Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
456/14.4TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PERDA DE CHANCE
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS FUTUROS
ÓNUS DA PROVA
CULPA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
BANCO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRESSUPOSTOS
DUPLA CONFORME PARCIAL
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
RECURSO SUBORDINADO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª Edição, Almedina, p. 370;
- Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual, p. 125.
- Carneiro de Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, p. 103;
- Júlio Gomes, Direito e Justiça, XIX, 205, II,
- Nuno Santos Rocha, A Perda de Chance Como uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2017, Reimpressão, p. 23.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, V. II, Coimbra, 2008, p. 1103.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGO 483.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-03-2013, PROCESSO N. º 78/09.1TVLSB.L1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/0.7TBVCD.P1.S1;
- DE 10-03-2016, PROCESSO N.º 1602/10.2TBVFR.P1.S1;
- DE 15-09-2016, PROCESSO N.º 14633/14;
- DE 19-10-2016, PROCESSO N.º 3/13.5TBVR.G1-A.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Para que se justifique a atribuição de uma indemnização ao lesado e apesar de não comprovado o nexo causal entre o facto e o dano final, necessário é que da ocorrência de um determinado evento se divisa que em resultado dele, é real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de uma vantagem ou de prevenção de um prejuízo.

II - Permite a figura do instituto da perda de chance, e em sede de verificação do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao nexo de causalidade entre facto e dano, como que uma diminuição e/ou decréscimo das exigências no âmbito da prova, mas, ainda assim, e como é compreensível, imprescindível é sempre (art. 483.º do CC) que alegue e prove o lesado, além do facto ilícito, a culpa do infractor, a verificação do dano final e uma considerável probabilidade de ter sido evitado um prejuízo não fora a falta cometida pelo responsável pela indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


AA, Lda, agora denominada BB, S.A. intentou acção com processo comum, contra CC, PLC pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 2.605.856,50, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação até integral pagamento.


Em síntese, alegou que autora e ré celebraram um contrato de penhor das quotas da autora para garantia de todas as facilidades concedidas por aquele a esta e concedeu-lhe mais um crédito. A ré, na qualidade de credor pignoratício, decidiu reunir a assembleia geral da autora e destituiu o então gerente, nomeando um novo que se manteve no cargo desde 31 de Março de 2006 até Julho de 2009, data em que renunciou ao cargo. Neste período a ré geriu a sociedade de forma legítima, ao abrigo de um contrato de penhor, mas de forma negligente, de modo a aumentar o passivo, pois aumentou em 8 milhões de euros as responsabilidades da autora ao não prosseguir a execução do seu objecto e antes gastando milhares de euros em pareceres de duvidosa necessidade e acabou por ceder o crédito e deixar a autora sem gerência. Acresce que a ré deixou permanecer no CRC do Banco de Portugal um crédito abatido ao activo da ré, tendo tal facto culposo causado danos para a autora.

Alega ainda que só conseguiu que as responsabilidades da autora sobre o réu fossem levantadas do Banco de Portugal a 31.01.2011. A 31 de Julho de 2011 a ré voltou a colocar na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, as responsabilidades já cedidas à DD, só as tendo levantado em Novembro de 2013. Em consequência disso perdeu um financiamento junto do EE assim como a possibilidade de aquisição dos lotes que indica, tendo perdido o valor que obteria com a respectiva exploração, perdeu o sinal entregue para a aquisição de lotes que indica e ficou com má imagem.


Contestou o réu alegando que a autora não é parte no contrato de penhor, pelo que nunca poderá ser titular de quaisquer direitos e obrigações emergentes do mesmo e arguiu a excepção dilatória de ilegitimidade activa e de prescrição.

Por impugnação, referiu, em síntese, que a autora estava em insolvência técnica, havia uma situação de tensão entre os sócios, o que tudo se traduzia na incapacidade da autora dar resposta às suas responsabilidades perante os credores. Foi neste contexto e como forma de ultrapassar o impasse em que a autora se encontrava no que à gerência respeita, que o réu avocou para si o exercício dos direitos sociais inerentes às quotas empenhadas e nomeou um gerente. Esta nomeação era provisória e destinava-se a assegurar uma gestão racional e profissional da autora até que os sócios estivessem em condições de apresentar um plano de negócios viável para a autora.

Nenhum dos planos apresentados logrou demonstrar ser viável, uma vez que todos se baseavam na concessão adicional de crédito, o gerente nomeado faz parte de um painel de especialistas em reestruturação de empresas e insolvência a que o réu recorre internacionalmente em situações similares à dos presentes autos, o que era do interesse do réu que pretendia ver o seu crédito ressarcido, o gerente nomeado exerceu a gerência de forma independente do réu, que não interveio na gestão.

As despesas apresentadas pela autora não são prejuízos porque sempre teriam de ser pagas, pronuncia-se depois especificamente quanto a cada uma despesas e documentos de suporte juntos pela autora. Se a autora celebrou acordos de regularização com promitentes compradores, fê-lo por sua conta e risco, no que respeita aos contratos promessa anteriores à gestão do gerente nomeado, o mesmo não teve alternativa senão propor aos respectivos promitentes compradores a revogação, por acordo, de tais contratos, mediante o pagamento de contrapartidas, já que a conclusão das obras de construção das moradias acabou por se revelar inviável, a construção efectuada tinha graves defeitos, os quais, em alguns caso, punham em causa a segurança das moradias, devido à falta e capitais próprios e de financiamento não foi possível avançar com a construção, o réu nunca assumiu qualquer obrigação de construção.

Mais alega que, por mero lapso, o réu não procedeu à correcção do reporte à autora junto da Central de Responsabilidades de Crédito, o que se ficou a dever a questões de ordem técnica, a aplicação bancária do réu não permitia remover o reporte à CRC, não se vislumbra qualquer tipo de exploração capaz de gerar os rendimentos pretendidos pela autora. Se a autora celebrou um contrato promessa sem ter garantia do financiamento, o incumprimento só a si é imputável, os danos à imagem não estão sustentados em factos concretos.

A factualidade alegada na petição inicial não se enquadra na responsabilidade contratual e a autora não alega a violação de qualquer preceito legal nem um direito que tenha sido violado.

No final pede a condenação da autora como litigante de mé fé, o que se reporta ao alegado nos artºs 228º a 234º da contestação e em que se reporta à alegação da autora de que o direito à informação dos sócios havia sido coarctado pelo réu e à instauração de uma acção pela II II.


A autora respondeu às excepções e pretendeu rectificar o art° 79° da petição inicial., o que mereceu a oposição do réu, tendo o tribunal indeferido esse pedido.


Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

A autora recorreu e, por acórdão da Relação de … de 22.02.2018, a apelação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de € 300.000,00, acrescida dos juros a taxa legal, vincendos e vencidos desde a data de decisão.

Foi ainda julgado improcedente o recurso ampliado do réu.


Não se conformando com tal acórdão, dele recorreu o réu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

(A) O presente recurso deve ser admitido, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 674° e do artigo 629° do CPC, porquanto o recorrente entende que o Venerando Tribunal, com todo o devido respeito, ao socorrer-se da figura jurídica dos "juízos de equidade" para determinar a condenação do recorrente no presente caso, incorreu num erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas em causa, tendo, por conseguinte, violado a lei substantiva.

(B) O presente recurso vem interposto da decisão de condenação do recorrente ao pagamento à recorrida de uma quantia de € 300.000 - determinada pelo Tribunal da Relação com recurso a juízos de equidade -, acrescida de juros à taxa legal, vincendos e vencidos desde a data da decisão recorrida. Sucede porém que, é entendimento do recorrente que não pode haver lugar a qualquer condenação do recorrente a pagar uma indemnização à recorrida, porquanto não ficou provado que a recorrida tivesse sofrido quaisquer danos com a actuação do recorrente.

