Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
690/19.0T8ABF.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE ADJETIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
NULIDADE
ADMINISTRAÇÃO
PROPRIETÁRIO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
DIREITO REAL
CONDOMÍNIO
ANALOGIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Na aferição da legitimidade para ser demandado em juízo, estando em causa um pedido de anulação ou declaração de nulidade de deliberação adoptada em assembleia de titulares de direito real de habitação periódica, deve atender-se ao conjunto das normas que regulam o direito real em causa e as relações que se estabelecem entre os titulares do direito, a proprietária do empreendimento e o responsável pela sua gestão, aferindo-se aquela em função das deliberações cuja apreciação seja posta em causa e devendo estar  presentes em juízo aqueles cujo interesse possa ser afectado pela impugnação.

II. No caso dos autos, tendo sido pedida a anulação ou declaração de nulidade da deliberação de titulares em acção proposta apenas contra o responsável pela sua gestão e a proprietária, ainda que igualmente titular de direito reais de habitação periódica, mas não contra os titulares que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, há lugar à absolvição da instância das RR. por preterição do litisconsórcio natural passivo.

III. Em recurso não há lugar ao suprimento da ilegitimidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. LUNAHOTEIS-EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A., NIPC 502935529, com sede na Rua de S. Pedro, Lote 28, rés-do-chão, direito, Albufeira (doravante Autor), intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra CASTIOURA, LDA., NIPC 514 329 947, com sede na Rua Dunfermline, Lote 10, Areias de S. João, 8200-278 Albufeira, e SOIMAGE – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E CONSTRUTORA, LDA., NIPC 500 271 712, com sede na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, Torre 2, Piso 6, Sala 5, 1070-103 Lisboa (doravante Rés, em conjunto, ou, em separado, 1.ª e 2.ª Ré), no âmbito da qual peticionou que fosse declarada a nulidade e/ ou anuladas as deliberações tomadas nos pontos 2), 3), e 5) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de titulares de DRHP, ocorrida a 27 de abril de 2019, com as legais consequências.

Alega, para tanto, que, a 27 de abril de 2019, teve lugar a Assembleia Geral de titulares de DRHP do ..., na qual se deliberaram os pontos constantes da ordem de trabalhos, pondo, assim, em causa, a validade das deliberações tomadas naquela sede, em virtude i) da alegada desconformidade da convocatória para a assembleia geral com as normas legais em vigor, e pela não disponibilização para consulta dos elementos justificativos das contas e relatórios de gestão, afim de o Autor poder votar com conhecimento e de forma esclarecida, e ainda, a falta de informação e esclarecimentos prestados em sede de assembleia geral de titulares de DRHP, quanto ao número de semanas presentes na mesma, e igualmente, no que respeita à eleição do presidente da mesa da assembleia, não tendo sido prestada informação quanto à sua qualidade de titular, o que fere a deliberação de nulidade, ii) da necessidade de sujeitar o relatório de gestão e as contas à votação pela assembleia, o que não sucedeu e, iii) da votação do ponto 5 da ordem de trabalhos, a qual não podia ter ocorrido, porquanto o texto da ordem de trabalhos não era claro e não permitia perceber que se pretendia uma alteração extraordinária do valor das Prestações Periódicas a pagar em 2019 para o exercício dos direitos de Habitação Periódica no ..., sendo esta uma formalidade indispensável para que os titulares conheçam das matérias em votação,

e ainda, não cumprindo o parecer do ROC as exigências legais para proceder ao pretendido, por ausência de fundamentação e igualmente tendo sido assumidos custos que não foram levados à apreciação dos titulares de DRHP e, não tendo, igualmente sido apresentada a referida alteração por parte da entidade a quem tal apresentação compete.


2. Regularmente citadas, vieram as Rés deduzir contestação, nos termos das quais, pugnam pela legalidade das deliberações tomadas naquela Assembleia Geral de titulares de DRHP, devendo assim, nessa sequência, a ação improceder, na totalidade.


3. Foi proferido despacho saneador e realizada audiência final, nos dias 8 de abril, 26 e 27 de maio e 23 de junho de 2021, com observância do formalismo legal.

Foi proferido despacho, a 16/04/2021, na sequência de articulado superveniente apresentado pela Autora, nos termos do qual se determinou o aditamento aos temas da prova do seguinte tema: “aferir se os certificados prediais correspondentes aos DRHPs pertencentes a AA e BB foram validamente endossados e ainda, da relação dos titulares com as Rés, bem como da contrapartida paga pelos respetivos títulos”, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 588.º, do CPC.


4. Veio a ser proferida sentença onde se decidiu:

Face ao exposto, julga-se o a ação parcialmente procedente, e em consequência, decide-se:

1. Anular a deliberação relativa ao ponto 3) da Ordem de Trabalhos, na parte em que se pronúncia a Assembleia Geral sobre o relatório de gestão e contas de 2018, porquanto omissa tal matéria da ordem de trabalhos constante da convocatória endereçada aos titulares.

2. Declarar-se a omissão da votação do relatório de gestão e contas de 2018, e a sua consequente não aprovação.

3. Anular a deliberação do Ponto 5) da Ordem de Trabalhos, e assim, a alteração à prestação periódica para o ano de 2019.

Mais se absolvendo as Rés do demais peticionado, mantendo-se válidas as demais deliberações impugnadas pela Autora.

Custas pela Autora e Rés, na proporção do decaimento, fixando-se o decaimento da Autora em 50%, e o das Rés em 50%, nos termos do artigo 527.º, do CPC.”


5. Inconformadas, as RR apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedentes os pedidos deduzidos pela A.


6. O recurso foi recebido e foi proferido despacho determinando a notificação das partes para se pronunciarem sobre a ilegitimidade passiva, atento o regime inserto no art. 1433.º/6 do CC, aplicável ao presente litígio.

O objecto do recurso foi assim delimitado:

“- da ilegitimidade processual passiva;

- da falta de fundamento para a anulação da deliberação relativa ao ponto 3) da Ordem de Trabalhos, na parte em que se pronuncia a Assembleia Geral sobre o relatório de gestão e contas de 2018;

- da falta de fundamento para a declaração da omissão da votação do relatório de gestão e contas de 2018, e a sua consequente não aprovação;

- da falta de fundamento para a anulação da deliberação do Ponto 5) da Ordem de Trabalhos, e assim, a alteração à prestação periódica para o ano de 2019;

- do fundamento para declaração da nulidade da transmissão dos títulos de DRHPs pela Soimage a BB e AA, por falta do cumprimento de formalidades essenciais atinentes ao endosso dos respetivos títulos de DRHP e à existência de simulação absoluta nas transmissões efetuadas pela R. Soimage Lda, dos 200 títulos de DRHP a BB e dos 150 Títulos de DRHP a AA.”


7.  Conhecido o recurso o tribunal recorrido decidiu:

“Nestes termos, decide-se pela absolvição das RR da instância, em consequência do que revoga a decisão recorrida.”

 

8. O acórdão teve um voto de vencido, quanto à fundamentação, onde veio referido:


9. Interposto recurso de revista pela A, no tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho:

“Admite-se o recurso interposto em tempo e por quem tem legitimidade, recurso que é de revista, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo – arts. 629.º, 631.º, 641.º, 671.º n.º 1, 675.º n.º 1 e 676.º do CPC.

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.”


10. E também foi proferido acórdão, em conferência, a conhecer das nulidades invocadas contra o acórdão recorrido, considerando que as mesmas não ocorreram.


11. No recurso, vieram formuladas as seguintes conclusões (transcrição):

A) O direito real de habitação periódica, constituindo um direito real menor de gozo sobre coisa alheia, não envolve a transmissão da propriedade das frações temporais sobre as quais incide o DRHP ou do direito de compropriedade sobre as instalações e equipamentos de utilização turística, os quais continuam a pertencer ao proprietário do empreendimento turístico onde se inserem, não existindo entre os titulares de DRHP uma relação dominial complexa e incindível similar à que se verifica no regime da propriedade horizontal e que justificou a criação de uma figura autonomizável dotada de personalidade judiciária, como é o “condomínio”.

B) No Direito Real de Habitação Periódica, a administração e conservação do empreendimento, incumbem, for força da lei, ao proprietário do empreendimento ou à cessionária, nos termos previstos nos arts. 25º, 26º do Dl 275/93 de 5 de agosto, cabendo igualmente ao proprietário (ou o cessionário) suportar os encargos com a conservação e administração do empreendimento turístico globalmente considerado.

C) Por não existir relação condominial entre os titulares de DRHP, as prestações periódicas a que os titulares de DRHP estão obrigados, destinam-se exclusivamente a compensar o proprietário ou o cessionário do empreendimento pelas despesas com os serviços de utilização e exploração turística, contribuições e impostos e outras que sejam previstas no título constitutivo e a remunerá-lo pela sua administração, sendo tais prestações recebidas pela entidade administradora em virtude de um direito próprio que àquela assiste e não em prol ou em função de um interesse colectivo.

D) Face à natureza estruturalmente distinta destes dois institutos, o direito real de habitação periódica não é um direito análogo à propriedade horizontal, pelo que andou mal o Acórdão do Tribunal da Relação, ao considerar aplicável à impugnação das deliberações da assembleia de titulares de DRHP prevista no art. 34º do RJDRH, o disposto no nº 6 do art. 1433º do Código Civil, quando entendido no sentido de ser exigido o litisconsórcio necessário passivo de todos os titulares que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas.

E) Na análise que fez sobre a questão da ilegitimidade passiva das RR e que culminou com a sua absolvição da instância, descurou o tribunal recorrido que nos presentes autos não está apenas em causa a invalidade das deliberações tomadas na mencionada assembleia de titulares, mas também a omissão na ordem de trabalhos e falta de submissão à votação da Assembleia, do relatório de gestão e contas de 2018 e do Programa de administração e conservação do empreendimento para 2019 ; matérias que obrigatoriamente estão sujeitas à aprovação da Assembleia Geral, em conformidade com os arts 34º nº 1, alíneas b) e c) e art. 36º nº 2 b) do DL 275/93 de 5 de agosto.

F) Sendo consabido que a todo o direito corresponde uma acção adequada a fazê-lo valer em juízo, ao considerar que a legitimidade passiva in casu se reconduz a uma situação litisconsorcial dos titulares que votaram favoravelmente as deliberações, o douto Acórdão recorrido priva necessariamente a Autora da possibilidade de exercer a sua pretensão impugnatória contra as omissões ilegais de submissão daquelas matérias à aprovação da Assembleia (e que consequentemente não puderam ser votadas), violando dessa forma o princípio constitucional da proibição da indefesa ínsito no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

G) A única solução plausível para que a Recorrente possa exercer a sua pretensão impugnatória contra uma omissão ilegal, consiste em reconhecer que a legitimidade passiva para uma tal acção repousa na entidade que omitiu tais deveres legais, ou seja, a Ré administradora Castioura Lda. e a Proprietária Soimage Lda. - esta última, por força do regime de responsabilidade decorrente do artigo 25º nº 2 do RJDRHP.

H) Atendendo a que as prestações periódicas no DRHP constituem receita própria da entidade administradora do empreendimento, destinada à sua compensação e remuneração, nos termos previstos no art. 22º nº 2 do DL nº 275/93 e que a não aprovação pela Assembleia de Titulares de DRHP, do programa de administração e conservação e do relatório de gestão e contas do exercício anterior, constitui causa de destituição da entidade Administradora/exploradora (arts. 32º, 33º e 36º nº 2 alínea b) do DL 275/93, é notória à luz do art. 30º nº 1 e 2 do CPC, a existência de interesse directo da Administradora Castioura e da proprietária Soimage, por decorrência do regime de responsabilidade subsidiária previsto no art 25º nº 2 do RJDRHP, em contradizer a presente acção, por ser na esfera destas entidades e não na esfera dos restantes titulares de DRHP, que se repercutirão os prejuízos decorrentes da sua eventual procedência.

I) O facto de não terem sido demandados os restantes titulares de DRHP, não compromete o efeito útil normal da decisão que nestes autos venha a ser proferida, dado não se verificar in casu o perigo da sentença vir a ser afectada por decisão que seja proferida noutra ação em que sejam partes os titulares de DRH que não intervieram nos presentes autos, por duas ordens de razões:

(i) por se encontrar arredada a possibilidade de vir a existir uma outra ação como mesmo objecto, atento o decurso do prazo de caducidade para impugnação das deliberações tomadas na AG de 2019;

(ii) porque atentas as especificidades do caso concreto, o efeito útil da decisão que aqui seja proferida se estenderá indubitavelmente aos titulares de DRHP que não intervieram nos autos, perante a impossibilidade de, uma vez anuladas judicialmente as deliberações em causa, a entidade administradora as poder executar, independentemente de tais deliberações não terem sido impugnada pelos restantes titulares de DRHP, o mesmo se impondo ao segmento da decisão que determinar a não aprovação do relatório e contas de 2019 e Programa de Administração e Conservação 2019, decorrente da omissão de submissão destes documentos à aprovação da Assembleia Geral.

J) A extensão do âmbito subjetivo da decisão anulatória das deliberações ou a extensão a terceiros da eficácia da sentença observará, assim, mutatis mutandis, o disposto no art.º 61º do Código das Sociedades Comerciais, onde se estabelece expressamente que a sentença anulatória de uma deliberação é eficaz relativamente a todos os sócios e órgãos, ainda que não tenham sido parte ou intervindo na acção e, cujo acervo normativo tem sido aplicado, com as devidas adaptações, às acções de impugnação de deliberações de órgãos colegiais, incluindo assembleias de condóminos, devendo considerar-se igualmente aplicável à impugnação das deliberações a que alude o art. 34º do RJDRHP.

K) Face ao exposto, é forçoso concluir que a acção sub judice, tal como foi configurada pela Autora, não pressupõe ou exige uma situação litisconsorcial no sentido preconizado pelos nrsº 2 e 3 do art. 33º do CPC, pelo que ao decidir inversamente, fez o tribunal recorrido uma errada interpretação e aplicação do referido artigo, bem como do art. 30º nrs. 1, 2 e 3 CPC.

L) O douto acórdão recorrido da Relação de Évora foi proferido ao arrepio de diversas decisões anteriores (dessa e de outras Relações) que consideraram a legitimidade passiva da proprietária e da cessionária do empreendimento turístico, para as acções de impugnação de deliberações tomadas em assembleias de direitos reais de habitação periódica, entre os quais se destaca o acórdão proferido no mesmo dia, pela 1ª secção cível daquele mesmo Tribunal, no âmbito do recurso de apelação nº 716/20...., envolvendo exactamente as mesmas partes e com objecto similar, tendo com a única diferença o facto de as deliberações impugnadas se reportarem à Assembleia Geral de Titulares de DRHP realizada no dia 16.06.2020, que se afigura susceptível de comprometer a segurança jurídica e a harmonização de julgados e ora que cumpre reparar.

M) Mesmo equacionado a eventual aplicação aos presentes autos do disposto no nº 6 do art. 1433º do CC, a Ré Castioura Lda., na qualidade de administradora do empreendimento turístico, sempre teria legitimidade passiva para ser demandada em acções em que se questione a existência, validade ou eficácia de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP, prevista no art. 34º do RJDRHP, encontrando-se assegurada a regularidade da instância face à interpretação actualista da citada norma e do disposto no nº 1 do art. 1437º do CC na redacção introduzida pela Lei nº 8/2022 de 10 de janeiro, conjugado com os arts. 8º e 9º da referida lei, pelo que, ao decidir inversamente, incorreu o acórdão recorrido em erro de interpretação e aplicação dos arts. 1433º nº 6 e 1437º e arts. 8º e 9º da Lei nº 8/2022.

N) Na senda da tese defendida pela doutrina e jurisprudência maioritárias, mormente como resulta do Douto Acórdão de 4-5-2021 deste Supremo Tribunal de Justiça, a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, por se entender que se àquele compete executar as deliberações da assembleia, nos termos do art. 1436º, al. h) do CC, por idênticas razões lhe competirá sustentar a existência, validade e eficácia de tais deliberações.

O) Tal posição encontra-se actualmente plasmada na recente alteração legislativa do regime da propriedade horizontal, introduzida pela Lei nº 8/2022 de 10 de janeiro e que teve como preocupação pacificar a controvérsia jurisprudencial relativas a matérias como a legitimidade processual passiva do administrador no âmbito de um processo judicial, reformulando a redação do art. 1437 º do CC e definido no seu nº 1 que o condomínio é sempre representado em juízo pelo administrador, na pessoa do qual deverá demandar e ser demandado; alteração esta que sendo imediatamente aplicável a todas as acções em curso em que se discuta a regularidade da representação do condomínio, inclui no âmbito da sua previsão o reconhecimento da legitimidade passiva do administrador nas acções judiciais que visem a anulação das deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos.

P) A decisão do tribunal recorrido que recusou a aplicação aos presentes autos do disposto no actual nº 1 do artigo 1437º do CC, com o argumento de que aquela norma se circunscreve às funções que competem ao administrador e que se reportam apenas às partes comuns do edifício, afigura- se manifestamente errada, tornando redundante tal alteração legislativa e contrariando o que se crê ter sido a intenção clarificadora do legislador vertida no nº 1 e enfatizada na própria alteração da epígrafe do artigo, que ao invés de “ legitimidade do administradora”, passou a ser “representação do condomínio em juízo”, querendo assim significar que para além da legitimidade que já possuía para agir em juízo no exercício das funções que lhe competem, o administrador tem reconhecidamente legitimidade para ser demandado nas acções de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, pondo assim cobro às divergências anteriormente existentes.

Q) Defendendo o acórdão recorrido a aplicação analógica do regime da propriedade horizontal ao DRHP e não existindo neste instituto a figura do condomínio, impunha-se que fossem feitas as necessárias adaptações, deferindo-se a legitimidade passiva à administradora e à proprietária do empreendimento (face ao art. 25º nº 2 do DL 275/93), pelo que verificada nos autos a presença destas entidades em juízo, deveria o tribunal recorrido ter considerado regular a instância, em conformidade os artigos 1437º nº 1 do CC na sua actual redacção e art. 8º da Lei nº 8/2022 e prosseguido com a apreciação do objecto dos recursos de apelação.

R) A insistência do douto acórdão recorrido na necessidade de demandar todos os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas, quando os autos demonstram à saciedade a impossibilidade prática de a Recorrente conseguir identificá-los, pelo facto de a acta da assembleia de 27.4.2019 não ter sido assinada pelos titulares que nela participaram, nem identificar os titulares que votaram favoravelmente as deliberações em causa, consubstancia uma restrição inaceitável do direito da Autora à tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

Sem prejuízo,

S) Sendo inequívoco que a situação de ilegitimidade plural passiva é sempre passível de sanação e reconhecendo o tribunal recorrido considerado que tal excepção deveria ter sido suscitada no despacho pré-saneador, cuja omissão nos autos configura nulidade conducente à anulação de todo o processado subsequente, impunha-se que ao tribunal recorrido que, ao invés de absolver imediatamente as RR da instância, ordenasse a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância para prolação, pelo tribunal a quo, de despacho vinculado, nos termos dos artigos 6º, nº 2 e 590 nº 1 do CPC, convidando a Autora ao suprimento da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo, através da adequada intervenção dos restantes titulares de direito real de habitação periódica.

T) Os princípios e deveres axiológicos orientadores da reforma do Código de Processo Civil de 2013, mormente, da prevalência do mérito sobre as questões de forma, da cooperação, da agilização e da gestão processual são transversais a todas as instâncias, pelo que, consagrando o art. 6 nº 2 do CPC um verdadeiro dever de o juiz providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos sanáveis, de modo a possibilitar a prolação de uma decisão de mérito, tal dever não poderá deixar de vincular do tribunal de recurso na sua apreciação, donde, confrontado com a nulidade decorrente da omissão de despacho pré-saneador e ciente de que a questão da ilegitimidade passiva apenas em sede de recurso foi suscitada e oficiosamente conhecida, deveria o tribunal recorrido ter promovido a respetiva sanação, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para regularização da instância, sob pena de o próprio Tribunal ad quem incorrer em nulidade na sua decisão.

U) Com efeito, considerando que a nulidade decorrente da omissão da prolação de despacho pré- saneador vinculado, apenas se corporizou na decisão recorrida e só com a notificação desta se manifestou, a sua arguição é incindível da impugnação da decisão, consubstanciando nulidade do próprio acórdão, por excesso de pronúncia – por ter o tribunal conhecido de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação não podia conhecer – quando resulte, tal como resulta dos presentes autos, que tal deficiência foi utilizada como fundamento da decisão do tribunal recorrido, sendo, por conseguinte, tal nulidade arguível no recurso de revista a interpor, nos termos da aplicação conjugada dos arts. 615 nº 1, al. d) e 666º ambos do CPC.

E veio pedido:

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão Recorrido e ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que seja conhecido o objecto dos recursos de apelação interpostos pelas partes, ou caso assim se não entenda, deverá ser revogado o Acórdão Recorrido e, em sua substituição, determinar-se a baixa dos autos à 1ª instância para prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial com subsequente tramitação, em conformidade, assim se fazendo a costumada Justiça!


12. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui:

1º - Embora a ora Recorrente sustente, no presente recurso de Revista, que as normas do Regime Jurídico da Propriedade Horizontal não podem ser aplicadas ao Regime Jurídico da Habitação Periódica, pugna a Autora e ora Recorrente, na sua petição inicial (cf. o art. 100.º desta mesma peça processual), pela aplicabilidade do art. 1433.º do Código Civil ao Regime Jurídico da Habitação Periódica, invocando, inclusivamente, esta mesma norma como fundamento da presente acção. Ou seja, segundo o entendimento da Recorrente, quando a aplicação das normas do Regime Jurídico da Propriedade Horizontal ao Regime Jurídico da Habitação Periódica favorece os concretos interesses daquela (como sucede na petição inicial), é legalmente admissível aquela importação normativa. Já quando a aplicação das normas do Regime Jurídico da Propriedade Horizontal ao Regime Jurídico da Habitação Periódica não favorece os interesses da Autora e ora Recorrente (como sucede no d. Acórdão ora recorrido), aí sim, já fica vedada ao julgador a aplicação das normas do Regime Jurídico da Propriedade Horizontal à questão sub judice.

2.ª E, mesmo se é certo que veio a ser introduzida, pela Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, uma nova redacção à norma do n.º 1 do art. 1437.º do Código Civil, nos termos da qual passa a ser o Administrador do Condomínio quem tem legitimidade activa e passiva para, nas acções relacionadas com a administração das partes comuns do Condomínio, representar a universalidade dos Condóminos, certo é também que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 12.º do Código Civil, «A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular». Por conseguinte, tendo a presente acção sido instaurada antes da entrada em vigor da supra citada Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, não pode a nova redacção da norma do n.º 1 do art. 1437.º do Código Civil ser aplicada à questão da legitimidade processual passiva para a presente acção judicial de anulação de deliberação da Assembleia Geral de Titulares de DRHP.

3.ª Todavia, mesmo que se concluísse pela não aplicabilidade, à legitimidade processual passiva para a presente acção, da norma do n.º 6 do art. 1433.º do Código Civil (na redacção anterior à Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro), nem por isso resultaria excluída a situação de ilegitimidade processual passiva decidida pelo d. Acórdão recorrido, já que, inexistindo no Regime Jurídico da Habitação Periódica uma norma paralela à do actual n.º 1 do art. 1437.º do Código Civil, a legitimidade processual para a acção de impugnação de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP teria de ser determinada à luz do critério geral consagrado no n.º 1 do art. 30.º do CPC, segundo o qual «O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer».

4.ª Sendo que, como se afirma no Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal em 30.6.2020, no âmbito do processo n.º 215.10.3TVPRT.P1.S2, no qual desempenhou as funções de Relator o Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Dias (disponível em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/592006/), «Como refere o Prof. Teixeira de Sousa, a legitimidade “tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor” (cf. o ponto IV do respectivo sumário)». Tendo-se também afirmado, no Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal em 2.6.2021 no âmbito do processo n.º 22208/18.2T8PRT.S1 (in www.dgsi.pt), que «O critério para apreciar da legitimidade passiva prende-se com o “o interesse em contradizer” manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o demandado, enquanto sujeito da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor que, de todo, deve ser confundido com o pressuposto processual positivo, ou seja, uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito, a denominada legitimidade ad causam» (cf. o ponto II do respectivo sumário).

5.ª Como a própria Autora refere na petição inicial que deu origem aos presentes autos, na Assembleia de Condóminos de Titulares de DRHP sobre o ... realizada em 27 de Abril de 2019 foram aprovadas por todos os titulares presentes, com excepção da Autora e ora Recorrente, as deliberações tomadas sobre as seguintes matérias: (i) Eleição do Presidente da Assembleia Geral para o ano de 2020 (cf. o art. 12.º da petição inicial); (ii) Apreciação do Programa de Administração e Conservação do empreendimento e Fundo de Reserva (cf. o art. 13.º da petição inicial); (iii) Eleição do Revisor Oficial de Contas ou da empresa de auditoria que apreciará o Relatório de Gestão e Contas do DRHP (cf. o art. 14.º da petição inicial) e (iv) Aprovação do valor das prestações periódicas a pagar em 2019 para o exercício dos DRHP no ... (cf. o art. 15.º da petição inicial).

6.ª Como resulta do disposto no n.º 1 do art. 22.º do RJHP, «O titular do direito real de habitação periódica é obrigado a pagar anualmente ao proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica a prestação pecuniária indicada no título de constituição». Dispondo-se também, no n.º 2 daquele mesmo preceito legal, que «A prestação periódica destina-se exclusivamente a compensar o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica das despesas com os serviços de utilização e exploração turística a que as mesmas estão sujeitas, contribuições e impostos e quaisquer outras previstas no título de constituição e a remunerá-lo pela sua gestão, não podendo ser- lhe dada diferente utilização».

7.ª Por outro lado, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 26.º do RJHP, «As unidades de alojamento objecto do direito real de habitação periódica, bem como os respectivos equipamento e mobiliário, devem ser mantidos pela entidade responsável em estado de conservação e limpeza compatível com os fins a que se destinam e com a classificação do empreendimento». Dispondo-se também, no n.º 3 do art. 22.º do RJHP, que «O valor da prestação periódica pode variar consoante a época do ano a que se reporta o direito real de habitação periódica, mas deve ser proporcional à fruição do empreendimento pelo titular do direito». De modo que, da conjugação dos artigos 22.º e 26.º do RJHP resultam as seguintes consequências: (i) Os titulares de DRHP estão legalmente obrigados a comparticipar, através do pagamento da prestação periódica, nos custos de manutenção, conservação, não só das unidades de alojamento sobre as quais incidem os DRHP, mas também nos custos de manutenção e conservação das áreas comuns do empreendimento turístico, como sejam elevadores, espaços interiores de lazer, equipamentos, piscinas, jardins, espaços relvados, entre outros; (ii) A entidade administradora do empreendimento define, através do Programa de Administração e Conservação do empreendimento para cada ano, quais são as concretas medidas de manutenção, conservação ou melhoramento que serão implementadas para que os titulares possam exercer os seus DRHP com o máximo de conforto e comodidade em função da classificação do empreendimento turístico e (iii) O valor da prestação periódica a pagar por cada um dos titulares de DRHP deve ser proporcional ao nível de serviços, de conforto e de comodidade de que aqueles beneficiam durante a ocupação das unidades de alojamento sobre as quais incide o seu direito.

8.ª Por conseguinte, ao aprovarem, em sede de Assembleia Geral de Titulares de DRHP, o Relatório de Gestão e Contas e o Programa de Administração e conservação do empreendimento, os titulares estão a: (i) Emitir um voto de confiança na entidade administradora do empreendimento, nomeadamente por manter aquela uma boa relação entre o valor das prestações periódicas pagas pelos titulares de DRHP e a qualidade dos serviços de que os titulares beneficiam no exercício do seu direito; (ii) Manifestar a sua concordância com a proposta apresentada pela entidade administradora do empreendimento relativamente às medidas de manutenção e conservação a adoptar, v.g. para que os titulares de DRHP possam beneficiar dos níveis de serviço e de comodidade que esperam do empreendimento turístico; (iii) Manifestar a sua concordância com os valores das prestações periódicas que, segundo a empresa administradora do empreendimento, são necessários para assegurar a manutenção dos níveis de serviço e de comodidade que os titulares de DRHP esperam do empreendimento turístico.

9.ª Logo, em caso de impugnação judicial de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, v.g., como sucede in casu, de deliberações que aprovaram por maioria o Relatório de Gestão e Contas e o Programa de Administração e Conservação do empreendimento, não é a entidade administradora do empreendimento que fica prejudicada com a procedência daquela impugnação, mas antes os titulares de DRHP que votaram a favor das deliberações impugnadas, na medida em que veem inviabilizada a implementação dos níveis de comodidade e de qualidade de serviço com que contavam ao emitir o seu voto.

10.ª Sendo que, como se afirma no supra citado Acórdão desse Supremo Tribunal proferido em 30.6.2020, no âmbito do processo n.º 215.10.3TVPRT.P1.S2, no qual desempenhou as funções de Relator o Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Dias (disponível em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/592006/), «Há lugar a litisconsórcio necessário quando a situação em litígio requeira uma pluralidade de interessados sob pena de não se produzirem em toda a sua plenitude aos efeitos que o direito substantivo estabelece (cf. o ponto V do respectivo sumário)». Consequentemente, sendo directamente prejudicados, com a anulação de deliberações tomadas por maioria na Assembleia de Titulares de DRHP (sobretudo se, como sucede in casu, estiverem em causa deliberações de aprovação do Relatório de Gestão e Contas e o Programa de Administração e Conservação do empreendimento), todos os titulares que votaram a favor das deliberações impugnadas, não pode a acção de impugnação deixar de ser instaurada contra todos aqueles mesmos titulares, sob pena de a demanda não produzir o seu efeito útil normal nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art. 33.º do CPC.

11.ª Além do que, ao instaurar uma acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, não é com a posição da entidade administradora do empreendimento (que, como resulta do disposto no n.º 6 do art. 35.º do RJHP, não pode votar na deliberação sobre a alteração do valor da prestação periódica) que a pretensão do autor conflitua, mas antes com a posição dos titulares de DRHP que votaram favoravelmente às deliberações impugnadas. Pelo que, inexistindo, no âmbito do RJHP, uma norma paralela à do actual n.º 1 do art. 1437.º do Código Civil (na redacção introduzida pela Lei n.º Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro), não podem deixar de ser demandados, na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas por meio daquela acção.

12.ª Acrescendo, ainda, que, na presente acção de anulação de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP, a Autora não configura a relação material controvertida como uma relação entre a Autora e a entidade administradora do ... (até porque a 1.ª Ré não emitiu qualquer declaração de voto em nenhuma das deliberações tomadas na Assembleia Geral realizada em 27 de Abril de 2019!), mas antes como uma relação entre a Autora e os titulares de DRHP que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas e que aprovaram estas mesmas deliberações. Ou seja, nos termos em que a Autora configura a relação material controvertida, a Autora não pretende obter a anulação de qualquer acto ou decisão emitida pela entidade administradora do empreendimento ..., pretendendo antes obter a anulação de deliberações que foram aprovadas com os votos favoráveis da esmagadora maioria dos titulares de DRHP que estiveram presentes na Assembleia Geral realizada em 27 de Abril de 2019.

13.ª Por conseguinte, e à luz do critério consagrado no n.º 3 do art. 30.º do CPC, a Ré CASTIOURA nem sequer tem legitimidade para intervir na presente acção, seja a título singular, seja em regime de litisconsórcio. Assim como, no que respeita à Ré SOIMAGE, não tem esta legitimidade para intervir na presente acção, seja a título singular, seja em regime de litisconsórcio, relativamente ao pedido de anulação da deliberação que aprovou o valor da prestação periódica para o ano de 2019 (ou seja, o ponto 5) da Ordem de Trabalhos referida no art. 8.º da p.i.), já que a Ré SOIMAGE não emitiu qualquer declaração de voto relativamente a esta mesma deliberação.

14.ªNão obstante, ainda que, apesar da inexistência, no RJHP, de uma norma paralela à do n.º 1 do actual art. 1437.º do Código Civil, se considerasse que a entidade administradora do empreendimento turístico tem legitimidade passiva na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, não poderia aquela mesma acção deixar de ser instaurada também contra os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas, sob pena de a acção não produzir o seu efeito útil normal. Com efeito, conforme se afirma no Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal em 23.3.2021, no âmbito do processo n.º 2747/14.5T8ALM-A.L1.S1 (disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/9064f2a5d5054443426059ef0dbd0f48f8bd0ff9fe995688274c79df9a6180c2), «Ora, como é sabido, a preterição de litisconsórcio necessário gera ilegitimidade, a qual constitui um vício de conhecimento oficioso que conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º, al. e), 495º, e 288º, al. d) do CPC1961, e 576º, nº 2, 577º, al. e), 578º, e 278º, nº 1, al. d) do CPC2013)».

Afirmando-se também, naquele mesmo aresto, que «Com efeito, embora em estádios menos avançados da causa tal vício possa ser sanado, mediante a dedução de incidente intervenção principal, o certo é que este incidente já não pode ser deduzido na fase de recurso».

15.ª E nem se argumente, como o faz a ora Recorrente, que a natureza necessária do litisconsórcio passivo na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP pode ser afastada pela aplicação da norma do art. 61.º do CSC, já que o efeito extensivo consagrado nesta norma é uma consequência directa da regra consagrada no n.º 1 do art. 60.º do mesmo CSC, nos termos do qual «Tanto a acção de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade». Sendo que, se, ex vi das disposições conjugadas dos artigos 5.º do CSC e 11.º, n.º 2 do CPC, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e judiciária, já o mesmo não sucede com o conjunto dos titulares de DRHP sobre as unidades de alojamento de um determinado empreendimento turístico, que não beneficia de personalidade jurídica nem judiciária. Consequentemente, não podendo ser aplicada ao RJHP a norma do art. 60.º do CSC, não pode também ser importado para a acção judicial de anulação de deliberações tomadas na Assembleia Geral de Titulares de DRHP o efeito extensivo previsto no art. 61.º do CSC.

16.ª Em suma, os moldes em que a Autora e ora Recorrente instaurou a presente acção, demandando apenas a proprietária e a empresa de administração do ..., importam a procedência de uma tripla excepção de ilegitimidade: (i) Ilegitimidade singular passiva da Ré CASTIOURA, já que, nos termos em que a Autora configurou a relação material controvertida, não foi aquela Ré quem tomou as deliberações impugnadas por meio da presente acção, mas antes os titulares de DRHP que participaram na Assembleia Geral de Titulares de DRHP realizada em 27 de Abril de 2019 e que aprovaram as mesmas deliberações; (ii) Ilegitimidade singular passiva da Ré SOIMAGE no que respeita ao pedido de anulação da deliberação que aprovou o valor da prestação periódica para o ano de 2019, uma vez que a mesma Ré não emitiu qualquer declaração de voto relativamente ao ponto 5) da Ordem de Trabalhos da na Assembleia Geral de Titulares de DRH realizada em 27 de Abril de 2019; (iii) Preterição de litisconsório necessário passivo, formado pelos titulares que aprovaram as deliberações impugnadas por meio da presente acção.

17.ª Como salienta TEIXEIRA DE SOUSA, «[…] a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal», isto é, «[…] a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina […] uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a, «deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte (sublinhado nosso)», ou, por outras palavras do Autor, em tais circunstâncias «aquela decisão de improcedência é nula por excesso de pronúncia (cf. art. 615.ᵒ, n.ᵒ 1, al. d), CPC)»3.( (3 Citação de Valter Pinto Ferreira, Auditor de Justiça, in JULGAR Online, Janeiro de 2020, «Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão», pp. 5 e 6, artigo este que se encontra disponível em http://julgar.pt/convite-ao-aperfeicoamento-o-momento-processual-e-a-consequencia-da-omissao/ )  Ou seja, segundo aquele citado Autor, a omissão do despacho de aperfeiçoamento apenas constitui um vício processual se a deficiência do articulado for utilizada como fundamento da decisão do tribunal sobre o mérito da causa.

18.ª Entendimento aquele que é também sustentado por FRANCISCO MANUEL LUCAS DE ALMEIDA, segundo o qual «[a] omissão de despacho pré-saneador (na modalidade de despacho de aperfeiçoamento alegatório) integra, em abstrato, a nulidade processual secundária prevista nos nºs 1 e 2 do artº 195º, a ser necessariamente arguida pela própria parte no prazo de 10 dias, já que é insuscetível de conhecimento oficioso (artigos 196º e 197º). Mas, a ter sido postergado, sem reação oportuna da parte, poderá, mesmo assim, eivar de nulidade por excesso de pronúncia a sentença que vier a conhecer do mérito nos termos do (artigos 615º, nº 1, al. d) – 2º segmento e 2) – a ser arguida em sede de alegação de recurso –, se essa decisão se louvar numa alegada deficiência do articulado para julgar improcedente o pedido, ou seja, quando a não prolação do despacho de aperfeiçoamento (com o seu eventual acatamento pela parte respetiva)vier [sic] a ser, afinal e ex-post, considerada ou reconhecida (expressa ou implicitamente) pelo juiz, na decisão final, como o real fundamento do julgamento de mérito desfavorável à parte, pois que só então se pode afirmar, com segurança, que «a irregularidade cometida influiu no exame e discussão da causa (sublinhado e negrito nossos)4» ((4 Vd. Direito Processual Civil, Vol. II, 2.ᵃ edição, Coimbra, Almedina, 2019, ISBN 978-972-40-7901-1, p. 207, igualmente citado por Valter Pinto Ferreira, Auditor de Justiça, in JULGAR Online, Janeiro de 2020, «Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão», pág. 7, artigo este que se encontra disponível em http://julgar.pt/convite-ao-aperfeicoamento-o-momento-processual-e-a-consequencia-da-omissao/ .).

19.ª Sendo que, como também salienta VALTER PINTO FERREIRA (in JULGAR Online, Janeiro de 2020, «Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão», pág. 18, disponível em http://julgar.pt/convite-ao-aperfeicoamento-o-momento-processual-e-a-consequencia-da-omissao/) «Aqui chegados, cabe ter presente o artigo 6.º, n.º 2, do Código de Processo Civil: «[o] juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo». De outra maneira: o juiz tem o dever de gestão processual, sendo ainda certo que «[…] pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência», pelo que tais poderes/deveres apenas se esgotam após ser proferida a sentença ou qualquer  despacho que autorize, ordene ou sancione determinado acto ou omissão, o que aliás decorre do artigo 613.ᵒ, n.ᵒˢ 1 e 3, do Código de Processo Civil, isto é, com a extinção do poder jurisdicional efectivo do juiz (sublinhado nosso)». Concluindo o mesmo Autor (ibidem, pág. 19) que «Se numa frase fosse possível resumir tudo quanto até agora afirmamos, diríamos o seguinte: até ao momento da prolação da sentença, ou de qualquer despacho que autorize, ordene ou sancione determinado acto ou omissão, o juiz não só pode, como deve, convidar a parte a suprir excepções dilatórias passíveis de sanação, a aperfeiçoar o articulado oferecido aos autos, a suprir as imprecisões ou insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto, ou a juntar documentos em falta, dado que a omissão do convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade que sobre o julgador impende corrigir (sublinhado nosso)».

20.ª Ou seja, mesmo se a prolação de despacho pré-saneador constitui um dever do Tribunal em vista do suprimento das excepções dilatórias que impeçam o conhecimento do mérito da causa, tal dever apenas impõe a prolação de despacho pré-saneador quando se verificarem excepções dilatórias que sejam susceptíveis de suprimento, e apenas até ao momento da prolação da sentença, ou de qualquer despacho que autorize, ordene ou sancione determinado acto ou omissão. Com efeito, como se afirma no Acórdão do TRE de 26.9.2019, proferido no processo n.º 12/19.0T8FTR.E1 (in www.dgsi.pt), «Incumbe ao juiz, ao abrigo do disposto nos artigos 6º, nº 2 e 590º, nº 1, ambos do CPC, a prolação de despacho vinculado, convidando a autora ao suprimento de um pressuposto processual suscetível de sanação, como é a exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo, através da adequada intervenção dos terceiros interessados (sublinado nosso). Salientando-se também, no Acórdão do TRG de 10.9.2020, proferido no processo n.º 559/20.2T8GMR.G1 (in www.dgsi.pt), que «Por conseguinte, só a ilegitimidade plural é suprível por via do incidente de intervenção. Já a ilegitimidade singular é insanável e constitui exceção dilatória que dá lugar à absolvição do réu da instância (arts. 577.º, al. e), 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, al. d), do CPC)» – cf. o ponto V do respectivo sumário.

21.ª Assim, nos termos do entendimento sufragado no d. Acórdão recorrido, a legitimidade passiva para as ações de impugnação de deliberações da assembleia de titulares de DRHP radica nesses titulares, não assistindo à entidade administradora do empreendimento legitimidade para ser demandada nessas ações. Tendo-se também entendido, no d. Acórdão recorrido, que a impugnação dessas deliberações impõe o litisconsórcio necessário de todos os titulares dos DRHP, sob pena de ilegitimidade, o que constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso. Entendimento aquele que não merece qualquer reparo, porquanto, se, efectivamente, a ilegitimidade singular não é susceptível de suprimento, e se a ilegitimidade plural apenas é susceptível de suprimento por meio do incidente de intervenção principal provocada, certo é que aquele incidente apenas pode ser suscitado até ao termo da fase dos articulados (cf. art. 318.º, n.º 1, alínea a) do CPC), já que, como se afirma no Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal em 23.3.2021, no âmbito do processo n.º 2747/14.5T8ALM-A.L1.S1        (disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/9064f2a5d5054443426059ef0dbd0f48f8bd0f

f9fe995688274c79df9a6180c2), «Com efeito, embora em estádios menos avançados da causa tal vício possa ser sanado, mediante a dedução de incidente intervenção principal, o certo é que este incidente já não pode ser deduzido na fase de recurso».

22.ª Em suma, não consubstanciando o d. Acórdão recorrido uma decisão sobre o mérito da causa, não se verifica qualquer nulidade processual em virtude da omissão de prolação de despacho pré-saneador que convide a Recorrente a suprir a preterição de litisconsórcio passivo necessário. Além do que, como muito bem se salientou no d. Acórdão recorrido, o suprimento da preterição de litisconsórcio passivo necessário apenas é possível até ao termo da fase dos articulados (cf. art. 318.º, n.º 1, alínea a) do CPC), não sendo já susceptível de suprimento em fase de recurso.


Colhidos os vistos legais, importa analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

13. Da 1.ª Instância vieram provados os seguintes factos:

1. A Autora é titular de direitos reais de habitação periódica, no empreendimento turístico denominado ..., sito na Rua ..., ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...24 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ...04.

2. A Castioura é a entidade exploradora e administradora do empreendimento ....

3. A Soimage é proprietária do ..., e detém em nome próprio alguns dos DRHP.

4. O ... é composto por 60 unidades de alojamento, dois bares, piscina exterior, com a classificação de 4 Estrelas, constituído em Direitos Reais de Habitação Periódica, estando dividido em 60 frações habitacionais de diferentes tipologias, como se indica:

i) 34 Apartamentos tipo T0;

ii) 25 Apartamentos tipo T1;

iii) 1 apartamento tipo T2.

5. Cada uma das frações habitacionais está dividida em 52 frações temporais, o que perfaz um total de 3120.

6. Por correio eletrónico no dia 29 de março de 2019 e por correio registado enviado no dia 10 de abril de 2019, foi a Autora convocada para uma assembleia geral dos titulares de DRHP do ..., a realizar-se nesse empreendimento no dia 27 de abril de 2019, pelas 11H00, com a seguinte ordem de trabalhos:

i) 1) Prestação de informações;

ii) 2) Eleição do Presidente da Assembleia Geral para o ano de 2020;

iii) 3) Apreciação do Programa de administração e conservação do empreendimento e fundo de reserva;

iv) 4) Eleição do Revisor Oficial de contas ou da empresa de auditoria que apreciará o relatório de gestão e as contas do DRHP;

v) 5) Valor das Prestações Periódicas a pagar em 2019 para o exercício dos direitos de Habitação Periódica no ...;

vi) 6) Outros assuntos de interesse.

7. Junto à referida convocatória vinha o Relatório de Gestão e contas do ano 2018, emitido em 24 de março de 2019, pela 1.ª Ré e assinado pelo seu sócio-gerente, CC, bem como, o Relatório de auditoria emitido pela sociedade de revisores oficiais de contas D..., LDA., representada pelo Dr. DD.

8. Da referida convocatória constava também o Programa para o ano de 2019, da autoria da 1.ª Ré, na qualidade de entidade exploradora, em 24 de março de 2019.

9. A Assembleia veio a realizar-se no dia local previstos na convocatória, tendo a Autora exercido o seu direito de voto, na Assembleia Geral, sem qualquer reserva.

10. Nessa Assembleia Geral foram tomadas algumas deliberações, nomeadamente:

i) Sob a égide do Ponto 2) da ordem de trabalhos, foi proposta a eleição do Presidente da Assembleia Geral para o ano de 2020, que foi votada e aprovada, por maioria de 360 votos a favor e 274 votos de abstenção da Lunahoteis;

ii) Sob a égide do Ponto 3) da ordem de trabalhos, foi apresentado pela 1.ª Ré o Programa de administração e conservação do empreendimento e fundo de reserva, o qual não foi submetido para aprovação e votação da assembleia;

iii) Sob a égide do Ponto 4) da ordem de trabalhos, foi apresentada pela 1.ª Ré que foi votada e aprovada, elegendo a sociedade de Revisores Oficiais de Contas D... & Associados;

iv) Sob a égide do Ponto 5) da ordem de trabalhos foi apresentada uma proposta pela 1.ª Ré, para alteração das prestações periódicas, que foi votada e aprovada, por maioria, com 3 abstenções e 274 votos contra, para os seguintes valores:

BAIXAMÉDIAALTAALTÍSSIMA
T0       247,74323,08                        408,37                           504,68
T1       273,82357,06                        489,72                           643,52
T1       315,11

410,91575,32784,17

11. Após análise da documentação junta à convocatória e por forma a poder apreciar adequadamente as matérias constantes da ordem de trabalhos, a Autora remeteu em 24 de abril de 2019, via correio eletrónico à 1ª. Ré, o qual foi remetido às 16:30, várias questões e pedidos de esclarecimentos sobre o relatório de gestão e contas do ano 2018 e Programa de Administração para o ano 2019.

12. O pedido de informação referido não foi logo recebido pelo legal representante da 1.ª Ré, já que, tendo o respetivo email sido enviado para o endereço gerido pela funcionária administrativa afeta aos titulares de DRHP, apenas foi reencaminhado para o mesmo no dia 26 de abril de 2019.

13. Não recebeu a Autora qualquer resposta da 1ª. Ré àqueles pedidos, nem indicação do local onde poderia consultar os elementos justificativos das contas e do relatório de gestão apresentados na assembleia geral.

14. Voltou a Autora a solicitar resposta ao seu email em 29 de abril de 2019, tendo obtido, por correio eletrónico enviado pela 1.ª Ré, em 7 de maio de 2019 resposta ao mesmo e não tendo sido respondidas as seguintes questões:

i) Quantas semanas existem registadas em nome de terceiros e quantas semanas pertencem à empresa proprietária;

ii) Qual o valor total de semanas pertencentes a terceiros, qual o valor total anual que deveria ser pago e qual, a existir, o valor em divida à data de 31 de dezembro de 2018 e respetiva antiguidade desses valores.

15. A 1.ª Ré não tinha na sua posse os documentos necessários à prestação das informações pretendidas pela Autora, porquanto os mesmos se encontravam na posse da empresa que presta serviços de contabilidade à 1.ª Ré, os quais podiam ser consultados naquele local, assim como podiam os titulares solicitar esclarecimentos e informações diretamente àquela.

16. Sob a égide do Ponto 1) da Ordem de Trabalhos, veio a Autora, já após aberta a sessão da Assembleia Geral, inquirir o presidente da mesa, sobre o número de semanas presentes ou representadas na Assembleia, sendo que, da ata enviada consta “(…) que estavam presentes ou fizeram-se representar os Titulares de 634 semanas, das quais 275 estavam em representação por procuração de Titulares”.

17. Considerando que o número de titulares presentes não era representativo do número de semanas mencionado pelo presidente da mesa, por estarem pouco mais de 20 pessoas na sala, e ainda pelo facto de existir matéria que não poderia ser votada pela 2.ª Ré, o representante da Autora que representava 274 semanas, solicitou ao presidente da mesa da assembleia, esclarecimentos referentes aos titulares que representariam as restantes 359 semanas, para que, pudesse aferir a titularidade dos votos presentes.

18. A resposta ao solicitado foi sendo protelada até ao final da Assembleia Geral, segundo informação do Presidente da Mesa, por estarem a ser apurados os números de presenças, não lhes sendo possível ainda responder, até que, devido a insistência em obter uma resposta, o Presidente da Mesa disse à Autora, que se quisesse fosse ver a lista de presenças, o que a Autora fez, tendo-lhe sido permitido visionar a mesma.

19. A 2.ª Ré esteve representada na Assembleia Geral de 27 de abril de 2019, na qualidade de proprietária do empreendimento ..., não tendo votado qualquer ponto da ordem do dia e nem sequer tendo sido incluída na lista de presenças.

20. Iniciada a apreciação do ponto 2 da ordem de trabalhos, foi proposto pela 1.ª Ré que se mantivesse no cargo de presidente da mesa da assembleia, o presidente anteriormente eleito, Dr. EE, para os dois anos seguintes, tendo tal proposta sido aprovada por maioria e com 274 votos contra da Autora.

21. Solicitou a Autora esclarecimentos quanto à qualidade de titular de DRHP do candidato proposto para o cargo.

22. O relatório de gestão e contas não foi colocado à votação dos titulares, sendo que, questionada a 1.ª Ré, pela Autora, sobre tal omissão, foi pela mesma justificado que o relatório de gestão e contas nunca era colocado à votação, sendo tal procedimento normal e decorrente da lei.

23. No que respeita ao relatório de gestão e contas de 2018, resulta do mesmo que:

i) Relativamente ao coeficiente de imputação dos gastos, no ponto 1 do relatório de gestão e contas constata-se que, apesar do aumento de noites vendidas em DRHP face ao ano anterior (mais 862 noites vendidas), as receitas foram inferiores, não tendo tal sido esclarecido pela 1.ª Ré.

ii) O relatório de contas não contempla o valor de receitas do Hotel.

iii) No que concerne aos gastos exclusivos de DRHP, refere-se na rubrica “Gastos com pessoal”, o valor de 42.050,09 €, onde se inclui o vencimento da única funcionária do departamento de DRHP, bem como 50% do vencimento do gerente da entidade exploradora do empreendimento.

iv) No que respeita à rubrica referente a “honorários de advogado”, apesar de referida a existência de vários processos em curso, não foi esclarecido à Assembleia Geral quantos processos judiciais se encontravam pendentes, respetivo objeto e valores envolvidos.

v) Para efeitos de imputação e repartição de custos, apenas são consideradas pela entidade exploradora as semanas cujos titulares pagam as respetivas prestações periódicas.

vi) Os titulares que não pagam as suas prestações periódicas, não são contabilizados no número de semanas tido em consideração para imputação e repartição dos custos do empreendimento.

vii) Não são indicados os montantes das prestações periódicas em dívida e respetiva antiguidade, e o relatório do ROC também é omisso quanto a esta questão.

viii) O pagamento do IMI no valor de € 3.548,90, é imputado como um custo do DRHP.

ix) Na verba “serviços especializados” no valor de € 89.970,4, é indevidamente imputado aos titulares um custo de 23.131,42 €, sendo naquela verba contemplados os custos inerentes ao aluguer de cofres, mas não os proventos auferidos com o mesmo.

x) Quanto às despesas referentes a jardinagem e piscina, não está imputado nesta rubrica, a título de receitas, o montante anualmente pago pela Autora como contrapartida pelo uso que é feito destes equipamentos pelos clientes da Autora, alojados no empreendimento Luna Hotel da Oura.

24. No parecer do Revisor Oficial de Contas, quanto à alteração das prestações periódicas, lê-se que, “sem modificar a nossa conclusão, chamamos a atenção que para o período em análise foi apresentado um orçamento deficitário, devido às prestações periódicas estimadas se apresentarem insuficientes face às respetivas despesas. Caso não se verifique um reajustamento do valor das prestações periódicas pagas, pelos titulares de DRHP, o indicado desvio anual negativo na tesouraria do Empreendimento, manter-se-á previsivelmente nos próximos anos subsequentes, agravando consequentemente o deficit das despesas de funcionamento e, colocando em causa a viabilidade económico-financeira do Empreendimento. Face a esta realidade, para que possa ser dado cumprimento ao estabelecido no nº. 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº. 275/93, de 5 de agosto, constitui nosso parecer a necessidade de se proceder, ao abrigo do nº.1 do artigo 24º. do referido diploma, à alteração do montante das prestações periódicas pagas pelos titulares de DRHP”, não sendo concretizado qual o valor total a distribuir por tipologia e épocas.

25. Questionada a 1ª Ré sobre a omissão da referência, em concreto, no parecer do ROC dos montantes atinentes à proposta de alteração das prestações periódicas, justificou esta que tais alterações constavam do Programa apresentado e emitido pela entidade gestora do empreendimento para o ano 2019, sendo que, segundo indicado no mesmo a imputação de custos ao DRHP passará de 25,71% para 37,8%.

26. Existem verbas imputadas aos Titulares de DRHP, como a instalação de um elevador, a colocação de cancelas para restrição e controlo do acesso aos empreendimentos ... e Luna Hotel da Oura e a colocação de um portão na entrada da garagem comum aos dois empreendimentos, sem que para tal, a 1.ª Ré tivesse obtido a aprovação dos Titulares e/ou dos respetivos orçamentos.

27. AA detém certificados de endosso de DRHP, correspondentes a 150 semanas de DRHP, emitidos em seu nome, e BB detém certificados de endosso de DRHP, correspondentes a 200 semanas de DRHP, emitidos em seu nome, tendo os mesmos sido emitidos a favor daqueles, sem o pagamento de qualquer contrapartida monetária, em virtude de trabalhos anteriormente prestados junto das Rés e como forma de pagamento pelos mesmos, sendo que nenhum dos titulares paga prestações periódicas, porquanto havendo cedido as semanas que possuem à exploração pela 1.ª Ré.

28. Nos certificados de endosso dos títulos de DRHP de BB e AA, emitidos em 24/07/2019 e 25/04/2019, respetivamente, pela legal representante da 2.ª Ré, constam as seguintes menções: “SOIMAGE – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E CONSTRUTORA, LDA., (…) endossa este título a BB/ AA, (…), pelo valor de um euro”, e tendo os mesmos sido objeto de reconhecimento presencial de assinatura da legal representante da 2.ª Ré, por Advogado, através da aposição de um carimbo para o referido efeito, com a assinatura do Advogado que levou a mesma a cabo e, tendo o registo daquele reconhecimento presencial de assinatura, sido registado no sítio da Ordem dos Advogados.

29. BB é familiar da legal representante da 2.ª Ré e do legal representante da 1.ª Ré, sendo igualmente funcionário desta e AA prestou serviços à 2.ª Ré.

30. O Presidente da Assembleia Geral eleito é titular de uma semana de habitação periódica no empreendimento ....

31. Foi efetuada a análise do Relatório de Contas de 2018, na Assembleia Geral de 27 de abril de 2019.

32. A 1.ª Ré iniciou a administração do empreendimento ..., em 1 de novembro de 2017.

33. Através do email datado de 7 de maio de 2019, a 1.ª Ré informou a Autora que estão processos judiciais em preparação e que, para além da preparação e instauração de processos judiciais, a sociedade de advogados contratada pela Ré presta também ao Departamento de Titulares de DRHP um vasto leque de serviços, que compreendem, nomeadamente, o tratamento de documentação relacionada com renúncias aos DRHP e com a compra de semanas, a resolução de diferendos entre o empreendimento e os titulares de DRHP, a resolução de questões de titularidade de DRHP e todas as questões contratuais relacionadas com estes direitos, assim como o acompanhamento jurídico de todas as questões relacionadas com o regime legal do DRHP.

34. Se fossem contabilizados os titulares inativos de DRHP, para efeito de imputação e repartição dos custos do empreendimento, a percentagem de imputação e repartição dos custos do empreendimento seria muito superior à atualmente praticada, sendo que, o critério de imputação e repartição dos custos do empreendimento foi validado pelo relatório da empresa de auditoria eleita pelos titulares de DRHP, a saber, D..., Lda.

35. O valor da prestação periódica devida pelos titulares de DRHP não é calculado com base no maior ou menor volume de receitas de hotelaria geradas pelo empreendimento ..., mas antes em função dos custos imputados à percentagem e à quantidade de semanas em apartamentos do empreendimento ... que se encontram afetas à ocupação no âmbito do DRHP.

36. A obra referente ao elevador, consistiu na remodelação de um elevador que já existia, mediante a instalação de uma nova máquina e de um sistema elétrico adaptados aos atuais parâmetros de eficiência energética.

37. A colocação de cancelas na entrada e de um portão na saída da garagem do empreendimento ..., foram determinados por razões de segurança dos utentes de ambos os edifícios.


De Direito

14. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


15. As questões a analisar são assim as relativas à nulidade e à ilegitimidade processual passiva, por ter sido decidida a absolvição da instância dos RR, decisão com a qual a A. não se conforma.


16. No que respeita à imputada nulidade ao acórdão recorrido, assacadas pela recorrente, no sentido de o processo dever ser remetido à primeira instância para aí ser convidada a recorrente a suprir a ilegitimidade processual, por convite do tribunal, em vez de se decidir pela absolvição da instância – art.º6º, n.2 e 590.º do CPC – o tribunal recorrido teve oportunidade de explicitar que o referido despacho convite e decisão de remessa não seriam possíveis de ser realizados na fase de recurso em que o processo se encontrava, chamando à atenção para o regime do art.º 261.º do CPC, que ofereceria uma solução paralela à parte, face à solução proposta. Também aí se diz que a sanação seria possível até ao despacho pré-saneador, e que a falta deste acto gera nulidade, mas não de conhecimento oficioso, não tendo na devida altura sido suscitada a questão.

O tribunal também analisou o regime do art.º 615.º, muito em especial a sua alínea d), não tendo encontrado fundamentos de nulidade do acórdão.

Analisada a questão cremos que não há verdadeira nulidade, desde logo, não há qualquer das nulidades a que se reporta o art.º 615.º do CPC.

