Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2139/06.0TBBRG-G.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRESSUPOSTOS
DOCUMENTO
DOCUMENTO NOVO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA PERICIAL
PROVA DOCUMENTAL
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. VI, pp. 357, 337 citando Mortara, Commentario del Codice e delle legi di procedura civile, 4º, p. 484.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, p. 333.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 771.º, 722.º, N.ºS 2 E 3, 2.ª PARTE.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13 DE JULHO DE 2010, PROCESSO N.º 480/03.2TBVLC-E.P1.S1, - 1.ª SECÇÃO, ACESSÍVEL EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
I - O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado e não de um segmento decisório da sentença ou acórdão, os quais, aliás, não podem ser impugnados por recurso ordinário.

II - Os fundamentos do recurso de revisão estão taxativamente plasmados no art. 771.º do CPC, sendo que, no que à sindicância da matéria de facto importa, a mesma também aqui se encontra vedada às situações a que alude o art. 722.º, n.ºs 2 e 3, 2.ª parte.

III - No caso da revisão se fundar em documento superveniente – al. c) doo art. 771.ºdo CPC –, o documento terá de preencher condicionalismos de ordem processual (novidade e pré-alegação) e substancial (suficiência).

IV - O requisito da novidade significa que o documento é novo, no sentido de que não foi apresentado no processo onde se emitiu a sentença a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, nomeadamente por dele não ter conhecimento.

V - O requisito da pré-alegação impõe que a factualidade que o documento visa provar já haja sido suporte da acção ou defesa naquele processo.

VI - O requisito da suficiência exige que o documento implique, por si só, uma modificação da sentença, em sentido mais favorável à parte vencida.

VII - O escrito, particular, que contenha um depoimento testemunhal, por livremente apreciado pelo julgador, não se insere dentro da prova vinculada, à qual estão restritos os poderes de conhecimento da matéria de facto pelo STJ – como referido em II –, nem, só por si, tem a virtualidade de destruir a prova num processo em que, além da prova documental, foi produzida prova pericial e testemunhal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1- Por apenso à oposição que deduziu contra a execução que lhe foi instaurada pelo “Banco AA, S.A.”, veio BB interpor recurso extraordinário de revisão, com fundamento no disposto na alínea c) do artº 771º do CPC, da decisão que julgou improcedente a oposição por si deduzida, transitada em julgado em 22.10.2009.

                                     

2 - Para tanto e em síntese alega que obteve documento no qual a sua filha declara ter falsificado a sua assinatura nas livranças que constituem os títulos executivos na execução à qual se opôs, o que, aliás, já vinha afirmando nos articulados de oposição à execução, tendo sido por essa razão que solicitou a realização de uma perícia e pediu ainda uma 2ª perícia.
Apenas teve acesso ao referido documento em 5 de Setembro de 2012, altura que o recebeu na sua residência.

                                        

3- Foi proferido despacho indeferindo o recurso de revisão nos seguintes termos:

“Conforme decorre do cotejo das certidões que instruem o recurso, a decisão revidenda julgou improcedente a oposição deduzida pela ora recorrente contra uma execução para pagamento de quantia certa, porquanto o exequente logrou provar que a opoente subscrevera, apondo-lhes a respectiva assinatura, as duas livranças que serviam de base a tal execução.

Para esse desfecho concorreu a prova pericial e testemunhal produzida, mormente o resultado do exame de escrita efectuado às assinaturas impugnadas e o depoimento da subgerente da dependência bancária da exequente onde foram contraídos os empréstimos que deram origem ao crédito exequendo.

Prescreve a alínea c) do artigo 771º do Código de Processo Civil que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão, além do mais, quando “se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida” (sublinhado nosso).

Como escreveu Abílio Neto em comentário a esse preceito no seu Código de Processo Civil Anotado, 14ª edição, página 893, “os documentos aí referidos já devem existir quando correu a acção em que foi proferida a decisão revidenda” e “a revisão não pode constituir meio de o litigante que interpõe esse recurso suprir as omissões por ele cometidas quando litigou no anterior processo”.

Por outro lado, resulta linearmente do texto legal que o documento que pode constituir fundamento de revisão tem de ser decisivo, ou seja, “dotado, em si mesmo, de tal força que possa conduzir o juiz à persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve” (Ac. STJ, de 15.3.1974, BMJ, 235-219).

Ora, o “documento” apresentado pela recorrente corporiza um mero depoimento da sua filha, prestado fora do condicionalismo legalmente previsto e em momento muito posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda.

Sendo assim, afigura-se-me o mesmo não se encontra nas condições previstas no normativo transcrito, pelo que não existe motivo para a revisão.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, indefiro o presente recurso de revisão, de harmonia com o disposto no artigo 774º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”

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4- A Relação proferiu acórdão na qual julgou improcedente o recurso, confirmando o despacho recorrido.

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5- É desta decisão que foi interposta revista com as seguintes conclusões:

1o) Salvo o devido respeito, quer o Mmo. Juiz a quo, quer os Venerandos Desembargadores, não andaram bem, de novo, ao indeferir o recurso apresentado.

2o) A Recorrente, apesar de continuar convencida de ter existido violação de lei substantiva, quer por erro de interpretação, quer por erro de determinação e de aplicação quanto à selecção, apreciação e reapreciação da matéria de facto e força probatória dos depoimentos e documentos juntos a estes autos, limitará o seu recurso aos erros de interpretação, determinação e aplicação das normas legais.

3°) A Recorrente desde a primeira hora tudo fez para provar que a letra e a assinatura constantes nas livranças juntas aos autos.

4o) A sua filha falsificou a sua assinatura, conforme a mesma confessa no documento junto, que não existia á data da decisão, pois teria sido junto nessa altura.

5o) O facto de a mesma já residir em ..., há vários anos levou a que mesma não pudesse esclarecer mais cedo a verdade.

6º) No entanto a mesma confessa sem qualquer margem para dúvidas que foi ela que falsificou as assinaturas pelo que a recorrente não pode fazer uso do mesmo documento no processo em que foi proferida a decisão a rever.

7°) No Douto Acórdão refere-se que só é fundamento do  recurso extraordinário intentado ao abrigo da alínea c) do artº 710º do CPC: o documento que por si só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente, fazendo prova de um facto inconciliável com a decisão a rever para logo de seguida considerar que o documento apresentado         se trata de prova testemunhal.

8o) Salvo o devido respeito, o documento apresentado não constitui uma prova testemunhal, mas sim uma assunção de um acto que se discutia nos presentes autos - a autoria da assinatura nos títulos dados à execução e a inerente responsabilidade - sendo que tal autoria é de facto susceptível de alterar favoravelmente a decisão a favor da Recorrente.

9o) Retirar essa possibilidade à Recorrente, que não tem outra forma de o fazer e que desde a primeira hora manifesta que foi ela quem assinou tais documentos é violar o direito constitucional de acesso aos Tribunais previsto no artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

10°) Aliás a própria perícia realizada á letra não foi conclusiva sendo que a Recorrente inclusivamente alegou que nem sequer utilizava há já algum tempo o nome do seu ex marido, que foi relevante em seis dos grafismos que foram analisados, apenas sendo descritas três dos seis elementos gerais tendo sido apresentado um resultado de provável.

11o) Mais se refere no Douto Acórdão ora em crise que se esta declaração tivesse sido admitida nos autos seria apenas mais um meio de prova a ponderar, o que apesar de poder compreender não se aceita, pois a mesma traduz a autoria de um facto que não poderia ser responsabilizada a Recorrente.

12°) Ora tal nova prova, se for confrontada com as demais provas dos autos, faz prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, sendo que mesmo desacompanhado de quaisquer outros elementos, permite concluir que, salvo de novo o devido respeito, a Douta sentença assentou numa errada perícia à letra realizada que foi relevante para o julgamento da matéria de facto.

13°) Nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado. O legislador escolheu uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça.

14°) Ora, o referido documento é fundamental para se alcançar a verdade material, uma vez que o artigo 1o a 3o da base instrutória deverão ser dados como não provados.

15°) Tal documento confirma que a Recorrente não subscreveu qualquer livrança, sendo que todos os quesitos da base instrutória - 1o, 2o e 3o - devem ser julgados improcedentes, sendo por isso só por si suficiente para poder ser revista e alterada a decisão, o que ora expressamente se requer.

16º) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no Douto Acórdão, sempre poderiam os Senhores Juízes Desembargadores lançar mão dos restantes meios previstos no artigo 712° do Código de Processo Civil, que consagra, ainda que a título excepcional um meio processual, excepcional, circunscrito às hipóteses em que  a renovação dos meios de prova se revele indispensável ao apuramento da verdade material e ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos de facto da matéria de facto impugnados o que in casu sucede.

17º) Apesar disso, do Douto Acórdão, consta que a reapreciação da prova na Relação não se destina a julgar de novo a matéria de facto, mas antes a sindicar concretos pontos dessa matéria  que em função dos concretos meios de prova se revelem  grosseiramente apreciados. A ser assim, salvo o devido respeito, não andaram bem os Exmos Senhores Juízes Desembargadores, uma vez que possuíam todos os meios ao dispor para reapreciar a prova e concluir pelo erro na sua apreciação e não manter a decisão de primeira instância, com base no princípio da livre apreciação da prova e da imediação perceptível apenas pelo julgador que contacta directamente com a mesma em sede de julgamento.

18º)-O presente recurso visa a alteração do douto Acórdão, ora em crise, por outro que aceita a revisão a efectuar e que altere o mesmo absolvendo a Recorrente do pedido.

19º)- O Douto Acórdão em recurso viola o estatuído nos artigos 650º,653º,712º e 771º do CPC e artº 20º da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão que manteve o indeferimento da revisão, substituindo-a por outra que julgue a revisão procedente por provada.

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9- Matéria de facto:

A factualidade a ter em conta é apenas a descrita no antecedente relatório e a documentada nos autos.

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10-O mérito da causa:

A única questão suscitada traduz-se em saber da admissibilidade  do recurso extraordinário de revisão.

Começaremos por sublinhar que o recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado – art. 771.º do CPC –, e não sobre um qualquer segmento decisório da sentença ou do acórdão, e com ele visa-se a rescisão de uma decisão (em regra, sobre o mérito) que já não pode ser impugnada pelos recursos ordinários.

“O recurso extraordinário de revisão visa destruir a intangibilidade do caso julgado a que estão ligadas inquestionáveis razões de certeza e segurança do Direito com a inerente repercussão na paz social.

“O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei” – Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, pág. 333.

Mais adiante o mesmo autor, citando Alberto dos Reis:

“Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.

 Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.

A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”.

Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. VI, 337 citando Mortara –“Commentario del Codice e delle legi di procedura civile”, 4º, pág. 484:

“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado”.

Os fundamentos do recurso de revisão são os taxativamente previstos no art. 771º do Código de Processo Civil, normativo alterado pelos Decretos-Lei nº 38/2003, de 8 de Março e 303/2007, de 24.8, este, como se disse, apenas aplicável aos processos iniciados após 1.1.2008.”([1])

Não obstante a recorrente dizer que não cabe, nos poderes de censura deste Supremo Tribunal, sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, salvo nos casos expressamente previstos na lei, como comanda o artº 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o certo é que, no desenvolvimento das conclusões, acaba por pedir a intervenção nesta restrita área.

Por isso mesmo não queremos deixar de consignar que não nos iremos debruçar sobre questões de facto salvo dentro das estritas condições impostas pela 2º parte  do nº 3 do artº 722º do CPC. Ao Supremo Tribunal cabe verificar a conformidade legal da subsunção dos factos, definitivamente fixados pelas Instâncias, na lei, vale dizer, a integração dos conceitos legais por matéria factual pertinente. Deste modo é de rejeitar o recurso de revisão da decisão circunscrito à decisão de facto alegadamente viciada. 

Posto este esclarecimento importa registar que se encontra junta aos autos uma declaração cuja autoria a recorrente imputa à sua filha CC com o seguinte teor “Eu, abaixo assinada, CC, divorciada, residente em … – CO. …, Irlanda, declara para os devidos efeitos legais, que falsificou a assinatura da sua mãe, em diversos documentos, incluindo nas livranças que estão subjacentes ao processo 2139/06.OTBBRG das Varas Mistas de Braga, sendo que a sua mãe sempre foi alheia a tais documentos, sendo que apenas agora resolveu declarar a verdade sobre tais factos, tendo perfeita consciência da gravidade dos factos por si praticados. Irlanda, 10 de Agosto de 2012”.

É com base nesta declaração que a recorrente, considerando que a mesma não constitui uma prova testemunhal, mas sim uma assunção de um acto ,a autoria da assinatura nos títulos dados à execução e a inerente responsabilidade, pretende que se aceite a revisão e que seja absolvida.

Importa desde já saber se a referida declaração se enquadra na previsão formal da al. c) do art. 771.° do CPC. E parece que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa já que a mencionada alínea c) se  refere somente a documento, não exigindo a sua certificação ou autenticação, de onde se conclui que, para se interpor um recurso extraordinário de revisão com base nessa alínea, não é necessário que se esteja perante um documento autenticado ou certificado, bastando um documento particular que esteja em posse de outrem.

Uma vez afirmada a força probatória da declaração, do documento, importa agora saber se o mesmo respeita o condicionalismo processual(novidade - pré-alegação) e substancial (suficiência) imposto pelo referida alínea c) do artº 771º do CPC.

Quanto ao primeiro, a novidade, verifica-se, já que a declaração não foi apresentada no processo onde se proferiu a decisão a rever, porque não existia, ou mesmo existindo a recorrente não pôde socorrer-se dela .

A pré-alegação ,ou  seja a factualidade em que se sustenta a revisão  tem que ser suporte ou fundamento da acção ou da defesa, resulta demonstrada no caso em apreço. Parece-nos suficiente alegar que “a recorrente desde a primeira hora tudo fez para provar que a letra e a assinatura constantes nas livranças juntas aos autos” não são da sua autoria, sem ser necessário identificar em concreto individualizado o autor .

No que concerne ao segundo, importa apreciar se o mesmo é suficiente para se dar uma resposta diversa aos quesitos de molde a satisfazer a pretensão da recorrente.

E a resposta é negativa já que a declaração é manifestamente inidónea para pôr em causa a factualidade constante dos quesitos sobre os quais foi proferida a decisão que se pretende ver alterada. O documento não pode ser considerado e apreciado em conjugação com outros meios de prova para alterar a situação de facto emergente da sentença a rever, maxime, como sucede, com declarações que o completam ou interpretam ou analisam (cfr., o Acórdão deste STJ, 1.ª Secção Cível, datado de 13 de Julho de 2010, proferido no Processo n.º 480/03.2TBVLC-E.P1.S1, acessível em www.stj.pt).

É que importa neste momento colocáramo-nos nas vestes do tribunal que apreciou a factualidade trazida para os autos com vista a saber de saber, se estando na posse desta declaração ,a mesma iria alterar o sentido fáctico da decisão. Não se pondo em causa a autenticidade da mesma, o outrotanto já não se pode dizer da credibilidade tendo em vista o objectivo que se pretende atingir.

Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, Vol. VI, pág. 357) também ensina: “O magistrado para julgar se o documento é decisivo, deverá pô-lo em relação com o mérito da causa, deverá proceder ao exame do mérito e indagar qual teria sido o êxito da causa se o documento houvesse sido apresentado.

Feito este exame, ou o magistrado se convence de que se o documento estivesse no processo, a sentença teria sido diversa e, neste caso, deve admitir a revogação; ou se convence de que, não obstante a produção do documento, a sentença seria a mesma, porque assenta sobre outras bases e está apoiada em razões independentes do documento – e neste caso deve repelir a revogação”.

O documento a que se refere a alínea c) do artigo 771º do Código Processo Civil tem de corporizar uma declaração de verdade ou ciência, isto é, uma declaração testemunhal destinada a representar um estado de coisas, pelo que deve ser um documento em sentido estrito. Há-de ser ainda um documento decisivo, dotado, em si mesmo, de tal força que possa conduzir o juiz a persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve.([2])

Ora no caso no documento potenciador da revisão é patente a sua subjectividade. Assim não podemos estar mais de acordo com o acórdão recorrido quando defende que “a declaração junta embora corporizada num escrito mais não é que depoimento testemunhal escrito. Ora, o depoimento das testemunhas apenas pode ser prestado por escrito nos casos previstos na lei  - , o que não é o caso dos autos - não se tratando de um documento na acepção prevista na alínea c).

De qualquer modo, a declaração junta não é suficiente para por si só modificar a decisão em sentido mais favorável à apelante. Desde logo por se tratar de depoimento testemunhal, o qual é livremente apreciada pelo Tribunal. Não se trata de prova vinculada.

Esta questão de que não foi a apelante que subscreveu as livranças e que terá sido a sua filha CC a pedido do pai, DD, e  marido da apelante que igualmente subscreveu as livranças em causa, já foi discutida na oposição.  Na altura foi junto aos autos cópia do bilhete de identidade da filha, cartas de advogados, foi feito exame à escrita da apelante e prestou  depoimento o referido DD, que  depôs no sentido da CC ter falsificado a assinatura da mãe, a seu pedido, subscrevendo as livranças como se fosse a opoente.

Na altura esse depoimento não ofereceu credibilidade ao tribunal a quo, tendo sido considerado inconsistente, como se refere no Ac. deste Tribunal da Relação de 23.09.2010, junto a estes autos, citando a fundamentação da 1ª instância,  e para o qual a apelante interpôs recurso invocando, entre outros fundamentos, erro na apreciação da prova, relativos aos quesitos 1 e 3 (os mesmos que agora pretende pôr de novo em causa com a junção da referida declaração) pugnando pela sua alteração para “não provado” e que não mereceu provimento.

Era na oposição à execução que a filha da apelante deveria ter prestado depoimento. A circunstância de residir na Irlanda, como é referido pela apelante, não era impeditivo da sua audição. Mesmo que não pudesse ou não quisesse deslocar-se ao tribunal português, sempre poderia ter prestado depoimento na Irlanda. No mínimo, sempre poderia ter entregue à apelante a presente declaração. Com a rapidez actual dos meios de comunicação, em dois ou três dias é possível receber uma carta ou mercadoria vinda de qualquer país europeu.

De qualquer modo, e independentemente das razões que levaram a que só em Agosto de 2012, a filha da apelante tenha efectuado a mencionada declaração, a mesma por si só, como exige a lei,  não tem a virtualidade de modificar a decisão recorrida, pois não tem força suficiente para destruir a prova produzida nos autos em causa e que, para além de documental, foi testemunhal e pericial.

Se esta declaração tivesse sido admitida e já estivesse nos autos na altura da instrução da oposição, seria tão só mais um elemento de prova, mas não susceptível, por si só, conduzir a uma resposta aos artigos da base instrutória diferente da que foi feita . Haveria que conjugar com a demais prova produzida, ou seja, o depoimento das demais testemunhas e com a prova pericial que foi feita na oposição. E no caso, o exame pericial à assinatura da apelante não afastou a possibilidade de ter sido esta a subscrever as duas livranças.”

Uma última nota para  referir que inexiste violação do art. 20º da Constituição da República, porque não se descortina qualquer compromisso do acesso ao direitos e aos tribunais.

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Caixa de texto: 11-DECISÃO:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à revista.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Nestes termos e pelos fundamentos apontados julgam-se parcialmente procedentes as revistas interpostas pelos AA. e pela R.

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Lisboa, 2014-03-20                                                                                                                                      

                                

          João Trindade (Relator)

        Tavares de Paiva

      Abrantes Geraldes

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[1] -Ac. deste STJ de 14-1-14- Processo 5078/93
[2] -Ac. STJ 15-3-74 – Processo 651/68