(C) O recurso aos juízos de equidade levado a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação revela-se totalmente arbitrário e contrário à lei, porquanto não contém qualquer fundamento legal e / ou factual e, além disso, não tem em conta os factos considerados provados nos autos, violando o preceituado no n° 3 do artigo 566° do CC; e

(D) O montante indemnizatório fixado tem em consideração uma margem de lucro (ficcionada pela Veneranda Relação de …) de 25% que se revela absurda e irrealista, conforme demonstram os mais recentes estudos económicos internacionais. Senão vejamos,

(E) No que respeita aos alegados danos sofridos pela recorrida que fundamentam o seu pedido de indemnização, dos factos provados nos presentes autos não podem resultar as consequências jurídicas retiradas pelo douto tribunal a quo, o que torna a decisão contida no acórdão recorrido, com o devido respeito, errada e injusta.

(F) A verdade é que afirmar que "uma intenção" (de finalizar, mobilar e arrendar as ditas moradias) e um "mero cenário hipotético" (relativo à obtenção de um rendimento anual ilíquido não apurado) consubstanciam um dano indemnizável fundado numa "perda de chance" - como o Venerando Tribunal da Relação afirma - não faz qualquer sentido e carece de acolhimento legal.

(G) O que resulta de certo da factualidade contida nos autos é que a recorrida queria adquirir as referidas moradias para depois as finalizar, as mobilar e as colocar no mercado de arrendamento e absolutamente mais nada.

(H) Não resulta de forma certa e inequívoca que, depois de adquirir, finalizar, mobilar e colocar as moradias no mercado de arrendamento, a recorrida iriar obter sequer lucro. A obtenção de lucro era uma possibilidade, tal como era uma possibilidade a sua não obtenção. Ou seja, estamos perante o campo da incerteza factual.

(I) Assim, o que apenas estará em causa é a eventual "perda de oportunidade para adquirir as moradias". "Oportunidade" essa que não tem qualquer valor económico, porquanto, como se referiu, a recorrida teria vários encargos associados à finalização das moradias e a mobilá-las e colocá-las no mercado de arrendamento que colocam no cenário meramente hipotético a possibilidade de obtenção de qualquer lucro!

(J) A verdade é que a recorrida não logrou provar que a não aquisição das moradias - por facto ilícito imputável ao recorrente, que não se aceita - conduziu necessariamente à perda de uma oportunidade de obtenção de lucros.

(K) Salvo o devido respeito, carece em absoluto de fundamento o pressuposto - errado -segundo o qual o Venerando Tribunal da Relação fundamenta a condenação do recorrente: a susceptibilidade certa e inequívoca de a actividade da recorrida gerar uma margem de lucro.

(L) Ao afirmar isto, o Venerando Tribunal da Relação desconsidera a crise que empresas com o mesmo escopo social que a recorrida têm atravessado nos últimos largos anos. É do conhecimento geral que empresas do ramo do investimento e empreendimento turístico têm, nos últimos anos, procurado recuperar do efeito nefasto que as afectou durante a crise económica e financeira que se debateu perante o país. É também do conhecimento geral que grande parte das empresas deste ramo tornaram-se insolventes na última década, sendo uma importante percentagem das empresas insolventes em Portugal. Apenas, nos últimos anos, tem sido possível a estas empresas recuperar o estado negativo do seu negócio e das suas finanças, tentando sair dos números negativos.

(M) A verdade é que, em função da factualidade demonstrada, não é certo, objectivo e previsível que, mesmo que a recorrida adquirisse as moradias, viesse a ter um lucro associado a tal aquisição, pois existiriam um conjunto de variáveis que poderiam originar tanto a verificação de lucros como a ocorrência de prejuízos para a recorrida. Como é certo e sabido - e aliás, como resulta pacífico da lei - os eventuais danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis (cfr. artigo 564° n° 2 do Código Civil), o que não é, manifestamente, o caso dos rendimentos que a recorrida esperava auferir com a aquisição e exploração das moradias sub judice.

(N) Por outro lado, o recurso aos juízos de equidade levado a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação revela-se totalmente arbitrário e contrário à lei, porquanto não contém qualquer fundamento legal e / ou factual e, além disso, não tem em conta os factos considerados provados nos autos, violando o preceituado no n° 3 do artigo 566° do CC.

(O) A verdade é que a decisão do tribunal a quo não cumpre os requisitos de aplicação do n° 3 do artigo 566° do CC, porquanto:

(1) - 1° requisito ("não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano"): da decisão do tribunal de primeira instância e do acórdão recorrido não resultam como provados quaisquer limites máximos e mínimos do alegado dano sofrido pela ora recorrida. A verdade é que esta não logrou provar qualquer quantum relacionado com o dano.

(2) - 2° requisito ("ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa”): a verdade é que, apesar de existir uma manifesta indefinição acerca do valor real do dano alegadamente sofrido pela recorrida, da prova produzida nos autos não resulta qualquer "base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa". Não existe um único facto considerado provado que possa servir de indicador sólido e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa.

(P) Acresce que o Venerando Tribunal da Relação contrariou a extensa jurisprudência portuguesa sobre os limites do recurso aos juízos de equidade - vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.1999, 28.10.2010 e de 31.01.2012 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do … de 30.11.2012.

(Q) Caso o douto tribunal ad quem considere que é legítimo e legal o recurso aos juízos de equidade no caso sub judice - o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona -, o quantum da indemnização nunca poderá ser o que foi atribuído peio Venerando Tribunal da Relação, pois esse é desprovido de qualquer sentido.

(R) O Venerando Tribunal da Relação, para efeitos de fixar o montante indemnizatório, considerou um rendimento anual das 13 moradias de € 30.000 por um período de 3 anos e aplicou sobre esse rendimento uma margem de lucro de cerca de 25%.

(S) O montante indemnizatório fixado tem em consideração uma margem de lucro (ficcionada pela Veneranda Relação de …) de 25% que se revela absurda e irrealista, conforme demonstram os mais recentes estudos económicos internacionais.

(T) Desde logo, o Venerando Tribunal da Relação não apresenta qualquer justificação válida para o facto de considerar o montante de € 30.000 como rendimento anual das 13 moradias.

(U) Por outro lado, o Venerando Tribunal da Relação não apresentou qualquer justificação para ter escolhido uma percentagem de 25% e, uma vez mais, tal como sucede com o recurso à equidade, estamos perante uma decisão arbitrária sem qualquer fundamentação associada.

(V) A verdade é que estamos perante uma margem de lucro recorde, ainda por cima considerando o ramo de actividade em causa e tendo em conta o facto de estarmos perante uma fase inicial de um projecto, onde os custos são, necessariamente, mais elevados.

(W) De acordo com a base de dados muito conceituada da autoria de Aswath Damadoran, reputado Professor de Finanças da conceituada Stern School of Business da New York University, a margem de lucro líquida média (isto é, é o resultado liquido apurado após o pagamento de todos os custos), no sector de actividade em causa na Europa, é de - pasme-se - 4,83%. E se considerarmos a globalidade das indústrias, o valor da margem de lucro líquida média é de 6,32%.

(X) Pelo que o quantum indemnizatório estabelecido pelo Venerando Tribunal da Relação está longe da média na Europa!

(Y) Pelo exposto, uma margem de lucro de 25% é - salvo o devido respeito pelo Venerando Tribunal da Relação - um valor totalmente irrealista e desfasado da realidade.

