Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
179/14.4TTVNG-B.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO NOVO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS DO RECURSO.
Doutrina:

- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, p. 495 e 496;
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, p. 276;
- João Espírito Santo, O documento superveniente, para efeito de recurso ordinário e extraordinário, Almedina, 2001, p. 70.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 696.º, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-03-2010, PROCESSO N.º 2139/06.0TBBRG-G.G1.S1, IN
SASTJ, CÍVEL 2014, WWW.STJ.PT;
- DE 19-09-2013, PROCESSO N.º 663/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-11-2014, PROCESSO N.º 1544/04.0TVLSB-B-L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-01-2017, PROCESSO N.º 39/16.4YFLSB.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I) O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas e são julgados pelo mesmo tribunal que proferiu a decisão a rever.

II) Um dos fundamentos do recurso de revisão é a apresentação de documento novo, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou, porque existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento da sua existência.

III) Não é admissível recurso de revisão, nos termos da alínea c), do artigo 696º, do CPC, com fundamento em documento que trata de facto anterior à decisão a rever, e que já havia sido trazido à discussão na ação, mas sem que o recorrente, devendo e podendo tê-lo junto atempadamente, ou requerido ao Tribunal que efetuasse as diligências necessárias à sua obtenção com vista à sua junção, não o fez.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 179/14.4TTVNG-B.P1.S1 (Recurso de revisão) – 4ª Secção[1]


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório[2]:

a). O sinistrado AA, jogador de …, participou, em …. de … de 2014, um acidente de trabalho que sofrera a … de … de 2013, figurando, na respetiva ação como responsável a “BB, SA,” líder, atualmente, das “CC. S. A.”[3].

               

b). Frustrada a tentativa de conciliação, que teve lugar na fase conciliatória do processo, por discordância das partes quanto ao exame médico singular, e realizado exame por junta médica foi, a 16 de abril de 2015, proferida sentença, no processo principal, transitada em julgado, por não ter sido objeto de recurso, que considerou o A. afetado da IPP de 47,513%[4] e condenou a R. a lhe pagar com efeitos a partir de 13 de novembro de 2013, a pensão anual e vitalícia de € 9.944,59[5].

                                                                                                                                                     

c). A 23 de junho de 2015, a Ré “CC” requereu a revisão da pensão do A., incidente esse no âmbito do qual se chegou a realizar exame médico singular de revisão conforme auto de exame médico, datado de 15 de maio de 2017 [cf. também autos de exame médico de fls. 163 a 167 e 195/196] na sequência do qual o A. requereu a realização de exame através de junta médica.

  .

d). A Ré, por apenso à referida ação, veio, a 08 de agosto de 2017, interpor recurso de revisão da sentença, alegando, em resumo, o seguinte:

- A sentença dos autos que fixou a incapacidade e direitos do sinistrado transitou em julgado;

- No entanto, existe um documento, de que a Ré e o processo não tinham conhecimento durante a tramitação que decorreu até à prolação e trânsito da sentença, o qual, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à Ré, levando a considerar-se o sinistrado afetado de uma IPP de apenas 1%, dado que a perfuração do septo nasal (e a perturbação respiratória daí decorrente) é muito anterior ao acidente;
- Tal documento veio a ser junto ao incidente de revisão da incapacidade entretanto deduzido e que corre termos, muito após o trânsito em julgado da sentença, documento esse de que a Ré apenas teve conhecimento da sua existência em 09 de junho de 2017, data em que foi notificada do resultado do exame médico de revisão, no qual se faz referência “aos novos dados disponíveis, nomeadamente ao registo de 2011 de pré-exis­tência de perfuração septal”, daí retirando as devidas conclusões;

- A Ré está em prazo, nos termos do disposto no artigo 697.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil [CPC][6], dado que apenas teve conhecimento da existência do documento em questão a 09 de junho de 2017.

e). Notificado o Autor/Recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 699º, n.º 2, do CPC, o mesmo não respondeu, tendo, contudo, apresentado, a 02 de outubro de 2017, no processo principal um requerimento, no qual diz que tendo sido “notificado da interposição do RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO (…)”, requeria que a Ré fosse convidada “a esclarecer se deseja[va] a manutenção da tramitação processual do INCIDENTE DE REVISÃO DE INCAPACIDADE ou do seu RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO, pois ambas são incompatíveis entre si, por configurarem diferentes formas de buscar uma mesma decisão e versarem sobre o mesmo objeto: se as sequelas que o sinistrado apresenta são, ou não, anteriores ao acidente de trabalho que deu causa a estes autos”.

f). A Ré respondeu a esse requerimento, e, na sua sequência, foi proferido, a 07 de novembro de 2017, despacho que determinava, face ao mencionado recurso de revisão da sentença e ao abrigo do dis­posto no art.º 272º, n.º 1, do CPC, a suspensão do incidente de revisão da pensão.


g). A 13.12.2017, foi proferida, no presente apenso, decisão que julgou “procedente o presente recurso de revisão, revogando-se a sentença proferida aos 16.04.2015, a fls. 100 a 102 dos autos principais e substituindo-a pela seguinte[7]:
 “Considerando o A. afetado da IPP de 1% e condenando as RR, na proporção das respetivas quotas parte de responsabilidade, a pagarem ao A., com efeitos a partir de 13.11.2013, a pensão anual e vitalícia de € 209,30 e, “face aos pagamentos já documentados nos autos principais”, absolvendo-as “de qualquer outro pagamento, inclusive a título de juros de mora”.

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h). Inconformado, o Autor a 08 de janeiro de 2018, apresentou requerimento, que diz o seguinte:

“1) Apresentar RECLAMAÇÃO por omissão de acto ou formalidade que a lei prescreve e que, por tal omissão influir na decisão da causa, constitui NULIDADE PROCESSUAL”;

E, subsidiariamente, para o caso de ser entendido não ter ocorrido qualquer nulidade processual;

“2) Interpor RECURSO (…)”, juntando as alegações, que terminam com as respetivas conclusões.

i). A Ré respondeu no sentido da improcedência da arguida nulidade processual e contra-alegou, tendo formulado conclusões no sentido da improcedência do recurso e, consequentemente, desse manter sentença recorrida.

j). O Senhor Juiz pronunciou-se sobre a nulidade processual invocada pelo Recorrente nos seguintes termos:

Nulidade arguida pelo sinistrado, aqui recorrido, com as alegações de recurso:

Pese embora o artigo 701º, nº 1, al. b), do CPC, preveja efetivamente e para além do prazo de resposta do artigo 699º, nº 2, do CPC, o direito a alegar, entendemos que, no caso concreto, o A. já teve oportunidade de exercer o contraditório, quer neste incidente/recurso de revisão, quer no processo principal, como o próprio refere.

Acresce que, em rigor e ao que depreendemos, as alegações referidas no artigo 701º, nº 1, al. b), apenas se tornam necessárias se o Tribunal, após o prazo de resposta, proceder às diligências que entenda indispensáveis e a que se reporta o mesmo preceito, já que só nessa hipótese pode haver matéria nova sobre a qual as partes tenham interesse em pronunciar-se.
Como tal e mesmo a admitir nesta sede alguma irregularidade processual, não vemos que a mesma gere nulidade, por não influir no exame ou decisão da causa, como exige o artigo 195º do CPC para a qualificação de nulidade.”

De seguida, foi proferido despacho de admissão do recurso.


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h). Por despacho da Relatora determinou-se a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da ação, na sequência do que, por despacho do tribunal “a quofoi o mesmo fixado em € 126.316,94.