E quanto à falta de despacho-convite, também cremos que o mesmo já não seria possível, como disse o tribunal: não pode na fase de recurso sanar-se ilegitimidade por via dos expedientes processuais predispostos na lei como meio de assegurar que estejam na acção quem nela deve estar (art.º 318.º CPC), não há lugar a qualquer convite ao suprimento por aperfeiçoamento da PI, conforme veio decidido no acórdão recorrido (art.º 590.º CPC).

17. No acórdão recorrido o tribunal centrou muita da sua atenção na questão da ilegitimidade, dizendo:

“A ilegitimidade de alguma das partes constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso que dá lugar à absolvição da instância – cfr. arts. 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º al. e) e 578.º do CPC.

Na medida em que a ilegitimidade não foi apreciada em 1.ª Instância, que proferiu decisão tabelar declarando serem as partes legítimas, é manifesto que inexiste trânsito em julgado sobre a referida questão que impeça a apreciação no âmbito do presente recurso, como se impõe.

Ora, a presente ação tem por objeto a declaração de nulidade e/ ou anulação das deliberações tomadas nos pontos 2), 3) e 5) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de titulares de DRHP no empreendimento turístico denominado ..., assembleia essa que reuniu a 27 de abril de 2019. A A invocou a qualidade de titular de direitos reais de habitação periódica no referido empreendimento, avançando que demanda a 1.ª R na qualidade de entidade exploradora e administradora do empreendimento, e a 2.ª R na qualidade de proprietária de raiz do ... e de titular de direitos reais de habitação periódica.

O direito real de habitação periódica (DRHP - direito real de habitação limitado a um período certo de tempo em cada ano, que pode constituir-se sobre as unidades de alojamento integradas em empreendimentos turísticos qualificados como hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos, conjuntos turísticos e apartamentos turísticos; configura, assim um direito real limitado de gozo sobre coisa alheia, que equivale na prática a um regime de propriedade fracionada, não já por segmentos horizontais, mas por quotas partes temporais (6) foi instituído pelo DL n.º 355/81, de 31/12, revelando-se um instrumento jurídico tendente à dinamização do mercado de unidades de alojamento para férias por curtos períodos de tempo. Seguiu-se o DL n.º 130/89, de 18/04, dada a necessidade de enquadrar aquele direito no âmbito da atividade turística e de adaptar o instituto às exigências entretanto sentidas. O DL n.º 275/93, de 05/08, por seu turno, emergiu da necessidade de adoção de medidas destinadas a melhorar a qualidade e o funcionamento dos empreendimentos turísticos no regime do direito real de habitação periódica assim como da conveniência de reforçar o grau de proteção dos adquirentes de DRHP, atendendo a que os respetivos contratos exigem, na maior parte das vezes, uma tutela particular da parte mais fraca.(7)

A impugnação das deliberações da assembleia dos condóminos, em sede do regime da propriedade horizontal, encontra-se prevista no art. 1433.º do CC. Na falta de regime legal expresso que regule a impugnação e suspensão das deliberações tomadas pelas assembleias de titulares de direitos reais de habitação periódica, o disposto no art. 1433.º do CC é sujeito a aplicação nesse domínio, com recurso à analogia – art. 10.º n.º 1 do CC.(8)

Nos termos do disposto no art. 1433.º n.º 6 do CC, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

Este normativo estipula a quem cabe a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações de impugnação das deliberações.

Ora, a representação da parte litigante não se confunde com esta nem a absorve; a parte no processo é a pessoa ou a entidade que propõe ou contra quem é proposta a ação – cfr. arts. 11.º a 14.º do CPC; o representante é aquele que intervém na ação atuando em defesa dos direitos e interesses da parte demandante ou demandada, age em nome e no interesse da parte, atenta a incapacidade que esta regista ou a necessidade dessa intervenção, atenta a natureza da própria parte – cfr. arts. 16.º a 26.º do CPC. O art. 1433.º n.º 6 do CC constitui mais um caso em que a lei determina quem representa a parte (os condóminos contra quem são propostas as ações) nos processos com o referido objeto. Importa notar que «corresponde a uma premissa básica da Ciência Processual Civil que quem é representante não pode ser parte e quem é parte não pode ser representante» (…) «sendo que a parte representada tem sempre de estar em juízo.» (9)

Importa ainda ter presente que é na esfera jurídica das partes, e não já na dos representantes das partes, que se repercutem os efeitos das decisões judiciais; as partes é que resultam vinculadas a observar o que seja judicialmente determinado.

A questão de saber contra quem deve ser intentada a presente ação de impugnação de deliberações tomadas pela assembleia dos titulares dos DRHP afere-se no âmbito do pressuposto processual da legitimidade.

Sendo a legitimidade o poder de gestão, relativamente ao concreto processo, sobre determinada pretensão material, nos termos do disposto no art. 30.º do CPC vai aferir-se a legitimidade pela titularidade do interesse direto em demandar (legitimidade ativa) e pelo interesse direto em contradizer (legitimidade passiva). Este interesse tem por base a posição subjetiva da pessoa perante a relação controvertida ou seja, a relação do sujeito com o concreto objeto da causa, pelo que se distingue do mero interesse (objetivo) em agir «traduzido na necessidade objetivamente justificada de recorrer à ação judicial.»(10)

«A legitimidade processual é (...) uma qualidade da parte determinada pela titularidade de um conteúdo referido a um certo pedido.»(11)

«Há ilegitimidade quando se verifica uma disparidade entre os titulares dos interesses em conflito, ou das posições na relação jurídica, e as partes ou sujeitos da relação jurídica processual.»(12) Para identificar os titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, a lei fixou, supletivamente, o princípio da coincidência da titularidade da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor, com a legitimidade - art. 30.º n.º 3 do CPC.

Casos há, porém, em que por força da lei ou do negócio em causa, se exige a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, sob pena de ilegitimidade – cfr. art. 33.º n.º 1 do CPC. É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – cfr. art. 33.º n.º 2 do CPC. A decisão produz esse efeito sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado – cfr. art. 33.º n.º 3 do CPC.

«Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.

A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcela.»(13)

Nas palavras de Anselmo de Castro (14) «o que se pretende é que não sejam proferidas decisões que praticamente venham a ser inutilizadas por outras proferidas em face dos restantes interessados, por virtude de a relação jurídica ser de tal ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de alguns sem se regularem as dos outros.» Neste sentido, Antunes Varela (15), inclui no litisconsórcio necessário as relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil, como nas ações constitutivas em que a falta de alguns deles poria em causa a globalidade da própria relação jurídica; e bem assim aquelas em que só a intervenção de todos produzirá, não apenas algum efeito útil, mas ainda o considerado normal, definindo a situação concreta entre as partes, de tal modo que não possa vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível, como em casos de limitação de indemnização por responsabilidade objetiva.

No caso em apreço, pretendendo atacar-se deliberações tomadas em assembleia de titulares de DRHP, com vista à declaração de nulidade e anulação delas, o efeito jurídico só será eficazmente alcançado se todos os titulares que votaram as deliberações forem chamados a discutir o litígio. E nele não intervirá, como parte, a entidade que exerce funções de exploração e de administração do empreendimento turístico.

Note-se que, tal como esclarecido pela Recorrida na pronúncia sobre a ilegitimidade, a ação visa «a anulação das deliberações da AG que tiveram por objeto:

(i) o programa de administração e conservação do empreendimento para 2019;

(ii) a anulação da deliberação que aprovou uma alteração extraordinária das prestações periódicas (destinadas à compensação e remuneração da entidade administradora, nos termos previstos no artigo 22 do RJDRHP); e

(iii) a omissão da submissão a votação da assembleia do relatório de gestão e contas de 2018 (cuja falta de aprovação pela Assembleia Geral é suscetível de determinar a destituição da administração, nos termos do art. 36º nº 2 b) do RJDRHP).»16

Donde, o efeito útil da ação, o que nela seja decidido relativamente ao referido objeto, só seria imposto aos sujeitos que nela participaram; os demais titulares de DRHP não ficariam sujeitos ao que aqui se decidisse quanto ao programa de administração e conservação do empreendimento para 2019, quanto à anulação da aprovação da alteração extraordinária das prestações e quanto à votação do relatório de gestão e contas de 2018.

De resto, a questão encontra-se desde logo dirimida pelo disposto no n.º 6 do art. 1433.º do CC, que atribui a legitimidade passiva aos condóminos.17 «(…) a legitimidade passiva para as ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica nos próprios condóminos (…), que são efetivamente os titulares do interesse direito em contradizer (…)»18 A deliberação, enquanto não for anulada, vincula todos os condóminos; sendo anulada, continua a vincular os condóminos que não tenham sido chamados a discutir o litígio da anulação da deliberação.

O que analogicamente se aplica aos titulares dos DRHP.

Não se acolhe a argumentação esgrimida pela Recorrida no sentido de que a entidade administradora é que representa em juízo a globalidade dos titulares dos DRHP, devendo ser demandada na ação, tal como atualmente preceitua o art. 1437.º n.º 1 do CC. Na verdade, o regime inserto no art. 1437.º do CC reporta-se à atuação em juízo do administrador no exercício das funções que lhe competem (cfr. n.º 2 do referido normativo legal), funções essas que são elencadas no art. 1436.º do CC, e que se reportam às partes comuns do edifício; não está em causa a atuação no lugar que cabe a todos e a cada um dos condóminos.

A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcio necessário de todos os titulares dos DRHP do empreendimento turístico denominado .... E exclui a entidade administradora da intervenção, em nome próprio, no processo, pelo que não deve ser demandada como parte.

Ainda que se seguisse a orientação de que o condomínio é que tem legitimidade passiva, devendo ser representado pelo administrador, note-se que, nos presentes autos, 1.ª R foi demandada na qualidade de entidade exploradora e administradora do referido empreendimento; não foi demandada em nome do condomínio.(19)

Acresce que a discussão que supervenientemente a A trouxe ao processo, atinente à nulidade da transmissão de DRHP para BB e AA, não pode travar- se à revelia dos adquirentes desses títulos. Não tendo sido interpelados na ação, a decisão que acedesse à pretensão da A nenhum efeito alcançaria na esfera jurídica dos mencionados titulares de DRHP.

Verifica-se, assim, a ilegitimidade passiva das RR, sendo por preterição do litisconsórcio necessário passivo relativamente à 2.ª R, exceção dilatória de conhecimento oficioso. O que implica na absolvição das RR da instância – cfr. arts. 33.º n.º 1, 577.º al. e), 578.º, 278.º n.º 1 al. d), 608.º n.º 1 e 663.º n.º 2 do CPC.

Embora se trate, relativamente à 2.ª R, de falta de pressuposto processual suscetível de sanação, certo é que apenas até ao termo da fase dos articulados é que pode ser requerido o chamamento para intervenção de terceiro no caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário (cfr. art. 318.º n.º 1 al. a) do CPC), e apenas no âmbito do despacho pré-saneador é que pode providenciar-se pelo suprimento da exceção em apreço (cfr. art. 590.º n.º 2 al. a) do CPC). Daí a previsão inserta no art. 261.º do CPC, aludindo ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa.

Por conseguinte, não pode o incidente processar-se em sede de recurso.

Por outro lado, se é certo que a situação de ilegitimidade plural passiva suscetível de sanação deveria ter sido suscitada no despacho pré-saneador, conforme previsto nos arts. 6.º n.º 2 e 590.º n.º 2 al. a) do CPC, importa levar em conta que a omissão da prolação de tal despacho configura nulidade, que implicaria a anulação de todo o processado subsequente, mas que não é de conhecimento oficioso (cfr. arts. 195.º e 196.º do CPC).

Impõe-se, pois, a absolvição das RR da instância, por ilegitimidade singular relativamente à 1.ª R e por ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário passivo relativamente à 2.ª R20, com o que resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.”

18. A esta orientação e fundamentação se opôs o voto de vencido supra transcrito.


19. A esta orientação se opõe a recorrente.

Na sua argumentação colhem-se em sentido da regularidade da instância os seguintes aspectos:

- o direito real de habitação periódica não é um direito análogo à propriedade horizontal

- nos presentes autos não está apenas em causa a invalidade das deliberações tomadas na mencionada assembleia de titulares, mas também a omissão na ordem de trabalhos e falta de submissão à votação da Assembleia, do relatório de gestão e contas de 2018 e do Programa de administração e conservação do empreendimento para 2019

- A única solução plausível para que a Recorrente possa exercer a sua pretensão impugnatória contra uma omissão ilegal, consiste em reconhecer que a legitimidade passiva para uma tal acção repousa na entidade que omitiu tais deveres legais, ou seja, a Ré administradora Castioura Lda. e a Proprietária Soimage Lda. - esta última, por força do regime de responsabilidade decorrente do artigo 25º nº 2 do RJDRHP.

- Atendendo a que as prestações periódicas no DRHP constituem receita própria da entidade administradora do empreendimento, destinada à sua compensação e remuneração, nos termos previstos no art. 22º nº 2 do DL nº 275/93 e que a não aprovação pela Assembleia de Titulares de DRHP, do programa de administração e conservação e do relatório de gestão e contas do exercício anterior, constitui causa de destituição da entidade Administradora/exploradora (arts. 32º, 33º e 36º nº 2 alínea b) do DL 275/93, é notória à luz do art. 30º nº 1 e 2 do CPC, a existência de interesse directo da Administradora Castioura e da proprietária Soimage, por decorrência do regime de responsabilidade subsidiária previsto no art 25º nº 2 do RJDRHP, em contradizer a presente acção, por ser na esfera destas entidades e não na esfera dos restantes titulares de DRHP, que se repercutirão os prejuízos decorrentes da sua eventual procedência.

- Mesmo equacionado a eventual aplicação aos presentes autos do disposto no nº 6 do art. 1433º do CC, a Ré Castioura Lda., na qualidade de administradora do empreendimento turístico, sempre teria legitimidade passiva para ser demandada em acções em que se questione a existência, validade ou eficácia de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP, prevista no art. 34º do RJDRHP, encontrando-se assegurada a regularidade da instância face à interpretação actualista da citada norma e do disposto no nº 1 do art. 1437º do CC na redacção introduzida pela Lei nº 8/2022 de 10 de janeiro, conjugado com os arts. 8º e 9º da referida lei, pelo que, ao decidir inversamente, incorreu o acórdão recorrido em erro de interpretação e aplicação dos arts. 1433º nº 6 e 1437º e arts. 8º e 9º da Lei nº 8/2022.

- Defendendo o acórdão recorrido a aplicação analógica do regime da propriedade horizontal ao DRHP e não existindo neste instituto a figura do condomínio, impunha-se que fossem feitas as necessárias adaptações, deferindo-se a legitimidade passiva à administradora e à proprietária do empreendimento (face ao art. 25º nº 2 do DL 275/93), pelo que verificada nos autos a presença destas entidades em juízo, deveria o tribunal recorrido ter considerado regular a instância, em conformidade os artigos 1437º nº 1 do CC na sua actual redacção e art. 8º da Lei nº 8/2022 e prosseguido com a apreciação do objecto dos recursos de apelação.

- A insistência do douto acórdão recorrido na necessidade de demandar todos os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas, quando os autos demonstram à saciedade a impossibilidade prática de a Recorrente conseguir identificá-los, pelo facto de a acta da assembleia de 27.4.2019 não ter sido assinada pelos titulares que nela participaram, nem identificar os titulares que votaram favoravelmente as deliberações em causa, consubstancia uma restrição inaceitável do direito da Autora à tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

- Sendo inequívoco que a situação de ilegitimidade plural passiva é sempre passível de sanação e reconhecendo o tribunal recorrido considerado que tal excepção deveria ter sido suscitada no despacho pré-saneador, cuja omissão nos autos configura nulidade conducente à anulação de todo o processado subsequente, impunha-se que ao tribunal recorrido que, ao invés de absolver imediatamente as RR da instância, ordenasse a remessa do processo ao tribunal de 1ª instância para prolação, pelo tribunal a quo, de despacho vinculado, nos termos dos artigos 6º, nº 2 e 590 nº 1 do CPC, convidando a Autora ao suprimento da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo, através da adequada intervenção dos restantes titulares de direito real de habitação periódica.


20. Contra-argumentam as recorridas:

- a acção de impugnação de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP teria de ser determinada à luz do critério geral consagrado no n.º 1 do art. 30.º do CPC, segundo o qual «O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer».

-  ao instaurar uma acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, não é com a posição da entidade administradora do empreendimento (que, como resulta do disposto no n.º 6 do art. 35.º do RJHP, não pode votar na deliberação sobre a alteração do valor da prestação periódica) que a pretensão do autor conflitua, mas antes com a posição dos titulares de DRHP que votaram favoravelmente às deliberações impugnadas. Pelo que, inexistindo, no âmbito do RJHP, uma norma paralela à do actual n.º 1 do art. 1437.º do Código Civil (na redacção introduzida pela Lei n.º Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro), não podem deixar de ser demandados, na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas por meio daquela acção.

, ao aprovarem, em sede de Assembleia Geral de Titulares de DRHP, o Relatório de Gestão e Contas e o Programa de Administração e conservação do empreendimento, os titulares estão a: (i) Emitir um voto de confiança na entidade administradora do empreendimento, nomeadamente por manter aquela uma boa relação entre o valor das prestações periódicas pagas pelos titulares de DRHP e a qualidade dos serviços de que os titulares beneficiam no exercício do seu direito; (ii) Manifestar a sua concordância com a proposta apresentada pela entidade administradora do empreendimento relativamente às medidas de manutenção e conservação a adoptar, v.g. para que os titulares de DRHP possam beneficiar dos níveis de serviço e de comodidade que esperam do empreendimento turístico; (iii) Manifestar a sua concordância com os valores das prestações periódicas que, segundo a empresa administradora do empreendimento, são necessários para assegurar a manutenção dos níveis de serviço e de comodidade que os titulares de DRHP esperam do empreendimento turístico.

9.ª Logo, em caso de impugnação judicial de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, v.g., como sucede in casu, de deliberações que aprovaram por maioria o Relatório de Gestão e Contas e o Programa de Administração e Conservação do empreendimento, não é a entidade administradora do empreendimento que fica prejudicada com a procedência daquela impugnação, mas antes os titulares de DRHP que votaram a favor das deliberações impugnadas, na medida em que veem inviabilizada a implementação dos níveis de comodidade e de qualidade de serviço com que contavam ao emitir o seu voto.

- Acrescendo, ainda, que, na presente acção de anulação de deliberações da Assembleia Geral de Titulares de DRHP, a Autora não configura a relação material controvertida como uma relação entre a Autora e a entidade administradora do ... (até porque a 1.ª Ré não emitiu qualquer declaração de voto em nenhuma das deliberações tomadas na Assembleia Geral realizada em 27 de Abril de 2019!), mas antes como uma relação entre a Autora e os titulares de DRHP que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas e que aprovaram estas mesmas deliberações. Ou seja, nos termos em que a Autora configura a relação material controvertida, a Autora não pretende obter a anulação de qualquer acto ou decisão emitida pela entidade administradora do empreendimento ..., pretendendo antes obter a anulação de deliberações que foram aprovadas com os votos favoráveis da esmagadora maioria dos titulares de DRHP que estiveram presentes na Assembleia Geral realizada em 27 de Abril de 2019.

- Não obstante, ainda que, apesar da inexistência, no RJHP, de uma norma paralela à do n.º 1 do actual art. 1437.º do Código Civil, se considerasse que a entidade administradora do empreendimento turístico tem legitimidade passiva na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP, não poderia aquela mesma acção deixar de ser instaurada também contra os titulares que aprovaram as deliberações impugnadas, sob pena de a acção não produzir o seu efeito útil normal. Com efeito, conforme se afirma no Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal em 23.3.2021, no âmbito do processo n.º 2747/14.5T8ALM-A.L1.S1 (disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/9064f2a5d5054443426059ef0dbd0f48f8bd0ff9fe995688274c79df9a6180c2), «Ora, como é sabido, a preterição de litisconsórcio necessário gera ilegitimidade, a qual constitui um vício de conhecimento oficioso que conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º, al. e), 495º, e 288º, al. d) do CPC1961, e 576º, nº 2, 577º, al. e), 578º, e 278º, nº 1, al. d) do CPC2013)».

Afirmando-se também, naquele mesmo aresto, que «Com efeito, embora em estádios menos avançados da causa tal vício possa ser sanado, mediante a dedução de incidente intervenção principal, o certo é que este incidente já não pode ser deduzido na fase de recurso».

-  E nem se argumente, como o faz a ora Recorrente, que a natureza necessária do litisconsórcio passivo na acção judicial de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia Geral de Titulares de DRHP pode ser afastada pela aplicação da norma do art. 61.º do CSC, já que o efeito extensivo consagrado nesta norma é uma consequência directa da regra consagrada no n.º 1 do art. 60.º do mesmo CSC, nos termos do qual «Tanto a acção de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade». Sendo que, se, ex vi das disposições conjugadas dos artigos 5.º do CSC e 11.º, n.º 2 do CPC, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e judiciária, já o mesmo não sucede com o conjunto dos titulares de DRHP sobre as unidades de alojamento de um determinado empreendimento turístico, que não beneficia de personalidade jurídica nem judiciária. Consequentemente, não podendo ser aplicada ao RJHP a norma do art. 60.º do CSC, não pode também ser importado para a acção judicial de anulação de deliberações tomadas na Assembleia Geral de Titulares de DRHP o efeito extensivo previsto no art. 61.º do CSC.


Que dizer?

21. Antes de se tomar qualquer posição importa analisar a situação colocada ao Tribunal à luz do regime dos DRHP, conforme regulado pela lei vigente à data da propositura da acção e da adopção da deliberação impugnada - DL n.º 275/93, de 05 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 245/2015, de 20 de Outubro – e do próprio direito real em causa.

Nas palavras de Pedro Caetano Nunes, Direitos Reais, Ano letivo 2016/2017 (UNLisboa), disponível em http://ae.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2019/12/Sebenta-An%C3%B3nimo-2.pdf, p. 57- 60:

“O direito real de habitação periódica (DRHP) consiste num direito sobre um imóvel (destinado a fins turísticos) cujo conteúdo essencial é a faculdade de gozar o mesmo para fins habitacionais, de modo temporário e cíclico.”

Esta noção é, aliás, coincidente com a apresentada por Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4ºEd, Princípia, p. 323.


Continuando a citar Pedro Caetano Nunes, Direitos Reais, também precedida na análise correspondente por Rui Pinto Duarte, obra citada, p. 326 e ss, esse direito apresenta as seguintes características:

“- Coexistência com o direito de propriedade, na medida em que se pressupõe a existência de um direito de propriedade sobre os imóveis a que os DRHP se referem (artigos 2º e 21º);

 - Caráter temporário e cíclico do gozo que facultam (artigos 1º, 3º/2 e 21º/1);

 -  Representação por certificados, que são o veículo de transmissão e oneração dos mesmos (artigos 10º e 1º).

-  Duração perpétua ou temporária do DRHP, sendo que neste último caso a sua duração não pode ser inferior a um ano (artigo 10º). “

 E o seu conteúdo integra:

“- Direito a Habitar a unidade de alojamento e usar as instalações, os equipamentos de uso comum e os serviços do empreendimento, durante o período a que respeita o seu direito (artigo 21/1 a e b)

- Direito a beneficiar de uma caução de boa administração e conservação do empreendimento que o proprietário tem de prestar (artigo 31º)

- Receber informação da entidade responsável pela administração do empreendimento, nomeadamente o relatório de gestão, contas, parecer de auditoria, bem como o programa de administração que anualmente têm de ser elaborados (artigo 32º e 33º)

 - Participar na assembleia geral de DRHP (artigos 34º e 35º)

- Direito de ceder pontualmente o exercício do direito de utilizar as unidades de alojamento no período respetivo (artigo 21º/1, d)

- Direito de transmissão e oneração (artigo 12º). Posso vender o meu direito de habitação periódica. Tal como posso vender, também posso transmitir, criar uma hipoteca… “


E tem como Obrigações:

-  Pagar a prestação periódica indicada no título constitutivo (artigo 22º)

- Respeitar o título constitutivo e as regras de funcionamento do empreendimento (artigo 21º/2)

 - Exercer o seu direito segundo critérios de razoabilidade (artigo 21º/1)


É, portanto, um direito em que o seu titular se relaciona com um proprietário de um empreendimento e, eventualmente, ainda com uma entidade diversa do proprietário que explora esse empreendimento.


22. Também na jurisprudência do STJ se encontra já trabalhada a figura do direito real de habitação periódica, nomeadamente:


Ac. de 06-03-2012, Processo n.º 692/05.4TBGDL.E1.S1, com o seguinte sumário:

I - O direito real de habitação periódica, classificado como direito real menor, comporta dois planos: aquele que o caracteriza como “um esquema ou regime de exploração turística” cuja constituição é feita com base num negócio jurídico unilateral, em regra, da iniciativa do proprietário das infra-estruturas do empreendimento turístico e o dos direitos parcelares de habitação periódica que são adquiridos pelos respectivos utentes, em regra, por mero efeito de um contrato, nos termos do art. 408.º do CC (cf. arts. 6.º, 10.º e 12.º do DL n.º 275/93, de 05-08).

II - O carácter real da obrigação de pagamento da prestação anual, no âmbito do direito real de habitação periódica, impõe-se ao titular deste direito independentemente de qualquer acto de aceitação, retirando-lhe a natureza de contraprestação sinalagmática assumida num hipotético quadro contratual, nomeadamente para efeitos de oposição ao respectivo pedido de pagamento por via da excepção de não cumprimento, prevista no art. 428.º do CC.

III - Funcionando as prestações anuais como correspectivo dos encargos de gestão e como compensação do proprietário do empreendimento turístico pelas despesas a que está sujeito, essas prestações não podem configurar-se como sendo meras contrapartidas simétricas do uso das unidades de alojamento, pelo que estando o empreendimento sujeito à realização de obras de grande vulto que, porém, não inviabilizam a sua utilização essencial, a exigência do pagamento dessas prestações não pode ser entendida como abusiva, nem se traduz em excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334.º do CC).


Ac. de 13-01-2000, Processo n.º 944/99, com o seguinte sumário:

I - O instituto do direito real de habitação periódica foi criado para satisfação da necessidade de férias, em determinado período e em local livremente escolhidos, tem as características de direito real e é adquirido a título oneroso.

II - Não tendo a proprietária, e administradora do empreendimento, disponibilizado ao titular do direito o apartamento referido no título constitutivo, tendo-lhe proposto outro, desrespeitou aquela os poderes inerentes à titularidade de tal direito.

III - Em termos de justiça relativa, não se justifica a não ressarcibilidade de danos não patrimoniais, se derivados de ilícito contratual, enquanto são ressarcíeis danos da mesma natureza decorrentes de ilícito extracontratual, sejam eles de maior, igual ou até de menor gravidade.

Idêntica análise se encontra na jurisprudência dos Tribunais da Relação, cumprindo aqui apenas exemplificar:

Ac. TRL de 18/06/2015, processo 972/09.0TVLSB.L1-6, com o seguinte sumário:

- Apenas as questões em sentido técnico, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele divergem, constituem questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa, ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer em nulidade da sentença.

- A qualificação jurídico-processual de uma ação como ação inibitória prevista no art.º 10.º da Lei n.º 24/96, de 31-07, depende da sua finalidade de prevenção, correção ou cessação de práticas lesivas dos direitos dos consumidores, matéria a ser aferida perante a causa de pedir e os pedidos da ação concretamente intentada. - Se os pedidos formulados se prendem com anteriores deliberações de assembleia geral de titulares de DRHP, cuja invalidade ou alteração se pretende, com a reprovação de anterior relatório e contas do empreendimento e com a remoção de determinadas pessoas dos seus cargos, em causa está, enquanto pretensão trazida a juízo, não a defesa de direitos dos consumidores, mas a vida interna do empreendimento, com os seus órgãos, cargos e respetivo funcionamento/vicissitudes, de que discordam os AA./Apelantes.

- Assim, não se trata de afastar práticas lesivas dos direitos dos consumidores (previstos no art.º 3.º da Lei n.º 24/96), num escopo preventivo de proteção do tráfico jurídico, de molde a afastar práticas comerciais injustas, por danosas para os consumidores, mas, essencialmente, de discordâncias quanto à vida interna desse empreendimento.

- Quanto à sua natureza jurídica, o DRHP constitui um direito real (de feição particular), em regime de propriedade fracionada, não por segmentos horizontais, mas por quotas-partes temporais.

- A sua finalidade tem dupla vertente: (i) permitindo o acesso a uma habitação para férias, por curtos períodos, (ii) faculta um elemento dinamizador dos equipamentos para alojamento turístico.

- Pela sua fisionomia, o DRHP participa de elementos doutros direitos reais de gozo, em particular, a propriedade horizontal, em cujo regime legal (tipificado no CCiv.) se encontra inspiração para a solução de questões não reguladas no diploma especial do DRHP (DLei n.º 275/93, de 05-08, com as alterações introduzidas pelo DLei n.º 180/99, de 02-05, e demais legislação posterior).

- De acordo com este diploma legal especial, ao proprietário/gestor do empreendimento cabem a administração e conservação das unidades de alojamento sujeitas ao regime DRHP, do seu equipamento e recheio e das instalações e equipamento de uso comum do empreendimento;

- Por isso, tem o mesmo direito a uma prestação periódica, estabelecida no título de constituição, que pode ser alterada, desde que por proposta da entidade encarregada da auditoria das contas do empreendimento inserida no respetivo parecer;

- A assembleia geral de titulares de DRHP integra todos os titulares daqueles direitos, competindo-lhe, designadamente, aprovar a alteração da prestação periódica;
- Todos os titulares de DRHP - incluindo o proprietário do empreendimento (se também titular de DRHP), dispondo dos votos correspondentes às unidades de alojamento cuja construção esteja terminada - podem deliberar em assembleia geral, intervindo e votando;

- Porém, o proprietário do empreendimento não pode votar quanto à alteração da prestação periódica (que lhe cabe), não podendo, por isso, tomar posição nessa matéria, ante o conflito de interesses em que se encontra;

- Caso contrário, a deliberação respeitante a tal alteração padece do vício de violação do disposto no art.º 35.º, n.º 6, 2.ª parte, do dito diploma especial do DRHP, o que causa a sua invalidade.



23. No regime jurídico em questão, a relação que se estabelece entre os sujeitos envolvidos (seja bi-ou trilateral) encontra eco, nomeadamente na regulação do funcionamento das assembleias de titulares de DRHP e nas normas que aqui (especialmente) se consideram relevantes, pelo que se reproduzem:

Artigo 22.º

Prestação periódica

1 - O titular do direito real de habitação periódica é obrigado a pagar anualmente ao proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica a prestação pecuniária indicada no título de constituição.

2 - A prestação periódica destina-se exclusivamente a compensar o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime dos direitos reais de habitação periódica das despesas com os serviços de utilização e exploração turística a que as mesmas estão sujeitas, contribuições e impostos e quaisquer outras previstas no título de constituição e a remunerá-lo pela sua gestão, não podendo ser-lhe dada diferente utilização.
3 - O valor da prestação periódica pode variar consoante a época do ano a que se reporta o direito real de habitação periódica, mas deve ser proporcional à fruição do empreendimento pelo titular do direito.

4 - A percentagem da prestação periódica destinada a remunerar a gestão não pode ultrapassar 20% do valor total.

Artigo 23.º

Falta de pagamento da prestação periódica ou de indemnização

1 - O crédito por prestações ou indemnizações devidas pelo titular do direito real de habitação periódica e respectivos juros moratórios goza do privilégio creditório imobiliário sobre este direito, graduável após os mencionados nos artigos 746.º e 748.º do Código Civil e os previstos em legislação especial em vigor nesta data.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é atribuída força executiva, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do artigo 46.º do Código de Processo Civil, no que se refere às prestações ou indemnizações em dívida pelo titular de direito real de habitação periódica e respectivos juros moratórios:

a) Ao contrato de transmissão do direito real de habitação periódica;

b) À certidão do registo predial;

c) À acta da assembleia a que se refere o artigo seguinte;

d) À acta da assembleia geral de titulares que tiver deliberado, por maioria dos votos dos presentes, o valor da prestação periódica devida por cada titular.

3 - Na falta de pagamento da prestação periódica até dois meses antes do início do período de exercício do correspondente direito, o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime do direito real de habitação periódica pode opor-se a esse exercício.

4 - No caso previsto no número anterior, o proprietário pode afectar a unidade de alojamento à exploração turística durante o período correspondente a esse direito, caso em que se considera integralmente liquidada a prestação periódica devida nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 24.º

Alteração da prestação periódica

1 - Independentemente do critério de fixação da prestação periódica estabelecido no título de constituição, aquela pode ser alterada, por proposta da entidade encarregada da auditoria das contas do empreendimento inserida no respectivo parecer, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente às despesas e à retribuição a que se destina e desde que a alteração seja aprovada por maioria dos votos dos titulares presentes em assembleia convocada para o efeito.

2 - À alteração da prestação periódica aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 7.º


SECÇÃO VI

Da administração e conservação do empreendimento

Artigo 25.º

Princípios gerais

1 - A administração e conservação das unidades de alojamento objecto do direito real de habitação periódica, do seu equipamento e recheio e das instalações e equipamento de uso comum do empreendimento incumbem ao respectivo proprietário.

2 - O proprietário pode ceder a exploração do empreendimento, transferindo-se para o cessionário os poderes e deveres a ela ligados, sem prejuízo da responsabilidade subsidiária do proprietário, perante os titulares dos direitos reais de habitação periódica, pela boa administração e conservação do empreendimento.
3 - A cessão de exploração deve ser notificada à Direcção-Geral do Turismo e aos titulares dos direitos reais de habitação periódica, sob pena de ineficácia.


Artigo 32.º

Prestação de contas

1 - A entidade responsável pela administração do empreendimento deve organizar anualmente as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas pagas pelos titulares dos direitos e das dotações do fundo de reserva, elaborar um relatório de gestão e submeter ambos à apreciação da empresa de auditoria ou do revisor oficial de contas a eleger nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 34.º

2 - O relatório de gestão e as contas a que se refere o número anterior serão enviados a cada titular de direitos, juntamente com a convocatória da assembleia geral ordinária, acompanhados do parecer da auditoria.

3 - Os titulares dos direitos reais de habitação periódica ou os seus representantes têm o direito de consultar os elementos justificativos das contas e do relatório de gestão apresentados na assembleia geral.

4 - Não tendo havido a eleição prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 34.º, deve a entidade responsável pelo funcionamento do empreendimento solicitar à Câmara dos Revisores Oficiais de Contas a designação de um revisor, o qual exercerá as suas funções enquanto não for substituído por empresa ou revisor eleitos pela assembleia geral.

Artigo 34.º

Assembleia geral de titulares de direitos reais de habitação periódica

1 - A assembleia geral de titulares de direitos reais de habitação periódica integra todos os titulares daqueles direitos.

2 - Compete à assembleia geral:

a) Eleger o presidente de entre os seus membros, sendo o proprietário do empreendimento inelegível para o cargo;

b) Pronunciar-se sobre o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas e das dotações do fundo de reserva;

c) Apreciar o programa de administração e conservação do empreendimento no regime de direito real de habitação periódica para o ano seguinte;

d) Eleger o revisor oficial de contas ou a empresa de auditoria que apreciará o relatório de gestão e as contas do empreendimento;

e) Aprovar a alteração da prestação periódica nos termos do artigo 24.º;
f) Deliberar sobre qualquer assunto do interesse dos titulares de direitos de habitação periódica.

3 - A assembleia geral é convocada pela entidade responsável pela administração do empreendimento, salvo o disposto no n.º 5.

4 - A assembleia geral deve ser convocada por carta registada, ou por envio de e-mail com recibo de leitura para o endereço electrónico do titular do direito e publicação da convocatória no sítio da empresa na Internet, pelo menos 30 dias antes da data prevista para a reunião, no 1.º trimestre de cada ano, para os efeitos, pelo menos, das matérias referidas nas alíneas b) a d) e f) do n.º 2.

5 - A assembleia geral deve ser convocada pelo presidente sob proposta de titulares de direitos reais de habitação periódica que representem 5 % dos votos correspondentes aos direitos transmitidos.

6 - A assembleia geral delibera qualquer que seja o número de titulares dos direitos presentes ou representados, salvo o disposto no número seguinte.

7 - A assembleia geral convocada nos termos do n.º 5 requer a presença de titulares de direitos que representem, pelo menos, um terço dos votos correspondentes aos direitos reais de habitação periódica constituídos.

8 - O presidente da assembleia geral é eleito por dois anos, renováveis.

Artigo 35.º

Participação na assembleia

1 - Os titulares de direitos reais de habitação periódica podem deliberar em assembleia geral e votar por escrito.

2 - Ninguém poderá representar mais de um décimo dos votos correspondentes aos direitos constituídos, salvo se forem detidos por um único titular.

3 - O proprietário do empreendimento, mesmo quando não seja titular de direitos reais de habitação periódica, ou, tendo havido cessão de exploração, o cessionário devem comparecer na assembleia geral, a fim de prestar as informações solicitadas.

4 - Cada titular de um direito real de habitação periódica tem o número de votos correspondentes ao valor do direito, nos termos estabelecidos no título constitutivo.
5 - O proprietário do empreendimento que seja titular de direitos reais de habitação periódica não dispõe dos votos correspondentes às unidades de alojamento cuja construção não esteja terminada.

6 - O proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração não podem ser representantes dos titulares dos direitos reais de habitação periódica nem votar a alteração da prestação periódica a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo anterior.

7 - As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo o disposto no n.º 1 do artigo 37.º



24. Deste regime consta também que alguns poderes e deveres legais do proprietário do empreendimento passam para a entidade responsável pela sua administração e que alguns dos actos do administrador são levados ao conhecimento dos titulares dos DRHP reunidos em assembleia para seu conhecimento, consulta e pronúncia ou apreciação [sem que desta norma se possa concluir que as referidas matérias não são sujeitas a votação, já que a referida norma tem de ser conjugada com o diploma no seu todo e do art.º 36.º, n.º2 resulta ser devida a votação, por aprovação ou recusa, do relatório de gestão  (2 - Considera-se haver incumprimento da obrigação de administrar designadamente nos seguintes casos: b) Se a assembleia de titulares não aprovar o relatório de gestão do exercício anterior)], o que também se pode considerar aplicável às contas, pois a mesmas mantém uma conexão inequívoca com o relatório de gestão que nelas se encontra fundamentado e as complementará;

- (art.º 34.º, n.º2, alíneas b) e c)  - Pronunciar-se sobre o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas e das dotações do fundo de reserva (b); - Apreciar o programa de administração e conservação do empreendimento no regime de direito real de habitação periódica para o ano seguinte (c).

Enquanto há matérias em relação às quais os titulares dos DRHP são chamados inequivocamente a votar:

- (art.º 34.º, n.º2, alíneas d), e) ou f) -  Eleger o revisor oficial de contas ou a empresa de auditoria que apreciará o relatório de gestão e as contas do empreendimento (d); Aprovar a alteração da prestação periódica nos termos do artigo 24.º (e);
Deliberar sobre qualquer assunto do interesse dos titulares de direitos de habitação periódica
(f.).


A convocação da referida assembleia é também da responsabilidade da entidade responsável pela administração do empreendimento (regra, sujeita à especialidade do n.º 5 do art.º 34.º).

E há indicação clara de estabelecimento de responsabilidade subsidiária do proprietário – art.º 25.º, n.º2 - O proprietário pode ceder a exploração do empreendimento, transferindo-se para o cessionário os poderes e deveres a ela ligados, sem prejuízo da responsabilidade subsidiária do proprietário, perante os titulares dos direitos reais de habitação periódica, pela boa administração e conservação do empreendimento.


Não menos importante é ainda o regime que se reporta à administração do empreendimento na parte correspondente à designação e destituição.

A designação inicial não carece de intervenção dos titulares dos DRHP, por se prever que a administração será do proprietário do empreendimento ou de alguém em favor de quem ceder a exploração.

Mas já a manutenção em funções da referida administração carece de apoio dos titulares dos DRHP, na medida em que se prevê um regime de destituição da administração a despoletar por deliberação dos titulares dos DRHP em assembleia – art.º 36.º e ss:

Artigo 36.º Destituição da administração do empreendimento

1 - Se o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração deixarem de cumprir a obrigação de administração ou houver cumprimento negligente da mesma, podem os titulares deliberar a sua destituição da administração do empreendimento, sem prejuízo da responsabilidade daqueles.

2 - Considera-se haver incumprimento da obrigação de administrar designadamente nos seguintes casos:

a) Se não for convocada a assembleia geral de titulares nos termos previstos no n.º 4 do artigo 34.º;

b) Se a assembleia de titulares não aprovar o relatório de gestão do exercício anterior;

c) Se a entidade responsável pela administração do empreendimento não organizar nem apresentar os documentos referidos nos artigos 32.º e 33.º;

d) Se o proprietário do empreendimento ou o cessionário da exploração não comparecerem na assembleia geral de titulares;

e) Se não for constituído o fundo de reserva previsto no artigo 30.º;

f) Se não for constituída ou se caducar a garantia prevista no artigo 31.º;

g) Se o empreendimento for desclassificado.

Artigo 37.º Processo

1 - O processo de destituição inicia-se em assembleia geral especialmente convocada para o efeito, devendo a deliberação ser tomada por maioria de dois terços dos votos correspondentes aos direitos reais de habitação periódica transmitidos, e só produzindo efeitos depois de decisão do tribunal arbitral, a constituir nos termos dos números seguintes, ou da nomeação judicial prevista no artigo 40.º

2 - O tribunal arbitral é composto por três árbitros, sendo um designado pelos titulares dos direitos reais de habitação periódica, outro pela proprietário e pelo cessionário da exploração, se o houver, e o terceiro pelos árbitros assim designados.

3 - O tribunal arbitral deve, quando tal se justificar, fixar um prazo à entidade administradora para cumprimento das obrigações em falta.

4 - Decorrido o prazo referido no número anterior, se a entidade em causa não tiver cumprido as obrigações impostas pelo tribunal arbitral, este deliberará, de imediato, a destituição daquela e a consequente substituição por uma outra que administrará todo o empreendimento.


25. Neste processo de destituição destaca-se o fundamento relativo ao incumprimento dos deveres do responsável pela administração na sua relação com os titulares dos DRHP.

E é neste ponto – podendo existir outros – que se nos evidencia a íntima ligação entre as funções do proprietário, do responsável pela gestão e a impugnação das deliberações dos titulares dos DRHP, sobretudo quando estiverem em causa deliberações que possam estar relacionadas com os deveres daqueles para com estes (como parece suceder no caso que nos é apresentado no presente recurso, em que se questiona se a entidade responsável pela administração cumpriu as obrigações informativas para com os titulares dos DRHP, convocando-os regularmente para a assembleia, juntando a documentação necessária, esclarecendo as dúvidas suscitadas, sujeitando certos assuntos a votação, e obtendo ou não o voto dos participantes).

Das referidas normas ressalta para nós que o pedido de anulação ou declaração de nulidade de deliberação adoptada em assembleia de titulares deve atender a este conjunto de normas e, em função das deliberações cuja apreciação seja posta em causa, devem estar presentes em juízo aqueles cujo interesse possa ser afectado pela impugnação.

E, por essa razão, tanto pode haver necessidade de a acção ser proposta contra a entidade administradora, como contra o proprietário, dependendo do que a A. pretenda.


26. No caso dos autos, parece-nos que a entidade administradora e o proprietário têm de estar na acção para se poder decidir se os mesmos cumpriram ou não com as obrigações que tinham para com os titulares dos DRHP e que são pressupostos da regularidade do funcionamento e das votações realizadas na assembleia cuja validade se questiona.

Nesse sentido a 1ª R. não é por si própria parte ilegítima, não devendo ser absolvida da instância com esse fundamento, ainda que porventura a absolvição da instância se justifique por preterição de o litisconsórcio (nos presentes autos).


27. E a segunda Ré também deve estar na acção, quer porque proprietária do empreendimento (com responsabilidade subsidiária com a entidade administradora), porque titular de DRHP, dupla qualidade em que foi demandada.

E isto torna-se evidente quando se olha para a PI, onde se contata que a A. pretende questionar a actuação da entidade responsável pela administração do empreendimento:

1.º no que concerne à convocação da assembleia – antecedência; momento temporalmente devido par a sua realização – cf. PI que se transcreve:

18.º Ora, como se pode verificar pelas cópias juntas como Doc.3, a convocatória para a assembleia geral de DRHP do ..., não respeitou o prazo mínimo legalmente estabelecido, quer no que concerne ao prazo da convocatória, ou seja os 30 dias antes da data da sua realização, bem como,

19.º Relativamente ao prazo estabelecido para o efeito das matérias constantes das alíneas a) a d) e f) do nº. 2 do artº.34 do RJHP, apreciação que deve ocorrer no primeiro trimestre de cada ano, o que não se veio a verificar, considerando que a assembleia apenas se realizou no segundo trimestre deste ano, sem que tivesse sido dada qualquer justificação ou fundada razão para a alteração do prazo, violando assim, os requisitos legais para a sua realização, bem como o princípio da igualdade, infringindo a Constituição da Républica Portuguesa e os princípios nela consignados, violando designadamente os arts. 2.º, 13.º, 20.º e 204.º da C.R.P.

2º no que concerne aos deveres de informação e esclarecimento – cf. PI que se transcreve:

21º. Apesar do preceituado no nº. 3 do artº.32 do RJHP estabelecer, quanto à prestação de contas, que: “Os titulares dos direitos reais de habitação periódica ou os seus representantes têm o direito de consultar os elementos justificativos das contas e do relatório de gestão apresentados na assembleia geral.”, não recebeu a A. qualquer resposta da 1ª. R. àqueles pedidos, nem indicação do local onde poderia consultar os elementos justificativos das contas e do relatório de gestão apresentados na assembleia geral;

22.º Deste modo, violou a 1ª.R. o direito legalmente reconhecido à A. no nº. 3 do artº.32º. do RJHP, no que concerne à disponibilização para consulta dos elementos justificativos das contas e dos relatórios de gestão apresentados na assembleia geral, por forma a que esta pudesse votar com conhecimento e de forma esclarecida as matérias propostas e constantes da ordem de trabalhos;

3.º no que concerne ao conteúdo da convocação, invocando omissão de matérias que devem constar da ordem de trabalhos –o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas e das dotações do fundo de reserva” cf. PI que se transcreve:

38.º Ora, como se alcança da convocatória, tal matéria não consta, como deveria, da ordem de trabalhos enviada aos titulares, pelo que também aqui se verifica violação da citada norma legal.

39.º Questionada a 1ª R., pela A., sobre a legalidade de tal omissão, foi pela entidade exploradora justificado que o relatório de gestão e contas nunca era colocado à votação, sendo tal procedimento normal e alegadamente decorrente da lei; interpretação que foi corroborada pelo presidente da mesa da assembleia reeleito vide Doc.6;

40.º Como consta da ata, (doc.6), houve outros titulares que se insurgiram quanto aos custos imputados e aos valores serem significativamente elevados, pelo que, o facto deste ponto não ter sido colocado á votação dos presentes, não tem a assembleia outra forma de se pronunciar e aprovar as contas que não seja por meio de voto,

4.º no que se reporta ao funcionamento da assembleia – o que deve ser deliberado, o que deve ser objecto de informação – cf. PI que se transcreve:

43º. Sendo o relatório de gestão e contas um documento de fundamental importância, no qual consta as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas pagas pelos titulares dos direitos e das dotações do fundo de reserva, não se vislumbra razão para que tal relatório não seja colocado para votação dos titulares de DRHP;

44º.

Salvo melhor opinião, o facto da alínea b) do nº.2 do art.º 34º. do RJHP referir que “compete à assembleia geral pronunciar-se sobre o relatório de gestão e as contas respeitantes à utilização das prestações periódicas e das dotações do fundo de reserva”, não legitima a interpretação de que tal documento esteja subtraído da deliberação dos respetivos titulares, porquanto,

45.º apenas através do exercício do sentido de voto dos respetivos titulares, se pode considerar que a assembleia geral se “pronunciou” sobre matéria que, nos termos da lei, constitui uma competência sua, devendo como tal constar da ordem de trabalhos e ser sujeita a votação.

(…)

49.º Sempre se dirá que o relatório de gestão e contas de 2018 junto à convocatória, mas deliberadamente omitido da apreciação dos titulares, contempla despesas e custos que não podem ser imputadas aos titulares do DRHP, por não configurarem custos que nos termos do 22º e 29º do DL 275/93 de 05/08 devam ser suportados através das prestações periódicas cobradas aos titulares.

(…)

70º Como acima se demonstrou, existem despesas que sendo da exclusiva responsabilidade da entidade exploradora, foram indevidamente imputadas aos titulares de DRHP, tal como existem receitas que tendo sido efetivamente auferidas e que respeitam a serviços e equipamentos comuns (cujos custos são imputados ao DRHP), também deveriam ter sido contabilizadas e não foram.


28. A dúvida seguinte reside em saber se a acção, além de ser proposta contra as duas RR – 1ª e 2ª - também deve ser proposta contra os titulares dos DRHP que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas ou se podem estes ser representados pela entidade que administra o empreendimento, à semelhança do regime do condomínio, aplicando-se analogicamente o regime do art.º 1437.º do CC.

Quanto à parte final da questão cremos que a resposta terá de ser negativa.

A entidade que gere o empreendimento não tem funções equivalentes à do administrador do condomínio, nem interesses equivalentes. É uma entidade com interesses próprios e uma lógica empresarial a prosseguir, como se evidencia no seguinte exemplo: pode justificar que seja da sua conveniência (ou necessidade) uma alteração das prestações a suportar pelos titulares dos DRHP , nomeadamente subindo-as, enquanto a lógica da gestão dos interesses dos titulares dos DRHP será, habitualmente, a de não ver alterado o conteúdo económico do seu direito nem agravadas as suas obrigações.

Isto não exclui que a entidade gestora também tenha deveres de actuação relativos à gestão dos interesses dos titulares dos DRHP, como sejam as relativas ao fundo de reserva e suas dotações:

Artigo 30.º Fundo de reserva

1 - Uma percentagem não inferior a 4% do valor da prestação periódica paga pelos titulares dos direitos reais de habitação periódica deve ser afectada à constituição de um fundo de reserva destinado exclusivamente à realização de obras de reparação e conservação das instalações e equipamentos de uso comum e das respectivas unidades de alojamento, seu mobiliário e equipamento.

2 - Devem reverter ainda para o fundo previsto no número anterior os saldos das prestações periódicas que constem das contas anuais do empreendimento.3 - As quantias que integram o fundo de reserva devem ser depositadas em conta bancária própria.4 - A entidade proprietária ou exploradora do empreendimento deve apresentar à Direcção-Geral do Turismo documento comprovativo de que o fundo de reserva se encontra constituído.

Faz assim sentido que estando em causa assuntos relativos aos interesses dos titulares dos DRHP – como sucede no presente processo na parte relativa às contribuições dos titulares dos DRHP -  mas que também afectam os interesses da entidade exploradora do empreendimento (e, por via da responsabilidade subsidiária, a proprietária) para a apreciação da validade da deliberação que aprovou o aumento das contribuições dos titulares dos DRHP estejam na acção os sujeitos que a aprovaram, podendo contrapor a sua posição ao sujeito que votou contra e  aqui impugna a deliberação, em conjunto com a entidade exploradora e com o proprietário – a relação material controvertida abrange todos estes sujeitos, no modo como vem configurada pela A. e pela lei, impondo-se o respeito pelo litisconsórcio passivo.


Por outro lado, não encontramos na lei nenhuma alusão que permita concluir que a entidade administradora do empreendimento tem funções representativas – em sentido próprio ou impróprio – dos titulares dos DRHP.

Quer isto dizer que as regras do regime condominial não podem ser aplicadas sem as necessárias adaptações ao regime da impugnação das deliberações aqui em causa, não sendo de aplicar o regime do art.º 1437.º do CC (nem na sua versão actual, nem na interpretação que anteriormente se fazia do mesmo), mas o quadro geral da legitimidade no âmbito da relação material controvertida configurada pela A.

No regime do condomínio a administração tem um regime e lógica diferente: é uma administração repartida entre assembleia de condóminos e um administrador; o administrador é eleito e exonerado pela assembleia de condóminos (art.º 1435.ºCC); dos actos do administrador cabe recurso para a assembleia de condóminos (art.º 1438.ºCC); a assembleia tem competências próprias de administração e o administrador também.


E não podemos esquecer ainda que o condomínio tem capacidade judiciária (art.º 12.º do CPC) e não há norma equivalente para a situação jurídica dos titulares dos DRHP, provavelmente porque não há equivalência entre as figuras jurídicas em causa.

Já os titulares de DRHP não gozam de capacidade judiciária, nem a sua “organização” tem personalidade jurídica ou constitui património autónomo, o que coloca problemas na sua participação como parte em juízo, não podendo aplicar-se o regime da representação (art.º 157.º e 163.º do CC – para as pessoas colectivas em geral e art.ºs 25.º e 26.º do CPC), o que reforça a ideia de que têm de ser demandados os titulares dos DRHP que aprovaram uma deliberação contra a qual se pretende reagir, por contrariedade à lei.

E nessa demanda o “efeito útil normal” a que se reporta o art.º 33.º do CPC implica que a acção seja proposta contra todos os que votaram favoravelmente[1], porquanto sendo demandados apenas alguns dos titulares a decisão que porventura anulasse ou declarasse nula a deliberação não seria oponível aos demais titulares não demandados, não se alcançando assim o desejado efeito de a deliberação ser válida ou inválida para todos.


Isso não exclui que se possa admitir recorrer a certos aspectos do regime do condomínio para regular situações não especificamente previstas na lei do direito real de habitação periódica, mas tão aplicação não será automática, nem total, e deve ponderar a existência de lacuna e a analogia entre situações, ou resultar da lei – como decorre do regime legal em análise onde se prevê no art.º 40.º, no n.º2:

 “A acção para nomeação do administrador judicial deve ser proposta contra o proprietário do empreendimento e o cessionário da exploração, se exitir, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o processo previsto para a nomeação de administrador na propriedade horizontal.”

 

Considerando o acima exposto, no caso dos autos há uma clara ilegitimidade passiva por não terem sido demandados os titulares dos DRHP que aprovaram a deliberação aprovada, pelo menos quanto ao ponto 5) da convocatória da assembleia.

A discussão sobre se o aumento dos encargos é justificado (nos termos que foi aprovada) é inerente à relação controvertida na presente acção, tendo interesse em nela intervir todos aqueles que podem por ela ser afectados, nomeadamente os que a votaram favoravelmente, porquanto têm uma posição oposta à da A. e acompanham a posição proposta pela entidade administradora do empreendimento.

Advogados assim a necessidade de todos serem demandados, com fundamento na mesma lógica referida no acórdão recorrido ao afirmar:

“É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – cfr. art. 33.º n.º 2 do CPC. A decisão produz esse efeito sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado – cfr. art. 33.º n.º 3 do CPC.

«Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.

A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcela.»13[2]


Num certo sentido a presente acção de condenação comporta as duas vertentes referidas por FF e GG, no CPC Anotado, vol. 1.º, p 78. (citado pelo ...) – a anulação ou declaração de nulidade da deliberação tem também em vista uma situação típica da acção de simples apreciação de facto, onde a posição do administrador do empreendimento e do proprietário não podem deixar de intervir, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar – art.º 33.º, n.º2 do CPC – não podendo produzir o seu efeito útil normal sem todos, por não poder regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado sem a intervenção de todos, através da correspondente citação.


29. A posição adoptada - neste tribunal e no recorrido – em nada é afectada pela decisão adoptada em outro processo (716/20....) com decisão proferida também no Tribunal da Relação ..., com as mesmas partes e com questões idênticas - ao contrário do indicado pelo recorrente, em face do teor da certidão que juntou.

Aí se constata (é certo) o trânsito em julgado da decisão e que esta foi proferida conhecendo do mérito da acção na qual são partes LUNAHOTEIS - EMPREENDIMENTOS E INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A., autora, e RR, CASTIOURA, LDA. e SOIMAGE – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA E CONSTRUTORA, LDA.

Também daí resulta que não se suscitou especificamente o problema da ilegitimidade.

Naquela decisão as questões tratadas encontram-se assim elencadas pelo Tribunal:

“Questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC:

1.ª Questão – Saber se deve ser aditada matéria (recurso da A e RR); se devem ser alterados os factos 48.º, 50.º, 51.º provados e vii) não provado (recurso da A) e se deve ser alterado para não provado o facto 21.º dado como provado (recurso das RR).

2.ª Questão - Saber se a anulação da anterior deliberação de 2019 se repercute na deliberação de 2020, tomada no ponto 6) da Assembleia de titulares de DRHP de 16.06.2020, inquinando inapelavelmente a sua validade (recurso da A).

3.ª Questão – Saber se as transmissões dos certificados prediais correspondentes a 350 semanas de SRHP, endossados pela R Soimage são nulas, por falta de formalidades do reconhecimento de assinaturas;

4.ª Questão – Saber se as transmissões dos certificados prediais correspondentes a 350 semanas de SRHP, endossados pela R Soimage são nulas, por simulação absoluta (recurso da A).

5.ª Questão – Saber se foi cumprido o dever de informação previsto no n.º 3 do art.º 32.º do RJHP e por isso é válida a deliberação sob o ponto 3) (recurso das RR).

6.ª Questão – Saber se o facto de não ser submetido a votação na Assembleia o “programa de administração e conservação” determina ou não a invalidade da deliberação sob o ponto 4) (recurso das RR).

E o resultado da análise das questões foi no sentido da improcedência, salvo a alteração da matéria de facto, não havendo qualquer referência a possível ilegitimidade processual.

Nesta perspectiva entre o actual processo e o relativo ao n.º 716/20.... não se pode equacionar uma contradição jurisprudencial no sentido imposto pela lei – identidade de questão jurídica relevante, no âmbito da mesma legislação, com identidade fáctica e decisões opostas.


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, nega-se a revista, mantendo-se a decisão recorrida mas com fundamentos diversos, o que envolve a absolvição das RR. da instância, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, sendo as custas da responsabilidade da recorrente.


Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

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[1] Correspondendo ao litisconsórcio natural, no sentido apontado por A. Varela/ J. Bezerra/ S. Nora, Manual de processo civil, 2ºEd, 1985, p. 166-168.
[2] Na nota 13 vem citado: CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. 1.º, p 78, correspondendo na 4ª edição, consultada, à p. 99.