Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
802/14.0TBTNV.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: ENERGIA ELÉCTRICA
ENERGIA ELÉTRICA
DISTRIBUIÇÃO
CONCESSIONÁRIO
DANO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
CASO DE FORÇA MAIOR
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE PELO RISCO / DANOS CAUSADOS POR INSTALAÇÕES DE ENERGIA ELÉCTRICA OU GÁS.
Doutrina:
- Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Responsabilidade Civil Extracontratual. Novas perspectivas em matéria de nexo de causalidade, Principia, 2014, p. 34 a 36, 39 e ss.;
- Antunes Varela, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2000, Volume I, p. 712 a 714;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 14.ª Edição, 2017, Volume I, p. 360, 361, 386 e 387;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I., 4.ª Edição, p. 525,
- Vaz Serra, Responsabilidade pelos Danos Causados por Instalações de Energia Eléctrica ou Gás e por Produção e Emprego de Energia Nuclear, BMJ, n.º 92 (Janeiro de 1960), p. 139 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2 E 509.º, N.ºS 1 E 2.
DL N.º 176/2006, DE 23/08, BASES XI E XI DO ANEXO V.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-09-1994, PROCESSO N.º 084991;
- DE 13-07-2004, IN CJ, VOL. II, P. 155;
- DE 08-11-2007, PROCESSO N.º 2640/06, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 1452/L3.4TJLSB.LL.SL, IN WWW.STJ.PT;
- DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 1452/13.4TJLSB.L1.S1, IN WWW.STJ.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 09-03-2017, PROCESSO N.º1142/12.5TBALQ-2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 6800/15.0T8LSB.L1-6.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 15-05-1984, IN CJ, III, P. 42 E SS.;
- DE 15-01-1991, IN CJ, I, P. 47 E SS..
Sumário :

I - A ré, concessionária e operadora da Rede Nacional de Distribuição de energia eléctrica, designadamente em baixa tensão e na zona onde se situam as instalações da autora, é, titular da direcção efectiva da rede, devendo manter, a expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança os bens e meios a elas afectos, efetuando para tanto as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço concedido – bases XI e XI do anexo V ao D.L. n.º 176/2006, de 23/08.
II - A interrupção do fornecimento de energia eléctrica, que integra a prestação do serviço a que a ré estava vinculada, de que resultaram danos para a autora, com origem no sobreaquecimento de um Posto de Transformação, faz incorrer a ré na responsabilidade prevista no art. 509.º, n.º 1, do CC.
III - A falta de demonstração, pela ré – art. 342.º, n.º 2, do CC –, da relação de causalidade entre a ocorrência de fenómenos atmosféricos excepcionais e o sobreaquecimento do Posto de Transformação prejudica a questão de saber se ocorreu causa de força maior excludente da responsabilidade - art. 509.º, n.º 2, do CC.


Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório
1. AA intentou acção declarativa contra “BB, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a importância global de 61 806,06 €, acrescida dos respectivos juros legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação até ao integral pagamento, a título de indemnização pelos prejuízos causados por um incêndio ocorrido no dia 4 de Janeiro de 2014, pelas 08,30 horas num seu pavilhão/armazém, sendo que o meio de ignição de tal incêndio foi uma descarga eléctrica, proveniente de um posto de transformação (PT) e consequente rebentamento do quadro eléctrico, posicionado no interior do armazém com o consequente curto-circuito na caixa de fusíveis e contador, instaladas no muro de vedação.
A ré contestou negando ter celebrado qualquer contrato de distribuição de energia eléctrica com a A. e alegando que foi na decorrência das condições meteorológicas de carácter excepcional que foram provocados os danos na rede e no PTD 106 que alimentava o local de consumo da autora.
Por fim aduziu que, à data dos factos, a rede eléctrica da concessão da BB, S.A. estava em perfeitas condições de exploração, cumprindo com todas as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação, sendo que o evento que ocorreu em 4 de Janeiro de 2014 foi considerado pela ERSE um evento de carácter excepcional. Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Na sequência da contestação da ré, BB S.A., a autora veio requerer a intervenção principal passiva da CC, S.A. e da DD, S.A. e tendo sido admitida a intervenção da primeira e indeferida a intervenção da segunda.

Elaborado saneador, delimitado o objecto do processo e determinados os temas da prova, procedeu-se a julgamento e subsequentemente foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção.

2. Inconformada, a A. apelou da sentença. Em recurso o Tribunal da Relação de Évora julgou procedente a apelação e, revogando a alínea b) do dispositivo da sentença recorrida, condenou a Ré, BB, S.A a pagar à Autora, AA, uma indemnização – a liquidar em competente incidente – pelos danos descritos nos pontos 26 a 29 dos “ Factos Provados “, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação da Ré e até integral pagamento.

3. A Ré, BB S.A, pede revista do Acórdão, apresentando as seguintes conclusões da revista (transcrição):

“I. Introito

1. A Autora intentou acção com vista à condenação da BB, ora Recorrente, por danos alegadamente sofridos, por descarga eléctrica proveniente de um Posto de Transformação (PT) em Torres Novas, no dia 4 de Janeiro de 2014.

2. A Ré, aqui Recorrente, impugnou, dado que na data e no local dos factos ocorreram de rajadas de intensidade excepcional e descargas atmosféricas, tendo, o PT em causa, sido atingido por um raio/uma trovoada, facto esse, que esteve na origem dos danos alegados.

3. Veio a ser proferida sentença que considerou totalmente improcedente o pedido da Autora, considerando provada a ocorrência de uma causa de força maior nos termos do n.º 2 do art.º 509.º CC, alicerçando-se na prova testemunhal (com fundamentação expressa ao longo das páginas 14 a 20 da sentença da análise crítica dos depoimentos) e documental produzida.

4. Inconformada, a Autora interpôs recurso da Sentença, por errónea apreciação da matéria de facto (os pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados) e por erro de julgamento na apreciação jurídica dos factos, pugnando pela revogação da sentença, tendo a Ré, contra-alegado.

5. Decidiu o Tribunal da Relação de Évora julgar procedente o Recurso interposto revogar a Sentença proferida em 1ª Instância, pelo que, em consequência condenou, a ora Recorrente, no pedido, em montante a apurar em sede de liquidação de sentença – não se conformando com essa decisão, a Ré, aqui Recorrente, interpôs o presente Recurso.

II. delimitação objectiva do recurso
6. Entende a Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora se encontra ferido de ilegalidade por violação da lei substantiva e errada aplicação das leis do processo, uma vez que considerou como não admissível toda a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, precludindo, os princípios basilares do Processo Civil, da imediação e da livre apreciação da prova pelo juiz, em clara violação do disposto nos artigos 368.º, 392.º a 396.º do Código Civil e no art.º 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do C.P.Civil, incumprindo ainda, por não ter procedido à análise de depoimentos de testemunhas e da demais prova, o determinado quanto aos poderes de alteração/modificação da decisão de facto, que lhe são conferidos nos termos do art.º 662.º, n.º 2 do do CPC.
7. Veio ainda o Tribunal da Relação, no entender da Recorrente, fazer uma errada interpretação, com o devido respeito, do n.º 2 do artigo 509.º do Código Civil, no que concerne à definição legal de “causa de força maior”, em sede da apreciação do mérito da decisão de direito - motivos pela qual a Recorrente vem intentar o presente recurso.

III. da não admissão da prova Testemunhal, e da violação do poderes de alteração/modificação da decisão de facto
8. É certo que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada, dado que, em regra, apenas está acometida a reapreciação de questões de direito. No entanto não está vedado legalmente ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se a decisão do Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados – estando possibilitada a intervenção do STJ nos casos previstos nos artigos 674.º n.º 3 e 682.º n.º 3 do CPC – como foi concluído no Ac. do STJ de 07-07-2016, Proc. 487/14.4TTPRT.P1.S1.
9. Nem está vedado, ao Supremo Tribunal de Justiça, que sindique o correto ou incorrecto uso dos poderes da Relação, no tocante à alteração ou modificação da matéria de facto, solicitando, no fundo, que se avalie se a Relação, ao efectuar a dita apreciação, se conformou, ou não, com a lei - avaliação esta que será uma avaliação de direito e, portanto, da competência do STJ – conforme foi decidido, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2011, Proc. 1675/06.2TBPRD.P1.S1
10. No caso concreto, entende a Recorrente, que o Acórdão de que recorre procedeu à ofensa de uma disposição expressa que fixa a força probatória de determinado meio de prova, já que o Tribunal da Relação afastou a prova testemunhal, considerando-a admissível sem fundamentar a que título;
11. Com efeito, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que não andou bem o Tribunal da Relação quando, na fundamentação do recurso, afirmou que: “a determinação das condições atmosféricas do local do sinistro, com o rigor que o objeto do processo demanda, não se compadece com mera prova testemunhal (mais a mais produzida há mais de três anos após o evento).

Isto é, a determinação da existência de um “tornado”, de um “raio” naquele local concreto (..., Torres Novas) tem de ser evidenciada através de registo adequado da entidade competente que no caso é o I.P.M.A.” cfr. 1º e 2º parágrafo da página 16 do Acórdão de que se recorre).
12. A Relação ao concluir como concluiu, desconsiderou o valor probatório da prova testemunhal que foi produzida, pois ao concluir, que a prova de um determinado facto (a determinação da existência de um “tornado”, de um “raio” naquele local concreto) necessitaria de ser evidenciada por “um registo adequado da entidade competente”, ou seja, um documento autêntico, desvirtuou as normas que exigem certa espécie de prova ou fixam a força probatória de determinado meio de prova, já que afastou a prova testemunhal, considerando-a admissível, sem contudo observar o disposto no art.º 393.º CC.
13. Desconhece, a aqui Recorrente, que norma é que impõe que a prova de tais factos tenha de ser obrigatoriamente provada com recurso a um documento escrito, emanado de determinada entidade…dado que o artigo 392.º do CC estabelece que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, devendo a força probatória ser apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 396.º do CC.
14. Não se alcança, pois, a que título é que a Relação decide o afastamento da prova testemunhal, sobretudo com o argumento de que não pode ser admissível por o rigor do objecto do processo assim o demandar e por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data dos factos…ou que a queda de um raio, naquele concreto local, só pode ser evidenciada através de registo adequado de entidade competente…
15. Sobretudo atendendo a que o IPMA não só não tem estações meteorológicas em todos os locais do país…como nenhuma estação meteorológica do IPMA tem forma de mensurar a queda de raios.
16. Não tomou, o Tribunal da Relação, em consideração as evidências documentais nas quais o Tribunal de primeira instância se alicerçou para decidir como decidiu, como sejam as fotografias que registaram o estado dos descarregadores de sobretensão (DST) do Posto de Transformação onde ocorreu a descarga atmosférica directa e que apresentavam o estado de derretidos “queimados por uma descarga atmosférica directa” como foi indubitavelmente testemunhado por todas as testemunhas da Ré.
17. Conforme é sabido, princípios da imediação e da oralidade devem integrar a legalidade da decisão e são de extrema importância para a justa e correta composição do litígio e apreciação de mérito da causa, devendo, em situações em que são afastados, conforme a dos Autos, ser, pelo menos, devidamente justificado – o que não sucedeu.
18. O modo como a Relação procedeu à apreciação da matéria de facto não foi formalmente correto, nos termos dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que lhe são conferidos nos termos do art.º 662.º, n.º 2 do CPC, por não ter procedido à fundamentação, de uma forma especificada, da decisão.
19. O Tribunal da Relação em face aos depoimentos indicados e a outros elementos probatórios, deveria ter justificado a sua convicção, só assim realizando o pertinente exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova, em lugar de ter referido somente, que “calcorreando o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência o que sobressai em todos eles são conjeturas acerca do sucedido” e tecendo, apenas, umas parcas considerações quanto ao depoimento da única testemunha que não foi ao local dos factos…

Ora,
20. Não é admissível considerar como não provado que a sobretensão no Posto de Transformação 106 foi provocada por uma descarga atmosférica directa (factos 12, 14 e 17 a 20), quando temos depoimentos de, pelo menos, 2 testemunhas diferentes, transcritos nas contra alegações de recurso que subiram para a Relação, que nem sequer foram valorados pelo Tribunal, e que referem, em diversos momentos que o que sucedeu foi “uma descarga atmosférica ali na zona, nas proximidades do PT, (…) porque os descarregadores (DST’s) estão perfurados, o transformador tinha os polos rebentados para cima (…) Só descargas atmosféricas, não pode acontecer de outra forma.” Ou que “os indícios que o PT tem e os indícios que estavam na fábrica, aquilo foi uma forte descarga atmosférica”, “Foi uma consequência da descarga atmosférica.”
21. O próprio relatório do IPMA (junto como doc. 2 da Contestação) descreve, no 1º parágrafo da página 8 que a ocorrência do tornado no distrito de Santarém (estação de Coruche) gerou um aumento da intensidade do vento que atingiu rajadas de, pelo menos 128 quilómetros por hora, entre as 6 horas e as 9 horas de dia 4 de Janeiro, conforme foi invocado em sede de contra-alegações.
22. Analisadas todas as provas existentes nos Autos deveriam ter sido considerados provados os factos em questão (como o fez a 1ª Instância), ou, pelo menos teria de ser fundamentado em sede de decisão os motivos que levaram a outra opção, o que não sucedeu.
23. O Tribunal da Relação não fundamentou convenientemente a sua decisão já que se limitou 1º a concluir que os factos não admitiam prova testemunhal, 2.º que o depoimento das testemunhas eram apenas conjecturas e 3.º a omitir qualquer referência à restante prova documental, o que implica que não tenha procedido a uma correta reavaliação da matéria de facto.
24. Nesse mesmo sentido concluiu esse douto Tribunal, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2011, Proc. 1675/06.2TBPRD.P1.S1

“IV - A Relação ao referir-se, sem qualquer especificação, aos depoimentos das testemunhas, de uma e outra parte, concluindo de forma vaga que “a decisão recorrida ponderou toda a prova produzida, não resultando na sua apreciação manifesto erro, nem flagrante desconformidade entre os elementos probatórios”, furta-se a formar a sua própria convicção, não reapreciando, como devia, as provas apresentadas em que assentou a parte impugnada da decisão “tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido” (cf. art. 712.º, n.º 2, do CPC).

V - Não é compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal.

VI - Não tendo o tribunal a quo procedido a uma correcta reavaliação da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, não cumpriu o que a lei impõe, não se tendo assegurado o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pelo que tem de ser anulado o acórdão recorrido, determinando-se a baixa do processo à Relação para que se proceda à devida reapreciação da prova.
25.  Neste mesmo Acórdão do STJ é possível ainda ler-se a seguinte fundamentação:

“Ou seja, a Relação referiu-se, (sem qualquer especificação) aos depoimentos das testemunhas, de uma e outra parte, concluindo, de forma vaga, que “a decisão recorrida ponderou toda a prova produzida, não resultando na sua apreciação manifesto erro, nem flagrante desconformidade entre os elementos probatórios”.  Evidentemente que as razões invocadas para não alterar as respostas dadas à base instrutória, não é legítima, visto que com essa argumentação furta-se a formar a sua própria convicção, não reapreciando, como devia, as provas apresentadas em que assentou a parte impugnada da decisão “tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido” (5).

O acórdão recorrido nada refere em relação à documentação invocada pelo recorrente para alicerçar o seu entendimento de alteração da matéria de facto. Igual omissão ocorre em relação às indicadas declarações da recorrida ao longo do processo e às evocadas contradições entre a prova testemunhal e os documentos trazidos aos autos pela própria recorrida (vide designadamente as conclusões 5ª e 6ª da apelação).

Por aqui se vê que o aresto recorrido se absteve de reapreciar a totalidade da prova (designadamente a indicada pelo recorrente), para formar a sua própria convicção, justificando a omissão afirmando as generalidades acima já referidas. A reapreciação da prova que compete à Relação, deve ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância em matéria de facto.

Por outro lado, já se disse que o acórdão recorrido se referiu aos depoimentos das testemunhas da A. e das testemunhas do R.. Concluiu que face a esses depoimentos que não será possível a pretendida modificação dos factos.

Será isto suficiente para se concluir que o tribunal a quo reapreciou a prova, formando a sua própria convicção sobre os factos?

A nosso ver, não. É que tendo a recorrente indicado os depoimentos em que funda a sua pretensão de alteração da matéria de facto, tendo inclusivamente transcrito o teor desses testemunhos, cabe ao tribunal proceder a uma análise e observação deles e de outros elementos probatórios, para formar a sua própria convicção (art. 655º do C.P.Civil), indicando, com o detalhe possível, as razões e elementos de tal convencimento. Ou seja, deverá a Relação realizar um exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova invocados pelo recorrente e pelo recorrido.” (…)

“Haverá, pelo contrário, face aos depoimentos indicados e a outros elementos probatórios, formar uma convicção, justificando este convencimento, através dos elementos que, concretamente, se devem indicar. Só assim se realizará o pertinente exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova. Se assim não se proceder, estar-se-á a desvanecer o encargo confiado à Relação de assegurar um segundo grau de jurisdição em termos de matéria de facto e a sua reponderação em recurso em um grau, frustrando-se a concretização a uma das garantias judiciárias fundamentais das partes.”
26. Não tendo o Tribunal a quo procedido a uma correta reavaliação da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, não cumpriu o que estipula o art.º 662.º, n.º 2 do C.P.Civil, não se tendo assegurado o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, pelo que a anulação do presente aresto se justifica.

IV. da errada interpretação do n.º 2 do artigo 509.º do Código Civil
27. O Tribunal da Relação decidir que: “...as condições atmosféricas adversas só por si não seriam suficientes para afastar a responsabilidade da Ré…. Nada há de imprevisível na ocorrência de precipitação e vento forte em pleno inverno, o que arreda, em qualquer circunstância, a hipótese de ser qualificada como causa de força maior susceptível de afastar a responsabilidade objectiva da BB.”
28. Fazendo, no entender da Recorrente, uma errada interpretação, com o devido respeito, do n.º 2 do artigo 509.º do Código Civil, no que concerne à definição legal de “causa de força maior”, em sede da apreciação do mérito da decisão de direito.
29. É certo que a BB responderá, em função da actividade que exerce independentemente de culpa, mas com duas importantes excepções: 1ª não responde se a rede estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação – nos termos no n.º 1 in fine do artigo 509º do Cód. Civil – 2ª não responde se os danos forem devidos a causa de força maiorde acordo com o n.º 2 do artigo 509º do Cód. Civil.
30. Sendo esta, de acordo com o mesmo artigo, toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.
31. No mesmo sentido determina o Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico[1], bem como o Regulamento de Qualidade de Serviço[2], que no seu anexo I elenca as situações que se podem considerar “casos fortuitos ou de força maior” - referindo, expressamente, este último diploma, no n.º 4 do artigo 2º que: “…consideram-se casos fortuitos ou de força maior os que reúnem as condições de exterioridade, imprevisibilidade, irresistibilidade, nomeadamente os que resultem da ocorrência de greve geral, alteração da ordem pública, incêndio, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiros devidamente comprovada.”
32. Os normativos em apreço revelam-se um critério de interpretação indubitável da expressão “causa de força maior” plasmada no n.º 2 do artigo 509.º do Cód. Civil, conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência dos tribunais, como seja o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido em 13-09-2012, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2001, proc. 02B2482.
33. Para além de que, nos termos dos artigos 10.º a 15.º do Decreto Regulamentar 1/92 de 18 de Fevereiro, prevê-se que as linhas só têm de estar preparadas para resistir a uma determinada força do vento e que, cálculos feitos, é a de 120 Km/h.
34. Pelo que, entende a Recorrente que, ao contrário do que foi decidido no aresto de que se recorre, a ocorrência de ventos fortes e de descargas atmosféricas directas, são fundamentos para qualificar a ocorrência como causa de força maior, por serem elementos exteriores, independentes do funcionamento e utilização da coisa, susceptível de afastar a responsabilidade objectiva da BB.
35. Nesse sentido, provada a ocorrência de uma descarga atmosférica directa, e provado que está o correto funcionamento e manutenção da rede, terá que se dar por provada a excepção do n.º 2 do art.º 509.º do C.C.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento à presente Revista, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se que os autos baixem à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto, nos termos acima indicados e se profira nova decisão que absolva a BB por provada a causa de força maior e a inerente excepção do n.º 2 do art.º 509.º CC.Com o que farão V. Exas a desejada, Justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Fundamentação

4. Vêm dados como provados os seguintes factos (tal como alterados pelo TR – do n.º 12 ao 20):
4.1.Factos provados
“1. A ré BB, S.A. é a concessionária da Rede Nacional de Distribuição de Energia Eléctrica em Média Tensão e Alta Tensão e das concessões municipais de distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão, que integram a Rede Eléctrica de Serviço Público (RESP).
2. Enquanto concessionária das redes de energia, a ré BB, S.A. exerce, em regime de serviço público, as funções de “operador de rede de distribuição”, sendo por isso chamada a desempenhar tarefas públicas sob regulação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
3. O operador de redes de distribuição encontra-se sujeito a regulamentação específica da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da ERSE.
4. Cabe ao operador de redes de distribuição o papel de distribuição de energia eléctrica até ao local de entrega das instalações particulares dos consumidores, a contagem da energia e a transmissão da mesma aos comercializadores.
5. A autora é empresária em nome individual, dedicando-se, entre outras, à actividade comercial de fabricação e montagem de cozinhas, comercialização de electrodomésticos e mobiliário, e ainda equipamentos para fábricas e pequenas indústrias.
6. Possuindo, na estrada do ... – Torres Novas, um pavilhão industrial, que serve de armazém e escritório, com um logradouro murado e fechado por um portão de ferro, pavilhão, este, edificado em alvenaria e betão, devidamente coberto a telha, onde se encontra instalado um sistema eléctrico para alimentação de todas as máquinas e equipamentos, tendo também ali instalado um sistema de videovigilância e alarme, bem como equipamentos informáticos, tais como computador e impressoras e outros.
7. Neste espaço, são armazenados móveis já prontos, equipamentos e electrodomésticos, para venda, materiais necessários à fabricação de cozinhas, desde tampos, móveis, fogões, frigoríficos, exaustores, placas de indução, arcas frigoríficas, puxadores, projectores, colunas de madeira, bancadas, maquinaria diversa, equipamentos informáticos e demais artefactos destinados à fabricação dos produtos comercializados.
8. As instalações da autora são alimentadas de energia eléctrica a partir do PTD 106, correspondendo-lhes o código de identificação de local n.º 212100653002.
9. As instalações eléctricas da autora estavam, em 04 de Janeiro de 2014, devidamente certificadas pela Certiel – Associação Certificadora de Instalações Eléctricas, e tinham natureza trifásica, com potência contratada de 41.4 Kva.
10. Em 22 de Junho de 2010, a autora e a ré da CC, S.A. celebraram um contrato de fornecimento de energia eléctrica, o qual cessou em 22 de Junho de 2011.
11. No dia 13 de Março de 2013 a autora celebrou a DD, S.A. um contrato de fornecimento de energia eléctrica.
“12. No final do dia 3 e início do dia 04 de Janeiro de 2014 ocorreu a passagem de uma superfície frontal fria pelo território de Portugal Continental que originou precipitação e vento por vezes forte;
13/14. Após a passagem da superfície frontal fria, o território do Continente ficou sob acção de um vale depressionário e de uma massa de ar instável que atravessaram o território, atingindo de forma mais intensa as regiões do Norte e Centro, em especial durante a manhã de dia 4 de Janeiro, tendo provocado precipitação intensa, rajadas muito fortes de vento e a ocorrência de um tornado em Paredes e (suspeita) doutro em Ferreira do Zêzere.
16. O vento e chuva de 04 de Janeiro de 2014 foi classificado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) como um evento excepcional.
17. Nesse mesmo dia, 04 de Janeiro de 2014, pelas 08,30 horas, ocorreu um “incidente” na rede eléctrica de distribuição (rede de Média Tensão), a nível da rede que abastece o local de consumo de energia propriedade da autora e identificado em 6, devido a uma sobretensão no Posto de Transformação (PT) 106.
18. Esta sobretensão no PT 106 provocou uma interrupção de longa duração no fornecimento de energia com início às 08,30 horas e originou, ainda, um incêndio com consequente rebentamento do quadro eléctrico posicionado no interior do armazém da autora, com o consequente curto-circuito na caixa de fusíveis e contador instalados no muro de vedação.
19. O evento mencionado em 12 a 14 provocou vários danos em várias infra–estruturas da ré BB, S.A., tendo esta remetido para os vários locais das ocorrências e durante várias horas equipas, meios operacionais e logísticos para o terreno para tentar minimizar os estragos.
21. A avaria apenas ficou solucionada pelas 19,00 horas, altura em que foi substituído o transformador do PT 106 e o serviço foi regularmente reposto em definitivo, restabelecendo-se o fornecimento da rede de distribuição de energia eléctrica de Baixa Tensão.
22. A autora participou à ré BB, S.A. o evento em causa, por via de várias reclamações, a última das quais em 06 de Janeiro de 2014, mas esta declinou a responsabilidade.
23. O PT 106 e respectivas redes foram alvo de várias vistorias e acções de manutenção preventiva, com inspecção de todos os seus elementos, nos anos de 2011, 2012 e 2013.
24. Tendo sido, no ano de 2013, substituídos os principais componentes do PT: o quadro geral de baixa tensão e os dispositivos de sobretensão.
25. Os equipamentos de rede são construídos segundo especificações técnicas aprovadas na legislação e regulamentação em vigor, os normativos técnicos internacionais e as boas regras de arte.
26. Em consequência do incêndio e consequente rebentamento do quadro eléctrico ficaram danificados os seguintes objectos, propriedade da autora e que se achavam no aludido pavilhão:
a) Oito portas e aduelas interiores;
b) Uma mesa de cozinha e 6 cadeiras;
c) Uma cama de ferro;
d) Um estrado de ripas;
e) Um colchão ortopédico;
f) Uma mesa wengué e pé em inox;
g) Uma tostadeira;
h) Um micro-ondas Moulinex;
i) Dois expositores com puxadores;
j) Uma arca refrigeradora;
k) Uma T.V., uma aparelhagem de som e um leitor de D.V.D.;
n) Dezoito moveis compostos, de madeira, armários e gavetas, destinados a cozinha;
o) Duas mobílias completas de quarto (cama, colchão, 2 mesas de cabeceira, duas comodas cada) e uma mobília completa de sala de jantar (um armário, uma mesa, 6 cadeiras e aparador).
27. Também em consequência do incêndio e consequente rebentamento do quadro eléctrico ficou inutilizado o sistema eléctrico, pelo que a autora teve que adquirir um carregador tração 48V-60ah e repôs o sistema eléctrico do pavilhão.
28. Ainda em consequência do incêndio e consequente rebentamento do quadro eléctrico ficaram danificados os seguintes equipamentos, que a autora teve que adquirir:
a) Um smart UPS APO 6000 VA;
b) Um portátil Asus 15.15.6;
c) Uma impressora Oki Laser B431DN.
29. A autora procedeu à limpeza de tentos e paredes e limpeza do mobiliário e ferramentas.

4.2. Factos não provados (resultantes da sentença):
“1. a) Oito portas e aduelas interiores tinham o valor de 2 640,00 €;
b) Uma mesa de cozinha e 6 cadeiras tinham o valor de 480,00 €;
c) Uma cama de ferro tinha o valor de 220,00 €;
d) Um estrado de ripas tinha o valor de 65,00 €;
e) Um colchão ortopédico tinha o valor de 265,00 €;
f) Uma mesa wengué e pé em inox tinha o valor de 275,00 €;
g) Uma tostadeira tinha o valor de 65,00 €;
h) Um micro-ondas Moulinex tinha o valor de 260,00 €;
i) Dois expositores com puxadores tinham o valor de 580,00 €;
j) Uma arca refrigeradora tinha o valor de 280,00 €;
k) Uma T.V. tinha o valor de 130,00 €;
l) Uma aparelhagem de som tinha o valor de 280,00 €;
m) Um leitor de D.V.D. tinha o valor de 180,00 €;
n) Dezoito moveis compostos, de madeira, armários e gavetas, destinados a cozinha tinham o valor de 10 000,00 €;
o) Duas mobílias completas de quarto (cama, colchão, 2 mesas de cabeceira, duas comodas cada) e uma mobília completa de sala de jantar (um armário, uma mesa, 6 cadeiras e aparador) tinham o valor de 7 500,00 €.
2. No carregador tração 48V-60ah, a autora despendeu a importância de 1 156,00 € (940,00 € + IVA 23%).
3. a) Um smart UPS APO 6000 VA tinha o valor de 2 795,00 €;
b) Um portátil Asus 15.15.6 tinha o valor de 550,00 €;
c) Uma impressora Oki Laser B431DN tinha o valor de 310,70 €.
4. Para a reposição de todo o sistema elétrico do pavilhão a autora despendeu a importância de 3 973,761 €.
5. Para limpeza de tetos, paredes e limpeza do mobiliário e ferramentas, a autora terá que despender a importância de 18 300,00 €.
6. Com a reparação das paredes do pavilhão, com novo reboco e aplicação de estuque, assentamento da caixa para instalação do quadro elétrico e colocação de rodapés e pavimentos, reparação de tecto falso em pladur, a autora terá que despender a importância de 1 100,00 €.
7. Para pintura dos tetos da casa de banho, vestiários, cozinha e sala de receção do armazém, e bem assim, pintura das paredes interiores e exteriores do armazém, despenderá o valor de 5 070,00 €.
8. Tendo o portão principal do armazém ficado danificado, para a sua reparação, ao nível da porta de abrir, irá a autora liquidar a importância de 1 291,80 €.
9. A autora irá ainda ter que gastar, para recolocar um novo sistema de videovigilância e alarme, o valor de 4 280,00 €, acrescido de Iva.

4.3. Factos não provados aditados pela Relação, provenientes dos anteriores factos provados:
15. A ocorrência do tornado no distrito de Santarém gerou um aumento da intensidade do vento que atingiu rajadas de, pelo menos 128 quilómetros por hora, entre as 6 horas e as 9 horas de dia 4 de Janeiro.
20. Foi na decorrência das condições meteorológicas mencionadas em 12 a 15 que foram provocados os danos na rede eléctrica e a sobretensão no PT 106 que alimentava o local de consumo da autora de energia eléctrica.

5. Sabendo que é pelas conclusões do recurso que se delimitam as questões a resolver em sede de revista (sem prejuízo das questões que possam ser de conhecimento oficioso), vêm suscitadas as seguintes questões:

5.1. Em matéria de reapreciação da prova:

a) Saber se o Acórdão recorrido ofendeu uma disposição expressa que fixa a força probatória de determinado meio de prova;

b) Saber se o Acórdão recorrido ao alterar a matéria de facto violou as normas legais relativas ao dever de fundamentação;

5.2. Na aplicação do Direito aos factos provados: regime da responsabilidade objectiva do n.º 2 do artigo 509.º do Cód. Civil e ocorrência de causa de força maior.


6. O Tribunal da Relação de Évora reapreciou a matéria de facto, na sequência da apelação.
Disse no seu acórdão: “2.2. Não tendo sido posto em causa pela Ré, na respectiva contestação, que o incêndio que deflagrou no dia 4 de Janeiro de 2014, pelas 8h30m, nas instalações da Autora teve origem num “incidente” na rede eléctrica de distribuição, veio, todavia, a mesma alegar que foi na decorrência de condições meteorológicas de carácter excepcional – um tornado e descargas atmosféricas – que foram provocados os danos na rede e no PTD 106 que alimentava o local de consumo da mesma Autora. É, também inequívoco, que o ónus da prova da existência de tais “condições atmosféricas excepcionais” é da Ré (art.º 342.º, n.º2 do Cód. Civil) na medida em que funcionam como facto impeditivo da responsabilidade que sobre si recai à luz do disposto no art.º 509.º, n.º1 do Código Civil. Ora, a determinação das condições atmosféricas do local do sinistro, com o rigor que o objecto do processo demanda não se compadece com mera prova testemunhal (mais a mais produzida mais de três anos após o evento). Isto é, a determinação da existência de um “tornado”, de um “raio” naquele concreto local (..., Torres Novas) tem de ser evidenciada através de registo adequado da entidade competente que no caso é o I.P.M.A.”
Desta fundamentação deduziu a R., recorrente, que o tribunal teria violado a lei, exigindo meio de prova com valor tabelado, onde a lei não continha tal exigência. Terá razão?

6.1. Como disse –  e bem a recorrente – não se pode esquecer que “intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada, dado que, em regra, apenas está acometida a reapreciação de questões de direito. No entanto não está vedado legalmente ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se a decisão do Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados – estando possibilitada a intervenção do STJ nos casos previstos nos artigos 674.º n.º 3 e 682.º n.º 3 do CPC”.
É precisamente no âmbito deste regime permissivo que cabe analisar se a pretensão do recorrente pode ser conhecida por este STJ, nomeadamente na parte em que o recorrente alega ter havido violação de lei – art.º674.º, n.º3 do CPC – saber se o Tribunal da Relação ofendeu disposição legal que expressamente exija certa espécie de prova ou fixe a força probatória de determinado meio – pois é este o enquadramento mais adequado às questões colocadas pelo recorrente.


6.2. Não cremos que o recorrente tenha razão: em 1º lugar, fez a recorrente uma interpretação da decisão judicial que não corresponde ao que nela se dispõe; em 2º lugar, não atendeu ao regime da prova que se impunha, conforme resulta da dialéctica autor/Réu, pretensão/defesa.
Vejamos o primeiro argumento.
O que o Tribunal disse foi: 1) há que determinar as exactas condições atmosféricas do local do sinistro no dia e hora do incidente em discussão; 2) tendo sido indicado pela R. que houve um tornado, e porque este fenómeno atmosférico tem certas características técnicas que dependem de conhecimentos específicos, a sua existência não se compadece com o mero depoimento testemunhal – diz o tribunal que tem de existir um registo do IPMA; pode entender-se aqui uma referência específica a um meio de prova – a perícia; ou seja, o tribunal fala do IPMA mas na sua alusão está implícita a referência a prova pericial, por parte de peritos em fenómenos atmosféricos; 3) o mesmo tipo de referência merece a prova do facto “ter caído um raio”.
O tribunal justifica a sua insatisfação com a prova apresentada pela R. fundamentando-se no carácter específico dos fenómenos e ainda no facto de terem decorrido mais de 3 anos (esta alusão é marginal e o sentido útil que dela retiramos é apenas o de reforçar o argumento anterior: a prova testemunhal é falível em situações tecnicamente exigentes; a prova testemunhal obtida após o decurso de um prazo longo é menos confiável).
Ainda quanto à prova técnica dos fenómenos meteorológicos indicados – sabendo que foi oferecida a prova resultante de relatório do IPMA (a fls.51 e seguintes) do qual não se conclui inequivocamente pela existência dos invocados fenómenos no local e dia do sinistro em discussão, mais se reforçou a convicção do Tribunal no sentido de não ser dado como provada a sua verificação. Também aqui o Tribunal mais não está do que a fundamentar a sua apreciação dos factos, explicando o que não considerou provado, e porquê – ao assim proceder, bem se vê que não tem razão a recorrente ao invocar a falta de fundamentação ou a fundamentação inadequada (2ª questão do recurso). Simultaneamente o Tribunal também está implicitamente a dizer que não ficou convencido pelo depoimento das testemunhas ouvidas.
O que tribunal não disse – ao contrário do que a recorrente indica (conclusões 12 e 13) – é que só aceitaria a prova decorrente de um relatório do IPMA, por este ter um valor de documento com força probatória especial (cf. a conclusão 12 do recurso, com a expressão “ou seja, um documento autêntico”, da lavra da recorrente, que considera sinónimo de registo do IPMA). Nem o Tribunal afastou a prova testemunhal que, aliás, cumpre reafirmar, não tem força probatória tabelada, estando sujeita à livre apreciação do julgador (art.º 396.º CC). O Tribunal atribuiu à prova testemunhal o seu valor próprio – não ficou convencido por ela – o que lhe era permitido. E quanto ao valor das evidências documentais a que a recorrente alude na conclusão 16 é também certo que o Tribunal observou a lei, por se tratar de documentos sem valor probatório tabelado (art.º 363.º; 366.ºCC).

6.3. Concluindo, como bem disse a recorrente, e pela explicação que já se adiantou, sendo o STJ um tribunal de aplicação do Direito aos factos provados – não podendo entrar no conhecimento da matéria de facto senão nos apertados limites do art.º674.º, n.º3 do CPC, que manifestamente não estão em causa neste processo (ainda que o recorrente tenha feito essa leitura do acórdão recorrido, nada no seu teor o sustenta) –, não pode este tribunal apreciar a prova produzida e a selecção dos factos provados e não provados. Nada se impõe, assim, dizer a este propósito, por a lei não permitir esta intromissão do STJ na causa. Por este motivo, não assiste razão à recorrente nos fundamentos que indicou para o recurso em matéria de reapreciação da prova dos factos. A este tribunal restará conformar-se com a afirmação do TRE quando disse: “Em suma: Este Tribunal não pode de modo algum corroborar a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida porque a prova produzida não consente a conclusão que a 1ª instância alcançou no que concerne aos factos relacionados com o tema de prova vertido sob o nº7 (se foi na decorrência de condições meteorológicas de carácter excepcional que foram provocados os danos na rede mais concretamente no PTD 106 que alimentava o local de consumo da Autora).”
Da leitura do acórdão deduz-se o contrário do afirmado pela recorrente: o tribunal teve em consideração toda a prova produzida, que reponderou nas alterações efectuadas – o que se manifesta até na justificação que apresenta a propósito de cada um dos factos em que entendeu dever fazer alterações. Não se identifica a invocada violação dos art.ºs 662.º, n.º2 e 674.º do CPC, nem das disposições do CC (art.ºs 368.º, 392.º a 396.º), estando fundamentada a decisão e não merecendo censura.
Improcedem, assim, as conclusões 1 a 26 do recurso.

7. Passando agora para a questão de saber se o art.º 509.º, n.º 2 do CC foi bem aplicado ou se o Tribunal incorreu em violação de lei.
Como vem já afirmado das instâncias, a Ré- EDP, é responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes; nessa responsabilidade se incluem problemas de âmbito técnico relacionados com o fornecimento da energia. Essa responsabilidade decorre do regime do art.º 509.º do CC, onde se identifica uma responsabilidade objectiva ou pelo risco (independente de culpa). Em consequência da sobretensão do PT 106 deu-se um incêndio e o rebentamento do quadro eléctrico do armazém da A., tendo ficado danificados vários objectos. A R. não contestou a ocorrência dos danos, nem os termos gerais da responsabilidade pelo risco, mas considerou que a sua responsabilidade estaria excluída por os danos sofridos terem sido provocados por causa de força maior, sendo a relação entre as partes sujeita ao regime da responsabilidade extracontratual.
A 1ª instância aceitou que, dos factos provados, resultasse demonstrada a existência da referida causa de força maior – disse que a causa do corte no fornecimento de corrente eléctrica e dos danos sofridos pela A. , em resultado da avaria na sua rede eléctrica, e no PT 106, que sobreaqueceu, se deveu a condições meteorológicas adversas, designadamente ventos com rajadas não inferiores a 128 Km –  e daqui extraiu um nexo de causalidade entre as condições adversas e a sobretensão do PT 106, com o consequente incêndio nas instalações da A.
Já o Tribunal da Relação deixou claro – para além da alteração da matéria de facto – que não vinha apurada a causa da sobretensão do PT 106 e que não se podia considerar que os eventos atmosféricos ocorridos no local e data integrassem o conceito de “causa de força maior”, excludente da responsabilidade objectiva da Ré, que assim veio condenada.
 E porque o Tribunal da Relação modificou a matéria de facto de modo significativo, a decisão, com o enquadramento indicado, foi no sentido de procurar justificar que a R. não tinha razão: i) por um lado, entendeu o tribunal que não foi provado ter ocorrido uma causa de força maior; ii) por outro, entendeu o tribunal que a demonstração da ocorrência de condições atmosféricas adversas – por si só – não seria suficiente para afastar a responsabilidade imposta pelo art.º 509.º, n.º 2 do CC, tendo implícita a ideia de que a causa de força maior há-de ser um acontecimento imprevisível e irresistível, exterior à coisa, como os flagelos da natureza que fogem à normal previsibilidade – que exemplifica com ciclones, raios ou tremores de terra. Posto o que disse, a ocorrência de precipitação e vento forte em pleno inverno não são imprevisíveis.
O tribunal fundamentou ainda a responsabilidade da Ré nos motivos subjacentes à imputação pelo risco: i) cada entidade que cria uma situação de perigo deve responder pelos riscos que resultem dela; ii) a entidade que beneficia de uma actividade de que tira proveito deve responder pelos danos resultantes dela – risco-proveito[3] [4].
A Ré contestou os argumentos do tribunal. Reconhecendo que deve responder pela actividade que exerce independentemente de culpa, ressalva a responsabilidade em dois casos: i) quando a rede estiver de acordo com as normas técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação (art.º 509.º, n.º1 in fine CC); ii) quando os danos sejam devidos a causa de força maior (art.º 509.º, n.º2 CC).
Sobre a causa de força maior defende que é uma causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa – noção para a qual nos remete para o Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico e Regulamento de Qualidade de serviço (anexo I). Para a R., estes regulamentos oferecem um critério de interpretação da expressão “causa de força maior” – a que a jurisprudência também tem aderido. Dos citados regulamentos, em especial do último, no seu anexo I, transcreve as situações de “casos fortuitos ou de força maior” aí indicados[5]. A argumentação vem reforçada com a indicação de, nos termos do art.º 10.º a 15.º do Decreto Regulamentar de 1/92, de 18 de Fevereiro, se prever que as linhas só têm de estar preparadas para resistir a uma determinada força do vento – que aponta ser da ordem dos 120 Km/h. Toda a referida argumentação da Ré é feita no intuito de salientar que, na sua visão, porque se demonstrou que ocorreram ventos fortes e descargas atmosféricas directas, ter-se-ia de qualificar tais fenómenos como causa de força maior, excluindo a responsabilidade objectiva da R. Termina a argumentação dizendo: “provada a ocorrência de descarga atmosférica directa, e provado que está o correcto funcionamento e manutenção da rede, terá que se dar por provada a excepção do n.º 2 do art.º 509.º do CC”.
No recurso de revista a Ré não alude à eventual causa de exclusão da responsabilidade que havia indicado na sua contestação, reportada ao n.º1 do art.º 509.º do CC, referente às condições técnicas da instalação eléctrica, deixando cair uma argumentação que havia estruturado inicialmente – com isto limitando a defesa à exclusão da responsabilidade por verificação de causa de força maior, balizando os termos em que contesta a decisão judicial a rever (ainda que faça considerações marginais à observância das normas técnicas e ao estado de conservação da rede)[6].

7.1. Das posições indicadas conclui-se haver dissenso sobre a concretização da exclusão da responsabilidade objectiva a que se reporta o art.º 509.º do CC.
No dizer da Ré, do art.º 509.º, resultam duas situações de excepção à responsabilidade objectiva: i) quando a rede estiver de acordo com as normas técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação (art.º 509.º, n.º1, in fine, CC); ii) quando os danos sejam devidos a causa de força maior (art.º 509.º, n.º2 CC).
O art.º 509.º acolheria no seu n.º1 a primeira excepção e no seu n.º 2 a segunda.
A R. centra a sua defesa na aplicação à situação dos autos do n.º 2 do art.º 509.º - como se deduz claramente das conclusões do recurso.

7.2. Dispõe o art.º 509º do Código Civil:

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

3. Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição.



7.2.1. A doutrina tem analisado o art.º 509.º e dito o seguinte:
A responsabilidade objectiva – pelo risco – apenas é admitida nos casos previstos na lei (art.º 483.º, n.º2), o que funciona como entrave ao desenvolvimento jurisprudencial. A responsabilidade pelo risco relativa a instalações eléctricas encontra-se consagrada expressamente no art.º 509.º do CC[7].
O art.º 509.º atribui a responsabilidade pelo risco a quem tiver a direcção efectiva de uma instalação destinada à condução de energia eléctrica e a utilizar  no seu próprio interesse, o que é entendido pelos autores em termos distintos: Antunes Varela e Almeida Costa estendem a responsabilidade a todo o tipo de actividades a que se destinam as instalações, abarcando produção, armazenamento, condução (ou transporte) e distribuição (ou entrega); Ribeiro de Faria restringe a responsabilidade à condução ou entrega, aqui abrangendo os riscos derivados da produção; Menezes Leitão defende igualmente esta última concepção. No que respeita à distribuição ou entrega, porque se trata de actividade que envolve riscos específicos, justificar-se-á a responsabilidade pelo risco.
No que concerne à responsabilidade pelo risco, ela será de afastar se, ao tempo do acidente, a instalação se encontrar a funcionar de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação, assim como se os danos forem devidos a causa de força maior, considerando-se como tal “toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”, o que inclui factos naturais externos (exemplificando-se com um ciclone que derruba um poste), mas também factos do próprio lesado (exemplificando-se com electrocução derivada de o lesado ter decidido subir o poste) ou a terceiro (exemplificando-se com derrube de poste eléctrico em virtude de escavações)[8], ou ainda se os danos forem causados por utensílios de uso de energia, como electrodomésticos ou máquinas industriais.
Nos escritos de Pires de Lima e Antunes Varela, em especial no CC Anotado, Vol. I., 4ªed., p. 525, o tema aparece também tratado. Aqui se encontra a distinção entre  danos resultantes da instalação – aludindo-se a responsabilidade objectiva, que pode ser afastada pela prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação – e os danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição, seja qual for o meio utilizado – em que a responsabilidade é objectiva puramente, podendo ser afastada por causa de força maior, como ciclone ou raio.

Antunes Varela[9] também distingue «os danos causados pela instalação (produção e armazenamento), condução (transporte) ou entrega (distribuição) desses pontos de energia correm por conta das empresas que as exploram (como proprietárias, concessionárias, arrendatárias, etc.), pois, assim como auferem o principal proveito da sua utilização, é justo que elas suportem os riscos correspondentes».

Por seu turno, Vaz Serra, no escrito intitulado “Responsabilidade pelos Danos Causados por Instalações de Energia Eléctrica ou Gás e por Produção e Emprego de Energia Nuclear[10], já havia lançado o mote da distinção entre a responsabilidade pela instalação face à responsabilidade pela distribuição da energia, distinção que tem sido seguida pela generalidade da doutrina.


7.2.2. A jurisprudência, por seu turno, também já teve oportunidade de analisar situações a enquadrar no art.º 509.º, com a intervenção da ora R. – BB. Atentemos em dois processos e seus sumários, que aqui se mencionam e posteriormente se reanalisam:

Ac. STJ, de 27-10-2016, proc. n.º 1452/13.4TJLSB.L1.S1 (Alexandre Reis)[11]

A norma do art.º 509.º do CC confere um tratamento especial a actividades – como a da aqui ré (distribuição de energia eléctrica) – cuja peculiar potencialidade de risco justifica a responsabilização objectiva do respectivo beneficiário, fazendo-o suportar o inerente risco, independentemente de culpa.
O preceito prevê a responsabilidade objectiva por dois diferentes tipos de danos: o dos que derivam da condução ou entrega de energia eléctrica (ou gás) e o dos que resultam da própria instalação.
A responsabilidade (objectiva) só pode ser afastada, quanto a ambos esses tipos, quando os danos são devidos a causa de forca maior e, quanto ao segundo, ainda, pela prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
A “causa de força maior”, sendo exterior e independente do funcionamento e utilização da coisa, é excludente da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, justamente, por ser idónea a romper o nexo de causalidade adequada. Como tal, só se verifica se tratar de um facto (necessário) que «não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências» e, subjazendo-lhe a ideia de inevitabilidade e a de acontecimento natural fora do alcance do poder humano, também se não verifica quando para os seus efeitos tenha concorrido qualquer ato ou omissão do devedor.

Ac. STJ, de 8/11/2007, proc. n.º 2640/06 (Pires da Rosa)[12]

I - Porque a condução e entrega de energia eléctrica é uma actividade perigosa, a lei impõe - art.º 509.º, n.º 1, do CC - que quem beneficia dessa mesma actividade, suporte - objectivamente - os respectivos riscos, reparando os danos ou prejuízos consequência do seu exercício.

II - Só assim não será se os danos forem devidos a causa de força maior, nos termos em que a define o n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, algo que, embora previsível, não é susceptível de ser dominado pelo homem.

III - Se um raio, um simples raio, pode não ser - não é - susceptível de ser dominado pelo homem, se esse homem for o simples consumidor de energia eléctrica, já não pode aceitar-se que esse mesmo simples raio não seja “dominável” por uma empresa como a ré, cujo objecto negocial é exactamente a produção, o transporte e a distribuição de energia.

IV - A menos que o raio fosse um “especial” raio, fora de toda e qualquer previsão de uma empresa como a ré, em pleno século XXI.

V - Uma rede de condução e entrega de energia eléctrica não pode localizar fora de si própria a existência normal de trovoadas e de raios que, por isso, não podem dizer-se independentes do seu funcionamento e utilização, embora exteriores a ela.

VI - E, por isso, não preenchem o conceito de causa de força maior tal como o define o n.º 2 do art.º 509.º, como excludente da responsabilidade objectiva prevista no n.º 1 do artigo.


7.3. As referências doutrinais e jurisprudenciais indicadas apenas enquadram as questões colocadas ao tribunal no recurso – este sempre terá de resolver os problemas colocados pelo caso concreto. Assim,
No caso dos autos não se apurou, pela prova produzida, o que determinou a sobretensão do PT 106. Contudo sabe-se que foi essa sobretensão do PT 106 que levou ao corte no fornecimento de corrente eléctrica às instalações da autora e aos danos no quadro eléctrico (incêndio) e outros bens da autora. Destes factos pode extrair-se a conclusão que a R. deixou de fornecer energia eléctrica, em virtude do corte energético, para o qual foi determinante o sobreaquecimento do PT 106 – PT este que ligada a instalação da Ré à da A.

7.4. Antes de avançarmos, contextualizemos melhor a relação entre A. e R..
Tal como vem provado: 1) a A ré BB, S.A. é a concessionária da Rede Nacional de Distribuição de Energia Eléctrica em Média Tensão e Alta Tensão e das concessões municipais de distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão, que integram a Rede Eléctrica de Serviço Público (RESP); 2)Enquanto concessionária das redes de energia, a ré BB, S.A. exerce, em regime de serviço público, as funções de “operador de rede de distribuição”, sendo por isso chamada a desempenhar tarefas públicas sob regulação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE); 3) O operador de redes de distribuição encontra-se sujeito a regulamentação específica da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da ERSE; 4) Cabe ao operador de redes de distribuição o papel de distribuição de energia eléctrica até ao local de entrega das instalações particulares dos consumidores, a contagem da energia e a transmissão da mesma aos comercializadores.
Do exposto se conclui que a R., na qualidade de concessionária do serviço público de energia eléctrica[13], está sujeita ao DL n.º 29/2006, de 15/02 (republicado pelo DL n.º 2l5-A/20l2, de 8/10, alterado em 27 de Agosto de 2015, no seu art.º 73.ºA, pelo DL n.º 178/2015), que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do sistema elétrico nacional, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade. O preâmbulo do diploma esclarece que a distribuição de electricidade processa-se através da exploração da rede nacional de distribuição, mediante uma única concessão do Estado exercida em exclusivo e em regime de serviço público, sendo essa actividade juridicamente separada das do transporte e das demais não relacionadas com a distribuição. Por sua vez, o DL n.º 172/2006, de 23/8 (alterado e republicado pelo citado DL n.º 215-B/2012), que procedeu ao desenvolvimento dos princípios constantes no referido DL n.º 29/2006, tem os seus artigos 38° e seguintes dedicados à exploração das redes de distribuição - actividade atribuída mediante contrato de concessão, exercida em regime de serviço público e de utilidade pública[14].
O art.º 42.°, no seu n.º 5, estabelece que as bases das concessões das redes de distribuição de eletricidade em baixa tensão constam do anexo V do diploma, que dele faz parte integrante. Do mencionado anexo V resulta, em suma e com interesse para estes autos, a base XXV: para os efeitos do disposto no artigo 509.º do CC, entende-se que a utilização das instalações integradas na concessão é feita no exclusivo interesse da concessionária, cuja responsabilidade extracontratual se efectiva nos termos e pelos meios previstos na lei.
Neste contexto surge a aplicação do art.º 509.º do CC à actividade desenvolvida pela R., já que não se discute que a R. seja a concessionária e operadora da Rede Nacional de Distribuição (RND) de energia eléctrica, designadamente em baixa tensão e na zona onde se situam as instalações da A. Por isso, enquanto tal, é titular da direcção efectiva da rede – nos termos do referido art.º 509.º CC  – detém a propriedade ou posse dos bens que integram a concessão, devendo manter, a expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança os bens e meios a ela afetos, efetuando para tanto as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço concedido (bases XI e XII do anexo V).
Tendo em conta o afirmado, há que aferir se os danos sofridos pela A. foram adequadamente causados por actividade abarcada pelo art.º 509.º, em que a R. tenha a direcção efectiva e seja responsável, mesmo sem culpa, “pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade (…) como pelos danos resultantes da própria instalação” – n.º1.
É que esta normaconfere um tratamento próprio e especial a actividades como a da R. aqui em causa (distribuição de energia eléctrica)  cuja peculiar potencialidade de risco justifica a responsabilização objectiva do respectivo beneficiário, fazendo-o suportar o inerente risco, independentemente de culpa. Ou seja, é aqui dispensado este requisito normal e geral da responsabilidade civil. O preceito prevê a responsabilidade objectiva por dois diferentes tipos de danos: o dos que derivam da condução ou entrega de energia eléctrica (ou gás) e o dos que resultam da própria instalação. A responsabilidade (objectiva) só pode ser afastada, quanto a ambos esses tipos quando os danos são devidos a causa de força maior e, quanto ao segundo, ainda, pela prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação” [15].
Ora, in casu, a responsabilidade pelos danos sofridos pela qual vem demandada a R. respeita à interrupção do fornecimento de energia e consequências dela derivadas, que integra a prestação do serviço a que a mesma estava legalmente vinculada (cf. os factos provados: 17. Nesse mesmo dia, 04 de Janeiro de 2014, pelas 08,30 horas, ocorreu um “incidente” na rede eléctrica de distribuição (rede de Média Tensão), a nível da rede que abastece o local de consumo de energia propriedade da autora e identificado em 6, devido a uma sobretensão no Posto de Transformação (PT) 106; 18. Esta sobretensão no PT 106 provocou uma interrupção de longa duração no fornecimento de energia com início às 08,30 horas e originou, ainda, um incêndio com consequente rebentamento do quadro eléctrico posicionado no interior do armazém da autora, com o consequente curto-circuito na caixa de fusíveis e contador instalados no muro de vedação” – “Por conseguinte, essa responsabilidade só pode considerar-se afastada caso se conclua que foram demonstrados factos donde se retira que tais interrupções foram devidas, tal como os danos por elas provocados, a causa de força maior, ao abrigo do invocado art.º 509.º [16]”.

In casu, os danos sofridos pela A. não advieram  da instalação eléctrica mas, sim, de interrupções efectivas de tal condução e das consequências resultantes dessa interrupção[17] [18], pelo que se pode aderir à concepção doutrinal e jurisprudencial que afirma: “no caso de condução e entrega de energia, o facto de terem sido cumpridas as regras técnicas em vigor e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega da energia. Tal cumprimento só lhe aproveitaria se (eventualmente) os danos fossem originados na instalação de energia e não já na sua condução e entrega”[19].

Frise-se que os danos sofridos pela A. não advieram da instalação eléctrica. As duas situações estão interligadas na situação dos autos: é que o PT 106 é uma instalação da Ré, e este sobreaqueceu; mas o que foi determinante dos danos foi a quebra no fornecimento da energia eléctrica à A. que veio a causar o incêndio – o dano esteve assim relacionado com a energia eléctrica distribuída pela R., que tem a direcção efectiva do PT. De qualquer modo, não se diga que a prova produzida teria a virtualidade de permitir a exoneração da responsabilidade fundada na eventual aplicação do regime do art.º 509.º, n.º 1 ao caso. É que, ainda que se admita terem sido provados factos importantes neste sentido, a prova em causa não é relativa ao momento temporal a que se reporta o incidente e os danos – os factos relatam o cumprimento de normas técnicas até 2013, tendo o acidente ocorrido em 2014 (4 de Janeiro) – o que por si traduz uma situação desfavorável à R, a quem incumbia provar a excepção invocada.

Por este motivo, seguindo-se aqui a orientação já formulada por este STJ no caso que temos vindo a indicar, não releva o alegado pela R. quanto ao estado de conservação daquela instalação (PT[20]) e à sua harmonia com as regras técnicas então em vigor. Mais se pode afirmar: a exploração desta possível via de exclusão da responsabilidade da Ré não é configurada no recurso como o seu objecto principal – neste sentido, as conclusões da Ré apenas apontam a violação do n.º2 do art.º509.º do CC, sendo que a situação a que estamos a aludir (a ser atendível, o que não considermos) seria abarcável no n.º1 do art.º 509.º[21]. Importa também indicar que, não obstante o tribunal não estar vinculado pela qualificação dada pelas partes, não se crê que os factos provados pudessem sequer ser suficientes para que, ex oficio, o tribunal investigasse outro enquadramento legal distinto da causa de força maior.

O orientação do Tribunal[22] está escudada na doutrina, onde se destaca Antunes Varela[23]: «os danos causados pela instalação (produção e armazenamento), condução (transporte) ou entrega (distribuição) desses pontos de energia correm por conta das empresas que as exploram (como proprietárias, concessionárias, arrendatárias, etc), pois, assim como auferem o principal proveito da sua utilização, é justo que elas suportem os riscos correspondentes»[24].

Também Pires de Lima/Antunes Varela defendem a distinção entre os danos resultantes da própria instalação, dos danos resultantes da condução (ou transporte), e da entrega (ou distribuição) de energia eléctrica, afirmando: «É um novo caso de responsabilidade objectiva, de resto atenuada quanto aos danos resultantes da própria instalação, pois se admite, para afastar a responsabilidade (objectiva), a prova de que a instalação se encontrava ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. É já puramente objectiva quando se trata de danos resultantes da condução ou transporte e entrega ou distribuição de energia eléctrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado…»[25].

A orientação do Supremo Tribunal é seguida igualmente pelas Relações[26] [27].

7.5. Quanto à suposta causa de força maior, a que se reporta o art.º 509.º, n.º2,  segundo o entendimento da lei e deste STJ, tem de tratar-se causa exterior e independente do funcionamento e utilização da coisa, que a “verificar-se  é excludente da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, justamente, por ser idóneo(a) a romper o nexo de causalidade adequada.  Mas essa causa de força maior “só se verifica se se tratar de um facto (necessário) que «não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências»[28], (…)subjazendo-lhe a ideia de inevitabilidade e a de acontecimento natural fora do alcance do poder humano, também se exige que para essa "causa" não tenha concorrido qualquer acto ou omissão do devedor, ou seja que o facto também não proceda de culpa deste”.

Por isto a jurisprudência tem dito:E é por isso que fenómenos naturais comuns e correntes, como trovoadas, chuva e vento, mesmo que intensos, embora, evidentemente, exteriores a, p. ex., urna rede de distribuição de energia eléctrica, não são concebíveis como independentes dos seus funcionamento e utilização. Realmente, não pode aceitar-se como "causa de força maior" exc1udente da responsabilidade aqueles fenómenos que, precisamente por serem comuns e correntes, têm efeitos que uma empresa cuja actividade é a distribuição de energia pode prever e precaver, pois, como se disse, só são abarcáveis por tal conceito as consequências de fenómenos que, em termos de normalidade, seriam inevitáveis ou insusceptíveis de serem dominadas pelo homem[29]”.


7.6. Admita-se agora, para esgotar a análise das questões subjacentes ao recurso, que se provou que a sobretensão do PT 106 foi causada pelos fenómenos meteorológicos como os que vêm provados in casu (para mero efeito de análise da pretensão da recorrente; é que os factos não provados não consentem sequer esta hipótese).
Poder-se-á, desses fenómenos meteorológicos, concluir que ocorreu uma causa de força maior, que pudesse ser considerada pelo Tribunal, como excludente da responsabilidade da R., com base no art.º 509.º, n.º 2 do CC?
A Ré entende que sim. O Tribunal recorrido respondeu negativamente.
Na argumentação do Tribunal destaca-se o facto de os ditos fenómenos meteorológicos serem previsíveis por se estar no inverno – estação do ano em que há mais chuvas e ventos, potencialmente mais fortes – associada ao entendimento do regime da responsabilidade pelo risco – [“Nada há de imprevisível na ocorrência de precipitação e vento forte em pleno inverno, o que arreda, em qualquer circunstância, a hipótese de ser qualificada como causa de força maior susceptível de afastar a responsabilidade objectiva da BB. E compreende-se que assim seja: quer se entenda que o fundamento da imputação pelo risco reside no risco criado (cada pessoa que cria uma situação de perigo deve responder pelos riscos que resultem dessa situação) ou no risco-proveito (a pessoa deve responder pelos danos resultantes da actividade de que tira proveito) a mesma só deve ser eximida de responder pelo risco quando os danos forem provocados por um acontecimento imprevisível e irresistível exterior à coisa” – in Acórdão recorrido].
Na sua argumentação a recorrente indica como causa de exclusão da responsabilidade ventos fortes – da ordem dos 120 km/hora (ultrapassam a exigência de preparação imposta pela legislação complementar); indica que é causa de exclusão a ocorrência de causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa; alude a raio e trovoada como sendo eventos exteriores independentes. Volta a recorrente a esquecer de conjugar a matéria de direito com os factos provados: vêm provados ventos excepcionais em Portugal, mas sem indicação da velocidade verificada no local da ocorrência (cf. os novos factos não provados); não se provou nenhuma queda de raio no local indicado (descarga atmosférica directa), não obstante a R. o afirmar na conclusão 35 como sendo seguro ter acontecido.
Que dizer?
Na resposta a dar interferem de maneira determinante os factos provados: i) o acórdão recorrido deixou definitivamente assente que não está provado o facto 20 (20. Foi na decorrência das condições meteorológicas mencionadas em 12 a 15 que foram provocados os danos na rede eléctrica e a sobretensão no PT 106 que alimentava o local de consumo da autora de energia eléctrica.), estando assim não demonstrada a relação de eventual causalidade entre os referidos fenómenos e o sobreaquecimento do PT (tal como com os danos invocados pela A.); ii) tal falta de prova determina que fique prejudicada a análise da questão colocada, pois sempre se teria de julgar não procedente a existência de causa de força maior como elemento de exclusão da responsabilidade, já que não está provado que tenham sido aqueles fenómenos que originaram o resultado final que se discute nesta acção. Ainda que se prove que houve fenómenos atmosféricos que poderiam integrar o conceito de causa de força maior, esta não foi provada porque faltou a prova do nexo causal; “causa de força maior” implica que seja “causa”.


A prova do nexo de causalidade incumbia à R., que não logrou fazê-lo – a causa invocada de exclusão da sua responsabilidade é um facto impeditivo da procedência da acção (excepção) –, pelo que terá de suportar os efeitos negativos do ónus que sobre si impendia.


III. Decisão

Pelas razões apontadas, é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa,  12 de Julho de 2018

Fátima Gomes (Relatora)

Acácio Neves

Garcia Calejo

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[1] Regulamento n.º 468/2012 de 12 de Novembro de 2012, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 218, e os Decretos-Leis n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro e n.º 172/2006, de 23 de Agosto (com a redacção dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012 ambos de 8 de Outubro) que estabelecem a legislação base do sector eléctrico.
[2] Despacho n.º 5255/2006, DR II série, de 8 de Março.
[3] Esta posição do Tribunal está em consonância com a doutrina. Neste sentido cf. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 14ª ed, 2017, Vol. I, p. 360, no seguimento do princípio romano expresso por PAULUS em D. 50.17.10 – cf. nota 829.
[4] Sobre a imputação objectiva e a esfera de risco que se assume, cf. ANA MAFALDA CASTANHEIRA NEVES DE MIRANDA BARBOSA, Responsabilidade Civil Extracontratual. Novas perspectivas em matéria de nexo de causalidade, Principia, 2014, p. 34- 36 (nota 31), entre outras pp. com maiores desenvolvimentos (p. 39 e ss).
[5] “Consideram-se casos fortuitos ou de força maior os que reúnem as condições de exterioridade, imprevisibilidade, irresistibilidade, nomeadamente os que resultem da ocorrência de (…) inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa…” (sublinhados da R.)
[6] Nos factos provados também aparecem elementos que poderiam interessar:
 19. O evento mencionado em 12 a 14 provocou vários danos em várias infra–estruturas da ré BB, S.A., tendo esta remetido para os vários locais das ocorrências e durante várias horas equipas, meios operacionais e logísticos para o terreno para tentar minimizar os estragos.
21. A avaria apenas ficou solucionada pelas 19,00 horas, altura em que foi substituído o transformador do PT 106 e o serviço foi regularmente reposto em definitivo, restabelecendo-se o fornecimento da rede de distribuição de energia eléctrica de Baixa Tensão.
23. O PT 106 e respectivas redes foram alvo de várias vistorias e acções de manutenção preventiva, com inspecção de todos os seus elementos, nos anos de 2011, 2012 e 2013.
24. Tendo sido, no ano de 2013, substituídos os principais componentes do PT: o quadro geral de baixa tensão e os dispositivos de sobretensão.
25. Os equipamentos de rede são construídos segundo especificações técnicas aprovadas na legislação e regulamentação em vigor, os normativos técnicos internacionais e as boas regras de arte.
[7] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 14ª ed, 2017, Vol. I, p. 360-361 e 386 e ss.
[8] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 14ª ed., 2017, Vol. I, p. 386-7.
[9] Direito das Obrigações, 10ª ed., 2000, Vol. I, p. 712 a 714.
[10] BMJ, n.º 92 (Janeiro de 1960), p. 139 e ss.
[11] Revista n.º 1452/13.4TJLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt.
[12] In www.dsgi.pt.
[13] Segue-se aqui o já afirmado no Ac. do STJ de 27/10/2016, proc. n.º 1452/l3.4TJLSB.Ll.Sl (Alexandre Reis), com resumo disponível em www.stj.pt – com as necessárias adaptações à situação em discussão nos autos.
[14] Diz o art.º 38.º, n.º 6 que as bases da concessão da RND constam do anexo IV; neste encontram-se regras equivalentes às que mencionaremos de seguida sobre a concessão de redes de distribuição de BT, nas bases XIII, n.º2 (motivos para interrupção de recepção e entrega), XXIII (responsabilidade civil).
[15] Cf. Acórdão relatado pelo Conselheiro ALEXANDRE REIS, supra citado.
[16] Cf. Acórdão relatado pelo Conselheiro ALEXANDRE REIS, supra citado. A interrupção não vem justificada por razões de interesse público, facto imputável ao cliente (base XIV, n.2), nem por razões de serviço (base XV, n.º2)
[17] No mesmo sentido, cf. os Ac. RC 15/1/1991 e de 15/5/1984 onde se refere que «o art.º 509.º CC estabelece a responsabilidade objectiva nas seguintes hipóteses, todas respeitantes às instalações de energia eléctrica destinadas à condução e entrega: a) a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica; b) a responsabilidade resultante da condução e entrega da energia eléctrica. No caso da al a) – instalação propriamente dita - existe responsabilidade objectiva salvo em duas circunstâncias: 1- caso em que a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. 2 – caso em que, não se verificando a hipótese anterior, os danos forem devidos a uma causa de força maior. No caso da al b) – condução e entrega de energia – existe responsabilidade objectiva, salvo num único caso que é o da força maior» - publicados na CJ, I, p. 47 ss. e CJ, III, p. 42 e ss.
Na Relação de Lisboa seguiu este entendimento o Ac. de 9 de Março de 2017, proc. 1142/12.5TBALQ-2 (MARIA TERESA ALBUQUERQUE), disponível em http://www.dgsi.pt.
[18] Não se tendo considerado de fácil apreensão a distinção entre as duas situações, procurou-se reconstituir o pensamento do legislador, através da análise do projecto de VAZ SERRA. As situações exemplificadas aí não são ainda assim isentas de dúvida. Cremos que o melhor critério que se pode deduzir se encontra na p. 139, ao dizer-se: “… aplica-se a responsabilidade também se o dano vem do estabelecimento como tal, sem colaboração do gás ou corrente, salvo se o estabelecimento, ao tempo do acidente, se achava em estado regular, obedecendo às regras reconhecidas da técnica e estava ileso” (sublinhado nosso).
Esta ideia vem reforçada no projecto de articulado – n.º1: Pelos danos devidos aos efeitos de electricidade (..) de uma instalação para condução ou entrega destes, bem como pelos resultantes da própria instalação, excepto se esta, ao tempo do acidente, se encontrava de acordo com as regras técnicas e em estado perfeito, responde o dono da instalação.”
No caso em análise o PT 106 sobreaqueceu, devida a electricidade; e o factor determinante dos danos foi a quebra no fornecimento da energia eléctrica à A. que veio a causar o incêndio – o dano esteve assim relacionado com a energia eléctrica distribuída pela R., que tem a direcção efectiva do PT. Não é um dano provocado pela instalação sem ligação com a energia eléctrica.
[19] As «instalações de energia eléctrica são constituídas pelo agrupamento de factores convergentes para a criação e armazenagem de energia eléctrica, sendo a condução e a entrega formadas pelos meios mecânicos destinados a levar a energia eléctrica da instalação a outros locais (transporte), até à sua canalização para o consumidor (distribuição), respectivamente».
[20] Ainda que noutras situações pudesse ter relevo, in casu, porque não está provado – e o ónus era da Ré – porque sobreaqueceu o PT e se esse sobreaquecimento foi motivado por força maior – não faz sentido considerar que porque o PT estava em bom estado e em conformidade com as normas antes do sobreaquecimento este não responsabiliza a Ré. Tal ordem de argumentação retiraria sentido à responsabilidade objectiva ou pelo risco.
[21] No texto das alegações aparecem referências às regras técnicas e legais, sem que daí se extraiam implicações em consonância.
[22] Cf., ainda, Ac. STJ 13/7/2004 (Ribeiro Luis), in CJ, Vol. II, p. 155: «A excepção contida no n.º 1 do art.º 509.º CC deve ser interpretada como reportando-se apenas aos danos causados pelas próprias instalação e já não também, aos danos causados pela condução e entrega da energia eléctrica ou do gás»
[23] Obra já citada, p. 712-4.
[24] Cf. ainda Vaz Serra, “Responsabilidade pelos Danos Causados por Instalações de Energia Eléctrica ou Gás e por Produção e Emprego de Energia Nuclear”, BMJ, n.º 92 (Janeiro de 1960), 139 e ss.
[25] Cf. Código Civil Anotado, 4ª ed, vol. I, p. 525.
[26] cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2017, proc. n.º1142/12.5TBALQ-2 (MARIA TERESA ALBUQUERQUE): «o art.º 509.º CC estabelece a responsabilidade objectiva nas seguintes hipóteses, todas respeitantes às instalações de energia eléctrica destinadas à condução e entrega: a) a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica; b) a responsabilidade resultante da condução e entrega da energia eléctrica. No caso da al a) – instalação propriamente dita - existe responsabilidade objectiva salvo em duas circunstâncias: 1- caso em que a instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. 2 – caso em que, não se verificando a hipótese anterior, os danos forem devidos a uma causa de força maior. No caso da al b) – condução e entrega de energia – existe responsabilidade objectiva, salvo num único caso que é o da força maior».

[27] Ou ainda Ac. TRL, proc. 6800/15.0T8LSB.L1-6 (MARIA MANUELA GOMES), de
13/07/2017.

[28] Cf. Acórdão relatado pelo Conselheiro ALEXANDRE REIS, supra citado., que cita também Acórdão do STJ de 27-09-1994 (proc. 084991 - Torres Paulo), também sustentando que o caso fortuito assenta na ideia de imprevisibilidade.
[29] Cf. Acórdão relatado pelo Conselheiro ALEXANDRE REIS, supra citado.