(Z) À ora recorrida cabia o ónus de provar os danos, ou seja, os lucros que esta, hipoteticamente, teria e os custos associados a esses, de forma a que o tribunal tivesse os elementos suficientes para determinar uma indemnização. Não o tendo feito, não deverá o tribunal fazê-lo por recurso a juízos de equidade, que, no caso sub judice, não deveriam ter sido usados.

(AA) Por todas as razões explicitadas supra, o pedido de condenação do recorrente ao pagamento de qualquer quantia à recorrida a título de danos patrimoniais deverá, por conseguinte, ser julgado totalmente improcedente e o acórdão recorrido ser revisto e substituído por outro que assim decida.


Termina, pedindo que seja revogado o acórdão recorrido na parte em que condena o recorrente a pagar à recorrida uma indemnização no valor de € 300.000, 00.

 

A recorrida contra-alegou e procedeu à ampliação subsidiária do âmbito do recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - O presente recurso tem como objecto a condenação do recorrente, pelo douto acórdão do Tribunal da Relação, no pagamento à recorrida de uma indemnização no valor de € 300.000,00, a título de responsabilidade extracontratual, pelos prejuízos resultantes da não concretização do negócio de aquisição de 13 moradias de luxo na Urbanização do …, por inscrição indevida no mapa de responsabilidades do BdP de uma divida da Recorrida no valor de mais de dez milhões de euros.

2ª - Entende o recorrente que esse acórdão viola lei substantiva, nomeadamente o disposto no artigo 566º/3 do CC, ao recorrer a juízos de equidade sem fundamento legal ou factual para o fazer.

3ª -- Considera ainda que não ficaram provados danos da recorrida pela actuação do recorrente e por isso não pode haver condenação a indemnização.

4ª - De qualquer modo e no entender ainda do recorrente, o montante indemnizatório fixado tem em consideração uma margem de lucro de 25% que se revela absurda e irrealista.

5ª- Em sede de contra-alegações entende a recorrida que, quanto à primeira questão, há que considerar a matéria factual dada como provada e alterada pelo acórdão recorrido, nos pontos 33, 34 e 36, dando-se como provado;

6ª - Que em meados de 2010 a autora começou a negociar com a DD a compra de 13 lotes na Urbanização …, tendo sido fixado o preço de €4.000. 0000,00.Tais negociações demoraram pelo menos meio ano. O financiamento foi aprovado e a escritura de compra e venda esteve aprazada para meados de 2011, mas nunca se chegou a concretizar o financiamento por a tal obstar a situação do CRC da A. junto do BdP e consequentemente a autora não concretizou a aquisição das propriedades à DD.

7ª - Resulta com clareza o estabelecimento do nexo de causalidade entre a não aquisição das moradias e a situação do CRC da recorrida junto do BdP, por facto imputável ao recorrente.

8ª - Encontra-se provado igualmente que era intenção da autora finalizar as moradias, mobilá-las e coloca-las no mercado de arrendamento de férias, e caso a autora finalizasse, mobilasse e colocasse no mercado de arrendamento as moradias, a mesma poderia obter com essa actividade um rendimento anual ilíquido não concretamente apurado.

9ª - Bem andou, em nossos modesto entender, o douto acórdão sob recurso, quando considerou que a autora não logrou fazer prova de quanto lhe iria render a exploração comercial das ditas moradias, mas foi uma oportunidade de negócio perdida e como era sua intenção finalizá-las e colocá-las no mercado de arrendamento de férias, isso iria permitir-lhe obter um rendimento anual ilíquido não concretizado embora;

10ª - E tal perca deve ser ressarcida dentro de um juízo de equidade na perspectiva de "perda de chance".

11ª - O critério da perda de chance tem acolhimento na jurisprudência do STJ, e as condições no presente caso estavam reunidas para a sua aplicação.

12ª - Nada impedia que o douto acórdão sob recurso utilizasse juízos de equidade, perante as circunstâncias do caso concreto e os factos dados como provados para arbitrar a indemnização em causa;

13ª - Não o tendo feito arbitrariamente, mas claramente fazendo um raciocínio lógico de avaliação e aplicando uma percentagem de lucro dentro dos limites mínimos de 25%.

14ª - Para encontrar esse valor o tribunal recorrido considerou 13 moradias de luxo, no …, em regime de arrendamento para férias durante 3 anos a proporcionar um rendimento anual na ordem dos 30.000,00 euros e aplicando uma taxa de lucro de cerca de 25%.

15ª - Não violou, por isso, o disposto no artigo 566/3 do Código Civil.

16ª - Considerando-se que sobre o valor da indemnização o STJ não pode pronunciar-se, mas apenas aferir os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo;

17ª - Mas se assim não se entender, apenas pecou por defeito.

18ª - Vem a recorrida ampliar o âmbito do recurso, submetendo a esse tribunal, em face da matéria dada como provada, aos temas da prova 25), 26) e 27), a apreciação no âmbito da responsabilidade contratual do direito da recorrida de ser ressarcida dos prejuízos que teve com a devolução dos sinais dos contratos promessa celebrados para aquisição de moradias que não foram construídas durante o período em causa, no valor de € 651.497,68;

19ª - Uma vez que entendemos que todos os efeitos do contrato de penhor celebrado entre o recorrente e as sócias da recorrida se repercutiram apenas na esfera jurídica desta.

20ª - Fazendo apelo à teoria dos efeitos internos e externos dos contratos, e à doutrina de que há contratos que estendem seus efeitos a outras pessoas, quer criando para estes direitos, quer impondo obrigações, é nosso modesto entendimento que no caso dos autos, nomeadamente do contrato de penhor resulta naturalmente efeitos para a autora e não para as suas sócias que o assinaram., violando a regra da liberdade contratual prevista no artigo 405° do CC.


Termina, pedindo que o recurso interposto pelo recorrente seja considerado totalmente improcedente, mantendo-se nessa parte o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e uma vez admitido o recurso ampliado da recorrida, considerado o mesmo procedente,


O recorrente respondeu à ampliação do recurso, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) Nas suas contra-alegações de recurso, a ora recorrida ampliou o objecto de recurso submetendo "em face da matéria dada como provada aos temas da prova 25), 26) e 27), a apreciação no âmbito da responsabilidade contratual do direito da recorrida de ser ressarcida dos prejuízos que teve com a devolução dos sinais dos contratos promessa celebrados para aquisição de moradias que não foram construídas durante o período em causa, no valor de € 651.497,68". Para o efeito, alega, recorrendo à teoria da eficácia externa das obrigações, que "todos os efeitos do contrato de penhor celebrado entre o recorrente e as sócias da recorrida se repercutiram apenas na esfera jurídica desta".

(B) Estamos perante uma última tentativa desesperada por parte da ora recorrida, no sentido de imputar ao ora recorrente qualquer tipo de responsabilidade relacionada com o contrato de penhor nos autos.

(C) A verdade é que, ao longo deste processo, a ora recorrida procurou de todas as formas imputar ao recorrente qualquer tipo de responsabilidade, seja contratual, seja aquiliana. Se, no que toca a uma eventual responsabilidade contratual do recorrente, tal não se ocorre, porquanto a recorrida não é parte do contrato em discussão, também não há lugar a responsabilidade aquiliana uma vez que o direito da recorrida a uma eventual indemnização encontra-se prescrito à luz do artigo 498° do Código Civil.

(D) Em bom rigor, esta ampliação do recurso (i) carece de admissibilidade legal porquanto se trata de matéria abrangida pela dupla conforme que obsta a uma nova apreciação da matéria, e (ii) carece de qualquer acolhimento jurídico, porquanto a jurisprudência e a doutrina portuguesa têm sido claras na não admissão da teoria da eficácia externa dos contratos, sem prejuízo de esta teoria não ter aplicação ao caso sub judice.