Por acórdão proferido, a 30 de maio de 2018, pelo Tribunal da Relação do Porto, concedeu-se provimento ao recurso, em consequência do que se decidiu:

   - “Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a existência de fundamento para o recurso de revisão da sentença de fls. 100 a 102 do processo principal proferida aos 16.04.2015, que é substituída pelo presente acórdão, em que se julga improcedente o fundamento do recurso de revisão invocado pela R., Seguradora Unidas, SA e, por consequência, improcedente o recurso de revisão de tal sentença;
                - Revogar a decisão recorrida na parte em que revogou a mencionada sentença de 16.04.2015 e em que a substituiu pela constante da decisão recorrida (de fls. 24/25 dos presentes autos de recurso de revisão), assim se mantendo a sentença proferida aos 16.04.2015, de fls. 100 a 102 do processo principal.

           - Julgar prejudicado o conhecimento da invocada nulidade processual.”

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               A Ré não se conformando com o teor desta decisão, dela interpôs o presente recurso de revista.

                Apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões:


I. “O presente recurso versa sobre o acórdão de 30.05.2018 do Tribunal da Relação do Porto que acordou em conceder provimento ao recurso apresentado pelo Sinistrado, então Apelante e ora Recorrido, e em consequência:

a. Revogou a sentença de 13.12.2017 do Juízo do Tribunal de Vila Nova de Gaia - Juiz 1 (doravante nova sentença), que julgou verificada a existência de fundamento para o recurso de revisão de sentença oportunamente interposto em relação à sentença anteriormente proferida em 16.04.2015 (doravante sentença revista), por considerar "improcedente o fundamento de revisão invocado pela R., “CC, S.A.", ora Recorrente; e,

b. Manteve a sentença revista.

II. A ora Recorrente não concorda com o acórdão da Relação do Porto e considera que era acertada a nova sentença proferida pelo Juízo do Tribunal de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, pelo que devia ter sido negado provimento ao recurso do Sinistrado, ora Recorrido, mantendo-se a nova sentença de 13.12.2017, proferida na sequência de um recurso extraordinário de revisão interposto da sentença revista, nos termos do qual o Sinistrado foi considerado afetado de uma IPP de 47,5136% e as Seguradoras condenadas a pagar a pensão anual e vitalícia correspondente.

III. O referido recurso de revisão era admissível, ao abrigo do disposto no artigo 696º, alínea c) do CPC, dado que a sentença revista se encontrava transitada em julgado, e, só no âmbito do incidente de revisão da incapacidade do Sinistrado, surgiu um documento, de que nem a Recorrente nem o processo tinham conhecimento durante a tramitação dos autos principais e antes da prolação e trânsito da sentença revista, que, por si só, foi suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à Recorrente.

IV. A Recorrente interpôs o recurso extraordinário de revisão em prazo, nos termos do disposto no artigo 697.5, n.5 1, ai. c) do CPC, dado que apenas teve conhecimento da existência do documento em 09.06.2017 e não passaram mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da presente decisão.

V. Na sentença revista (2015) proferida nos presentes autos, o Tribunal da 1ª Instância tinha feito seu o entendimento da junta médica, no sentido de entender que o Autor estava afetado de uma IPP de 24,26% (depois comutada para 47,5136%), correspondentes a três sequelas.

VI. Todavia, como resulta das suas respostas aos quesitos 1 e 2 de fls. fls. 64 e aos quesitos 2, 3 e 6.3 de fls. 69, 70 e 71, os peritos da junta médica realizada desvalorizam respetivamente em 15% e 10% as sequelas do cap. IV, 1.3.c) da TNI ["Perfuração nasal: a) Perfuração septal simples"] e, a sequela desta decorrente, do cap. IV, 1.2.1.a) ["Perturbação respiratória: 1.2.1.a) Por alteração estrutural (deformação ou sinéquia): a) Até 50% do calibre da narina ou da fossa nasal"], porque não havia nos autos elementos que levassem a concluir que a perfuração septal fosse anterior ao acidente.

VII. Sucede que, no incidente de revisão da incapacidade do Sinistrado que corre por apenso aos autos, o Hospital … juntou um documento datado de 14.08.2011 de que resulta evidente que o Sinistrado teve um outro traumatismo no nariz nessa data e que então, muito antes do acidente dos autos, já tinha o septo nasal perfurado ("perfuração septal antiga").

VIII. A Recorrente só tomou conhecimento da existência deste documento quando foi notificada do resultado do exame de revisão no apenso de revisão da incapacidade.

IX. Como resulta evidente da consulta dos autos e, sobretudo, da leitura do exame singular e do auto de junta médica, todos os documentos clínicos que constavam dos autos até ao incidente de revisão eram posteriores ao acidente aqui em discussão (isto é, posteriores a 2013).

X. A única referência que era feita a uma perfuração septal antiga constava de um relatório do Dr. DD datado de 25.03.2014, ou seja, muito posterior ao acidente; pelo que, este documento não foi suficiente para demonstrar que a perfuração septal era anterior ao acidente. Razão pela qual, os peritos, na junta médica, declararam unânime e perentoriamente que não existiam documentos que permitissem concluir a existência de perfuração septal anterior ao acidente. Disto mesmo ficou convencida a ora Recorrente

XI. Só em 09.06.2017 veio a Recorrente ter conhecimento da existência do documento que serve de fundamento ao presente recurso de revisão, quando foi notificada, no âmbito do incidente de revisão apenso, do relatório do exame médico singular (genérico e da especialidade de otorrinolaringologia) e tomou contacto, não com o documento, mas com uma transcrição do que nele era referido (vide, p. 2 e 3 do relatório genérico e p. 2 do relatório da especialidade).

XII. Só nos exames singulares (genérico e da especialidade) realizados neste incidente, se concluiu, no relatório n.ºs 4, de 15.05.2017, da Delegação do Norte do INMLCF, IP (notificado com referência Citius …) que, em face daquele documento agora conhecido, não existe nexo de causalidade entre o acidente e as sequelas de perturbação respiratória e perfuração septal, sendo que que o verdadeiro valor de IPP resultante do acidente em análise é de 1%, segundo o artigo do capítulo IV. 1.1.a) – hiposmia.

XIII.                Se na junta médica dos presentes autos se atribuiu a perfuração do septo nasal ao acidente em discussão nos autos por inexistirem elementos que demonstrassem que a mesma era anterior ao mesmo, a evidência de registos de que afinal tal perfuração já existia levou à conclusão de que nem a mesma nem a perturbação respiratória dela decorrente eram, afinal, decorrentes do acidente dos autos.

XIV. Até ao exame de revisão da incapacidade o documento não constava dos autos; e até que a Recorrente foi notificada do relatório médico final do exame singular realizado no apenso de revisão da incapacidade, em 09.06.2017, a existência do documento do Hospital de Ponta Delgada não era do conhecimento da Recorrente.

XV. Só no âmbito do incidente de revisão da incapacidade do Sinistrado, após primeira observação deste, o perito do INML que realizou o exame médico de revisão pediu que se solicitasse ao Hospital … (no Serviço de Urgência, em regime de internamento e na Consulta Externa) envio do relato cirúrgico e relatório do Dr. DD, com discriminação das que resultaram do acidente, bem como das lesões que seriam anteriores ao acidente.

XVI. O que denota que, só [no] âmbito do incidente de revisão, o próprio Sinistrado informou o INML que esteve internado no Hospital de … e foi operado pelo Dr. DD.

XVII. Só com esta informação do Sinistrado e subsequente diligência do perito do INML, o Tribunal pode oficiar, pela primeira vez, [ao] referido hospital, que então juntou àquele incidente o documento que serviu de fundamento ao recurso de revisão, onde se pode ler um resumo da Informação Clínica, datado de 2011-08-14, a referir já nessa data o doente com traumatismo da pirâmide nasal e perfuração septal antiga.

XVIII. Sem este documento, nem os autos, e muito menos a Recorrente, teriam como saber que o Recorrido teve um outro traumatismo no nariz em 14.08.2011 e que, nessa data, já tinha "septo nasal com perfuração septal antiga".

XIX. Foi este elemento, só junto aos autos no âmbito do incidente de revisão, que demonstrou cabalmente que, afinal, ao contrário do que havia sido a convicção dos senhores peritos da junta médica, antes do acidente dos autos já o ora Recorrido tinha o septo nasal perfurado.

XX. Pelo que, só no âmbito deste exame de revisão, onde se realizou exame da especialidade de otorrinolaringologia, se concluiu que atendendo aos novos dados disponíveis, nomeadamente ao registo em 2011 de pré-existência de perfuração septal conclui-se que as queixas de perturbação respiratória, roncopatia, sendo devidas à perfuração septal não são de valorizar no contexto do evento em questão.

XXI. Em consequência, no exame genérico de revisão concluiu-se que os elementos disponíveis não permitiram admitir o nexo de causalidade entre o acidente em análise e as seguintes   sequelas orrionolaringológicas: perturbação respiratória e perfuração septal, considerando-se que o verdadeiro valor de IPP resultante do acidente em análise é de 1% segundo o artigo do capítulo IV. 1.1.a) hiposmia (...)".

XXII. Só o documento de 2011, junto aos autos em 2017, veio demonstrar que, afinal a perfuração do septo nasal já existia muito antes do acidente dos autos (e antes ainda de outro acidente com traumatismo do nariz sofrido pelo Autor em 2011), pelo que foi suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

XXIII. Se o Tribunal fez seu o entendimento da junta médica, se esta entendeu não haver elementos que demonstrassem que tal perfuração era anterior ao acidente e se, apenas no âmbito do incidente de revisão da incapacidade, através das informações prestadas pelo Sinistrado ao médico do INML, surgiu um elemento que afinal demonstrou tal facto, forçosamente se terá que concluir que as sequelas "perfuração septal" [cap. IV, 1.3.c)] e "perturbação respiratória" decorrente de tal perfuração [cap. IV, 1.2.1.a}] não deveriam ter sido desvalorizadas como consequência deste acidente.

XXIV. Daqui resulta, ainda, que, afinal, à data da sentença proferida nestes autos em 2015, o Sinistrado estava afetado, como consequência do acidente de trabalho, apenas da seguinte sequela e respetivo grau de desvalorização: cap. IV, 1.1.a) - "anosmia parcial de causa nasal", com o coeficiente de 1%.

XXV. Só o Sinistrado, ora Recorrido - que obviamente nunca foi desconhecedor da perfuração septal anterior, do Hospital (do …) e da data (14.08.2011) - poderia ter contribuído para prestar informação nos autos e para a boa decisão da causa, logo em 2015, pelo que não é imputável à Recorrente não junção do documento no processo principal.

XXVI. Assim, bem andou o Tribunal da 1ª Instância ao julgar o recurso de revisão procedente e ao revogar a sentença proferida em 2015, substituindo-a por outra que declarou o Sinistrado afetado de uma IPP de 1%.

XXVII. O documento datado de 14.08.2011 é atendível como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado nos termos estabelecidos na alínea c) do artigo 771ª do CPC, pois preenche, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência.

XXVIII. Em face do exposto, a julgar improcedente o fundamento do recurso de revisão oportunamente interposto e decidido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou os artigos 696, alínea c), do CPC e 139º, n.º 7, do CPT, bem como a instrução específica da TNI, concretamente aplicável ao acidente de trabalho em causa nos presentes autos: cap. IV, 1.1.a) - "anosmia parcial de causa nasal", com o coeficiente de 1%.

XXIX. E ainda, violou os seguintes artigos do CPC: 6º (dever de gestão processual do juiz); 436º (sobre requisição de documentos); 467º (relativamente a quem realiza a perícia e quem tem competência na matéria em causa); 469º (sobre o desempenho da função de perito com diligência); 480º (sobre atos de inspeção por parte dos peritos - as partes só têm influência na definição do objeto da perícia); e 489º (sobre o princípio da livre apreciação da prova pelo Mmo. Juiz da 1.ª Instância, segundo a sua prudente convicção acerca do fundamento do recurso extraordinário de revisão aqui em causa).

XXX. Termos em que, deverá ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se integralmente a nova sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância em 2017, que é aquela que melhor alcança a justiça material e permite adequar a decisão dos autos à verdade médica, sob pena de ficar estabelecido um nexo causal, que todos os intervenientes processuais sabem que não existe, entre acidente em causa nos presentes autos, e a IPP atribuída pela sentença revista.


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                O sinistrado não apresentou contra-alegações.

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Parecer do Ministério Público:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de não se conceder a revista porque:

No requerimento em que a Ré indicou os quesitos que pretendia ver respondidos pelos peritos médicos, formulado em 02 de dezembro de 2014, evidencia-se que “já então, em data anterior à sentença, proferida em 16.4.2015, tinha conhecimento de que o autor apresentava lesão do septo nasal anterior ao acidente, e que, se porventura não dispunha do documento, pelo menos tinha já conhecimento da informação clinica constante do relatório médico de 25.3.2014, que se refere a essa mesma lesão. Donde se segue que, como concluiu o acórdão recorrido, se a recorrente tivesse atuado com a diligência devida poderia ter junto esse documento ou requerido ao tribunal que diligenciasse no sentido da obtenção dos documentos clínicos pertinentes, por forma a que, atempadamente, a questão da existência dessa anterior lesão e do nexo de causalidade entre o acidente e a mesma pudesse ser apreciada na fase contenciosa do processo e antes da prolação da sentença, pelo que o não uso do documento, a não produção do documento, lhe é imputável, inexistindo fundamento para a revisão.”

Notificado o parecer às partes, respondeu a Recorrente.
Pronunciando-se sobre o seu teor alega que “só por culpa do próprio Sinistrado a informação clínica do serviço de urgência de otorrinolaringologia, do Hospital do …, de 2011, não foi oportunamente requisitada pelos médicos que o examinaram. Por outro lado, o Tribunal não consegue imputar à Recorrente nenhum comportamento negligente, nem tão pouco consegue concretizar a alegada falta de diligência devida, pelo que não falta o requisito de novidade ao documento que serviu de base ao recurso extraordinário de revisão da sentença.”

                Fundamentação:

                Enquadramento adjetivo:

               Tendo a participação sido feita em 17 de fevereiro de 2014, a revisão da pensão sido efetuada em 23 de junho de 2015, o recurso de revisão de sentença interposto em 08 de agosto de 2017 e o acórdão recorrido sido proferido em 30 de maio de 2018,  é aplicável o atual Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o atual Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de novembro, alterado, nomeadamente, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.

                 Questão a apreciar:

              - Saber se o documento apresentado como fundamento do recurso de revisão da sentença reúne o requisito da novidade”, e, em caso afirmativo, se deve este ser admitido e ser julgado procedente.

            Matéria de facto assente:

       

A) - As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1. “Por acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado AA na data de 25/09/2013, foi proferida sentença proferida nos autos principais, em 16/04/2015, nos termos da qual o Autor foi considerado afetado de uma IPP final de 47,5136% (por comutação da IPP de 24,26%, segundo a tabela especifica para os desportistas profissionais), e as Rés Seguradoras condenadas a pagar a pensão anual e vitalícia correspondente.

2. Na sentença pode ler-se o seguinte:

“Reunida a junta, os Srs. Peritos foram de parecer, por maioria, que o sinistrado se encontra clinicamente curado mas afetado de uma incapacidade permanente e parcial de 24,26%, conforme consta do auto de fls. 90 a 93, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

(…)

Tendo em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação, o estatuído nos preceitos aplicáveis da Lei dos Acidentes de Trabalho e o artigo 140º do Código de Processo do Trabalho, é de aceitar que o A. se encontra, por efeito de um acidente de trabalho, afetado de uma incapacidade permanente parcial de 24,26%, tal como entendeu maioritariamente a junta médica”.

3. O Tribunal aderiu, assim e na íntegra, ao laudo da junta médica quanto á avaliação da incapacidade para o trabalho derivada do acidente.

4. Na junta médica, entre outras questões, os peritos responderam aos seguintes quesitos, formulados pela Ré a fls. 64:

‒ “1 – Num sinistrado com antecedentes de perfuração anterior do septo c/ cerca de 3 cm de maior eixo, podemos considerar a perfuração nasal, atualmente encontrada, como resultado do acidente?”

Resposta: “Não há no processo elementos que permitam concluir a existência de perfuração septal anterior ao acidente e como tal é de considerar a perfuração septal como resultante do mesmo. Resposta por unanimidade”.

“2 – O sinistrado foi informado, antes da cirurgia, do antecedente de perfuração nasal e condicionantes para o sucesso da cirurgia. Podem considerar-se as dificuldades respiratórias como consequência do traumatismo?”

Resposta: “O perito do sinistrado e do tribunal não aceitam como verdadeira a primeira frase deste quesito já que nada existe nos autos (…)”.

5. E quanto aos quesitos de fls. 69, 70 e 71 foi respondido pela junta médica o seguinte:

“2 – Existem nos autos elementos inequívocos que demonstrem que o Sinistrado padecia de deformidades pré-existentes ao acidente? Se sim, quais?”

Resposta: “Não existem”.

c. “3 – Existem nos autos elementos inequívocos que demonstrem que o Sinistrado padecia de antecedentes de perfuração anterior do septo com cerca de 3 cm de maior eixo, pré-existentes à data de 25/09/2013, data do acidente?”

Resposta: “Por unanimidade não existem”.

‒ “6.3. – Apresenta perturbação respiratória? Se sim, tal perturbação pode ser resultado do desvio do septo nasal e/ou da perfuração?”

Resposta: “Por maioria sim, podendo ser resultado das alterações estruturais apresentadas [sendo que, em resposta ao quesito 6.2., os peritos responderam, por unanimidade, que não existe desvio do septo nasal, pelo que a única alteração estrutural existente é a perfuração]. O perito da companhia referiu que nesta situação a incapacidade é unicamente da perfuração em termos estruturais”.

6. Assim, a perfuração do septo nasal levou os peritos a atribuírem:

a. A sequela correspondente à perfuração propriamente dita, correspondente ao cap. IV, 1.3.c): “Perfura­ção nasal: a) Perfuração septal simples”, desvalorizada em 15%;

b. Outra sequela que decorre da perfuração, correspondente ao cap. IV, 1.2.1.a):

“Perturbação respiratória: 1.2.1. Por alteração estrutural (deformação ou sinéquia):

a). Até 5:0% do calibre da narina ou da fossa nasal”, desvalorizada em 10%.

7. Estas sequelas só foram assim desvalorizadas porque não havia nos autos elementos que levassem a con­cluir que a perfuração septal era anterior ao acidente.

Sucede que,

8. Encontra-se a correr termos, por apenso aos autos principais, o incidente de revisão da incapacidade do Si­nistrado.

9. Nesse incidente, após primeira observação do Sinistrado, o perito do INML que realizou o exame médico pediu que se solicitasse ao “Hospital … (no Serviço de Urgência, em regime de internamento e na Consulta Externa):

Envio do relato cirúrgico e relatório do Dr. DD que supostamente operou o sinistrado aquando do sinistro sobre as lesões observadas com descriminação das que resultaram do acidente, bem como das lesões que seriam anteriores ao acidente”.

10. Em resposta ao ofício do Tribunal para o efeito, o referido hospital juntou àquele incidente o documento que serve de fundamento ao presente incidente de revisão, junto em …./…./…, a fls. (….) dos autos, no qual se pode ler o seguinte:

“Resumo da Informação Clínica:

(…)

Urgência Acidente – Trabalho -> Domicílio, 2011-08-14, DD Motivo/Observação:

 - 2011-08-14 20:23, DD, Urgência -

Doente com traumatismo da pirâmide nasal;

Sem desvios da pirâmide ou afundamentos;

Septo nasal com perfuração septal antiga:

Sugiro gelo local e dieta mole e fria.

- 2011-08-14 19:07, EE, Urgência -

Doente com traumatismo do nariz por cabeçada no futebol com epistaxis na altura e foi colocado spongostan na altura.

(…)”

11. Deste documento resulta assim que o Autor teve um outro traumatismo no nariz em 14.08.2011 e que, nessa data, já tinha “septo nasal com perfuração septal antiga”.

12. No referido exame de revisão, realizou-se exame da especialidade de otorrinolaringologia onde se concluiu:

“Atendendo aos novos dados disponíveis, nomeadamente ao registo em 2011 de preexistência de perfuração septal conclui-se que as queixas de perturbação respiratória, roncopatia, sendo devidas à perfuração septal não são de valorizar no contexto do evento em questão (…).

Assim, por ORL será de atribuir a seguinte ponderação:

- Pela hiposmia, segundo o capítulo IV, alínea 1.1.a (0,01 – 0,03) – 1%”.

13. E no exame genérico conclui-se que:

“6. Considerando o relatório pericial de Otorrinolaringologia, os elementos disponíveis não permitiram admitir o nexo de causalidade entre o acidente em análise e as seguintes sequelas otorrinolaringológicas: perturbação respiratória e perfuração septal.

7. Assim, considera-se que o verdadeiro valor de IPP resultante do acidente em análise é de 1% se­gundo o artigo do capítulo IV. 1.1.a) hiposmia (…)”.

B) - Tem-se também como assente o que consta do relatório do presente acórdão e ainda, porque documentalmente provado, o seguinte:

14. No requerimento para exame por junta médica apresentado pelo sinistrado aos 0.12.2014[8] e que consta de fls. 69 a 71 do processo principal, para além dos quesitos mencionados no nº 5 dos factos provados (e, bem assim, outros), foi também formulado o seguinte quesito: “4. A confirmarem-se eventuais deformidades pré-existentes ao acidente, será que estas poderão ter sido agravadas por este acidente de trabalho posterior?”, quesito este ao qual a junta médica a que se reporta o nº 4 dos factos provados, conforme auto de fls. 90 a 92 do citado processo, respondeu que: “4 - A confirmarem-se sim. Por unanimidade[9].”

15. 15. Com o requerimento, apresentado pela Ré Seguradora a 23.06.2015 e que consta de fls. 117 do pro­cesso principal, a solicitar a revisão da pensão [incidente a que se reporta o nº 8 dos factos provados], a mesma juntou o documento de fls. 118 do citado processo, qual seja “Relatório Clínico/Pedido de Revisão”, datado de 04.06.2015 e subscrito por Dr. FF, no qual se refere o seguinte:

“ No seguimento da Junta Médica de 18/3/2015 e após observação do sinistrado pelo n/ Perito Médico aquando desse exame médico segue informação clinica favorável ao pedido de revisão:

- Cap. IV 1.3.c) Perfuração septal:

Atribuída 15% de incapacidade. (…). Segundo o médico que operou o sinistrado aquando do sinistro – Dr. DD – a perturbação anterior do septo nasal era antiga, isto é, anterior ao acidente;

(…)

- Cap. IV 1.2.1. a) Perturbação respiratória:

Atribuída 10% de incapacidade. O septo nasal estava, pela observação direta, alinhado. A obstrução, resultaria da alteração do flux laminar que nestes casos sempre existe. Evidentemente que, se existe sempre perturbação respiratória numa perfuração septal, então essa mesma perturbação estará obrigatoriamente incluída na alínea própria, 1.3.c). à perfuração septal simples, que não dá aparentemente qualquer sintomatologia ou alteração estética, merecerá desvalorização, provavelmente, também por esse motivo[10].”

16. No âmbito da fase conciliatória do processo principal, a Ré, na sequência da notificação de fls. 20 do mesmo, datada de 19.02.2014 [notificação para remeter, para além do mais, “cópias da documentação clínica e nosológica”], aos 07.03.2014 remeteu a documentação que consta entre fls. 21 e 22[11] e 22 do citado processo, referente a:

- Boletim de exame/Alta, datado de 27.02.2014, do qual consta o seguinte:

“Descrição Sumária do acidente: Bateu com o nariz na cabeça do adversário;

Passado nosológico (lesões ou doenças anteriores ou coexistentes ao acidente e respetiva desvalorização): [em branco][12];

Lesões ou doenças intercorrentes e respetiva desvalorização: [em branco][13]

Lesões resultantes do acidente: 920 Contusão Nasal

                                                           8020 Fractura dos ossos próprios do Nariz

Tratamentos efetuados (Médico/Cirúrgico) e respetivas datas:

 Tratamento Médico de Otorrinolaringologia;

Cirurgia – rino-septoplastia;

Estado atual discriminativo das lesões e doenças resultantes do acidente ocorrido: Alta Curado s/Desv.

(…)

Exames complementares/Relatórios e respetivas datas: Proposta cirúrgica.

(…)”

- Em papel timbrado da “BB”, “Requisição de intervenção cirúrgica”, emitido em “…”, datado de 14.10.2013 e assinado por médico, no qual se refere:

“(…)

Proposta:

Intervenção cirúrgica proposta Rinoplastia.

(…)

Hospital …,

Cirurgião Dr. DD”

17. No relatório do exame médico de revisão de 25.07.2016 (fls. 165 a 167 do processo principal), o Sr. perito médico, para além de solicitar o referido no nº 9 dos factos provados, solicitou ainda: “o envio dos seguintes documentos: registos clínicos relativos a diagnósticos e tratamentos efetuados em consequência do evento em análise, bem como os exames complementares de diagnóstico realizados, com os respetivos relatórios, até à data da alta”, na sequência do que foi proferido o despacho de 12.09.2016 determinando que se diligencie junto da seguradora pela obtenção dos elementos clínicos solicitados pelo IML.

18. Tendo a Ré, em cumprimento do aí determinado, juntado, aos 15.09.2016, os documentos de fls. 171 a 175 do processo principal, constando do documento de fls. 175 o seguinte:

“Relatório Clínico

O Sr. AA foi observado por mim na sequência de fratura dos ossos próprios do nariz em alegado acidente desportivo a 25/09/2013. Apresentava cifoescoliose do dorso nasal pelo que foi proposta rinoplastia que ocorreu a 08/11/2013. O doente negava qualquer outra queixa. Na altura da proposta cirúrgica foi alertado o doente para o facto de apresentar perfuração anterior do septo nasal antiga com 3 cm de maior eixo e que esta alteração morfológica poderia condicionar os resultados da cirurgia. Os resultados da cirurgia foram considerados adequados pelo doente, não havendo, nem da parte do doente nem da minha parte, necessidade de reavaliação para além do seguimento após 1 mês de cirurgia.

DD

Ponta Delgada, 25/03/2014[14].”

19. Na sequência do referido em 9) e 10) dos factos provados, o Hospital …, enviou ainda o “Resumo da Informação Clínica” de fls. 180 do processo principal, da qual consta o seguinte:

“Consulta em C.E.-lii-Otorrinolaringologia, 2013-10-07, DD.

Motivo/Observação:

- 2013-10-07 10:05, DD, C.E.-lii-Otorrinolaringologia -

Calo ósseo da pirâmide nasal. Quer fazer rinoplastia. Faço proposta.

Urgência Acidente- Trabalho -> Consulta externa, 2013-09-25, DD

Motivo/Observação:

- 2013-09-25 22:45, DD, C.E.-lii-Otorrinolaringologia -

Fratura dos OPN. Faço redução tamponamento e tala.

Volta no sábado para destamponamento nasal. Prescrevo: Clavamox; Nolotil.

- 2013-09-25 19:15, GG -

Traumatismo do nariz contra cabeça de adversário durante jogo de futebol.

Epistaxis de difícil controlo; utilização Spongostan.

Apresenta tumefação e equimose com desvio da linha média (já tinha o desvio).

Rx: aparenta fractura ossos próprios. Dr. DD vem observá-lo.”

20. Não consta dos autos (suporte físico e histórico informático) que a junção, pelo Hospital …, dos elementos clínicos haja sido notificada à Ré.

21. Tendo a ilustre mandatária da Ré sido notificada do exame médico de revisão de fls. 192 a 194 vº, através da plataforma informática “citius”, com data de elaboração de 06.06.2017.

Do direito:

               As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, sendo estes ordinários e extraordinários – artigo 627º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

               São ordinários os recursos de apelação e de revista e são extraordinários os recursos para uniformização de jurisprudência e de revisão – artigo 627º, n.º 2, segundo segmento.             


               A lei estabelece, assim, uma distinção entre os recursos, classificando uns como ordinários e os outros como extraordinários, distinção essa que assenta num critério formal que parte da noção de trânsito em julgado da decisão impugnada.

               Assim, os recursos são ordinários ou extraordinários conforme o reexame tenha lugar antes ou depois, respetivamente, do trânsito em julgado da decisão a reexaminar, ou seja, os ordinários pressupõem que a decisão ainda não tenha transitado em julgado e a competência para a anular, revogar ou modificar pertence ao tribunal de recurso [tribunal superior] e os extraordinários são interpostos depois daquele trânsito e recaindo o poder decisório sobre o mesmo tribunal que proferiu a decisão.

               

Pode-se, pois, dizer que os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais que visam a sua reforma, através de um novo exame da causa por parte de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior, enquanto os recursos extraordinários são julgados pelo próprio tribunal que proferiu a sentença ou acórdão, mas já transitados.

                Formalmente, e quanto à instância, os recursos distinguem-se por:

               a). Os recursos ordinários implicarem uma mera prossecução, continuação ou prorrogação da instância [não são uma nova instância].

b). Os recursos extraordinários exigirem, pelo menos, uma renovação da instância já extinta, sendo que para alguns autores constituem mesmo uma nova instância.

                Há quem sustente que o recurso extraordinário tem a natureza de uma ação, quem defenda que se trata de um recurso específico e, ainda, quem diga que possui um misto de recurso e de ação..

               

Por sua vez, o regime geral dos recursos ordinários não é, em regra, aplicável aos recursos extraordinários porque estes começam, geralmente, por uma fase processual destinada à eliminação da decisão transitada em julgado e terminam pela fase destinada à formação de nova decisão [substitutiva da primeira].


~~~~~~


               No caso em apreço, estamos perante um recurso extraordinário de revisão, que se encontra regulamentado nos artigos 696º a 702º, do CPC.

               Miguel Teixeira de Sousa[15], em anotação ao acórdão de 19.01.2017, deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 39/16.4YFLSB.L1.S1, refere que “[c]onforme se colhe do ensinamento de ALBERTO DOS REIS (…) o recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspeto de uma aberração judicial: o aspeto de atentado contra a autoridade do caso julgado. (…).

               Bem consideradas as coisas estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

               Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença.

               De igual modo e seguindo a mesma linha de raciocínio, também FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (…) refere que o princípio da autoridade do caso julgado não é absoluto posto que a lei lhe abre exceções, qualificando o recurso de revisão como o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insuscetível de impugnação por força dos recursos ordinários. O prestígio do Estado, na vertente da função jurisdicional, seria fortemente afetado se uma decisão judicial, só por ter transitado em julgado, não pudesse jamais ser reformada, apesar de ser patente que ele se obteve de modo fraudulento, flagrantemente contrário ao Direito.”

           Mais refere que “[p]ode, assim, afirmar-se, em suma e citando PINTO FURTADO (…), que se a ideia de justiça e a de certeza andam geralmente associadas, em certas circunstâncias excecionais entram as duas em conflito, impondo-se então que a certeza abra as suas portas para deixar entrar a justiça. E a chave para o efeito é o recurso extraordinário.”

               

               Acresce que é o recurso extraordinário de revisão quem possibilita, em circunstâncias taxativamente fixadas no artigo 696º, ultrapassar a normal intangibilidade do caso julgado.

               

               Nele consta que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

               

               A Ré invoca a alínea c), desta norma, como suporte deste recurso de revisão, ou seja, alega a existência de documento, de que não tinha conhecimento, e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão impugnada em sentido que lhe é mais favorável.

               Acerca deste fundamento, apresentação  de documento superveniente, diz Fernando Amâncio Ferreira[16] que “tanto é superveniente o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que a essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele no processo.

                (…)

                O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.”.

                Para Miguel Teixeira de Sousa[17] “[a] esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência – apoiando-se, sobretudo, na circunstância de a lei não exigir, expressamente, que o documento seja de formação contemporânea ao decurso do processo em que foi proferida a decisão revidenda – tem entendido que o normativo em análise tanto abrange o documento anterior, como o posterior ao trânsito em julgado, isto é, tanto os casos de impossibilidade objetiva como subjetiva (…).”

               

                António Santos Abrantes Geraldes[18] explicita que “[a] alínea c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

                (…)

               Também aqui importa notar que o acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha objetiva ou subjetivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na ação ou execução onde foi proferida a decisão revidenda, o que convoca, além do mais, a possibilidade conferida pelo artigo 662º, n.º 1, de junção de documentos supervenientes em sede de recurso de apelação.”

          João Espírito Santo[19], entende que, tal como assinalou Alberto dos Reis “[o] requisito da novidade, não significava a necessidade de o documento se haver formado depois do trânsito em julgado da  sentença a rever, parque as palavras «de que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento», inculcavam precisamente que «o documento já existia, mas a parte não pôde socorrer-se dele, ou porque o desconhecia ou porque não o teve à sua disposição»”.

                A novidade significaria, pois, e apenas, que se tratava de documento não apresentado no processo em que havia sido proferida a decisão a rever.”

               Ora, do exposto, resulta que, para a doutrina, o recurso de revisão só é admissível, com fundamento na alínea c), do artigo 696º, se não for imputável à parte a impossibilidade de apresentação do documento no processo anterior, ou seja, se não lhe puder ser assacada a impossibilidade de o apresentar a tempo de interferir no resultado da decisão a rever.

               

                Para isso, é necessário que a parte demonstre que, apesar de ter empregue todos os esforços que estavam ao seu alcance para o obter, mesmo assim, não o conseguiu.

               Deste modo, não podem servir de base para o recurso de revisão tanto os casos em que a parte apesar de ter conhecimento da existência do documento, o não o quis apresentar na ação, como os casos em que a parte, não teve dele conhecimento, devido à sua incúria, falta de zelo e de cuidado, sendo-lhe, assim, imputável o seu não uso por não agido com a «diligência própria dum bom chefe de família».

               O que leva a concluir que se a parte agiu com a devida diligência, com a que lhe era exigível, na obtenção do documento, e não o tendo conseguido, não lhe pode ser imputada a sua não apresentação na ação em que foi proferida a decisão a rever.


~~~~~~


               É neste sentido que este Supremo Tribunal de Justiça se tem pronunciado.

                ASSIM: 

                a). Acórdão de 20.03.2010, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 2139/06.0TBBRG-G.G1.S1[20]:

               

1. O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado e não de um segmento decisório da sentença ou acórdão, os quais, aliás, não podem ser impugnados por recurso ordinário.

2. Os fundamentos do recurso de revisão estão taxativamente plasmados no art. 771.º do CPC, sendo que, no que à sindicância da matéria de facto importa, a mesma também aqui se encontra vedada às situações a que alude o art.º 722.º, n.ºs 2 e 3, 2.ª parte.

3. No caso da revisão se fundar em documento superveniente – al. c) do art.º 771.º do CPC –, o documento terá de preencher condicionalismos de ordem processual (novidade e prealegação) e substancial (suficiência).

4. O requisito da novidade significa que o documento é novo, no sentido de que não foi apresentado no processo onde se emitiu a sentença a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, nomeadamente por dele não ter conhecimento.

5. O requisito da prealegação impõe que a factualidade que o documento visa provar já haja sido suporte da ação ou defesa naquele processo […].

                b). Acórdão de 19.09.2013, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1[21]:

1) O recurso de revisão previsto nos artigos 771º e segs, do CPC, deve ser apreciado pelo tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado e a rever.

2) Tratando-se de decisão proferida em recurso, a revisão compete ao tribunal superior (Relação ou STJ), pois foi esta – e não a dos tribunais inferiores – que transitou em julgado.

3) O fundamento da revisão previsto na al. c) do art.º 771º, do CPC, é a apresentação de um documento novo superveniente, comprovativo de facto alegado e discutido na ação onde foi proferida a decisão a rever e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente ao recorrente.

4) O documento novo de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não pudesse podido fazer uso deve ser um documento existente na pendência do processo onde foi proferida a decisão a rever porque, por um lado, a parte só podia ter conhecimento do que existe (sendo um absurdo lógico, ignorar a existência do que não existe […] e, por outro, o não ter podido fazer uso desse documento na ação anterior deve ser entendido no sentido de que, noutras circunstâncias, teria podido fazer uso dele (e ninguém pode fazer uso do que não existe […].

               

               c). Acórdão de 13.11.2014, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 1544/04.0TVLSB-B-L1.S.1[22]:

1) O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado, se não tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o respetivo trânsito em julgado e tem por função reparar anomalias processuais de especial gravidade, taxativamente enunciadas no art.º 696.º do NCPC (2013).

2)  A apresentação de um documento novo superveniente (art.º 696.º, al. c), do NCPC) constitui um fundamento de revisão, relativo à formação do material instrutório, que visa a comprovação de facto alegado e discutido na ação onde foi proferida a decisão a rever, e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente ao recorrente […].

3) […].

4) Considera-se superveniente tanto o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão a rever, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.

5) A lei não exige a superveniência objetiva do documento, mas apenas a superveniência subjetiva, bastando que se prove que o recorrente não teve conhecimento do documento em tempo útil de com ele conseguir obter uma alteração dos factos provados na ação principal.

6)  O documento é novo (i) requisito da novidade, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento e porque quando teve este conhecimento já a fase dos articulados da ação principal onde se discutia a questão.

               

               Para a jurisprudência, que é firme e consolidada, deste Supremo Tribunal, o documento atendível, nos termos da alínea c), do artigo 696º, terá que preencher os requisitos da novidade e da suficiência, significando o primeiro requisito que o documento não foi apresentado na ação, aonde foi proferida a decisão a rever, porque existindo, a parte não pôde socorrer-se do mesmo.

               Acresce que, se esse documento for anterior à decisão a rever, igualmente não se verifica o requisito da novidade se o recorrente não alegar, como é seu ónus, que o  seu não conhecimento e a sua não apresentação  no processo em que sucumbiu não lhe pode ser imputável, designadamente por falta de diligência na preparação e na instrução da ação.


~~~~~~


               No caso concreto, o acórdão recorrido julgou improcedente o recurso de revisão com os seguintes fundamentos:

“(…) A Ré, nos próprios quesitos que, aos 02.12.2014, formulou para submeter ao exame por junta médica (que deu início à fase contenciosa do processo principal), demonstrou ter conhecimento dessa anterior lesão, quesitos esses em que a própria Ré: no 1º, faz referência a “antecedentes de perfuração anterior do septo c/cerca de 3 cm de maior eixo e suscita a questão do nexo causal entre a “perfuração nasal atualmente encontrada” e o acidente de trabalho; e, no 2º, afirma que o “sinistrado foi informado, antes da cirurgia, do antecedente de perfuração nasal”.

A menos que a Ré, ora Recorrida e como diz o A/Recorrente, tivesse “artes de adivinhação”, o que não é certamente o caso, a Ré já tinha, aquando do pedido de exame por junta médica (anterior, pois, à sentença), conhecimento de que o A. apresentava perfuração do septo nasal anterior ao acidente de trabalho, tanto que suscitou a ques­tão do nexo causal no requerimento de exame por junta médica.

Aliás, isso mesmo o demonstra, também, o relatório clínico de fls. 175, datado de 25.03.2014 [ou seja, de data anterior ao requerimento para exame por junta médica] e que foi posteriormente junto pela Ré [cfr. nº 18 dos factos provados], relatório clínico esse subscrito pelo Dr. DD, do qual consta que “(…). Na altura da proposta cirúrgica foi alertado o doente para o facto de apresentar perfuração anterior do septo nasal antiga com cerca de 3 cm de maior eixo (…)”. Ou seja, através de tal relatório poderia/deveria a Ré ter-se apercebido dessa anterior lesão. E efetivamente dela se apercebeu, tanto que formulou, no requerimento de exame por junta médica, os quesitos 1º e 2º, suscitando ainda a questão do nexo causal, para além de que, sendo esse relatório de data anterior ao requerimento de exame por junta médica, não se vê que não pudesse a Ré, então, tê-lo junto aos autos, para além de que não alegou, nem muito menos demonstrou a Ré, no recurso de revisão da sentença, que não tivesse, então, tido conhecimento de tal documento e /ou que, tendo dele conhecimento, não o poderia todavia ter apresentado.

Deveria pois a Ré, se tivesse a Ré atuado com a diligência devida, ter junto o documento clínico em que se suportou para a formulação de tais quesitos a submeter à junta médica, designadamente, e pelo menos, o de fls. 175 [ou eventualmente outros de que dispusesse]. Ou, admitindo porventura que o não tivesse em seu poder e/ou que o não pudesse obter, deveria ter solicitado ao Tribunal que diligenciasse no sentido da obtenção dos elementos clínicos pertinentes, seja esse documento de fls. 175, sejam outros, designadamente informação clínica junto do Hospital do … (cf. art.º 432º do CPC), por forma a que, atempadamente, a questão da existência dessa anterior lesão – perfuração septal - e do nexo de causalidade entre o acidente e a mesma pudesse ser apreciada no âmbito da fase contenciosa do processo principal e antes da prolação da sentença, o que a Ré não fez apesar de, frise-se novamente, ter invocado o facto em causa – existência de perfuração do septo nasal anterior – e ter suscitado a questão do nexo causal.

O que a Ré vem agora fazer é, através do recurso extraordinário de revisão, tentar colmatar uma deficiência da instrução/prova que, oportunamente e atuando com a diligência devida, poderia e deveria ter apresentado e/ou requerido a sua realização. E esse não é o desiderato do recurso extraordinário de revisão.

 Invoca a Ré, ora Recorrida, as respostas dadas pelos Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica aos quesitos 1º e 2º por si formulados, respostas essas de acordo com as quais entenderam que não existiam no processo elementos que permitissem concluir pela existência de perfuração septal anterior ao acidente e que, por isso, entenderam ser de considerar a perfuração septal como resultante do mesmo e, bem assim, que “não aceitam [peritos do tribunal e do sinistrado] como verdadeira a primeira frase” do quesito 2º “já que nada existe nos autos”, frase essa em que a Ré afirmava o seguinte: “2. O sinistrado foi informado, antes da cirurgia, do antecedente de perfuração nasal e condicionantes para o sucesso da cirurgia. (…)”.

É certo que tais respostas assentaram na inexistência, nos autos, de informação/documentação clínica nesse sentido, pressuposto este que, segundo a Ré, é alterado pela informação clínica de fls. 179 prestada pelo Hospital do …  apenas no âmbito do incidente de revisão, já em 2017.

Acontece, porém, que a inexistência, à data da junta médica e da prolação da sentença cuja revisão ora se pretende, de documentação clínica atestando a anterior existência de perfuração do septo nasal, é imputável à própria Ré, que não atuou com a diligência devida. Com efeito, conforme já acima referido e para onde se remete, a Ré deveria ter, no decurso da fase contenciosa do processo principal, junto a documentação clínica pertinente à demonstração do facto que alegara – anterior perfuração do septo nasal – designadamente a de fls. 175, e, bem assim, deveria e poderia ter requerido ao Tribunal que diligenciasse no sentido da obtenção e junção da informação clínica relativa ao sinistrado existente no mencionado Hospital …. Salienta-se que a Ré, como responsável pela repara­ção dos danos emergentes do acidente de trabalho, incluindo a prestação da necessária assistência médica, tinha conhecimento, ou deveria e poderia ter tido, do local onde o A. foi assistido, qual seja no mencionado Hospital, como decorre da informação de fls. 180. Aliás, do relatório clinico de fls. 179, datado de 25.03.2014 (data esta anterior até ao pedido de exame por junta médica), assinado pelo médico DD e junto pela Ré, decorre que esta tinha conhecimento do médico que o assistiu.

Assim sendo, e concluindo, o recurso de revisão da sentença proferida a fls. 100 a 102 do pro­cesso principal, não é, nos termos do art.º 696º, al. c), do CPC, admissível por não verificação do requisito da novidade, assim procedendo as conclusões do recurso e, por consequência, devendo ser revogada a deci­são recorrida que admitiu a revisão da sentença, e ficando prejudicado, por desnecessário, o conhecimento da questão relativa à não verificação do requisito da suficiência.”

Merecem a nossa concordância estas considerações.

Alega a Ré que apenas teve conhecimento, em 09.06.2017, da existência do documento enviado pelo Hospital …, em Ponta Delgada [que se encontra junto ao apenso de incidente de revisão de incapacidade por si requerido em 23.06.2015], quando foi notificada do resultado do exame médico de revisão, o qual faz referência à informação clínica nele constante, pelo que, segundo ela, só nessa data ficou a saber que o Autor tinha tido, em 14.08.2011, “um traumatismo no nariz, por cabeçada no futebol”, e que, nessa data, ficara com “o septo nasal com perfuração septal antiga”.

Não é o que resulta da factualidade provada.


O acidente de trabalho em causa ocorreu em 25.09.2013, foi participado ao Tribunal em 17.02.2014, e a decisão a rever foi proferida em 16.04.2015.

Não tendo havido conciliação, na tentativa efetuada na fase conciliatória, a Ré, em 02.12.2014, abriu a fase contenciosa, requerendo a submissão do sinistrado a exame por junta médica, e formulou os respetivos quesitos.

Os dois primeiros e o quarto têm a seguinte redação:

- 1.º “Num sinistrado com antecedentes de perfuração anterior do septo c/ cerca de 3 cm de maior eixo, podemos considerar a perfuração nasal, atualmente encontrada, como resultado do acidente?”
- 2.º “O sinistrado foi informado, antes da cirurgia, do antecedente de perfuração nasal e condicionantes para o sucesso da cirurgia. Podem considerar-se as dificuldades respiratórias como consequência do traumatismo?”
- 4º “A confirmarem-se eventuais deformidades pré-existentes ao acidente, será que estas poderão ter sido agravadas por este acidente de trabalho posterior?”,

As respostas que lhe foram dadas, pelos peritos médicos, foram respetivamente as seguintes:

- “Não há no processo elementos que permitam concluir a existência de perfuração septal anterior ao acidente e como tal é de considerar a perfuração septal como resultante do mesmo. Resposta por unanimidade”.

- “O perito do sinistrado e do tribunal não aceitam como verdadeira a primeira frase deste quesito já que nada existe nos autos (…)”.

- “A confirmarem-se sim. Por unanimidade”.

Em 07.03.2014, foi junto aos autos, em papel timbrado da própria “BB”, uma “Requisição de intervenção cirúrgica”, datado de 14.10.2013, assinada por médico, onde se propõe submeter o Autor a uma “Rinoplastia”.

Em 15,09.2016, a Ré juntou aos autos um Relatório Clínico, datado de 25.03.2014, subscrito pelo Dr. DD, no qual consta quena altura da proposta cirúrgica [em 14.10.2013] foi alertado o doente [o sinistrado] para o facto de apresentar perfuração anterior do septo nasal antiga com 3 cm de maior eixo e que esta alteração morfológica poderia condicionar os resultados da cirurgia”.

               Por sua vez, o documento que fundamenta este recurso de revisão é a informação clínica enviada pelo Hospital ….

               Ora, do exposto resulta que a Ré, quando iniciou a fase contenciosa, requerendo exame por junta médica, mostrou que já se tinha apercebido da lesão anterior e se ainda não tinha o documento, pelo menos, já tinha conhecimento da informação clínica de 25.03.2014, que se refere a essa lesão.

Com efeito, no Relatório Clínico, junto aos autos pela Ré em 15.09.2016, mas datado de 25.03.2014 e subscrito pelo Dr. DD, consta que na altura da proposta da intervenção cirúrgica [rinoplastia], feita ao sinistrado em 14.10.2013, foi este alertado para o facto de apresentar perfuração anterior do septo nasal antiga com 3 cm de maior eixo e que esta alteração morfológica poderia condicionar os resultados da cirurgia.

E, por se ter apercebido dessa lesão antiga, é que formulou os quesitos 1º,  2º,e 4º,  naqueles termos e com aquela redação, ou seja, fazendo referência a antecedentes de perfuração anterior do septo c/ cerca de 3 cm de maior eixo”, suscitando a questão do nexo causal entre essa anterior perfuração e o acidente de trabalho em causa, e afirmando que o sinistrado foi informado, antes da cirurgia, do antecedente de perfuração nasal e condicionantes para o sucesso da cirurgia.

Se a Recorrente tivesse atuado com a diligência devida podia, pelo menos, ter apresentado nos autos o Relatório Clínico datado de 25.03.2014, muito anterior à sentença recorrida e podia ter obtido a informação clínica, referente ao sinistrado, sobre a sua lesão anterior, até porque foi o Dr, DD quem viu o sinistrado na urgência do Hospital, quem sugeriu a rinoplastia e quem subscreveu o Relatório Clinico.
Se, mesmo assim, o não conseguisse obter, apesar da sua devida diligência, podia ter requerido, atempadamente, ao tribunal que fizesse as diligências necessárias à sua obtenção, nos termos do artigo 7º, n.º 4.

Deste modo, o documento usado pela recorrente não pode ser considerado novo e, por isso, não pode servir para fundamentar o presente recurso de revisão, pois a sua não apresentação atempada é imputável à Ré, por omissão de diligência que lhe era exigida.

Diga-se, ainda, que os peritos médicos responderam aos dois primeiros quesitos, dizendo que nos autos inexistiam elementos que  levassem a concluir pela lesão anterior.
Contudo, tal inexistência é, como já se viu, imputável à própria Ré.

Não pode, agora, a Ré, através deste recuso de revisão tentar suprir as deficiências e falhas da instrução da ação principal, que lhe são imputáveis.

Conclui-se, assim, que o documento que fundamenta este recurso de revisão  não obedece ao requisito da “novidade, pelo que, nos termos do artigo  696º, alínea c), do CPC, não é admissível.

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Decisão:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a revista, e, consequentemente manter o acórdão recorrido.
b. Custas pela Recorrente/Seguradora.
Notifique.

                Anexa-se o sumário do Acórdão.


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              Lisboa, 2018.12.19

Ferreira Pinto – (Relator)


Chambel Mourisco


Pinto Hespanhol

______________
[1]- N.º 0012018 – (FP) – CM/PH
[2]- Relatório feito com base nos relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[3] - Em regime de cosseguro.
[4]- Resultante da IPP de 24,26% e da comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional constante da tabela anexa à Lei 27/2011, de 16 de junho.
[5] - A qual foi objeto de remição parcial posterior, em 17 de julho de 2015, conforme auto de entrega do capital de remição constante no processo principal.
[6] - Doravante CPC. São deste diploma todos os artigos que não tenham menção expressa da sua origem,
[7] - De imediato, passou a proferir-se nova sentença.
[8] - “sic”:
[9] - Sublinhado, realce e negrito do Tribunal da Relação.
[10] - Sublinhado do Tribunal da Relação.
[11] - A folha não foi renumerada pelo que o Tribunal da Relação a designa por 21-A.
[12] - ”sic”.
[13] - “sic”.
[14] - Sublinhado do Tribunal da Relação.
[15] - https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-630.html.
[16] - Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 276.
[17] - Mesmo ”Blog”.
[18] - Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, página 495-496.
[19] - O documento superveniente, para efeito de recurso ordinário e extraordinário, Almedina, 2001, página 70.
[20] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b8c13118d412bb3a80257ca200591243?OpenDocument.
[21] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f1c65a959503a51780257bec00542a4c?OpenDocument
[22]https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf