no ponto 55., mas também pelo facto de, mesmo após a detenção e apreensões efetuadas, o arguido vir a traficar novamente heroína e cocaína, nos termos dados como provados nos ponto 57. e 58.. Vindo então a ser-lhe aprendida a quantia de € 60,00 (sessenta euros), vários pedaços de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 11,02 gramas e heroína com o peso líquido de 5,65 gramas, dividida em 48 doses heroína.

A factualidade acabada de descrever torna anódinas as razões que o recorrente invoca em abono da subsunção dos factos provados ao tipo de crime do art.º 25.º do DL 15/93, porquanto a mesma não permite, ao nível da ilicitude e da culpa, que são elevadas, dizer que estamos perante tráfico de menor gravidade, porquanto, não sendo possível concluir que a ilicitude e a culpa do facto são diminuídas muito menos poderemos afirmar que as mesmas se mostram consideravelmente diminuídas, como o exige o art.º 25.º do DL n.º 15/93.

Razão por que, nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.”

No ponto 2.2.3.2. (para que remete) diz o acórdão da Relação:

“Diz o art.º 21.º, n.º 1: [transcrição]

O bem jurídico protegido nos tipos-de-ilícito supra citados é a saúde pública, consumando-se o crime independentemente da efetiva lesão do bem jurídico protegido. Razão por que se trata de um crime de perigo abstrato, cuja consumação ocorre com a simples detenção, através de uma das formas que a conduta típica pode assumir, nos termos descritos na norma incriminadora – tipo objetivo – supra citada [citando o acórdão do STJ, de 29/05/2003, in CJ-ASTJ, Ano XI, Tomo II, p. 204 e segs.].

Por outro lado, o tipo subjetivo exige o dolo, numa das formas previstas no art.º 14.º do Código Penal – dolo direto, necessário ou eventual. Ou seja, que o agente tenha levado a cabo qualquer conduta objetivamente subsumível ao art.º 21.º, n.º 1, agindo com o conhecimento e vontade da sua realização, ou então que haja representado tal ou tais condutas como consequência necessária da sua ação, ou ainda, estando ciente da possibilidade de a sua conduta poder vir a integrar a previsão normativa do artigo citado, mesmo assim haja agido, admitindo-a e conformando-se com ela.

No tocante ao preenchimento do tipo-de-ilícito de tráfico de menor gravidade, diz o art.º 25.º: [transcrição].

Tendo em vista a ponderação da considerável diminuição da ilicitude, dever-se-á, entre outros fatores, atender à quantidade e qualidade da droga traficada, os termos em que concretamente esse tráfico é concretizado, a dimensão da atividade e dos lucros obtidos, a relevância que os mesmos possam ter no modo de vida do agente, a relação que este possa ou não ter com o consumo de estupefacientes, o modo de execução e a sua posição no circuito do tráfico, número de destinatários, etc.. Procedendo-se sempre, em qualquer caso, a uma “avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação” [acórdão do STJ, de 23/11/2011, P.º 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pt/jstj, citado em nota].

E, como também se refere no Ac. do STJ, de 12/03/2015: “De um ponto de vista empírico o tráfico de menor gravidade é, como o nome sugere, um tráfico de reduzida, pequena, diminuta danosidade social, com escassa ressonância ético-jurídica produtor de uma impressão juridicamente abaladora, limitadamente apenas à fímbria da norma de estatuição e de punição” [Proc.º 7/10.OPEBJA .S1, in www.dgsi.pt., citado em nota].

26. As conclusões do recurso do arguido para o Supremo Tribunal de Justiça (conclusões XI, XII, XIII, XVII e XVIII) reproduzem, nesta parte, de forma literalmente coincidente, as do recurso perante a Relação (conclusões XXVI, XXVII, XXVIII, XXXII e XXXIII).

Como se extrai da fundamentação do acórdão da Relação, que remete para a matéria de facto provada (pontos 44, 55, 57 e 58), o arguido agiu com “recalcitrante persistência criminosa”, que não permite fundar a conclusão que pretende quanto ao nível de diminuição da ilicitude. No dia 14.02.2020, organizou, conjuntamente com o arguido BB e CCC, a venda de cocaína e heroína, assumindo a posição de vendedor e os demais, para além de outros, a de vigilantes, tendo sido vendidos estes produtos a pelo menos seis pessoas (ponto 44). Na sua residência, para além de vários telemóveis e de facas com vestígios de estupefacientes, dinheiro e outros objetos, que provinham ou eram utilizados na atividade de venda de estupefacientes (pontos 62, 63, 64 e 65 da matéria de facto), possuía vários pedaços de cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 15, 193, 1 (uma) embalagem contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 0,312 gramas, 2 (duas) embalagens de um produto incolor com o peso bruto de 1,967 gramas, vários pedaços canábis (resina) com o peso líquido de 1,759 gramas (ponto 55 da matéria de facto). No dia 29 de abril de 2020, procedeu à venda de cocaína e heroína a três consumidores que o procuraram (ponto 57). Nesse dia tinha consigo, a quantia de € 60,00 (sessenta euros), vários pedaços de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 11,02 gramas e heroína com o peso líquido de 5,65 gramas, dividida em 48 doses (ponto 58).

c) Apreciação

27. Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Por sua vez, estabelece o artigo 25.º (tráfico de menor gravidade), al. a), do mesmo diploma:

“Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (…)”

As substâncias em causa – cocaína e heroína, incluem-se nas tabelas I-A e I-B anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93.

28. Retomando-se o que se afirmou no anterior acórdão de 19.1.2022 (Proc. n.º 8/19.2PEFAR.S1, em www.dgsi.pt), o artigo 25.º remete, assim, para a previsão do artigo 21.º, com adição de elementos respeitantes à ilicitude, que não à culpa, que atenuam a pena. A atenuação não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, em função de circunstâncias referidas exemplificativamente – “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”.

Como tem sido sublinhado (assim, por todos, o acórdão de 2.10.2014, proc. 45/12.8SWSLB.S1, www.dgsi.pt), o tipo de crime de tráfico de estupefacientes (artigo 21.º) “é um crime de perigo abstracto, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública”, que se realiza com a colocação em perigo do bem jurídico protegido. “O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” (Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 122).

A previsão legal do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de “maneira compreensiva” e de “largo espectro”. Como se tem afirmado, trata-se de um tipo plural, com atividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extração ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os atos têm entre si um denominador comum, que é a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação (neste sentido, reafirmando jurisprudência constante, para além de outros mais recentes, os acórdãos de 8.9.2021, proc. 17/19.1PESTR.E1.S1, de 23.9.2021, proc. 29/15.4PEVNG.S1, e de 11.11.2021, proc. 40/20.3PBRGR.S1.

A construção do crime de “tráfico de menor gravidade”, surgido na sequência da revisão da “lei da droga”, de 1993, que levou ao desaparecimento do anterior crime de “tráfico de quantidades diminutas” (cfr. Proposta de Lei n.º 32/VI, que deu origem à Lei n.º 27/92, de 31 de Agosto, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária à aprovação do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988), assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de “ilicitude consideravelmente diminuída”, com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da acção.

A disposição do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é usada pelo legislador “como uma espécie de válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal”, estando a sua aplicação “de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas a título exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros, se os houver”, salienta-se no acórdão deste tribunal de 2.6.1999 (proc. n.º 269/99).

A jurisprudência deste tribunal tem sublinhado a necessidade de uma “avaliação global do facto”, nas suas circunstâncias particulares, as quais, consideradas no seu conjunto, devem permitir afirmar, nomeadamente, que as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem (actividades que se incluem na definição do tipo de crime fundamental, da previsão do artigo 21.º), são reduzidas; que a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação, também deverá ser reduzida; que os meios utilizados, o modo e as circunstâncias da acção deverão ser simples, não planeados, não organizados (cfr. nomeadamente, os acórdãos de 28-05-2015, proc. n.º 421/14.1TAVIS.S1, de 28-10-2015, proc. n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1, de 18-02-2016, proc. n.º 35/14.6GAAMT.S1, de 25.10.2017, proc. 46/15.4PEFIG.S1, de 30.11.2017,  proc. 3466/11.0TALRA.C1.S3, de 12.2.2018, proc. 394/17.9T8PTM.S1, de 18.9.2018, proc. 8/15.1GGVNG.P1.S1, de 29.4.2020, proc. 388/18.7JAFAR.S1, bem como os acórdãos de 30-04-2008, no proc. 07P4723, de 23-11-2011, no proc. 127/09.3PEFUN.S1, e de 07-12-2011, no proc. 111/10.4PESTB.E1.S1, e abundante jurisprudência neles citada, sempre insistindo na necessidade de avaliação global da conduta).

Tudo confluindo para se concluir que só nestas circunstâncias do caso concreto se poderá afirmar que a ilicitude se revela não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, apreciável, substancial e claramente reduzida face ao desvalor das condutas que constituem elementos descritivos do tipo de crime do artigo 21.º, de modo a preencher a cláusula geral do artigo 25.º, que permite subtrair o caso à previsão daquele tipo fundamental por via da consideração daqueles factores da ilicitude de baixa intensidade.

A propósito destes factores, salienta-se que os “meios utilizados” hão-de reportar-se à organização e à logística de que o agente lançou mão, que quanto à “modalidade ou circunstâncias da acção” será de avaliar o grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias, que, quanto à “qualidade” das substâncias, não deve esquecer-se que a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social e que, quanto à “quantidade”, importa considerar o nível dos riscos de difusão, devendo a sua ponderação ser efectuada através de uma “apreciação complexiva, finalística, isto é, dirigida à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se objectivamente a ilicitude da acção é de relevo menor que a verificada”  no tipo fundamental (Lourenço Martins, loc. cit, p. 153; cfr., do mesmo autor, Medida da Pena, Finalidades e Escolha, Coimbra Editora, 2011, pp. 266-275).

29. Tendo em conta estes critérios de avaliação, não se encontram, nas circunstâncias da matéria de facto dada como provada, elementos que devam conduzir ao afastamento do caso do âmbito de previsão da norma incriminadora do tipo de ilícito do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

Como fundadamente concluiu o acórdão recorrido, em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que cita, na avaliação global do facto e das suas circunstâncias particulares, que o relacionam com uma atividade repetida e organizada de tráfico, em conjunto com os demais arguidos, para fornecimento do mercado de uma determinada área geográfica, num local a que os adquirentes se dirigiam para se abastecerem de heroína e cocaína – “drogas duras”, de elevado grau de danosidade – não se pode reconduzir a ação do arguido ao âmbito de previsão normativa do artigo 25.º do mesmo diploma.

Trata-se de uma atividade desenvolvida pelo arguido, conjuntamente com outros, de forma planeada, com meios de comunicação por telemóveis, a troco de importâncias em dinheiro, que, pela sua própria natureza, só poderia, ela mesma, depender de outras atividades de tráfico, da aquisição regular dessas substâncias no mercado ilícito abastecedor, com quem o grupo do arguido tinha necessariamente de se relacionar de forma regular e contínua para, em conjunto com os demais, garantir o abastecimento da sua área de mercado.

Ou seja, surpreende-se, nestas circunstâncias, uma notória situação de facto que as investigações criminológicas identificam como uma “normal” atividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento para satisfação da procura de habituais de consumidores de áreas geográficas determinadas.

A quantidade e qualidade de estupefacientes traficadas e as circunstâncias em que estas eram entregues aos seus destinatários requeriam meios, planeamento e organização adequados, de modo a satisfazer a procura do mercado local.

Assim, em concordância com o decidido pelo tribunal da Relação e com o defendido pelo Ministério Público, na resposta ao recurso, com abundante indicação de jurisprudência deste tribunal neste sentido, impõe-se concluir que não se identificam elementos de facto de reduzida expressão que, vistos na sua particularidade e no seu conjunto, permitam verificar correspondência com os critérios estabelecidos na alínea a) do artigo 25.º, susceptíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

Quanto à qualificação jurídica dos factos: atuação como membro de bando (artigo 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro) – recursos dos arguidos AA [supra, 12., a) (2)] e CC [supra, 12., b) (3)]

30. O arguido AA foi condenado, em 1.ª instância, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

Discordando da condenação, recorreu para o tribunal da Relação, alegando que a pena era excessiva e que não se verificavam os pressupostos da reincidência e pugnando para que esta fosse fixada em limite não superior a seis anos.

Porém, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal da Relação condenou-o como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j) [atuação como membro de bando], do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, e reincidente nos termos dos art.º 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

31. O arguido CC foi condenado, em 1.ª instância, pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

Discordando da condenação, recorreu para o tribunal da Relação, alegando que a pena era excessiva e pugnando para que esta fosse fixada em limite inferior a cinco anos, suspensa na sua execução.

Porém, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal da Relação condenou-o como coautor de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j) [atuação como membro de bando], do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

32. O tribunal da Relação apreciou e decidiu a questão da qualificação jurídica suscitada pelo Ministério Público nos seguintes termos:

“2.2.9.1. Da qualificação jurídica dos factos dados como provados no art.º 24.º, al. j), do DL n.º 15/93, de 22/01.

Alega o Ministério Público que da conjugação dos factos dados como provados, e especialmente o ter o Tribunal a quo dado como provado que os arguidos AA, BB, CC, DD, GG, JJ, EE, FF, HH e II pertenciam a um grupo que se dedicava, de forma organizada, à venda direta e reiterada de produtos estupefacientes aos consumidores, então, como corolário lógico disso mesmo, deveria ter sido dado como provado que os mesmos arguidos “atuaram também com a consciência de que participavam num grupo que se dedicava à venda direta e reiterada de estupefacientes a consumidores.”

Concluindo que os arguidos devem ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B e não com fundamento na prática do crime de tráfico previsto no art.º 21.º, também por referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B do mesmo Diploma Legal.

(…)

Diz o art.º 24.º, al. j), do DL n.º 15/93, de 22/01 que “As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

j) O agente atuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando;”

A circunstância agravante que o legislador aqui introduziu corresponde pari passu à circunstância-elemento ou circunstância qualificativa agravante especial contida na al. g) do n.º 2 do art.º 204.º do CP, quando o agente do furto atue “Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”.

E sobre o conceito de bando, previsto em tal preceito pronunciou-se o Professor José de Faria Costa, nos seguintes termos: “bando é um conjunto variável de pessoas com o fim difuso tendente à prática indeterminada de crimes em que os seus membros se ligam, entre outras motivações, precisamente por força daquela finalidade” (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 84), mas, precisamente, tal como a circunstância agravante do art.º 24.º do DL 15/93, também se exige que essa prática seja reiterada, isto é, repetida, que não se esgote num único momento, mas em circunstâncias de tempo diversas, com uma renovada resolução e atuação, que autonomamente renove o preenchimento dos comportamentos típicos legalmente previstos. Sendo que “O bando não tem que ter necessariamente um chefe”, pese embora seja “muito normal que os bandos se assumam como grupos identificáveis através de um chefe” (Ibidem).

No Ac. do STJ de 10/10/2018 (proferido no Proc.º n.º 5/16.0GAAMT.S1, disponível in www.dgsi.pt.) disse-se o seguinte: “No que diz respeito à al. j) do art.º 24.º do DL 15/93 - atuação como membro de bando - também a jurisprudência deste STJ se tem debruçado sobre este conceito. Trata-se de uma figura que a doutrina e a jurisprudência situam entre a comparticipação e a associação criminosa. Está num plano superior àquela, mas inferior ao da associação criminosa, dado que lhe falta o carácter de entidade independente e autónoma dos seus membros. Há de ser um grupo de, pelo menos, duas pessoas, constituído para a prática, reiterada, de crimes de determinada natureza (dos art.ºs 21.º e 22.º do DL 15/93), sem uma estrutura organizatória ou hierarquia rígida, mas com alguma liderança de facto reconhecida pelos seus membros.”

E no sentido de que “A figura do bando abarca as situações de pluralidade de agentes atuando de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais graves e, por isso, mais censuráveis do que a mera coautoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas”, a que acrescentaríamos a finalidade da prática reiterada de crimes, ver Ac. deste Tribunal da Relação do Porto, de 11/07/200714. (14) Proferido no Proc.º n.º 0742986, disponível in www.dgsi.pt.

Daí que o Professor José de Faria Costa, conclua “que o que conta, o que releva é ser membro de bando”, havendo, “portanto, não só que determinar a existência de um bando como há, outrossim, que estabelecer um nexo de imputação objetiva que demonstre que o agente pertence a um bando” e “que o facto tenha sido levado a cabo com a colaboração de pelo menos outro membro do bando”. E tal colaboração deve traduzir-se em “qualquer tipo de ajuda que se sobreponha à própria cumplicidade, indo ao ponto de admitir também casos de coautoria” (Idem, p. 85).

Dito isto, é bom de ver que os arguidos AA, BB, CC, DD, GG, JJ, EE, FF e II, praticaram reiteradamente crimes de tráfico, subsumíveis ao art.º 21.º do DL 15/93, com a amplitude típica que, ao nível objetivo e subjetivo, tal tipo-de-ilícito comporta (nos termos do art.º 21.º, “Quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III”), fazendo-o como membros de um bando, porquanto, nos termos concretamente dados como provados nos pontos 8., 22., 23., 24., 25., 26., 27. 28., 30., 31., 34., 35., 36., 39., 40, 41., 42., 43., 44., 45., 50., 51., 53., 55., 63., 64., 65., 66., 67., 68. e 69., atuaram no local e nas circunstâncias de modo e tempo aí especificadas (por várias vezes e em diversas ocasiões), de comum acordo e em conjugação de esforços, distribuindo tarefas entre si, que alternavam entre a venda direta, o controlo, a vigilância, ou a organização no terreno da atividade de venda, nomeadamente dispondo e distribuindo no espaço aqueles que ficavam responsáveis pela vigilância, ou ordenando o posicionamento dos consumidores ou compradores que ali se deslocavam, nesse mesmo espaço, assim como a sua deslocação para o local específico de venda, transportando ainda a droga para o local da venda, e reabastecendo os vendedores quando tal fosse necessário, a partir de casas onde a droga estava guardada, nomeadamente as que correspondiam às residências dos arguidos AA, II, EE e FF, recebendo estes últimos, só por esse facto, a quantia de € 75,00 por semana, sendo certo que alguns dos arguidos, de acordo com as funções que em concreto lhes iam sendo atribuídas ou guardadas para si próprios, nos termos dados como provados, recebiam dos vendedores as quantias entregues como pagamento da droga vendida, tudo de uma forma estruturada, funcionalmente organizada, com divisão de tarefas em cada caso bem definida, com o fito de alcançarem uma elevada eficácia nas vendas a realizar e, sobretudo, de forma a evitarem ser intercetados ou vistos pelos órgãos de polícia criminal que ali se pudessem deslocar ou passar.

Tal é o resultado, não só da factualidade concretamente dada como provada, como também das ilações fáctico-conclusivas que a partir dela se impõe sejam extraídas, resultado que, ao nível da qualificação jurídico-penal nos leva à conclusão de que se mostram preenchidos nos autos os pressupostos típicos objetivos do tipo-de-ilícito previsto no art.º 21.º, agravado pela al. j) do art.º 24.º do DL n.º 15/93, ademais porque os arguidos agiram nas circunstâncias descritas com dolo direito, e já que agiram sabendo e querendo agir nos termos descritos, tendo consciência da ilicitude criminal dos seus comportamentos. (…)

Assim sendo, irá ser concedido parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, porquanto improcedente quanto ao arguido HH, relativamente a quem deverá ser mantida por isso a decisão recorrida.”

33. Diz o recorrente AA que “conjugada a prova junta aos autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não se pode concluir que os arguidos atuaram “em bando”, não se verificando os pressupostos necessários para a aplicação da qualificativa agravante prevista na alínea j) do DL 15/93, de 22 de janeiro” (conclusão XI)

Por sua vez, afirma o recorrente CC, citando o acórdão de 10.10.2018 (Vinício Ribeiro), no processo 5/16.0GAAMT.S1, que no caso dos autos a sua participação “não ultrapassa a mera coautoria”, pelo que “entende (…) não estarem verificados os pressupostos materiais para a verificação da qualificativa agravante do artigo 24.º alínea j) do DL 15/93 de 22 de janeiro” (conclusão 9), por não existir “sentimento de pertença” a um grupo (bando) (como refere na motivação).

Apoiando-se em jurisprudência deste tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 29.06.1995 (proc. n.º 47773) e de 27.02.1997 (proc. n.º 908/96), defende o Senhor Procurador-Geral Adjunto na Relação do Porto, nas conclusões da sua resposta, com abundante citação de doutrina e jurisprudência, que “os factos assentes como provados, resultantes da motivação da decisão parecem comprovar (…) que o recorrente agiu como membro de bando, de organização incipiente, facilitada pela angariação de uma rede de revendedores, no sentido em que realizou vendas de estupefacientes, tendo a colaboração de outros membros do bando”.

34. A circunstância qualificativa prevista na al. j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27/92, de 31 de agosto – consistente em “o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando” –, que não reproduz a al. g) do artigo 27.º da lei anterior (Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro) – ter havido “concurso de duas ou mais pessoas” –, inspira-se diretamente no artigo 3.º, n ,º 5, al. a), da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 1988), ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06 de Setembro, segundo a qual “as Partes asseguram que os seus tribunais e outras autoridades competentes possam ter em consideração as circunstâncias factuais que conferem particular gravidade às infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 do presente artigo, tais como (…) a participação na infracção de uma organização criminosa à qual o agente pertença”.

À data da publicação deste diploma não existia uma definição legal do conceito de organização criminosa, que só veio a ser esclarecido no artigo 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, de 15.11.2000 («Convenção de Palermo»), pelos recortes conceptuais das definições de «grupo criminoso organizado» e de «grupo estruturado». Nos termos da al. a) entende-se por “«grupo criminoso organizado» um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existindo durante um período de tempo e actuando concertadamente com a finalidade de cometer um ou mais crimes graves ou infracções estabelecidas na presente Convenção, com a intenção de obter, directa ou indirectamente, um benefício económico ou outro benefício material”, sendo «grupo estruturado» um grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infracção e cujos membros não tenham necessariamente funções formalmente definidas, podendo não haver continuidade na sua composição nem dispor de uma estrutura desenvolvida”.

Inspirando-se nesta Convenção, em cuja celebração a Comunidade Europeia participou (Decisão 2004/579/CE do Conselho JO L 351 de 29.12.1998), a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada, veio estabelecer, no artigo 1.º, n.º 1, que se entende por “«organização criminosa», a associação estruturada de mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e actua de forma concertada, tendo em vista a prática de infracções passíveis de pena privativa de liberdade ou medida de segurança privativa de liberdade cuja duração máxima seja, pelo menos, igual ou superior a quatro anos, ou de pena mais grave, com o objectivo de obter, directa ou indirectamente, benefícios financeiros ou outro benefício material. Dizendo o n.º 2 que se entende por “«associação estruturada», uma associação que não foi constituída de forma fortuita para a prática imediata de uma infracção e que não tem necessariamente atribuições formalmente definidas para os seus membros, continuidade na sua composição ou uma estrutura sofisticada”.

Um grupo criminoso não estruturado, fora desta definição, deixou de se poder incluir no conceito de grupo criminoso organizado, na aceção da Convenção de Palermo. É o que sucede com o conceito de “bando”, que, não sendo um “grupo estruturado”, é um grupo criminoso, que não reúne as características do grupo criminoso estruturado. Como refere Lourenço Martins (Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 194, em anotação ao artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93), se se entendesse que o “bando” se inscrevia no conceito de organização ou associação criminosa, daí resultaria que “sempre que intervenham pelo menos duas pessoas pertencentes ao bando, nos crimes praticados, de forma reiterada, haveria uma agravação qualificada, para além da própria punição por pertencerem â associação, podendo ficar em causa o princípio da proporcionalidade das penas”.

35. Emergindo deste quadro a ideia de punição agravada pelo facto de existir um grupo não estruturado cujos membros praticam de forma reiterada, conjuntamente com, pelo menos, outro elemento do grupo, crimes de tráfico, o que vai além dos limites da autoria (coautoria) – assim se identificando os seus elementos básicos caraterizadores –, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo, nesta base, a desenvolver um sólido trabalho de elaboração conceptual, essencial à interpretação e aplicação da al. j) ) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, refletido no acórdão recorrido.

No mesmo sentido do acórdão de 10.10.2018 (Vinício Ribeiro), no processo 5/16.0GAAMT.S1 (em www.dgsi.pt), com abundante citação de doutrina e jurisprudência, cujo sumário vem transcrito na fundamentação do acórdão recorrido, disse-se no acórdão de 30.9.2015 (João Miguel), proc. 272/11.5TELSB.L1.S1 (em www.dgsi.pt): “Interpretando a norma da alínea j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, este Supremo Tribunal tem afirmado que «[a] actuação em bando não obedece a nenhum esquema organizatório, nem a distribuição de tarefas, formas de financiamento ou convénios sobre contrapartidas. O bando caracteriza-se apenas pela existência de um grupo de duas ou mais pessoas com vista à prática indeterminada de crimes, sob a orientação ou não de um líder, que, no caso de existir, não tem que assumir explicitamente essa liderança, actuando cada um dos seus membros nessa qualidade e em colaboração com, pelo menos, mais um membro do bando»[acórdão de 13 de novembro de 2013, processo n.º 108/10.4GCLMG.P1.S1 ; no mesmo sentido, entre outros, o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1. Para uma visão detalhada sobre a jurisprudência e a doutrina da figura, vd o acórdão de 27 de maio de 2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1] ou, noutros termos mais detalhados, «o bando constitui uma forma de comparticipação criminosa, situada, no plano organizativo, entre a coautoria material, caraterizada pela simples decisão e execução conjuntas, e a associação criminosa, que pressupõe uma estrutura hierarquizada, com uma chefia reconhecida, uma clara repartição de funções entre os membros, uma certa estabilidade e permanência no tempo e ainda um «sentimento comum de ligação» entre eles. O bando constitui, no fundo, uma associação rudimentar, cujos traços característicos fundamentais são os seguintes: grupo de, pelo menos, duas pessoas; constituído para praticar um número indeterminado de crimes de certa espécie; por tempo indefinido; sem uma estrutura hierarquizada, embora admitindo formas de direção espontânea ou carismática; sem uma repartição rigorosa de tarefas, mas sendo normal uma certa distribuição de funções; normalmente, com participação de todos os seus membros nos proventos obtidos pela atividade de cada um; e mantendo os seus membros um sentimento de ligação entre eles, enquanto grupo [acórdão de 5 de julho de 2012, processo n.º 70/10.3SFPRT-P1.S1]”.

Podendo ainda convocar-se o acórdão de 9.7.2003 (Pereira Madeira), proc. 03P3392: “Como sugere Lourenço Martins [cit. supra4], se esta referência legal a «bando» tivesse como significado o de associação criminosa, então, nos crimes com intervenção reiterada de, pelo menos, duas pessoas pertencentes ao bando, haveria uma agravação qualificada, para além da própria punição por pertencerem à associação, podendo ficar em causa o princípio da proporcionalidade das penas. Por isso, e também porque segundo as boas regras interpretativas, não é concebível que o legislador desconhecesse o alcance preciso da figura da associação criminosa, é de ter como arredada a hipótese de equiparação das duas figuras. Assim sendo, tendo em conta o que fica exposto, no âmbito da norma em apreço, o conceito de bando há-de buscar-se algures entre o de «associação criminosa» e o de simples co-autoria, sendo certo que há-de ficar aquém daquele e algo além deste. Já em acórdão anterior, de 26/3/97, no recurso n.º 1293/97-3, citado no acórdão recorrido e acessível em www.dgsi.pt/stj, o Supremo afirmava que «"bando" (...) é um grupo social não institucionalizado, com relativa autonomia sociológica e psicológica que, dadas as suas características potenciais, pode descambar para a criminalidade (pertencer a um bando não significa necessariamente a vontade firme e deliberada de cometer delitos)». Tentando delinear de algum modo o conceito, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24/2/99, proferido no recurso n.º 1136/99-3, ibidem, concluiu que «a agravação da alínea j) do artigo 24.º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, pressupõe uma entidade que se distingue dos seus membros com características de factor potencial de criminalidade não integrando, contudo, por si mesmo, qualquer tipo de crime autónomo, como acontece com as associações criminosas (art.º 28.º do D.L. 15/93)». Mais preciso e dando mais luz sobre a distinção é o acórdão de 4/6/2002, proferido no recurso n.º 1218/02-3, ibidem, onde se deliberou que «o conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que se situa, em razão da existência de um líder, entre algo menos que a associação criminosa e algo diferente da coautoria». E fundamentando, faz vincar: «embora a lei nacional, diferentemente da alemã, tivesse sublinhado a perspectiva finalística, desinteressando-se da ideia de estrutura organizativa, poderá também dizer-se que [bando] é "um grupo desarticulado", destinado à prática reiterada de certos crimes de tráfico de estupefacientes e de precursores, podendo ser constituído apenas por marido e mulher». Repristinando a doutrina do acórdão do STJ de 18/12/97, prossegue: " A figura do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes actuando «de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções», que embora mais graves - e, portanto mais censuráveis - do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir «uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes»."

36. O que vem de se dizer permite, assim, concluir com segurança, que, pelas razões aí expostas, a fundamentação do acórdão recorrido não é passível de gerar a crítica que lhe vem dirigida nos recursos dos arguidos AA e CC, devendo concluir-se que nele foi feita correta interpretação da lei, pelo que os arguidos devem ser punidos em função do funcionamento da qualificativa prevista na al. j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

Assim improcedendo o recurso nesta parte.

Quanto à reincidência – recurso do arguido II [supra,12., d) (5)]

37. Recordando as conclusões do recurso, nesta parte, diz o recorrente:

“XXI - A reincidência depende da verificação de requisitos formais e de um requisito material (subjectivo).

XXII - Aos requisitos formais acresce então o requisito subjetivo: isto é, tendo em conta as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

XXIII - Objetivamente, no caso sub judice os requisitos formais da aplicação da reincidência encontram-se verificados, uma vez que o ora Recorrente foi condenado no processo n.º 480/05...., da ... Vara Criminal do ... e no processo n.º 2/10...., da ... Vara Criminal, respetivamente pela prática, em 12/12/2005, de um crime de roubo simples e pela prática, em 14/01/2010 tráfico de estupefacientes, nas penas de 18 (dezoito) meses de prisão (suspensa) e 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, também respetivamente.

XXIV - Foi ainda condenado, no âmbito do processo n.º 246/07...., da ... Vara Criminal do ..., pela prática em 30/04/2009 de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva.

XXV - Foram cumuladas as penas parcelares impostas nos três processos supra id., sendo o Arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, por acórdão transitado em julgado em 16/03/2011.

XXVI - Esteve ininterruptamente preso desde 18 de Outubro de 2010 e 15 de Junho de 2016, data em que foi restituído à liberdade, ainda que sob a forma condicional, até ao seu termo, que ocorreu na data de 14/05/2016.

XXVII - O último crime cometido pelo arguido foi em 14 de Janeiro de 2010, tendo sido condenado pela prática de crime de trafico de estupefacientes na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva.

XXVIII - A introdução deste requisito subjetivo, tornou evidente que não basta a prática pelo agente de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 6 meses, antes de terem decorrido 5 anos da prática de um outro crime doloso também ele punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses e cuja condenação tenha transitado em julgado.

XXIX - In casu, não se nega a existência de crimes reiterados, mas tal não implica a conclusão automática de que àquele que repete o mesmo crime deve ser aplicada a moldura da reincidência. Como referimos nas palavras de Figueiredo Dias, podemos estar perante causas de degradação económica, dificuldade em encontrar emprego, a experiência criminógena da prisão ou outras que impeçam o agente de retomar uma vida conforme ao direito sem que isso implique considerações desfavoráveis sobre a sua personalidade.

XXX - Neste âmbito defendemos tal como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que: “Este elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime.”

38. Estas conclusões repetem, exatamente, as conclusões XXXVI a XLV do recurso do acórdão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação (supra).

39. O Tribunal da Relação apreciou e decidiu a questão nos seguintes termos:

“2.2.7.4. Da reincidência

Estabelece o art.º 75.º, n.º 1, do Código Penal que “É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.” Acrescentando-se no n.º 2 do mesmo artigo que “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”

Já analisámos supra, no âmbito do recurso interposto pelo arguido AA, no ponto 2.2.2.2. do presente acórdão, os critérios legais, pelos quais se determina a existência ou não da reincidência, em termos que agora aqui damos por reproduzidos.

O recorrente não põe em causa o preenchimento dos pressupostos formais da reincidência, isto é, que no seu caso cometeu um crime doloso que deve ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, e ainda que entre a sua prática e a do crime seguinte não decorreram mais de 5 anos, sendo certo que neste prazo não é computado o tempo durante o qual o recorrente esteve em cumprimento de pena.

Com o que o recorrente não concorda é com a verificação do pressuposto material previsto no art.º 75.º do CP, consistente no facto de nas circunstâncias do caso, ser o mesmo de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Ora, o Tribunal a quo, concluiu pela verificação positiva do requisito material da reincidência, e, assim, que o recorrente praticou os factos dados como provados indiferente à anterior advertência judicial, e que esse facto lhe é de censurar, do seguinte modo: “verificamos que como provado no ponto n.º 107 e 108, as condenações e o período de reclusão não serviram de suficiente advertência ao arguido contra a prática de crimes dolosos dos quais se pode retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra os crimes veiculada pelas anteriores condenação transitadas em julgado. E resulta dos factos dados como provados, designadamente a nível da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão até 15 de junho de 2015, em especial o crime de tráfico e o crime de tráfico aqui em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem as anteriores condenações, em prisão efetiva, não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas.”

Não merece qualquer censura a decisão recorrida.

A persistente e recalcitrante atividade criminosa levada a cabo pelo arguido, com a dimensão e gravidade espelhada nos autos, já acima referida, reveladora de uma forte e renovada resolução criminosa, quer em função das anteriores condenações, quer da sucessiva prática dos factos dos autos, mesmo quando de permeio foi alvo de detenção e de apreensão de significativa quantidade de cocaína e de heroína, assim como de uma elevada quantidade de dinheiro (acima de € 92.000,00), que dada a sua situação pessoal e sócio-económica, nenhuma outra explicação encontra no processo senão a sua conexão com o tráfico de droga, mesmo assim o arguido vem a traficar de novo, sendo detido em flagrante delito com vários pedaços de cocaína e 48 embalagens de heroína na sua posse.

Por outro lado, a circunstância de o arguido ter já antecedentes criminais de monta, por crimes graves, tais como de roubo simples praticado em 12/12/2005, pelo qual foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, por acórdão transitado em julgado em 16-12-2008, mas tendo-lhe sido revogada tal suspensão por decisão de 2012.01.18, de tráfico de droga, praticado em 14/01/2010, pelo qual foi condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2011.06.28, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional ... em 18-10-2010, à ordem deste processo na situação de preso preventivo, tendo sido ainda condenado pela prática em 30/04/2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de um ano de prisão efetiva, por decisão transitada em julgado em 2012.07.02, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 4 anos e 4 meses, em cúmulo jurídico das penas aplicadas naqueles três processos, por acórdão transitado em julgado em 2011.03.16, vindo a beneficiar de liberdade condicional em 15/06/2015 até ao termo previsto para 14-05-2016, e de mesmo assim, e apesar daquelas condenações, veio o recorrente a reincidir, praticando os factos dos autos com a persistência e reiteração ilícita e culposa neles revelada.

Além disso, são evidentes a falta de preparação do arguido para levar uma vida minimamente regrada, quer do ponto de vista das suas relações pessoais e familiares, quer do exercício de uma atividade profissional minimamente estável, marcadas pela perda de emprego em virtude de não conseguir cumprir os horários “nem permanecer o tempo necessário em funções.” O que reforça o juízo de censurabilidade sobre a insensibilidade que revela relativamente às anteriores condenações, persistindo, apesar delas, no cometimento de crimes graves.

Razão por que, também neste segmento, irá ser negado provimento ao recurso.”

E disse ao fundamentar a verificação da reincidência quanto ao arguido AA, para que remete:

“Verificados os requisitos formais acabados de referir, importa agora apurar se, in casu (ou usando as palavras da lei: “de acordo com as circunstâncias do caso”) se mostra preenchido o requisito material a que alude o último segmento da norma do n.º 1 do art.º 75.º, ou seja, a necessidade de, apesar de demonstrados os demais requisitos nela previstos, de caráter formal, se comprovar que as anteriores condenações não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime, e que esse facto lhe é de censurar.

Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-02-2009, Proc.º n.º 08P3629: “O que interessa são os factos que possibilitam aquele juízo imposto por lei, não o próprio juízo que constitui o pressuposto legal: esse é matéria de consideração de direito da decisão sobre os factos provados, um dos quais é inegavelmente a repetição criminosa por parte do arguido, ou seja, a reincidência formal.”

40. No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente nada acrescenta relativamente ao que afirma no recurso do acórdão da 1.ª instância que apresentou perante a Relação. Assim, examina-se a questão no pressuposto de que a crítica se dirige agora ao acórdão da Relação, que, em concordância com o decidido em 1.ª instância, absorveu os seus fundamentos.

41. O recorrente põe unicamente em causa a verificação do pressuposto material da reincidência, pois que, como ele próprio aceita, mostram-se presentes os respetivos pressuposto formais – prática de crime doloso, punido com pena de prisão (efetiva) de duração superior a 6 meses (4 anos e 2 meses), não tendo decorrido mais de cinco anos, descontado o tempo em que esteve preso preventivamente e em cumprimento de pena (no total de 4 anos e 4 meses), entre a sua prática e a prática do crime que constitui o objeto deste processo, que deve ser punido com pena de prisão superior a 6 meses, (artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

Nos termos da 2.ª parte do artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, é pressuposto material da reincidência que se mostre que a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime, o que constitui fundamento para uma maior censura, ou seja, de um juízo de culpa agravada, relativamente ao facto cometido posteriormente ao trânsito em julgado da anterior condenação.

42. As condenações dizem, ambas, respeito a crimes de tráfico de estupefacientes, verificando-se, assim, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, o que constitui um fator determinante do juízo de culpa agravado que fundamenta a reincidência, o qual, no entanto, se poderá afastar por intervenção de circunstâncias que possam excluir tal conexão. (como salienta Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, § 378).

Alega o recorrente, embora sem o fundamentar, a ocorrência destas circunstâncias – degradação económica, dificuldade em encontrar emprego, experiência criminógena da prisão ou outras que impeçam o agente de retomar uma vida conforme ao direito – e da matéria de facto dada como provada não resultam elementos que permitam concluir pela sua verificação.

Nestas condições, não se encontra justificação que permita a formulação de um juízo de discordância quanto ao decidido no acórdão recorrido no sentido de que o recorrente, colocado em liberdade condicional em 15.6.2015, deve ser mais gravemente censurado pelos crimes praticados, por não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação anterior.

Pelo que, em concordância com o decidido, improcede também o recurso quanto a esta questão.

Quanto à determinação das penas

a) Recurso ao arguido AA [supra, a) (3)]

43. A este propósito, diz o recorrente, em síntese, que “não foram suficientemente ponderados como fatores atenuantes da pena, as condições sócio-económicas do arguido e família, nomeadamente o que consta do seu relatório social, nomeadamente a sua proximidade relacional com os familiares mais próximos que tem sido mantida por um regime regular de visitas e contactos telefónicos”, que “estava a trabalhar quando foi detido”, “investiu no aumento das habilitações académicas e nas qualificações profissionais e manteve na sua generalidade uma conduta de adequação e cumprimento das medidas de flexibilização da pena”, que “projeta retomar ao agregado materno e procurar organizar a sua independência pela profissionalização, preferencialmente, na área da panificação e pastelaria, encontrando-se a tirar um curso de pastelaria no Estabelecimento prisional”, pelo que “uma pena de prisão tão elevada – de 9 anos e 6 meses”, “desajustada” das “necessidades de prevenção geral e especial” e que ultrapassa a medida da culpa, “terá um efeito manifestamente nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior, aniquilando a sua vida em sociedade”. Pelo que “entende ser suficientemente dissuasora da continuidade de comportamentos semelhantes, a aplicação de pena de prisão não superior a seis anos ou uma pena não privativa da liberdade, aplicando-se assim ao aqui recorrente uma pena justa proporcional e adequada” (conclusões XII a XX).

Retoma, assim, a argumentação do recurso perante a Relação, ao discordar da pena de 8 anos de prisão aplicada em 1.ª instância.

b) Recurso do arguido CC [supra, b) (4)]

44. Alega o recorrente que “dispõe de apoio familiar”, “é de condição económica e social humilde”, “encontra-se inserido profissionalmente”, “nas vezes em que resulta efetivamente responsabilidade criminal da sua conduta, é visto no local de venda, a exercer funções de venda direta ou de vigilância dos acessos ao bairro, funções ou tarefas essas residuais, secundárias face ao desenrolar da ação de tráfico desenvolvida”, “imputam.se ao arguido ações até 30/11/2018, contudo, não se pode ignorar que a atividade de traficância continuou até 19/2/2020”, “a atividade continuou, e o aqui arguido foi substituído por outros elementos, que realizavam a sua função acessória”, “o arguido tem efetivamente que ser responsabilizado pela sua conduta”, “há que atender a que se volveram quase três anos desde os factos aqui em julgamento”, “modificou completamente a sua vida”, “tem filhos menores a cargo” (conclusão 11). Entende que a pena é “manifestamente excessiva, uma vez que a culpa que lhe pode ser assacada não é correspondente com a moldura penal de 5 anos e 6 meses de prisão”, “ainda que se inaltere a factualidade dada como provada” e que “foi expurgado um ponto (facto 25), que importava a culpa do arguido e tal não se verteu na medida da pena a cominar”, concluindo que “uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente” (conclusões 12 a 14).

No essencial, retoma no recurso para o Supremo a argumentação do recurso do acórdão da 1.ª instância para a Relação.

c) Recurso do arguido DD [supra, c) (3)]

45. Alega o recorrente que “o grau de ilicitude é inferior ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, tendo em consideração os dados factuais apurados”, “nomeadamente atendendo ao número reduzido de circunstâncias que praticou a atividade delituosa, bem como atendendo à função desenvolvida pelo mesmo no seio da organização do tráfico e às suas motivações”, que “durante o período de cerca de 3 anos em que durou a atividade de tráfico de estupefacientes a investigação judicial efetuada só constatou a participação do arguido DD em quatro circunstâncias apenas, conforme se refletiu na matéria de facto provada”, que “o seu papel se resumia a ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância, ou seja, era um simples “pau mandado”, que “agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas”, que se “tratava da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor, que não gerou lucros avultados para os arguidos, facto que ficou demonstrado na condição sócio económica dos mesmos”, que “não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo circunstâncias que depõem a favor do recorrente, nomeadamente o facto do mesmo ter um percurso vida muito difícil, tendo crescido no seio de uma família desestruturada, de muito modesta condição social e económica, encontrando-se a sua residência inserida no bairro social de ..., conotado com problemáticas sociais e criminais relevantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes”, que “o Tribunal a quo não valorou suficientemente fatores de caráter pessoal e familiar do recorrente, como o facto do mesmo estar atualmente inserido profissional e familiarmente, conforme decorre do teor do Relatório Social”, que, ainda que se entenda que o crime praticado não é um crime de tráfico de menor gravidade, ”atentas as considerações efetuadas sobre o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a motivação do arguido, bem como os dados do Relatório Social, satisfaz de modo adequado e suficiente, a aplicação de uma pena não superior a 3 anos”, que “ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que foi erradamente fixada a medida concreta da pena, sendo violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, uma vez que a pena aplicada ao arguido ora recorrente pelo crime de tráfico de estupefaciente peca por ser excessiva, devendo ser reduzida” para “pena não superior a 4 anos”, “suspensa na sua execução”.

Retoma também, no essencial, a argumentação do recurso perante a Relação.

d) Recurso do arguido II [supra, d) (4)]

46. Alega o recorrente que a pena “é manifestamente excessiva”, que “a sua conduta se deve enquadrar no artigo 25.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro (o que já se apreciou), que “desempenhou a atividade ilícita de forma exposta, através de venda direta na rua, assumindo um papel secundário na ação ilícita praticada”, que não pode ser condenado como reincidente (o que também já se apreciou), que “desempenhou um papel menor, mormente, já numa fase final dos quase 3 (três) anos de investigação, efetuou vendas para terceiros, não sendo a sua intervenção nuclear ou essencial na atividade que se desenvolveu, uma vez que foi substituído por outros elementos”, que “alguns dos factos que lhe foram imputados não traduzem qualquer ilicitude, uma vez que pese embora tenha estado no local onde decorreu a venda de produto estupefaciente, não se apurou concretamente o que lá foi fazer, o que disse, com quem falou, se comprou algum produto estupefaciente ou qualquer ato que importe responsabilidade criminal”, pelo que entende que “uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente”.

Reedita também, no essencial, os argumentos do recurso perante a Relação.

e) Decisão do tribunal da Relação

47. Nesta parte, o Tribunal da Relação apreciou e decidiu nos seguintes termos:

“2.2.10. Da determinação da medida concreta das penas relativamente aos arguidos AA, (…) CC, (…) DD, (…) e II, sua excessividade, nos termos alegados pelos arguidos recorrentes e possibilidade de suspensão da sua execução.

A procedência do recurso interposto pelo Ministério Público implica, como vimos, a condenação dos arguidos AA, BB, CC, DD, GG, JJ, EE, FF e II pela autoria de um crime de tráfico agravado, nos termos previstos nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 24.º, al. j), do DL n.º 15/93, de 22/01. Condenação que impõe a elevação do limite mínimo da pena de prisão aplicável para 5 anos e o máximo para 15 anos, como também já referimos supra.

Por outro lado, a reincidência (recordemos que os arguidos AA, EE e II, foram condenados como reincidentes, nos termos do art.º 75.º do CP) implica que o limite mínimo da pena aplicável ao crime seja elevado de um terço e o limite máximo permaneça inalterado – art.º 76.º, n.º 1, do CP. Ou seja, relativamente aos arguidos AA, EE e II, a moldura penal a partir da qual se irá determinar a pena concreta a aplicar será de 6 anos e 8 meses a 15 anos de prisão.

As molduras penais assim estabelecidas traduzem a gravidade mínima e a gravidade máxima de que um determinado ilícito, em regra, se pode revestir, tendo em conta os critérios legalmente estabelecidos para em concreto determinar uma tal gravidade. Sendo a possibilidade de variação da pena dentro da respetiva moldura que permitirá encontrar a justiça da decisão do caso concreto, não só em si mesmo considerado, mas também em comparação com os casos que possam ser mais ou menos graves que ele, de molde a que a pena fixada corresponda a essa avaliação de uma forma considerada minimamente adequada e proporcionada. A isso impõem os princípios da necessidade e da proporcionalidade, desde logo consagrados no art.º 18.º da CRP, bem como o princípio da igualdade na aplicação da lei penal.

A determinação da medida concreta da pena obedece aos critérios previstos no art.º 71.º do Código Penal, e será alcançada em função da culpa do agente, relevando esta como limite máximo da punição (art.º 40.º, n.º 2, do CP), e das finalidades de prevenção geral e especial, assente o entendimento de que com a aplicação da pena se visa não só a proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, mas também a reintegração do agente na sociedade – art.º 40.º do CP.

Estabelece o art.º 71.º, n.º 1, do CP, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, reiterando claramente, e desde logo, uma incidência específica do princípio da culpa na determinação da medida concreta da pena, fazendo assim atuar a culpa como limite máximo da punição. Por outro lado, na determinação da medida da pena deverão ainda ser tidas em conta as finalidades de prevenção geral, as quais se mostram alcançadas sempre que o efeito da ameaça penal, por referência ao momento da aplicação da pena, permite salvaguardar a “tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida” (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 228 (aspeto positivo), mais do que uma intimidação dos potenciais delinquentes (aspeto negativo). Sendo que no que diz respeito à prevenção especial, esta valerá fundamentalmente na sua dimensão positiva, pelo efeito de socialização que a pena permitirá produzir em relação ao agente, mais do que a intimidação que lhe possa causar – dimensão negativa (Anabela Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa da liberdade, 1995, p. 317 e segs.).

Finalmente, o n.º 2 do art.º 71.º do CP impõe que na determinação concreta da pena o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as que aí resultam especificadas nas al. a) a f), ou seja: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”

Recordemos que no recurso por si interposto, o arguido AA, partindo da qualificação jurídica dada aos factos provados na primeira instância (limitada ao art.º 21.º do DL 15/939), e ignorando depois, tal como fizeram os demais arguidos, à exceção da arguida FF e do arguido EE (que responderam ao recurso do Ministério Público, nos termos supra referidos), a alteração da qualificação jurídica e da consequente agravação dai adveniente, pugnada pelo Ministério Público, manteve a alegação de que na decisão recorrida “não foram suficientemente ponderados como fatores atenuantes da pena, as condições, sócio-económicas do arguido e família, nomeadamente o que consta do seu relatório social”, o facto de estar a trabalhar, ter investido no aumento das suas habilitações académicas e nas qualificações profissionais, ter mantido na sua generalidade uma conduta de adequação e cumprimento das medidas de flexibilização da pena, e projetar retornar ao agregado materno e procurar organizar a sua independência pela profissionalização. Concluindo que “punir o recorrente com uma pena de prisão tão elevada – de 8 anos – terá um efeito manifestamente nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção, do que se fosse aplicada uma pena inferior, aniquilando a sua vida em sociedade. Sendo ainda a pena aplicada desajustada às necessidades de prevenção geral. E ainda que “a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa ou seja, não há pena sem culpa e a culpa decide a medida da pena.”

Ao que o Ministério Público respondeu dizendo: “Ocorre que o Ministério Público interpôs recurso versando matéria de direito, sendo que, em estrita obediência do disposto no art.º 412.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, indicou como norma violada o art.º 24.º, al. j), do DL 15/93, de 22.01, que o tribunal a quo declinou aplicar, mas que, no entendimento do Ministério Público, deveria ter sido aplicada, agravando a responsabilidade criminal de diversos arguidos, inclusive do agora recorrente, por terem praticado o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art.º 21.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, enquanto membros de bando. Como consequência inelutável dessa potencial alteração da qualificação jurídica da conduta do arguido, ora recorrente, por força do disposto no n.º 1, do referido art.º 24.º, as penas previstas no artigo 21.º serão então aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, donde, alterada a moldura penal abstrata impõe-se, como consequência natural, a agravação da pena concretamente imposta.”

Por seu turno, alega o recorrente CC que deve optar-se por uma pena que não seja efetiva na sua execução, ou seja até 5 anos, porquanto dispõe de apoio familiar, é de condição económica e social humilde, encontra-se inserido profissionalmente, nas vezes em que resulta efetivamente responsabilidade criminal da sua conduta é visto no local de venda, a exercer funções de venda direta ou de vigilância dos acessos ao bairro, funções ou tarefas essas residuais, secundárias face ao desenrolar da ação de tráfico desenvolvida, sendo que a atividade depois continuou e o aqui arguido foi substituído por outros elementos, que realizavam a sua função acessória. Volveram quase três anos desde os factos aqui em julgamento, o recorrente há data dos factos era consumidor de produto estupefaciente, modificou completamente a sua vida, tem filhos menores a cargo, sendo a pena aplicada manifestamente excessiva, por desproporcional face à culpa. Efetuou apenas venda direta e vigilância, que não são determinantes para a prática do facto, sendo de uma censura “menor”.

Ao que respondeu o Ministério Público, pugnando pela agravação da pena, nos mesmos termos já acima referidos quanto ao arguido AA.

(…)

Por seu lado, alegou o arguido DD que não assumia no seio da organização da atividade de tráfico uma posição de relevância, uma vez que o seu papel se resumia a ir buscar o produto estupefaciente às habitações do bairro e entregá-lo aos indivíduos que procediam à venda direta, bem como funções de vigilância, ou seja, era um simples “pau mandado”, que agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas. As motivações e fins que levaram os arguidos a agir desta forma e que estão essencialmente relacionadas com a subsistência dos arguidos ou dos seus familiares. Tratava-se da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor, que não gerou lucros avultados para os arguidos. Não foram devidamente valoradas pelo Tribunal a quo circunstâncias que depõem a favor do recorrente, nomeadamente o facto de o mesmo ter um percurso de vida muito difícil, tendo crescido no seio de uma família desestruturada, de muito modesta condição social e económica, encontrando-se a sua residência inserida no bairro social de ..., conotado com problemáticas sociais e criminais relevantes, nomeadamente consumo e tráfico de estupefacientes. Assim como facto de estar atualmente inserido profissional e familiarmente, conforme decorre do teor do Relatório Social. Concluindo que, tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, as mesmas teriam satisfação adequada e suficiente se a pena de prisão fosse não superior a 4 anos, suspensa na sua execução.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela agravação da pena, nos mesmos termos já acima referidos quanto ao arguido AA.

O arguido II entende que “desempenhou um papel menor, mormente, já numa fase final dos quase 3 (três) anos de investigação, efetuou vendas para terceiros, não sendo a sua intervenção nuclear ou essencial na atividade que se desenvolveu, uma vez que resulta inclusive dos autos, que foi substituído por outros elementos.” Considera ainda que “alguns dos factos que lhe foram imputados, não traduzem qualquer ilicitude, uma vez que pese embora tenha estado no local onde decorreu a venda de produto estupefaciente, não se apurou concretamente o que lá foi fazer, o que disse, com quem falou, se comprou algum produto estupefaciente ou qualquer ato que importe responsabilidade criminal”. Conclui que uma pena inferior a 5 anos e suspensa na sua execução é mais adequada e proporcional face à factualidade dada como assente.

Respondeu o Ministério Público pronunciando-se pela improcedência do recurso, considerando que a pena aplicada apenas deverá ser mantida no caso de vir a ser afastada de forma definitiva a agravante prevista no art.º 24.º, al. j), do DL n.º 15/93, de 22.01.

(…)

Considerando os critérios já acima sumariamente enunciados, ponderando as circunstâncias que no processo se revelaram a favor dos arguidos e contra eles, entendeu o Tribunal a quo, fundamentadamente, nos termos exigidos pelo n.º 3 do art.º 72.º, partindo de uma moldura penal que se baseava na subsunção dos factos tipo matricial do art.º 21.º do DL n.º 15/93, e assim como um mínimo e um máximo inferior ao que resulta da alteração da qualificação jurídica dos factos, decidiu condenar os arguidos, cujas sanções estão agora em causa, nas seguintes penas:

- o arguido AA, como reincidente, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

(…)

- o arguido CC, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- o arguido DD, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva.

(…)

- o arguido II, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…)

Na determinação de tais penas, e como fundamento da sua concreta aplicação, considerou o Tribunal a quo o seguinte:

“Quanto às penas a aplicar aos arguidos AA, (…) CC, DD, (…) II:

Tudo o que anteriormente se referiu quanto à conduta destes arguidos demonstra que é elevado o grau de ilicitude dos factos por eles praticados, mas levando-se em conta a função desenvolvida por cada arguido na organização do tráfico, bem como o período a que os arguidos se dedicaram à atividade, tendo em conta a natureza dos estupefacientes.

Por isso, também o modo de execução do crime e a gravidade das suas consequências se afasta do que é comum neste tipo de ilícitos, por revestirem contornos mais graves.

A intensidade do dolo – que foi direto – dos arguidos (ou seja, a pertinácia da sua vontade) é elevada, optaram voluntária e expressamente por se dedicar ao tráfico de substâncias estupefacientes, que sabiam ser conduta delitiva das que mais censura concita na comunidade.

Os arguidos são consumidores de drogas duras, mas atuaram também motivados pelos ganhos patrimoniais que as suas condutas lhes poderiam permitir obter, motivação esta que o ordenamento jurídico, tal como a comunidade em geral, normalmente considera suscetível de maior censura.

Temos ainda em conta os antecedentes criminais dos arguidos, com condenações por crime de tráfico de estupefaciente.

Porém, a favor dos arguidos a modesta condição social e económica, todos eles com percursos de vida difícil, não beneficiaram de proteção parental.

(…)

Finalmente, as exigências de prevenção geral que se suscitam neste caso – como, em geral, em todos os casos desta natureza – são, como é sabido, enormes, atendendo, por um lado, à natureza do crime aqui em questão, e por outro lado ao espaço – ao contexto físico e social – em que ocorreram os factos sub judicio.“

Ora, no que se refere à atividade de determinação da medida concreta da pena valem aqui os ensinamentos do Professor Jorge de Figueiredo Dias, para quem, na esteira de Rudolphi, a mesma é “pura e simplesmente, aplicação do direito, confluindo nela as notas da discricionariedade e da vinculação, nos mesmos termos e na mesma medida em que tal sucede com qualquer operação comum de aplicação do direito, operação na qual relevam regras de direito escritas e não escritas, elemento descritivos e normativos, atos cognitivos e puras valorações”. Acrescentando de seguida que o procedimento de determinação da pena “apresenta especialidades notáveis face ao procedimento ‘comum’ de aplicação do direito. Não enquanto o juiz é, nele necessariamente, enviado para regras jurídicas não escritas; mas já sim na medida em que se vê obrigado a traduzir os critérios jurídicos de determinação numa certa quantidade de pena, em que ele não pode, por outras palavras, furtar-se a uma quantificação exata (numérica!) das suas valorações.” (Direito Penal Português - As consequências do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 195.) Logo esclarecendo o mesmo autor que, por mais difícil que seja de lograr, uma uniformização da jurisprudência nesta matéria não deixará de ser bem-vinda, porém, “ela não deverá ser conseguida à custa da formalização dos procedimentos respetivos. Uma tal formalização deve considerar-se de antemão excluída face ao caráter necessariamente individualizado que assumem os critérios de determinação da pena e à ilimitada variedade dos fatores que à luz daqueles relevam”. Concluindo, mais adiante, que por essas razões a controlabilidade do quantum exato da pena deve estar reservada para aquelas situações em que “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Idem, p. 197). Neste sentido, também tem ido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (por todos, Ac. do STJ, de 14/02/2007, Proc.º n.º 07P249, disponível in www.dgsi.pt).

Ora, postos perante a gravidade dos factos dados como provados, o dolo intenso com que os arguidos agiram o elevado grau de ilicitude e da culpa, os proventos obtidos com a venda das substâncias estupefacientes, sobretudo por parte dos arguidos, II, AA e BB, tendo em conta designadamente as quantias em dinheiro que lhes foram apreendidas e relacionadas com o tráfico de droga, e tendo em conta ainda os seus antecedentes criminais, somos levados a concluir que as penas concretamente aplicadas pelo Tribunal a quo, nunca poderiam ser consideradas excessivas ou desproporcionadas, porquanto ainda assim situadas muito próximas do limite mínimo da moldura penal legalmente então prevista do que do seu limite máximo. Sendo certo ademais que os arguidos recorrentes quando clamam nos respetivos recursos pela redução dessas mesmas penas fazem-no exacerbando a valoração subjetivizada em pontos essencialmente referentes às necessidades de prevenção especial, focados na sua situação pessoal passada e presente, assim como na eventualmente futura, que subjetivamente acreditam ser mais auspiciosa, desculpando-se com a sua toxicodependência, ignorando que a mesma, pela sua duração, pela ausência de empenhamento pessoal no seu tratamento efetivo, reforçam a perigosidade relativamente à possibilidade de comportamentos ilícitos futuros, do mesmo modo que a tornam ético-juridicamente censurável, sendo que, por outro lado, acabam por obnubilar outros factos que também no âmbito das necessidades de prevenção especial importa considerar, como os abundantes antecedentes criminais, pela prática reiterada de crimes graves, que em si já apontam claramente, quer para um maior afastamento da pena do limite mínimo da moldura penal aplicável, quer para sustentar um juízo de prognose negativo quanto à possibilidade da suspensão da sua execução, nos casos em que formalmente tal se mostraria possível, precisamente porque, quer em razão de um juízo de prognose negativo quanto ao cumprimento da pena em liberdade, sem cometer crimes, quer em função das necessidades de prevenção geral, uma e outra solução se impunham, a pena concretamente aplicada porque já situada num limiar mínimo indispensável à salvaguarda e reforço da norma violada e assim também da confiança da comunidade no ordenamento jurídico, e a não suspensão da sua execução porque o cumprimento efetivo da pena de prisão se impõe também para salvaguardada das necessidades de prevenção geral, isto é, “das necessidades de reprovação e prevenção do crime” (Jorge de Figueiredo Dias, como na nota 9, p. 344).

Assim sendo, não fora a alteração da qualificação jurídica dos factos, em resultado do provimento dado ao recurso interposto pelo Ministério Público, seriam de manter as penas concretamente aplicadas pelo Tribunal a quo, pelas razões acima referidas.

Porém, provido que foi o recurso do Ministério Público, importa agora reponderar o quantum das penas a aplicar, face às molduras penais daí resultantes, ou seja, entre um mínimo de 5 anos e um máximo de 15 anos de prisão, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 21.º e 24.º do DL n.º 15/93, e entre um mínimo de 6 anos e 8 meses e um máximo de 15 anos de prisão no caso dos arguidos que praticaram o mesmo crime, como reincidentes, nos termos já acima referidos, ou seja, os arguidos AA, (…) e II.

(…)

No tocante aos demais arguidos consideramos como adequadas e necessárias à salvaguarda das necessidades de prevenção evidenciadas nos autos as seguintes penas:

- ao arguido AA, como reincidente, a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(…)

- o arguido CC, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- o arguido DD, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

(…)

- o arguido II, como reincidente, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

As penas assim concretamente fixadas impedem a possibilidade da suspensão da sua execução, desde logo por ultrapassarem o limite dos 5 anos estabelecido no art.º 50.º, n.º 1, do CP.”

48. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, o que deve constar da fundamentação (n.º 3).

Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que, como é sabido, se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

49. A projecção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de actuar de acordo com o direito, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

Na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, de enumeração não taxativa, devem ser levados em consideração as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele.

50. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto nomeadamente, nos termos do n.º 2, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, retomando o que se disse em acórdãos anteriores, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, cfr., em particular, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357).

51. Como se sublinhou, entre outros, nos acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit., é, pois, na determinação da presença e na consideração destes factores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, concretizada na acção levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação. Estando a finalidade de prevenção geral delimitada pelos termos da protecção do bem jurídico violado (artigo 40.º do Código Penal), esta protecção conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto, constitucionalmente imposta, pelo que há-de ser a gravidade do facto, aferida pelo concurso das circunstâncias relevantes do artigo 71.º do Código Penal, que, a final, dentro dos limites mínimo e máximo da pena, servirá para definir os limites das necessidades de prevenção, em função da culpa revelada por essas circunstâncias, que também se lhe impõe como limite. Devendo, por conseguinte, a operação de determinação da pena alhear-se de considerações de natureza geral pressupostas pelo legislador na identificação dos bens jurídicos protegidos, na construção dos tipos legais de crime e no estabelecimento das molduras das penas legalmente fixadas, assim se assegurando o respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração de factores relevantes para a determinação da medida da pena (como se observou, designadamente, no acórdão de 11.09.2019, proc. 1032/18.8JAPRT.S1, sumário em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/04/criminal_sumarios_2019.pdf, e no acórdão de 3.11.2021, cit.).

52. Os crimes por que os arguidos vêm condenados p. e p. pelos artigos 21.º (tráfico e outras atividades ilícitas) e 24.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, são punidos com pena de prisão de 5 a 15 anos (penas de 4 a 12 anos de prisão, previstas no artigo 21.º agravadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do artigo 24.º), moldura a partir da qual há que determinar as penas concretas, de acordo com os critérios e fatores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma).

Os arguidos AA e II vêm condenados como reincidentes, o que implica que, quanto a eles, o limite mínimo da pena se eleve de um terço, permanecendo o limite máximo inalterado. Em consequência, mantendo-se a condenação como reincidentes, a moldura penal é definida pelo limite mínimo de 6 anos e 8 meses e pelo limite máximo de 15 anos, não podendo, porém, a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores (artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal).

53. Os recorrentes centram os motivos da discordância quanto às medidas das penas que lhe foram aplicadas na alegada não consideração das suas condições pessoais e situação socioeconómica e dos factos concretamente praticados no âmbito das atividades do grupo a que pertenciam, invocando o seu “papel” menor, referindo, a este propósito que não podem ser considerados factos objeto de descrição genérica, nomeadamente quando não estão identificadas as quantidades de estupefacientes vendidas.

A este propósito, importa observar que a descrição constante dos factos provados contém suficiente concretização das ações levadas a efeito pelos arguidos na organização e execução das operações de venda dos produtos estupefacientes, não exigindo o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 uma quantificação dos produtos vendidos, a qual apenas adquire relevo autónomo para efeitos de determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, mas já não para efeitos do preenchimento do tipo de crime. Neste contexto, a consideração da não quantificação apenas seria passível de censura no caso de se verificar que, no conjunto das circunstâncias concretas a ter em conta na determinação da pena, essa circunstância funcionou com fator negativo, em desfavor do arguido, de particular e excessivo relevo ou peso no sentido da agravação da pena. O que, como se vê da fundamentação do acórdão recorrido, não está demonstrado.

54. Como resulta da respetiva fundamentação, o acórdão recorrido levou em conta, a seu favor, as condições pessoais dos arguidos e a sua situação económica, fatores que os recorrentes AA, CC e DD consideram não terem sido devidamente ponderados. Não se mostra que, na consideração conjunta com os demais fatores a ter em conta nos termos do artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente os relativos ao grau de ilicitude, ao modo de execução do facto, à intensidade do dolo, à conduta anterior ao facto, com relevo para os antecedentes criminais, e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, as condições pessoais e a situação económica tenham sido insuficientemente ponderadas a favor dos arguidos. Tais circunstâncias precárias não deixam, todavia, de revelar, como consideram as instâncias, elevadas necessidades de prevenção especial a prosseguir pela aplicação das penas, de modo a contribuir para que, por essa via, os arguidos possam, no futuro, conduzir as suas vidas em respeito pelas regras da vida em sociedade, sem cometer crimes.

O acórdão recorrido levou ainda em consideração o “papel” que os recorrentes, todos eles, desempenharam nas atividades do grupo, o que se reflete nas diferentes medidas das penas aplicadas, não se identificando fundamento que justifique a crítica que os recorrentes lhe dirigem. Em particular, tendo em atenção o conjunto dos factos imputados ao arguido CC, a alteração ao ponto 25 da matéria de facto pelo tribunal da relação, excluindo a participação do arguido no facto aí descrito, não se mostra, por si mesma, passível de fundamentar um juízo de desproporcionalidade quanto à pena aplicada, de modo a justificar uma diminuição da pena.

A situação pessoal dos arguidos descrita nos factos provados, o comportamento anterior ao crime, revelado pelos antecedentes criminais, e a persistência na via da prática de atos criminalmente puníveis, a revelarem falta de preparação para manterem uma conduta lícita, evidenciam, como se referiu, elevadas necessidades e exigências de prevenção especial, a serem prosseguidas pela aplicação da pena de prisão.

São também particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, a considerar no limite da culpa, tendo em conta a frequência e a insegurança e a grave danosidade social resultantes destes tipos de crime, como considera o acórdão recorrido.

De notar ainda que a determinação da medida da pena não considerou a circunstância que determina a agravação da alínea j) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93 (atuação como membro de bando), não admissível por virtude da proibição da dupla valoração, e que a agravação da pena, pela reincidência, relativamente aos arguidos AA e II, se comporta dentro dos limites impostos pela segunda parte do n.º 1 do artigo 76.º do Código Penal.

Sendo as penas de prisão aplicadas aos arguidos CC, DD e II superiores a 5 anos, não há que considerar a suspensão da sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º do Código Penal.

Nesta conformidade, não se verificando motivo que permita concluir pela violação do princípio de adequação e proporcionalidade que constitucionalmente se impõe na determinação das penas (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), improcede também o recurso nesta parte.

Da alegada violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus” – recursos dos arguidos AA [supra, 12., a) (1)], CC [supra,12., b) (2)] e II (supra, 12., d) (1)]

55. Em síntese, alegam os arguidos que o acórdão da Relação, ao aplicar penas de prisão superiores às aplicadas no acórdão da 1.ª instância, violou o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, com expressão normativa no artigo 409.º do Código de Processo Penal, pois que, embora tenha dado provimento ao recurso do Ministério Público do acórdão proferido em 1.ª instância, mediante alteração da qualificação jurídica para um crime mais grave, não foi pedido o agravamento das penas.

Em 1.ª instância, recorde-se, os arguidos AA, CC, DD e II, foram condenados, cada um deles, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, nas penas de 8 (oito) anos de prisão, 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão e de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, respetivamente. Alterando a qualificação jurídica dos factos, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal da Relação condenou os arguidos, respetivamente, nas penas de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, 5 anos e 6 meses de prisão e de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado nos termos da al. j) do artigo 24.º do mesmo diploma, por que tinham sido acusados.

56. No recurso para o tribunal da Relação, o Ministério Público alegou que:

“8- O tribunal recorrido afastou, contudo, a agravante prevista no art.º 24.º al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal, considerando que os arguidos não atuaram enquanto membros de um “bando”.

9 – Sustentou a rejeição da circunstância agravativa “bando” em três argumentos: a quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos; o facto de se estar na presença da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor; a atividade não ter gerado lucros avultados para os arguidos.

10 – Tais argumentos são, com o devido respeito, irrelevantes.

11 - A agravante prevista na alínea j), do art.º 24.º, do DL 15/93, de 22.01, visa punir a maior perigosidade da conduta de tráfico de estupefacientes quando desenvolvida por um grupo que se especializa na prática dessa atividade, sendo que esta vai além da simples coautoria, sem alcançar, no entanto, a complexidade inerente a uma associação criminosa.

12 - A ênfase é colocada nas caraterísticas do grupo que se dedica ao tráfico e não nas concretas quantidades dos produtos estupefacientes apreendidos, ou no facto de se estar na presença da venda de pequenas doses diretamente ao consumidor ou, ainda, de a atividade não ter gerado lucros avultados para os arguidos, circunstâncias, ademais, bastante fluidas, designadamente a quantidade de droga apreendia e as quantidades de dinheiro apreendias, diretamente ligadas com o momento em que ocorreu a operação policial, mas que não correspondem, obviamente, às quantidades de produtos estupefaciente e quantias em dinheiro proveniente das vendas movimentadas pelo grupo ao longo do período de cerca de três anos em que foi desenvolvida a atividade de tráfico.

13 - Ao introduzir como circunstâncias que afirmam ou afastam a agravação prevista na referida alínea j), do art.º 24.º, a quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos, o tamanho das doses diretamente vendidas ao consumidor e o lucro gerado para os arguidos, o tribunal recorrido aditou requisitos qualificativos da conduta de tráfico de estupefacientes que a lei, máxime o art.º 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, não prevê, não contém.

14 - Mesmo sem a alteração do quadro factual atrás defendida, os factos dados como provados contêm todos os pressupostos da existência de um “bando” exigidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: pluralidade de agentes atuando de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais grave e, por isso, mais censurável do que a mera coautoria ou comparticipação criminosa, não é de considerar verdadeira associação criminosa.

15 - Em consequência, a decisão recorrida, ao afastar a agravante modificativa típica prevista no art.º 24.º, al. j), do DL n.º 15/93, de 22.01, efetuou uma errada qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes cuja prática é imputada aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, que comprovadamente atuaram como membros de um bando.

16 – Atento o exposto, devem os referidos arguidos ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º al. j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B deste Diploma Legal.”

57. Como já se referiu anteriormente, o tribunal da Relação considerou que os arguidos, conjuntamente com outros, “atuaram no local e nas circunstâncias de modo e tempo aí especificadas (por várias vezes e em diversas ocasiões), de comum acordo e em conjugação de esforços, distribuindo tarefas entre si, que alternavam entre a venda direta, o controlo, a vigilância, ou a organização no terreno da atividade de venda, nomeadamente dispondo e distribuindo no espaço aqueles que ficavam responsáveis pela vigilância, ou ordenando o posicionamento dos consumidores ou compradores que ali se deslocavam, nesse mesmo espaço, assim como a sua deslocação para o local específico de venda, transportando ainda a droga para o local da venda, e reabastecendo os vendedores quando tal fosse necessário, a partir de casas onde a droga estava guardada, nomeadamente as que correspondiam às residências dos arguidos AA, II, EE e FF, recebendo estes últimos, só por esse facto, a quantia de € 75,00 por semana, sendo certo que alguns dos arguidos, de acordo com as funções que em concreto lhes iam sendo atribuídas ou guardadas para si próprios, nos termos dados como provados, recebiam dos vendedores as quantias entregues como pagamento da droga vendida, tudo de uma forma estruturada, funcionalmente organizada, com divisão de tarefas em cada caso bem definida, com o fito de alcançarem uma elevada eficácia nas vendas a realizar e, sobretudo, de forma a evitarem ser intercetados ou vistos pelos órgãos de polícia criminal que ali se pudessem deslocar ou passar. Tal é o resultado (…) ao nível da qualificação jurídico-penal nos leva à conclusão de que se mostram preenchidos nos autos os pressupostos típicos objetivos do tipo-de-ilícito previsto no art.º 21.º, agravado pela al. j) do art.º 24.º do DL n.º 15/93, ademais porque os arguidos agiram nas circunstâncias descritas com dolo direito, e já que agiram sabendo e querendo agir nos termos descritos, tendo consciência da ilicitude criminal dos seus comportamentos. Assim sendo, irá ser concedido parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, porquanto improcedente quanto ao arguido HH, relativamente a quem deverá ser mantida por isso a decisão recorrida.”

58. A questão da qualificação jurídica dos factos constitui, pois, tema central do objeto do presente processo, em todas as suas fases. É em função da qualificação jurídica que devem ser extraídas as consequências jurídicas do crime praticado, isto é, que deve ser determinada a pena, a partir da moldura abstrata correspondente ao tipo de crime realizado e na consideração das circunstâncias indicadas no artigo 71.º do Código Penal. Verificados os elementos constitutivos do tipo de crime, na deliberação sobre a questão da culpabilidade [artigo 368.º, n.º 2, al. a), do CPP], é elaborada a sentença (artigo 372.º do CPP), a qual especifica os fundamentos que presidiram à medida da sanção aplicada (artigo 375.º do CPP).

O que constitui o objeto dos recursos para o tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça é exatamente a questão da qualificação jurídica dos factos e da determinação da medida das penas correspondentes, matérias de direito relativamente às quais os tribunais de recurso têm plenos poderes de cognição, a que apenas se opõe a limitação imposta pelo n.º 1 do artigo 409.º do CPP, segundo o qual “Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”.

59. A jurisprudência do Tribunal Constitucional permite afirmar que a proibição da reformatio in pejus no processo penal, apenas em caso de recurso em exclusivo interesse da defesa, prevista nesta disposição legal, constitui, tendo em conta os seus fundamentos, um princípio constitucional, apesar de não estar expressamente referida no texto da Constituição (assim, Lobo Moutinho, A reformatio in pejus no processo de contra‑ordenações, Estudos Dedicados ao Professor Nuno Espinosa Gomes da Silva, Universidade Católica, 2013, p. 427ss, com abundante citação de jurisprudência e doutrina sobre o tema).

Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado, a possibilidade de reformatio in pejus “condiciona a interposição do recurso pelo arguido de modo intolerável, pois torna‑o profundamente arriscado, afetando, consequentemente, a possibilidade de realização da justiça no caso” (acórdãos n.ºs 499/97, 498/98 e 236/2007). Em substância, a admissibilidade da reformatio in pejus prejudicaria intoleravelmente o direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Por outro lado, comportaria igualmente um vício estrutural do processo, pois “seria conflituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça” (acórdão TC n.ºs 499/97, 498/98 e 502/2007). Nada na natureza ou na estrutura dos recursos aponta no sentido de que deles não pode nunca resultar um agravamento da situação do arguido; porém, uma reformatio in pejus sem impulso do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, conduzindo a uma decisão judicial ex officio reverteria, a final, na violação do princípio do acusatório.

60. O que está em causa, no artigo 409.º do CPP são, pois, e apenas, situações em que da decisão final é interposto recurso pelo arguido ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa (id., ibid, p. 429). Neste sentido, podem ver-se vários acórdãos do STJ, nomeadamente os acórdãos de 09-07-2003 (Pereira Madeira), proc. 03P3392, de de 14.9.2011 (Armindo Monteiro), proc. 138/08.6TALRA.C1.S1 (cfr. ainda voto de vencido do Cons. Henriques Gaspar ao Ac. STJ de 09‑04‑2003, in www.dgsi.pt, que foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, decidido pelo Ac. TC n.º 236/2007).

Tendo havido recurso do Ministério Público, não no interesse da defesa, nada impede, antes se justifica, no sentido da realização da justiça do caso, que, se for caso disso, o tribunal da Relação possa agravar as penas aplicadas em 1.ª instância. Como este Supremo Tribunal decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95, de 17.6.1995, “O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus” (DR IS de 6.7.1995), daí extraindo as necessárias consequências jurídicas que legalmente se impõem.

Pelo exposto se conclui que os recursos também improcedem nesta parte.

Quanto a custas

61. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

62. Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC, DD e II;

b) Condenar os recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça, a pagar por cada um deles, em 7 UC.


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de março de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

António Pires Henriques da Graça