Senão vejamos:

(E) Em primeiro lugar, as alterações às respostas aos temas da prova 25), 26) e 27) levadas a cabo pelo douto tribunal a quo são meros preciosismos de escrita, sem qualquer intenção por parte do tribunal de realizar uma alteração de fundo na apreciação da resposta aos temas da prova.

(F) Note-se que tais alegadas alterações não impediram que a conclusão jurídica retirada pelos dois doutos tribunais relativamente à questão da responsabilidade contratual fosse exactamente a mesma. As duas instâncias chegaram à mesmíssima conclusão: não existe qualquer responsabilidade contratual por parte do ora recorrente, porquanto não existe qualquer relação contratual entre o recorrente e a recorrida.

(G) Esta solução é pacífica entre as duas instâncias, com os mesmos fundamentos e, por isso, definitiva, na medida em que sobre ela vigora a dupla conforme, não sendo possível uma nova apreciação da causa - vd. artigo 671°, n° 3 do CPC.

(H) Não se trata apenas de uma proibição legal expressa constante no referido preceito, como é a posição defendida pela maioria da jurisprudência e a doutrina portuguesas - vd. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e doutrina supra citada.

(I) Em segundo lugar, é igualmente de rejeitar o recurso à teoria da eficácia externa das obrigações levada a cabo pela recorrida para fundamentar uma eventual responsabilidade contratual do recorrente, alegando que, ainda que a recorrida não seja parte do contrato de penhor, os seus efeitos repercutiram-se na sua esfera jurídica.

(J) Desde logo, porque a rejeição da teoria da eficácia externa dos contratos/obrigações tem sido a posição da esmagadora maioria dos nossos tribunais e da melhor doutrina - vd. jurisprudência e doutrina supra citadas.

(K) Por outro lado, ainda que eventualmente se pudesse admitir o recurso à teoria da externa das obrigações, o que não se aceita, a verdade é que a alegada eficácia externa das obrigações visa, sobretudo, legitimar uma reacção directamente contra um terceiro, a título de responsabilidade civil aquiliana, que não é parte na relação contratual, mas cuja conduta reprovável teve efeitos nesta. Ou seja, não está pensada para situações, como a dos autos, em que é o "estranho" à relação contratual que pretende demandar uma das partes do contrato por alegado incumprimento com mero fundamento no facto de os efeitos deste se terem verificado na sua esfera jurídica.

(L) Por fim, acresce que, num cenário meramente hipotético - que não se aceita, em que seja aceite o recurso à teoria da eficácia externa das obrigações como fundamento de responsabilização do recorrente, o direito de indemnização da ora recorrida já se encontra prescrito - vd. artigo 498° n° 1 do Código Civil.

(M) Não deve, por isso, proceder o entendimento da ora recorrida no sentido de que esta deve ser ressarcida dos prejuízos que teve com a devolução dos sinais dos contratos promessa celebrados para a aquisição de moradas que não foram construídas no valor de € 651.497,68.


Termina, pedindo que:

(i) seja declarada improcedente a ampliação do recurso requerida pela recorrida, nomeadamente por inadmissibilidade legal e (ii) que seja mantida a decisão do Tribunal da Relação de …, na parte em que declarou não haver lugar à responsabilidade contratual do ora recorrente.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Mostram-se provados os seguintes factos:


Factos provados por documento ou por acordo.

1º - A AA, Lda, tinha como objecto principal, a exploração e comercialização de aldeamentos turísticos e de unidades hoteleiras, actividades de restauração e bebidas, compra e venda de imóveis, construção civil e obras públicas. (A)

2º - O R. tem por objecto a actividade bancária. (B)

3º - Em Maio de 2004, a AA A. começou a desenvolver um projecto de loteamento e urbanização denominado Urbanização …, sito em …, O…, no âmbito do exercício das. actividades incluídas no seu objecto. (C )

4º - A 30 de Julho de 2004, o réu concedeu à AA, Lda, até ao montante de € 1.100.000,00, uma linha de crédito de médio prazo, sob a forma de abertura de crédito com hipoteca e aval. (D)

5º - A 28 de Janeiro de 2005, o réu concedeu à AA, uma nova linha de crédito de médio prazo, sob a forma de abertura de crédito com hipoteca até ao montante máximo de € 1.000.000,00. ( E )

6º - A 25 de Fevereiro de 2005 o réu concedeu à AA, um crédito bancário até ao montante máximo de € 5.000.000,00, garantido por aval do Sr. GG, sócio da AA e hipoteca sobre trinta e quatro lotes de terreno para construção sitos no …. (F)

7º - A 14 de Julho de 2005,o réu concedeu à AA um empréstimo, na modalidade de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante máximo de € 837.649,73. (G)

8º - A 14 de Julho de 2005, o réu concedeu à AA, um crédito em regime de conta corrente, até ao montante máximo de € 600 000,00. (H)

9º - Por escritura de 12 de Outubro de 2005, o réu concedeu à AA um crédito no montante de € 1 200,000,00. (I)

10º - O réu concedeu à AA duas facilidades de descoberto em conta DO n° 18…5, cujo saldo em dívida, à data de 20 de Janeiro de 2006, correspondia a € 3 533,270,00, e conta DO n° 40…7, cujo saldo em dívida era de 521 162,72, na mesma data. (J)

11º - A 20 de Janeiro de 2006 o réu concedeu à AA um crédito de € 1.505.110, garantido por hipoteca sobre vários lotes. (K)

12º - A 20 de Janeiro de 2006 o réu, na qualidade de credor pignoratício, HH, na qualidade de sócio e II II - Construção Civil, Lda, na qualidade de sócio, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 35-43, do qual fazem parte integrante os Anexos de fls. 44-60 e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido. (L)

13º - No referido instrumento ficou a constar:

" Considerando:

 (...) I. As partes pretendem formalizar um penhor de quotas para garantia das facilidades existentes entre o credor pignoratício e a mutuária descritas nos considerandos anteriores no valor global de C 10.195.909,27 (nos termos do descritivo anexo ao presente contrato no Anexo III, as " facilidades Existentes") bem como do montante mutuado pelo credor pignoratício à mutuária para pagamento do imposto de selo pela última devido em virtude do presente contrato;

J. Nos termos de uma reestruturação das Facilidades Existentes na presente data aprovada pelos sócios da mutuária, as mesmas terão maturidade a 30 de Abril de 2006, subsistindo o presente penhor até ao reembolso integral de tais Facilidades Existentes, é reciprocamente acordado e livremente aceite o presente contrato de penhor de quotas ( O Contrato) constante das cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

(Penhor de Quotas)

Para garantia consolidada dos montantes devidos em virtude das Facilidades Existentes, incluindo o reembolso de capital, juros remuneratórios, juros de mora e demais encargos emergentes das Facilidades Existentes, seus aditamentos, prorrogações e modificações até ao montante de capital de €10.195.909,27 (...), bem como do montante mutuado pelo credor pignoratício à mutuária para pagamento do imposto de selo pela última devido em virtude do presente penhor e as despesas judiciais e extra judiciais que o credor pignoratício houver de fazer para se ressarcir do seu crédito (os montantes garantidos) e de harmonia com a autorização concedida pela mutuária em reunião de assembleia geral desta última, os sócios constituem a favor do credor pignoratício, penhor de primeiro grau sobre as respectivas quotas representativas do capital social da mutuária de 50%, no caso do sócio HH e 50% no caso do sócio II

(….).

3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pelo presente penhor são igualmente transferidos para o credor pignoratício os restantes direitos sociais inerentes às quotas empenhadas, nomeadamente o direito de participação em assembleias gerais, direito de voto, direito à impugnação de deliberações de qualquer órgão social e direito à informação. 4. Não obstante o referido no número anterior, os sócios poderão continuar a exercer os seus direitos previstos nesse número até comunicação em contrário do credor pignoratício. (M)

14º - A 31 de Março de 2006 reuniu em Lisboa, a Assembleia Geral da AA, da qual foi lavrada a acta junta por cópia a fls. 66-69, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, nomeadamente:

"A 31 de Março de 2006 reuniu (...), a Assembleia Geral da AA, Ldª (...).

Encontrava-se presente o CC, PLC(...), na sua qualidade de credor pignoratício - conforme contrato de constituição de penhor datado de 20 de Janeiro de 2006 e notificação efectuada à sociedade na mesma data, documentos que se encontram depositados na sede da sociedade - cujo penhor incide sobre as quotas detidas pelos actuais sócios da sociedade, a saber: a) penhor sobre duas, (...) representativas de 50% do capital social da social, pertencentes ao sócio HH; e b) penhor sobre duas quotas (...) representativas de 50% do capital social da social, pertencentes à sócia II Ll - Construção Civil, Ldª (...)

Estando representada a totalidade do capital social, foi manifestada a vontade de que se reunisse a Assembleia Geral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54° do Código das Sociedades Conrfrdais, para que deliberasse sobre a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: Deliberar sobre a destituição do gerente HH do seu actual mandato de gerência, com efeitos imediatos;

Ponto Dois: Deliberar sobre a nomeação de JJ (. ..) como gerente da sociedade para um mandato com início a 31 de Março de 2006.

Declarada aberta a sessão e em relação ao ponto um da ordem de trabalhos foi deliberado, por unanimidade, aprovar a destituição do gerente HH da gerência da sociedade, com efeitos imediatos.

Entrando no ponto dois da ordem de trabalhos, foi deliberado por unanimidade aprovar a nomeação de JJ (...) como gerente da sociedade para um mandato com início a 31 de Março de 2006, não devendo, na qualidade de gerente receber qualquer remuneração. (...)" (N)

15º - A 01 de Julho de 2009 foi lavrada a escritura de "cessão de créditos " junta por cópia a fls. 76-81, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido, tendo como outorgantes o CC PLC, na qualidade de cedente e a DD, SA, na qualidade de cessionária. (O)

16º - Na referida escritura declarou o representante do CC, na qualidade de cedente: " - Que o cedente é titular de um conjunto de créditos vencidos, concedidos a um mutuário, nos termos em que cada crédito se encontra identificado em cada uma das folhas do documento complementar que fica a fazer parte integrante da presente escritura (...) mediante a identificação do mutuário, dos montantes dos créditos concedidos, a identificação dos imóveis correspondentes, mediante a respectiva descrição predial e matricial e inscrições hipotecárias existentes, doravante designados simplesmente por " Créditos";

- Que, pela presente escritura, na qualidade em que intervém cede à cessionária (...), cada um dos créditos, pelo preço global de quatro milhões de euros;

- Que a presente cessão comporta, relativamente a um dos créditos, a transmissão para a cessionária,(...) de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipotecas constituídas para sua garantia; (...)" (P)

17º - Pelos representantes da DD foi dito: " Que para a sociedade sua representada, aceitam a presente cessão de cada um dos créditos nos termos exarados, confirmando a promoção da inscrição da mesma nos registos prediais aplicáveis competente à cessionária. (...)" (Q)

18º - Da referida escritura faz parte integrante o " Documento complementar..." que constitui fls. 82-110, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido. (R)

19º - A 06 de Julho de 2009 JJ renunciou à gerência da autora (S)

20º - O réu endereçou à autora, que a recebeu a 08.07.2009., a carta, datada de 01 de Julho de 2009, junta por cópia a fls. 360, comunicando a renúncia ao penhor que incidia sobre a totalidade das quotas de capital social da AA, de que eram titulares a II II - Construção Civil Limitada e HH. (T)


Da instrução da causa resultou provado:

21º - O projecto referido no ponto 3º tinha em vista a construção de moradias, em número não concretamente apurado, apartamentos em número não concretamente apurado e um hotel. (1)

22º - Os financiamentos e facilidades referidas em 4º a 11º foram solicitados e tinham em vista a concretização do projecto referido em 3º (2)

23º - A KK prestava serviços ao réu na área da recuperação de empresas, reestruturação e insolvência e nesse âmbito, a KK e o réu acordaram na nomeação do sócio e consultor da primeira, JJ, como gerente da autora (11)

24º - A KK facturou à autora, entre Janeiro de 2006 e Junho de 2009, € 1.486.458,40. (15)

25º - A 31 de Março de 2009 a autora tinha em construção um número não concretamente apurado de moradias. (16)

26º - A 31 de Março de 2006 a autora tinha celebrado um número não concretamente apurado de contratos promessa. (17)

27º - Entre 31 de Março de 2006 e Julho de 2009 não foram terminadas as moradias que estavam em construção nem foram iniciadas novas construções na Urbanização .... (18 e 25). Devido a isso, a autora teve de celebrar acordos de regularização de dívida com os promitentes compradores que implicaram o pagamento do total de € 651.497,68. (26 e 27) – matéria alterada pelo acórdão da Relação de ... a fls 1074 vº.

28º - O gerente nomeado ordenou pagamentos a um escritório de advogados - LL. (19)

29º - Nos anos a seguir indicados, o passivo da autora era o também a seguir indicado:

2005 - 13.578.189,68

2006 - 16.217.509,28

2007 - 17.202.048,43

2008 - 17.742.809,81

2009 - 6.682.565,40 (20)

30º - A 09.12.2009 a autora e os Ilustres Advogados identificados no instrumento de fls. 129 -142 em representação dos promitentes-compradores ali também identificados, subscreveram o referido instrumento denominado " Acordo de Regularização de Dívida", cujo teor integral se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado a constar, nomeadamente, o seguinte:

" Considerando que:

a) A AA celebrou com os segundos contraentes contratos promessa de compra e venda tendo por objecto moradias a construir em lotes de terreno da propriedade daquela, localizados na Urbanização …, sita na freguesia de …, concelho de O…;

b) Por vicissitudes várias, a AA não cumpriu os contratos promessa celebrados, não tendo celebrado nas datas contratualmente previstas as escrituras de compra e venda prometidas, o que motivou a instauração, pelos segundos contraentes, das acções judiciais declarativas de condenação melhor identificadas no quadro que passa a integrar o presente Acordo como Anexo XVIII, destinadas a exigir a restituição em dobro das quantias pagas a título de sinal, no caso dos segundos contraentes (....), a execução específica dos contratos prometidos, no caso dos segundos contraentes (...) e ainda a devolução do sinal entregue acrescido de indemnização contratual no caso dos segundos contraentes (...)" (26)

31º - O acordo referido no ponto anterior previa o pagamento aos promitentes-compradores das quantias ali referidas, no total de € 651.497,68. (27)

32º - Entre Março de 2006 e Julho de 2009 a Urbanização … apresentava uma imagem de abandono. (29).

33º - A 31.01.2011 não existia qualquer inscrição de responsabilidade da autora na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. (30).

34º - A 31.07.2011 constava da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal que havia um crédito abatido ao activo do CC, PLC relativamente à autora, tendo tal informação sido comunicada pelo CC (31).

35º - A 31.10.2013 não existia qualquer inscrição de responsabilidade da autora na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. (32).

36º - Em meados de 2010 a autora começou a negociar com a DD a compra de 13 lotes na Urbanização …, tendo sido fixado o preço de € 4.000.000,00. Tais negociações demoraram pelo menos meio ano (33 e 34) – matéria alterada pelo acórdão da Relação de ... a fls 1076.

 37º - Em data não concretamente apurada, a autora iniciou um pedido de financiamento junto do EE, tendo em vista a aquisição das 13 moradias inacabadas. (35).

38º - O financiamento foi aprovado e a escritura de compra e venda esteve aprazada para meados de 2011, mas nunca se chegou a concretizar o financiamento por a tal obstar a situação do CRC da autora junto do BdP e, consequentemente, a autora não concretizou a aquisição das propriedades à DD. (36).

39º - A 31 de Julho de 2011, o EE deu a conhecer ao legal representante da autora FF, o facto de a autora ter mais de 10 milhões de euros de crédito na CRC do Banco de Portugal, que, pela sua parte, o processo estava completamente pronto e aprovado, com aquela situação não era possível avançar com a finalização do empréstimo e, assim, para a celebração da escritura, solicitava esclarecimentos e que, com a situação descrita, dificilmente seria analisada nova proposta de empréstimo. (37).

40º - A intenção da autora era finalizar as moradias, mobilá-las e colocá-las no mercado de arrendamento de férias. (40).

41º - Caso a autora finalizasse, mobilasse e colocasse no mercado de arrendamento as moradias, a mesma poderia obter com essa actividade um rendimento anual ilíquido não concretamente apurado. (41)

42º - A 28.09.2011 a autora subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 216-291, denominado "Contrato de promessa de compra e venda" em que promete adquirir os lotes 119 e 120 na urbanização, pelo preço de € 320 000,00 cada um. (43).

43º - O gerente JJ comunicou à autora, por carta recebida a 08 de Julho de 2009, a renúncia ao cargo de gerente. (49).

44º - Devido ao facto de a autora não ter dinheiro, ao facto de os sócios não se terem disponibilizado a investir no projecto, de o réu não estar disponível para continuar a financiar o projecto e, entretanto, à crise do imobiliário de 2008, não se finalizaram as moradias e não se iniciou a construção de novas moradias. (52).

45º - O réu acordou com a KK a nomeação de JJ como gerente tendo em consideração a situação financeira deficitária da autora e os problemas entre os sócios. (55).



B) Fundamentação de direito


A decisão recorrida delimita o objecto do recurso (artigo 663º nº 2 do CPC); e é nesse âmbito que as conclusões do recorrente circunscrevem depois o mesmo objecto (artigo 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC).

Nesse enfoque, a hipótese dos autos pode assim ser enunciada:

- A perda de chance;

- Ampliação subsidiária do âmbito do recurso


A PERDA DE CHANCE


A primeira instância afastou a procedência da acção pela não verificação do conceito de perda de chance.

A Relação, sobre a matéria em causa, transcrevendo toda a sentença nesta parte, considerou que, face à argumentação da primeira instância, “ se nos merece acordo o discurso teórico, já não o prático”. Acabou por julgar em sentido diferente, atribuindo uma indemnização à autora “dentro dum juízo de equidade, à luz do conceito de perda de chance”.

É contra este entendimento que se insurge o banco réu, dizendo que o dano indemnizável fundado numa “perda de chance” não faz qualquer sentido e carece de acolhimento legal.


Importa, pois, apreciar se existe a obrigação de indemnizar a autora por parte do réu.

Ao mesmo tempo, e por decorrência, vislumbra-se também o dano de perda de oportunidade, ou perda de chance? Ou seja, de algum modo, o réu, ora apelante, inviabilizou a oportunidade de a autora finalizar as moradias e colocá-las no mercado de arrendamento de férias, por forma a obter um rendimento anual?

Comporta o seu procedimento um efeito gerador da obrigação de indemnizar a autora?

É o que iremos analisar de seguida.


Júlio Gomes analisa a questão da perda de chance, concluindo:

Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito…Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete da lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se “ densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se pode falar (…) de uma “ quase propriedade de um bem”[1].


Também Armando Braga[2], refere:

“ O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de uma obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização”.


A este respeito refere Carneiro de Frada,[3]:

Um outro exemplo dá-o o dano conhecido por “perda de chance” praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: Se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?...

Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do artigo 483.º, n.º 1 não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda de uma chance.

Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566º nº 3)”.


Tudo se resume a saber se existe ou não a possibilidade de atribuir efeitos indemnizatórios de danos patrimoniais à perda de chance.

 “O problema da perda ou diminuição de chance é caracterizado decisivamente pela interferência da incerteza relacionada com o futuro na questão da determinação da responsabilidade”, escreve Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra, 2008, pág. 1103, nota 3013), citado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 14.03.2013[4].

Este acórdão analisou e decidiu uma situação de incumprimento de mandato forense, referindo que “tanto são indemnizáveis os danos emergentes como os lucros cessantes (nº 1 do artigo 564º do Código Civil); e os danos presentes ou futuros, desde que previsíveis (nº 2); em qualquer caso, no entanto, é à teoria da diferença que cumpre recorrer para calcular o montante da indemnização, o que poderá implicar dificuldades numa hipótese em que, como aqui sucede, é particularmente difícil comparar situações patrimoniais, nas quais uma é incerta (aquela que os autores teriam se o réu tivesse apresentado o requerimento de prova) – ou seja, nas quais ocorre uma situação de incerteza também quanto aos danos”.


Para que se justifique a atribuição de uma indemnização ao lesado e apesar de não comprovado o nexo causal entre o facto e o dano final, necessário é que da ocorrência de um determinado evento se divisa que em resultado dele, é real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de uma vantagem ou de prevenção de um prejuízo.

Ou seja, permite a figura do instituto da perda de chance, e em sede de verificação do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao nexo de causalidade entre facto e dano, como que uma diminuição e/ou decréscimo das exigências no âmbito da prova, mas, ainda assim, e como é compreensível, imprescindível é sempre (artº 483º do Código Civil) que alegue e prove o lesado, além do facto ilícito, a culpa do infractor, a verificação do dano final e uma considerável probabilidade de ter sido evitado um prejuízo não fora a falta cometida pelo responsável pela indemnização.


Dito de uma outra forma, nas palavras de Nuno Santos Rocha[5], apenas “quando, de acordo com a normalidade das regras do ónus da prova, não se consiga estabelecer o nexo causal entre um facto ilícito e um dano, mas se constata que, não fora a ocorrência do primeiro, o segundo teria uma probabilidade maior de não se produzir, a teoria da “perda de chance“ permite considerar que o comportamento censurável do agente privou a vítima de determinadas possibilidades de não sofrer aquele prejuízo, e que por isso essa perda poderá ser indemnizada.

Todavia, esta ideia, que terá tido origem no intuito de aligeirar a prova da causalidade, foi transformada através de uma longa evolução jurisprudencial e doutrinal comparada, numa verdadeira teoria autónoma de determinação do dano. Assim entendemos que, para que possa ser admitida dentro dos quadros da nossa responsabilidade civil, a figura da “perda de chance” terá de ser considerada como uma nova espécie de dano reparável, desde que sejam, obviamente, preenchidos todos os pressupostos necessários ao nascimento de uma obrigação de indemnizar”.


Ora, admitindo-se que a figura da perda de chance possa ser considerada como uma nova espécie de dano reparável [porque resolve as questões do “dano” e do “nexo de causalidade” (entre o facto e o dano) de uma forma diversa e tendo como pressuposto a existência de dificuldades de prova da “causalidade física”, entre o facto e o dano final], imprescindível é todavia, ainda assim, que se mostrem preenchidos todos os pressupostos do nascimento da obrigação de indemnizar, ou seja, não introduz o instituto da perda de chance qualquer alteração dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil.

Na perda de chance repara-se a possibilidade de um resultado e não o próprio resultado.


No caso dos autos afirma-se no acórdão recorrido que, em face da modificação de facto, ficou demonstrado que a não concretização do negócio, por banda a autora com a DD, foi imputável à ré, dada a situação junto do BdP.

O núcleo essencial da matéria de facto que importa aqui recuperar é o seguinte:

- Entre 31 de Março de 2006 e Julho de 2009 não foram terminadas as moradias que estavam em construção nem foram iniciadas novas construções na Urbanização ... (18 e 25). Devido a isso, a autora teve de celebrar acordos de regularização de dívida com os promitentes compradores que implicaram o pagamento do total de € 651.497,68 (27º) – matéria alterada pelo acórdão da Relação de … a fls 1074 vº.

- O passivo da autora, em 2009, era de 6.682.565,40 – 29º.

- A 31.07.2011 constava da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal que havia um crédito abatido ao activo do CC, PLC relativamente à autora, tendo tal informação sido comunicada pelo CC - 34º.

- Em meados de 2010 a autora começou a negociar com a DD a compra de 13 lotes na Urbanização …, tendo sido fixado o preço de € 4.000.000,00. Tais negociações demoraram pelo menos meio ano (36º) – matéria alterada pelo acórdão da Relação de … a fls 1076.

- A 31 de Julho de 2011, o EE deu a conhecer ao legal representante da autora FF, o facto de a autora ter mais de 10 milhões de euros de crédito na CRC do Banco de Portugal, que, pela sua parte, o processo estava completamente pronto e aprovado, com aquela situação não era possível avançar com a finalização do empréstimo e, assim, para a celebração da escritura, solicitava esclarecimentos e que, com a situação descrita, dificilmente seria analisada nova proposta de empréstimo - 39º.

- A intenção da autora era finalizar as moradias, mobilá-las e colocá-las no mercado de arrendamento de férias – 40º.

- Caso a autora finalizasse, mobilasse e colocasse no mercado de arrendamento as moradias, a mesma poderia obter com essa actividade um rendimento anual ilíquido não concretamente apurado - 41º.

- Devido ao facto de a autora não ter dinheiro, ao facto de os sócios não se terem disponibilizado a investir no projecto, de o réu não estar disponível para continuar a financiar o projecto e, entretanto, à crise do imobiliário de 2008, não se finalizaram as moradias e não se iniciou a construção de novas moradias - 44º.

- O passivo da autora, em 2009, era de 6.682.565,40 – 29º.

- A 31.07.2011 constava da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal que havia um crédito abatido ao activo do CC, PLC relativamente à autora, tendo tal informação sido comunicada pelo CC - 34º.

- Em meados de 2010 a autora começou a negociar com a DD a compra de 13 lotes na Urbanização …, tendo sido fixado o preço de € 4.000.000,00. Tais negociações demoraram pelo menos meio ano (36º) –

O acórdão recorrido dá relevância à matéria de facto alterada (FP nºs 27º e 36º), concluindo que a não concretização do negócio, por banda da autora com a DD, foi imputável à ré dada a situação junto do BdP.

Antes das alterações efectuadas pelo acórdão recorrido, tais factos tinham a seguinte redacção:

Facto provado nº 27:

“Entre 31 de Março de 2006 e Julho de 2009 não foram terminadas as moradias que estavam em construção nem foram iniciadas novas construções na Urbanização …. (18 e 25)”. 

Facto provado nº 36º:

“ Em 2010 a autora negociou com a DD a aquisição de 13 moradias inacabadas na Urbanização …. (33 e 34)”.


A alteração trazida pelo acórdão da Relação a tais factos apenas reflecte um preciosismo de escrita, um estilo de linguagem, que é meramente explicativa e sem qualquer contributo relevante para a solução jurídica do pleito.

Numa primeira abordagem, o acórdão recorrido concorda com as considerações teóricas da primeira instância, que imediatamente abandona sob a capa de um critério de natureza prática, para concluir de maneira diversa.


A questão que importa decidir consiste, pois, em saber se, em face da factualidade apurada e com especial relevo para aqueles factos que constituem o núcleo fundamental da questão de direito, foi causado um dano à autora, ora recorrida traduzido na perda de rendimento relativo à exploração comercial dos 13 lotes destinados a moradias.

Pela importância que revestem, transcrevemos os referidos factos:

 - A intenção da autora era finalizar as moradias, mobilá-las e colocá-las no mercado de arrendamento de férias – 40º.

- Caso a autora finalizasse, mobilasse e colocasse no mercado de arrendamento as moradias, a mesma poderia obter com essa actividade um rendimento anual ilíquido não concretamente apurado - 41º.


Deles se pode concluir apenas que (i) é intenção da autora finalizar, mobilar e arrendar as moradias e (ii) existe uma hipotética obtenção de um rendimento anual líquido não apurado.


Ora, é muito difícil a compreensão de que “uma intenção” e um “cenário hipotético” consubstanciam um dano indemnizável, à luz do conceito de perda de chance.

Dito de outra forma e recuperando a douta argumentação da primeira instância, o que se poderia dizer, é que a autora teria perdido a oportunidade de adquirir as moradias e não o benefício que pretendia obter com a sua colocação no mercado de arrendamento, que é de verificação incerta.

Mas mesmo que assim fosse, aquela oportunidade não teria um valor económico concreto, desde logo porque, para adquirir as moradias, a autora estava a negociar um empréstimo, ou seja, pretendia contrair responsabilidades de amortização e pagamento de juros remuneratórios, as quais, certamente, estariam cobertas por uma garantia hipotecária, ou seja, se a autora ia adquirir um activo, também ia adquirir um passivo, anulando aquele.


Ficou ainda provado que a 28.09.2011, a autora subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 216-291, denominado “Contrato de promessa de compra e venda” em que promete adquirir os lotes 119 e 120 na urbanização, pelo preço de € 320 000,00 cada um - 42º.


Por outro lado, não se provou que a autora não conseguiu os fundos necessários para cumprir os contratos-promessa e perdeu o sinal já pago, no valor de € 200 000,00 – ponto 3.3.21 da sentença da primeira instância.


É certo que o CC, em 01.07.2009, cedeu à DD, SA os créditos que detinha sobre a autora (Facto provado 15º) e em 31.07.2011 (Facto provado nº 34º), não era titular de qualquer crédito sobre a autora.


Mas se algum dano houvesse sempre seria imputável à autora e não ao réu, ora recorrente, pois se a 31.07.2011 já sabia que constava da CRC que o CC se considerava detentor de um crédito abatido ao activo, ao celebrar o contrato promessa a 28.09.2011 (Facto provado 42º), correu um risco, que lhe é inteiramente imputável.

Outra razão não menos importante e que claramente aponta para a ausência de dano imputável ao réu tem a ver com o que se provou no ponto 44º da Fundamentação de facto:

“Devido ao facto de a autora não ter dinheiro, ao facto de os sócios não se terem disponibilizado a investir no projecto, de o réu não estar disponível para continuar a financiar o projecto e, entretanto, à crise do imobiliário de 2008, não se finalizaram as moradias e não se iniciou a construção de novas moradias. (52)”.


Dos factos provados nos nºs 40º e 41 supra mencionados não resulta, com elevado grau de certeza, que em resultado da conduta do CC é real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de uma vantagem ou de prevenção de um prejuízo por banda da autora.

Em 2011, em plena crise económica mundial e de recessão económica, com elevado número de insolvências em Portugal, não existe um mínimo de certeza factual que suporte a pretensão da autora, ora recorrida.


Da factualidade apurada apenas se poderá concluir que a autora perdeu a oportunidade de adquirir as moradias e não a hipotética possibilidade de obtenção de lucro decorrente da exploração turística das mesmas, que é de verificação incerta. A aquisição das moradias com vista à sua exploração turística poderia originar proveitos para a autora, como poderia originar prejuízos.

A mesma não provou que a não aquisição das moradias, por facto ilícito imputável ao réu, ora recorrente, conduziu necessariamente à perda de uma oportunidade de obtenção de lucros.


O acórdão recorrido entendeu que não é aceitável nem credível que a actividade da recorrida não era susceptível de gerar qualquer margem de lucro. Não temos como certa aquela afirmação do acórdão, pois à época vivia-se uma enorme crise económica e financeira a nível mundial, atravessando Portugal um período de recessão.

Por outro lado, não podemos ser alheios ao que se passava no interior da própria autora - e a isto já nos referimos quando chamamos a terreiro o facto provado nº 44º -, que aconselhava uma maior prudência nos seus investimentos.


Terminando, para concluir, e como consta das doutas alegações, diremos que, em função da factualidade provada, não é certo, objectivo e previsível que, mesmo que a recorrida adquirisse as moradias, esta viesse efectivamente a ter um lucro associado a tal aquisição, pois existiriam um conjunto de variáveis que poderiam originar tanto a verificação de lucros como a ocorrência de prejuízos para a recorrida.

Por conseguinte, a factualidade provada é reveladora da inexistência de quaisquer danos indemnizáveis na esfera jurídica da recorrida, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado e mantida a decisão da primeira instância.

Não se provando o nexo de causalidade entre a acção do banco réu e o dano na vertente de perda de oportunidade, a acção terá de improceder, procedendo, pois, a revista interposta pelo réu.


AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ÂMBITO DO RECURSO, A REQUERIMENTO DA RECORRIDA.


A autora, ora recorrida, nas suas contra-alegações veio apresentar a ampliação subsidiária do âmbito do recurso, tendo por objecto a responsabilidade contratual do réu perante a autora de ser ressarcida dos prejuízos que teve com a devolução dos sinais dos contratos promessa celebrados para aquisição de moradias que não foram construídas durante o período em causa, no valor de € 651.497,68.

Baseia a sua pretensão na alteração da matéria de facto efectuada pelo acórdão recorrido e a que já nos referimos supra.

Mais alega que todos os efeitos do contrato de penhor celebrado entre o recorrente e as sócias da recorrida se repercutiram apenas na esfera jurídica desta.


A parte contrária respondeu dizendo que jamais poderá haver lugar a responsabilidade contratual desta, porquanto o contrato em causa não foi celebrado com a recorrida, mas entre o recorrente e sócios da recorrida. Desta forma, é clara a falta de legitimidade da recorrida, pois esta não é beneficiária de quaisquer direitos e/ou obrigações emergentes do contrato de penhor, não podendo, por isso, demandar o recorrente por alegado incumprimento do mesmo.

Pronuncia-se ainda pela inadmissibilidade da ampliação do recurso.


Importa decidir.

Esta questão da responsabilidade contratual do réu já foi decidida nas instâncias, de forma uniforme, concluindo-se pela inexistência desta responsabilidade dado que a relação contratual subjacente foi estabelecida ou negociada entre os sócios da autora e a ré e não entre a própria autora e a ré.

Neste segmento a Relação confirmou a sentença da primeira instância com a mesma fundamentação.

Ou seja, utilizando as palavras do recorrente, as duas instâncias chegaram à mesmíssima conclusão:

não existe qualquer responsabilidade contratual por parte do ora recorrente, porquanto não existe qualquer relação contratual entre o recorrente e a recorrida.

A verdade é que a ora recorrida, de forma completamente injustificada, procura socorrer-se de uma irrelevante alteração linguística para fundamentar uma diferente configuração jurídica, quando esta não existe.

Sendo pacífica a solução entre as duas instâncias com os mesmos fundamentos, na medida em que sobre ela vigora a dupla conforme, não é possível uma nova apreciação da causa - vd. artigo 671° n° 3 do CPC.

“ Não é a mera divergência verificada num determinado segmento decisório que pode despoletar a revista normal relativamente a todo o acórdão da Relação, devendo esta circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do colectivo.

Deste modo, se quanto a determinado segmento se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça relativamente a tal parcela do acórdão da Relação ficará dependente do accionamento da revista excepcional e da sua aceitação pela formação referida no artº 672º nº 3”[6].

Ali se cita na nota de rodapé nº 533 o Ac. do STJ de 15.09.2016, 14633/14, in www.dgsi.pt do qual consta o seguinte sumário:

“1. Existe dupla conformidade de julgados quando se está perante decisões idênticas em ambas as instâncias, que não diferem uma da outra, e sem fundamentação essencialmente diferente.

2. Sendo as decisões proferidas por ambas as instâncias compostas por diversos segmentos decisórios distintos, uns favoráveis e outros desfavoráveis, o conceito de dupla conforme previsto no artº 671º nº 3, deve ser aferido separadamente em relação a cada um deles”.


Vide ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2016[7]:

“ Face ao disposto na parte final do n° 5 do artigo 633° do CPC, a ocorrência de dupla conforme, nos termos e para os efeitos previstos no n°3 do artigo 671° do mesmo Código, mantém-se como requisito de inadmissibilidade do recurso de revista subordinado".


Nesta conformidade, havendo dupla conforme na situação desenhada pela recorrida, é inadmissível a ampliação subsidiária do âmbito do recurso, que mais não é do que um recurso subordinado, como aliás, deixa subentendido na sua justificação com vista à admissibilidade do recurso ampliado, invocando o disposto no artigo 633º nº 5 do Código de Processo Civil.

Assim, procedem as conclusões das alegações do recorrente.


SÍNTESE CONCLUSIVA

- Para que se justifique a atribuição de uma indemnização ao lesado e apesar de não comprovado o nexo causal entre o facto e o dano final, necessário é que da ocorrência de um determinado evento se divisa que em resultado dele, é real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de uma vantagem ou de prevenção de um prejuízo.

- Permite a figura do instituto da perda de chance, e em sede de verificação do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao nexo de causalidade entre facto e dano, como que uma diminuição e/ou decréscimo das exigências no âmbito da prova, mas, ainda assim, e como é compreensível, imprescindível é sempre (artº 483º do Código Civil) que alegue e prove o lesado, além do facto ilícito, a culpa do infractor, a verificação do dano final e uma considerável probabilidade de ter sido evitado um prejuízo não fora a falta cometida pelo responsável pela indemnização.


 III - DECISÃO


Atento o exposto, concede-se provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da primeira instância.

Custas pela recorrida.


Lisboa, 06.12.2018


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo Geraldes

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Vencida quanto à não admissão do recurso subordinado, apresentado pela recorrida como ampliação subsidiária do âmbito do recurso. Como se decidiu, nomeadamente, nos acórdãos desta secção de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/0.7TBVCD.P1.S1 ou de 19 de Outubro de 2016, www.dgsi.pt, proc. nº 3/13.5TBVR.G1-A.S1, “sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme”, aplicando-se “por analogia o regime previsto pelo nº 5 do artigo 633º do Código de Processo Civil para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente” (acórdão de 4 de Junho de 2015).

Discordo ainda do pressuposto em que assentou a afirmação da existência de dupla conforme, que é a sua aferição por segmentos decisórios; como tenho entendido, a diferenciação só será admissível quanto a objectos materialmente autónomos.

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[1] Direito e Justiça, XIX, 205, II.
[2] A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual, pág. 125.

[3] Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, pág. 103:
[4] Proc.º nº 78/09.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[5] A “Perda de Chance” Como uma Nova Espécie de Dano, Almedina, 2017-Reimpressão, pág 23.
[6] António Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª Edição, Almedina, pág. 370
[7] Proc.º nº 1602/10.2TBVFR.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj