Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
487/09.6TBOHP.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO AUTOMÓVEL
NULIDADE DO CONTRATO
FALSAS DECLARAÇÕES
OPONIBILIDADE
VEÍCULO AUTOMÓVEL
PROPRIETÁRIO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL / FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA ( EFEITOS DA SENTENÇA ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 428.º, 429.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 581.º, N.º 1, E 619.º, N.º 1.
DECRETO-LEI Nº 4522/85, DE 31 DE DEZEMBRO (POSTERIORMENTE REVOGADO PELO DECRETO-LEI Nº 291/2007, DE 21 DE AGOSTO).
LEI DO CONTRATO DE SEGURO – DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL: - ARTIGOS 2.º, 6.º, N.º2, AL. A).
REGIME DO SEGURO OBRIGATÓRIO PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, D.L. N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGOS 2.º, N.º2, 14.º, 21.º, N.º 1, E 25.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14 DE NOVEMBRO DE 2006, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 06A3465, DE 31 DE MAIO DE 2011, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 2693/07.9TBMTS.P1.S1, DE 21 DE JANEIRO DE 2014, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 718/04.9TJVNF.P1.S1, E DE 5 DE MARÇO DE 2015, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 2007/09.3TVPRT.P1.S1.
-DE 30 DE OUTUBRO DE 2007, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07A3428.
-DE 20 DE JANEIRO DE 2010, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 471/2002.G1.S1.
-DE 1 DE MARÇO DE 2014, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 4739/03.0TVLSB.L2.S1.
Sumário :
I - A sentença que declara nulo um contrato de seguro, no âmbito de uma acção proposta pela seguradora contra o segurado em virtude de falsas declarações prestadas à data da proposta contratual, não tem força de caso julgado nem contra o FGA, nem contra o réu P, os quais não foram partes no referido processo – arts. 581.º, n.º 1, e 619.º, n.º 1, do NCPC (2013).

II - Tendo o acidente dos autos ocorrido em 05-08-2005 é-lhe aplicável o regime do seguro obrigatório para a responsabilidade civil automóvel, definido pelo DL n.º 522/85, de 31-12, conjugado com os arts. 428.º e 429.º do CCom.

III - O seguro pode ser validamente contratado por quem não é proprietário da coisa segurada (cfr. arts. 428.º do CCom e art. 2.º, n.º 2, do DL n.º 552/85).

IV - Não obstante, o mesmo será nulo se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tiver interesse na coisa segurada (§1 do art. 428.º do CCom).

V - Tendo resultado provado que o tomador do seguro automóvel, que declarou ser proprietário do veículo, apenas o fez para conseguir que o verdadeiro proprietário (o réu P) pagasse um prémio inferior ao que lhe competiria pagar, sendo tal do conhecimento deste, bem como do agente de seguros, é manifesto que o tomador não tinha qualquer interesse no veículo seguro.

VI - A nulidade do contrato, diferentemente da anulabilidade, é oponível ao lesado, porque contemporânea à celebração do contrato – art. 14.º do DL n.º 522/85.

VII - Sendo nulo o contrato de seguro automóvel, o FGA responde perante o lesado, ficando sub-rogado nos direitos deste perante o responsável, nos termos dos arts. 21.º, n.º 1, e 25.º do DL 522/85.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. O Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, instaurou uma acção contra AA, Seguros Gerais, S.A. e BB, pedindo que se declarasse “válido e eficaz” o contrato de seguro titulado pela apólice que identifica, celebrado com a primeira ré, e que se condenasse a mesma ré no pagamento de € 213.691,38, acrescido de despesas de gestão, em montante a liquidar, e de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pediu que fosse condenado o segundo réu.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter adiantado a CC, lesado num acidente provocado por culpa exclusiva do segundo réu, a quantia de € 120.000,00, a título de indemnização que a primeira ré se recusou a pagar, invocando a invalidade do contrato de seguro ao abrigo do qual fora chamada a proceder a essa indemnização. Pretende agora o correspondente reembolso, bem como de diversas “despesas hospitalares, de transporte e de fisioterapia” e outras, que discrimina.

Ambos os réus contestaram. AA – Seguros Gerais, SA, pronunciou-se sobre os factos alegados e invocou a prescrição de “qualquer direito indemnizatório do A.” contra si. Afirmou ainda que o contrato de seguro em causa – celebrado com DD, cunhado do segundo réu e que se identificou “como proprietário e condutor habitual do veículo seguro” – era nulo, por ter sido celebrado na sequência de declarações falsas do tomador, quer quanto à efectiva propriedade do veículo, quer quanto à identidade do seu condutor habitual (o segundo réu, na realidade).

BB invocou ser parte ilegítima e veio dizer que, quando se dirigiu à seguradora para contratar o seguro, tinha sido aconselhado a fazê-lo em nome de terceiro, titular de licença de condução há mais tempo, para beneficiar de um prémio de valor mais baixo; que forneceu os documentos relativos ao veículo; que o mediador de seguros da AA através do qual o contrato foi celebrado sabia da divergência, não podendo agora esta companhia vir invocar a nulidade do contrato que aceitou: “a seguradora fez crer ao 2º R. que os termos do contrato eram adequados à cobertura dos mesmos, em caso de acidente”.

Quanto ao acidente, sustentou que o único responsável fora o condutor do motociclo que colidira com o veículo que conduzia, nos termos que descreve.

O autor replicou

No despacho saneador, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição e julgou-se o segundo réu parte legítima.

Pela sentença de fls. 449, decidiu-se não se verificar a prescrição oposta pela ré AA, que foi condenada a pagar ao autor a quantia de € 68.343,45, com juros de mora a contar da citação e até integral pagamento. O segundo réu foi absolvido do pedido.

Interessa agora lembrar especificamente que a sentença considerou aplicável ao caso o regime decorrente do artigo 429º do Código Comercial e 14º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, vigentes à data do sinistro: “Na compaginação destas disposições, a jurisprudência inclinou-se de modo praticamente uniforme sustentando uma posição que releva em dois aspectos: em primeiro lugar, a “nulidade” prevista no artigo 429º do Código Comercial é, na realidade, uma simples anulabilidade, que, em segundo lugar, é inoponível aos lesados”; que as declarações inexactas, se tiverem sido determinantes do contrato tal como foi celebrado, o tornam anulável; que se encontra amplamente consagrado, nos regimes de seguro obrigatório, o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, de que resulta que só a nulidade do contrato de seguro pode ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado art. 14º do dec-lei 522/85, e não já a anulabilidade; e que «independentemente da questão de saber se a ré “AA – Seguros Gerais, S.A.” podia efectivamente anular o contrato de seguro – questão que foi resolvida em acção intentada pela ora ré “AA – Seguros Gerais, S.A.” contra o tomador do seguro, sem que, todavia, vincule o ora réu BB e o autor –, sempre se deverá concluir pela inoponibilidade do vício em relação ao lesado e, por efeito da sub-rogação de que goza o autor, também em relação a este.»

Mas a Relação revogou a sentença. Alterou parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e condenou o segundo réu “BB a satisfazer ao A./Apelado Fundo de Garantia Automóvel o valor de €68.343,45, com juros à taxa legal, contados desde a citação deste R. até integral pagamento”, com o fundamento de que a anulabilidade do contrato, por “inexactidão dolosa quanto à identidade do condutor habitual”, é oponível ao Fundo de Garantia Automóvel.

2. O Fundo de Garantia Automóvel recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«1. No dia 5 de agosto de 2005, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro com a  matrícula …-…-BM e o ciclomotor de matrícula 02-LRS-…-....

2. O veículo BM era, à data do embate, propriedade de BB, sendo por si também conduzido

3. O ciclomotor LRS era conduzido por CC.

4. O Fundo de Garantia Automóvel satisfez a CC indemnização compensatória dos danos decorrentes do mencionado acidente de viação, satisfação essa que havia declinada pela AA – SEGUROS GERAIS, S.A, com invocação de invalidade do contrato de seguro e decorrente de alegadas falsas declarações prestadas no momento da respectiva contratação quanto à identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo.

5. O ressarcimento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel ao sinistrado foi efectuado no pressuposto da culpa exclusiva do condutor do veículo sobre o qual recaiam as dúvidas a propósito da validade do seguro e ao abrigo da figura do fundamento do conflito, nos termos do disposto no artigo 21.°, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

6. Veio assim, nos presentes autos, o Fundo de Garantia Automóvel demandar a AA – SEGUROS GERAIS, S.A. (1.a Ré) e BB (2.° Réu), pedindo a condenação da Primeira ao pagamento (em rigor reembolso) das quantias despendidas com a regularização do sinistro e, subsidiariamente, caso não se viesse a julgar o seguro válido e eficaz, a condenação do Segundo ao pagamento (reembolso) das mesmas quantias.

7. Realizado o julgamento, veio o Tribunal de Primeira Instância, na sua D. Sentença de fls. 449, e em suma (1.a) confirmar a dinâmica do acidente alegada pelo Fundo de Garantia Automóvel, (2.) julgar improcedente a excepção da prescrição, (3.°) entender como inoponível ao direito invocado pelo Fundo de Garantia Automóvel a questão da invalidade do seguro e (4.°) fixar o valor indemnizatório devido.

8. Em conformidade, foi o Segundo Réu absolvido do pedido contra si formulado e a Primeira Ré condenada a pagar ao Fundo de Garantia Automóvel a quantia de € 68.343,45, acrescida dos correspondentes juros moratórias contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

9. Inconformada, veio a Segunda Ré AA apelar junto do Tribunal da Relação de Coimbra, apelação essa assente em três aspectos, a saber, (1.°) erro de julgamento quanto à matéria de facto relacionada com a celebração do contrato de seguro, (2.°) prescrição do direito invocado pelo Fundo de Garantia Automóvel e (3.°) oponibilidade da anulação do contrato de seguro a terceiros, incluso o Fundo de Garantia Automóvel, sub-rogado nos direitos do lesado.

10. Veio o Tribunal da Relação de Coimbra a proferir D. Acórdão de 10.02.2015, o qual julgou procedente o recurso e aí decidindo, em suma, alterar o julgamento dos factos relacionados com a celebração do contrato de seguro e julgar oponível ao Fundo de Garantia Automóvel os efeitos da anulação do contrato de seguro automóvel determinada pelas falsas declarações prestadas aquando da sua celebração.

11. Não tendo a ora recorrente instância que lhe permita colocar em causa a bondade e os fundamentos de tal julgamento, face ao poder meramente residual da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em revista, no âmbito da matéria de facto (cfr. artigo 674.°, n.º 3 do CPC), entende ainda assim que tal alteração do julgamento dos factos é inócua face às questões de direito objecto da presente revista, a saber, a da natureza jurídica do vício de nulidade referido no artigo 428. ° do Código Comercial e a da inoponibilidade a terceiros das excepções contratuais do contrato obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nos termos do disposto no artigo 14.0 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

12. Pois, quer nas versões ante e pós alteração dos factos provados pelo Tribunal da Relação, temos como assente um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com base em informações falsas quanto à propriedade de condutor habitual do veículo seguro e uma acção judicial proposta pela aqui recorrida AA contra o indicado proprietário e condutor do veículo segurado, DD – acção na qual o ora Recorrente não foi, pois, parte – com vista à obtenção de nulidade do contrato de seguro, a qual veio a ser julgada extinta por confissão do pedido por parte do aí indicado Réu.

13. A alteração factual operada pelo Tribunal da Relação relaciona-se com a autoria da iniciativa na prestação de declarações falsas e com o momento do conhecimento da seguradora relativamente à falsidade das ditas declarações, aspectos que, com todo o respeito não interferem nas questões de direito ora em discussão.

14. Com efeito, tendo o acidente ora em apreço ocorrido em 5 de Agosto de 2005, é aplicável o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel imposto pelo Decreto-Lei n." 522/85, de 31 de Dezembro, tendo em consideração que o direito de indemnização nasce com a ocorrência do facto que lhe dá causa, ou seja, o acidente.

15. Encontrava-se então também ainda em vigor o artigo 429.° do Código Comercial, o qual dispunha que "Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo".

16. A problemática relacionada com a natureza do vício referido no artigo 429.° do Código Comercial tem sido amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência, reunindo consenso o entendimento dominante segundo o qual aquela "nulidade" não é uma nulidade em sentido próprio, como hoje é entendida, mas antes uma mera anulabilidade, resultando tal equívoco etimológico de uma imperfeição terminológica que também viciava o Código Civil de Seabra, quando se estabelecia a distinção doutrinal entre nulidade absoluta e nulidade relativa.

17. Ainda a sustentar este entendimento, revela a circunstância de, presentemente, o vício da anulabilidade se encontrar ligado à emissão de declarações inexactas ou reticentes e à invalidade dos negócios decorrentes de vício na formação da vontade (cfr. artigos 247.°,251.°,252.°,254.°,256.° e 257.° do Código Civil).

18. Donde resulta que as inexactidões, ainda que dolosas, das declarações comunicadas à Seguradora poderiam, quanto muito, determinar a anulabilidade do contrato, mas não a sua nulidade.

19. Surgindo igualmente como irrelevante neste aspecto – e com todo o respeito – a circunstância da Seguradora ter, numa outra acção, pugnado pela nulidade do contrato de seguro, acção essa extinta em virtude de confissão do ali Réu.

20. Desde logo, nem o ora Recorrente Fundo de Garantia Automóvel nem o 2.° Réu BB foram parte na indicada acção judicial.

21. Por outro lado, ainda que se admitisse que a extinção da referida instância or confissão do pedido por parte do Réu equivaleria a uma pronúncia judicial de nulidade do contrato – o que não é líquido – tal pronuncia não produziria mais do que caso julgado formal e restrito ao litígio e às partes naqueles autos, nos termos do disposto no artigo 620.°, n.º 1 do CPC, sendo evidente que jamais vincularia o ora Recorrente Fundo de Garantia Automóvel ou o aqui 2. o Réu BB.

22. A tudo isto acresce a determinação da norma do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Janeiro, nos termos da qual "Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas na presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro "

23. Quer isto dizer que, nos contratos de seguro que tenham por objecto cobertura de riscos sujeitos ao regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora não pode invocar perante os lesados quaisquer exclusões ou anulabilidades não previstas no mesmo Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (Lei do Seguro Automóvel Obrigatório então em vigor), estando-lhe vedado opor-lhes qualquer anulabilidade prevista em qualquer outra lei ou norma jurídica geral ou especial.

24. A instituição do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tem em vista, como medida de relevante alcance social, a protecção directa dos legítimos interesses e direitos dos lesados em consequência de acidentes de viação, o que postula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora, vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais.

25- Tal inoponibilidade de eventuais vícios do contrato de seguro opera igualmente a favor do Fundo de Garantia Automóvel, o qual, por efeito da sub-rogação de que goza a partir do momento em que assume o ressarcimento dos danos decorrentes de acidente de viação, assume idêntica posição à do lesado (cfr. disposições conjugadas dos artigos 21.°, n.º 5 e 25.0 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro).

26. Com todo o devido e merecido respeito, o D. Acórdão recorrido – ao entender que as falsas declarações prestadas à Ré Seguradora, acerca da identidade do proprietário e condutor habitual do veículo, aquando da celebração do respectivo contrato, o enfermam de vício que conduz à sua nulidade (ou anulabilidade), vício esse oponível ao ora recorrente Fundo de Garantia Automóvel, sub-rogado nos direitos do lesado - procedeu a uma errada interpretação das normas dos artigos 429.° do Código Comercial e 14.° do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

27. Sempre com todo o respeito, melhor andou o Tribunal de Primeira Instância, o qual, na sua D. Sentença de fls... , de forma clara e assertiva, identificou as duas querelas em apreço – a da natureza jurídica do vício referido no artigo 429.º do Código Comercial e a da inoponibilidade dos vícios imputáveis ao contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel aos terceiros lesados – decidindo de acordo com aquele que tem sido um entendimento reiterado e consolidado da doutrina e da jurisprudência nesta matéria e, em consequência, reconhecendo o direito do Fundo de Garantia Automóvel, sub-rogado nos direitos do lesado, a ser reembolsado pela Seguradora com quem foi contratada a transferência do risco decorrente da circulação do veículo – ainda que assente em vicio na formação da vontade ou sobre o objecto – dos montantes que desembolsou na regularização do sinistro ao abrigo da figura do fundado conflito, nos termos do disposto no artigo 21.°, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro,

O Tribunal a quo procedeu assim a uma errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 429.° do Código Comercial e 14.° do Decreto-Lei n." 522/85, de 31 de Dezembro, em sentido oposto ao que havia sido decidido na D. sentença de Primeira Instância. Sendo este erro de interpretação e aplicação de lei substantiva por parte do Tribunal a quo que fundamenta a presente revista (cfr. artigo 674.º, n.º 1, al. a) do CPC).»


A ré AA – Seguros Gerais, SA, contra-alegou, sustentando a correcção do acórdão recorrido.


O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.


3. Vem provado o seguinte (indica-se a matéria provada e não provada em 1ª Instância e as alterações introduzidas na Relação), mas apenas na parte em que releva para o presente recurso, no qual não estão em causa, nem as circunstâncias ou as causas do acidente, nem os danos dele resultantes:

«1. No dia 5 de agosto de 2005, pelas 13.30 horas, na Rua …, na povoação de …, concelho de Oliveira do Hospital, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro misto de marca e modelo Ford Transit, com a matrícula …-…-BM, e o ciclomotor de matrícula 02-LRS-…-... [alínea A)].

2.O veículo BM era, à data do embate, propriedade do R. BB, sendo por si também conduzido [alínea B)].

3.O veículo BM foi vendido à sociedade ‘EE, Ldª’, na data de 17 de Janeiro de 2005 [alínea C)].

4.Por sua vez, a referida sociedade vendeu o veículo BM a FF, a 19 de Fevereiro de 2005, residente em …, em Seia, o qual, por sua vez, o vendeu ao réu BB [alínea D)].

5.O R. BB era proprietário do veículo BM, desde a data da celebração do seguro com a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’, à data de 23 de Junho de 2005 [alínea E)].

6.O veículo LRS era propriedade de CC, sendo por si conduzido [alínea F)].

7.Por contrato titulado pela apólice nº …, DD transferiu para a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do BM, com o limite de €600.000,00 [alínea G)].

(…)

9. Em Maio de 2006, a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ propôs uma acção contra DD, com vista à obtenção da declaração de nulidade do presente contrato, por falsas declarações prestadas à data da proposta contratual, e com vista à condenação daquele a pagar o montante do prémio seguro [alínea I)], a qual veio a ser julgada extinta por confissão do pedido por parte do aí réu.

(…) 57.A 5 de agosto de 2008, o A. pagou a CC o valor de €120.000,00 [ponto 55º].

58. Este recebeu, enquanto subsídio de doença, por todo o tempo de enfermidade decorrente do embate referido em 3.1.1, por parte da Segurança Social, a quantia de €927,98 [ponto 56º].

59. O A. pagou ao Centro de Medicina de Reabilitação …, onde o lesado esteve internado, a quantia de €16 663,92 [ponto 58º].

60.À Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários …, a qual transportou o lesado para os hospitais e fisioterapia, o autor pagou a quantia de €3,207,50 [ponto 59º].

61. Ao Centro Médico …, o qual realizou os exames médico-legais ao lesado, o autor pagou a quantia de €120,00 [ponto 60º].

62. O A. suportou ainda as quantias referentes aos salários que o lesado auferiria pelo tempo em que esteve incapacitado para o trabalho, e despesas médicas e medicamentosas directamente suportadas por ele, no valor global de €7.152,03 [ponto 65º].

63. O R. BB, a partir da aquisição do veículo BM, conduzia-o nas suas deslocações, abastecia-o com o necessário combustível e demais consumíveis, celebrando e pagando o respectivo contrato de seguro de responsabilidade civil [pontos 66º a 68º].

64. O tomador do seguro, DD, assinou e entregou à R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ a proposta de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil do automóvel ligeiro de passageiros de marca e modelo Ford Transit, matrícula …-…-BM, com o nº …, destinada a vigorar a partir de 23 de Junho de 2005, proposta que foi previamente preenchida pelo agente de seguros [ponto 72º].

65. Naquela proposta, DD identificou-se perante a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ como proprietário e condutor habitual do veículo BM [ponto 73º].

66. No contrato de seguro, onde consta como tomador de seguro DD, foi indicada como data de nascimento 24 de Fevereiro de 1981 e como data de emissão da licença de condução 11 de Março de 2002 [ponto 74º].

67. A data em que o R. BB obteve a carta de condução não lhe permitiria beneficiar de um bónus no pagamento do prémio comercial [ponto 75º].

68. 1ª instância: O R. BB dirigiu-se à R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’, com vista à outorga de um contrato de seguro, tendo sido aconselhado a fazer o seguro em nome de uma terceira pessoa, que tinha licença de condução há mais tempo, para poder baixar o valor do prémio de seguro [ponto 78º].


Alterado pela Relação para:

68. O R. BB dirigiu-se à R. AA, com vista à outorga de um contrato de seguro, respeitante ao veículo com a matrícula …-…-BM, tendo sido informado pelo agente de seguros, GG, que se esse seguro fosse feito em nome de uma outra pessoa, com carta de condução há mais de dois anos, o prémio a pagar baixaria muito consideravelmente nesse valor.


69. O R. BB fez-se acompanhar dos documentos da viatura e da declaração de venda do veículo, os quais foram entregues ao agente de seguros que trabalhava com a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ [ponto 79º].

70. O formulário da apólice foi preenchido pelo agente de seguros com base nos referidos documentos, na presença do R. BB e do seu cunhado [pontos 80º, 81º].

71.1ª Instância: O agente de seguros sabia que o proprietário do veículo era o R. BB e que este seria também o condutor do veículo, sendo o seu cunhado apenas o tomador do seguro [ponto 82º].


Alterado pela Relação para:

71. Aquando da celebração do contrato de seguro, nos termos indicados em 69 e 70, o agente de seguros, GG, sabia ser o R. BB o proprietário do veículo …-…-BM e, também, o condutor habitual do mesmo, e não o cunhado do referido R., DD.


72. R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ enviou, em 1 e 2 de Setembro de 2005, a DD, duas cartas, nas quais declarou a nulidade do contrato de seguro, com base em falsas declarações prestadas à data da proposta contratual [ponto 91º].

A Relação acrescentou ainda o seguinte, alterando os factos julgados não provados em 1ª Instância:

           

73. [10] O R. BB convenceu o seu cunhado a contratar com a R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’, fazendo crer que o seu cunhado era o condutor habitual do veículo.

74 [17] Só as diligências de averiguação do sinistro permitiram à R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ tomar conhecimento dos factos referidos em 3.1.64 a 3.1.66 e 3.2.10.


Factos considerados não provados na sentença:

(…) 4. O A. pagou à Santa Casa da Misericórdia de … a despesa médica com o lesado de €334,97 [ponto 57º].

5. Ao Centro de Saúde de Oliveira do Hospital a quantia de €139,80 [ponto 61º].

6. Aos Hospitais da Universidade de Coimbra a quantia de €10.669,54 [ponto 62º].

7. À ‘HH Portugal, S.A..’, pelos serviços de peritagens efectuados, a quantia de €53,24 [ponto 63º].

8.Ao “Centro Médico …”, pelas sessões de fisioterapia perpetradas em CC, a quantia de €400,00 [ponto 64º].

9. Foi o R. BB quem, a partir da sua aquisição, suportou o imposto de circulação, assegurou a inspecção periódica obrigatória e proveu à higiene, manutenção e reparações do BM [pontos 69º a 71º].

10. O R. BB convenceu o seu cunhado a contratar com a ré ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’, fazendo crer que o seu cunhado era o condutor habitual do veículo [pontos 76º, 77º]. [alterado na Relação para provado]

(…) 17. Só as diligências de averiguação do sinistro permitiram à R. ‘AA – Seguros Gerais, S.A.’ tomar conhecimento dos factos referidos em 3.1.64 a 3.1.66 e 3.2.10 [ponto 90º]. [alterado na Relação para provado]

18. DD recebeu as cartas referidas em 3.1.72.

4. O recorrente coloca neste recurso as seguintes questões:

– Inoponibilidade ao recorrente da sentença proferida na acção de declaração de nulidade do contrato de seguro dos autos, proposta pela seguradora AA contra o tomador do seguro, DD;

– Regime legal aplicável ao contrato de seguro dos autos, tendo em conta a data do acidente;

– Inoponibilidade ao recorrente e ao lesado de eventual anulabilidade do contrato de seguro, decorrente de declarações inexactas do tomador do seguro, tratando-se de seguro obrigatório.


5. Antes de mais, cumpre recordar o seguinte:

– Estão em causa duas ordens de questões, que poderão ter respostas diferentes quanto à oponibilidade ao segurado de vícios do contrato de seguro: (1) saber qual o valor de um contrato feito por pessoa diferente do proprietário do veículo, estando provado que essa pessoa não tem nenhum interesse “na cousa segurada”, como se diz no § 1º do citado artigo 428º do Código Comercial; (2) saber qual é o valor de um contrato de seguro para cuja celebração o tomador fez declarações falsas ou inexactas quanto à propriedade do veículo e ao seu condutor habitual, sendo essas declarações determinantes da celebração do contrato, nos precisos termos em que o foi;

– Está exaustivamente tratada a questão de saber se, quando o artigo 429º do Código Comercial dispõe que as declarações inexactas tornam nulo o contrato de seguro, deve ou não considerar-se que se trata, na terminologia posterior ao Código Civil de 1966, de casos de anulabilidade, tendo em conta os interesses que a concreta invalidade prossegue. Em abstracto, esta distinção é relevante para a questão que agora interessa, porque o artigo 14º do Decreto-Lei nº 522/85 distingue entre a nulidade e anulabilidade do contrato de seguro, considerando aquela oponível e estabelecendo que só as anulabilidades nele previstas são oponíveis (cfr., por todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06A3465, de 31 de Maio de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 2693/07.9TBMTS.P1.S1, de 21 de Janeiro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 718/04.9TJVNF.P1.S1, e de 5 de Março de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 2007/09.3TVPRT.P1.S1, embora neste estivesse em causa o conjunto normativo formado pelos artigos 425º a 462º do Código Comercial e pelo Decreto-Lei nº 291/07, de 21 de Agosto, em particular o seu artigo 22º, “de conteúdo praticamente idêntico” ao do artigo 14º do Decreto-Lei nº 522/85, sendo portanto plenamente aplicáveis as considerações ali expendidas).


6. Sabe-se que, em Maio de 2006, a recorrida AA – Seguros Gerais, S.A “propôs uma acção contra DD, com vista à obtenção da declaração de nulidade do presente contrato, por falsas declarações prestadas à data da proposta contratual, e com vista à condenação daquele a pagar o montante do prémio seguro [alínea I)], a qual veio a ser julgada extinta por confissão do pedido por parte do aí réu” (ponto 9. dos factos provados). Sabe-se ainda que, em consequência dessa confissão, o contrato foi declarado nulo (cfr. cópia junta a fls. 201).

Mas esta sentença não tem força de caso julgado, nem contra o autor Fundo de Garantia Automóvel, nem contra o réu BB, que não foram partes no referido processo – e cuja situação jurídica seria manifestamente afectada se o caso julgado os vinculasse, determinando o sentido da decisão a proferir na acção agora em apreciação (actuais artigos 581º, nº 1 e 619º, nº 1, do Código de Processo Civil, correspondentes aos artigos 498º, nº 1 e 671º, nº 1 do Código de Processo Civil em vigor à data da sentença homologatória da confissão do pedido).


7.   O acidente que está em causa neste processo ocorreu em 5 de Agosto de 2005. É-lhe pois aplicável o regime do seguro obrigatório para a responsabilidade civil automóvel definido pelo Decreto-Lei nº 4522/85, de 31 de Dezembro (posteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto), conjugado comos artigos 428º e 429º do Código Comercial (também revogados pelo artigo 6º, nº 2, a) da Lei do Contrato de Seguro – Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril; veja-se aliás o respectivo artigo 2º, que disciplina a sua aplicação no tempo). Aliás, não há divergência quanto à determinação da lei aplicável, nem entre as partes, nem entre as instâncias.


8. Vem provado que o tomador do seguro, DD (ponto 7. Dos factos provados), não era proprietário do veículo automóvel que, conduzido por BB, se viu envolvido no acidente dos autos, embora tenha declarado perante a ré AA que tinha essa qualidade (pontos 2, 65, 66 dos factos provados).

Ora sabe-se que o seguro pode ser validamente contratado por quem não é proprietário da coisa segurada – artigo 428º do Código Comercial e, especificamente para o seguro automóvel obrigatório, nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 522/85.

No entanto, e ainda de acordo com o disposto no § 1º do mesmo artigo 428º, “se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo”.

Ora a prova feita nestes autos é absolutamente clara quanto ao motivo que levou o tomador do seguro a contratar, declarando ser o proprietário do veículo, com conhecimento do verdadeiro proprietário (BB) e do agente de seguros: conseguir que BB pagasse um prémio inferior ao que lhe competiria pagar. Vem mesmo provado que ele “convenceu” o tomador a contratar com a seguradora AA, “fazendo crer que (…) era o condutor habitual do veículo”.

Está pois provado que o tomador não tinha interesse no veículo seguro; a situação é decisivamente diferente daquela que foi considerada no citado acórdão de 5 de Março de 2015, proc. nº 2007/09.3TVPRT.P1.S1, respeitante a um tomador de seguro que figurava como proprietário no registo automóvel: “Na verdade entende-se que quem figura no registo automóvel como proprietário de determinada viatura tem – independentemente de se ter ou não apurado, sem margem de dúvida, a efectiva titularidade substantiva de tal direito – interesse em celebrar o contrato de seguro obrigatório que acautele os riscos de circulação, desde logo pelo facto de, fazendo tal inscrição no registo presumir a propriedade, estar, sem mais (e nessa simples qualidade de titular inscrito no registo), sujeito a eventual demanda para efectivação da responsabilidade civil pelos danas causados a terceiros: ou seja, o titular inscrito no registo automóvel, sujeito, por força da presunção de propriedade do veículo, ao risco patrimonial de responsabilidade civil em caso de acidente, situa-se de modo incontroverso dentro do perímetro das pessoas (qualquer pessoa) que o art. 6º legitima para celebrar o seguro obrigatório automóvel, não podendo, assim, afirmar-se como inexistente um interesse segurável, enquanto nos movemos no estrito plano da responsabilidade civil pelos riscos da circulação do veículo em causa.”

E corresponde àquela que, no acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 471/2002.G1.S1, conduziu à conclusão da nulidade do contrato de seguro: “Se o tomador manifestamente não tem interesse na celebração do contrato de seguro há uma evidente falta de legitimidade substancial do tomador no seguro do veículo, sendo de considerar, como se refere no ac. STJ, de 2007/03/22, de interesse público que não seja violado o princípio da legitimidade negocial. Daí que este vício integre uma verdadeira nulidade. Na situação vertente, o contrato de seguro referente ao veículo (…), interveniente no acidente, foi celebrado entre a seguradora (...) e o tomador (…), que se apresentou como proprietário do veículo, apesar de o não ser e nunca o ter sido. E o seguro foi celebrado em seu nome com o único objectivo de ser pago um prémio de seguro muito mais reduzido. Não pertencendo o veículo ao tomador e sendo ele alheio à sua manutenção e circulação é evidente que não tem qualquer interesse patrimonial na celebração do contrato. Efectivamente, tendo de se considerar que contratou por sua conta quando não podia ser responsabilizado pelas consequências da circulação do veículo seguro, tal seguro é nulo em conformidade com o disposto no aludido art. 428º.”

Estando pois em causa a nulidade do contrato, é a mesma oponível ao lesado (artigo 14º do Decreto-Lei nº 522/85), porque contemporânea à celebração do contrato.


9. A terminar, diz-se ainda que, apesar de vir provado que interveio no contrato um agente de seguros e que foi ele que informou o segundo réu de que “se esse seguro fosse feito em nome de uma outra pessoa, com carta de condução há mais de dois anos, o prémio a pagar baixaria muito consideravelmente nesse valor” (ponto 68 dos factos provados), e que, quando o contrato de seguro foi celebrado, o agente de seguros sabia que o tomador não era o proprietário do veículo, mas sim o segundo réu, não há base de facto que permita imputar tal conduta à ré seguradora, considerando o agente como seu representante, nem que meramente aparente, ou como seu comissário, pretendendo retirar dessa eventualidade efeito quanto à oponibilidade da nulidade. Neste ponto, a situação é semelhante à que foi apreciada no acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07A3428, relativo também a um contrato de seguro celebrado na vigência do anterior regime da mediação de seguros, constante do Decreto-Lei nº 388/91, de 10 de Outubro (posteriormente revogado pelo artigo 106º do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho); e difere totalmente da relação de confiança na aparência que, num contexto diferente e para outros efeitos, justificou que, no acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Março de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 4739/03.0TVLSB.L2.S1), justificou que se considerasse vinculada a seguradora por uma actuação do mediador, num contexto de negligência da própria seguradora.

Transcreve-se, a propósito, um trecho da fundamentação do acórdão recorrido, no julgamento da impugnação deduzida perante a 2ª Instância: “No que respeita ao depoimento de parte do 2º R., (…) sublinha-se ser notório, numa valoração global desse depoimento – que nesses pontos não tem, notoriamente, valor de confissão –, ter este R., (…) pretendido associar a seguradora ao conhecimento da fraude subjacente ao contrato, consistente na interposição como suposto segurado, como elemento “embaratecedor” do prémio, de um falso proprietário e condutor habitual. Acontece que, muito significativamente, essa pretensão de reportar tal conhecimento à seguradora passou sempre pela personificação desta na figura do agente de seguros. Trata-se, todavia, de uma asserção que, mesmo num plano abstracto, é juridicamente muito discutível e que aqui, no plano do concreto, não tem qualquer sentido, quando se apurou à saciedade – outra valoração da prova é notoriamente errada – que os dados relevantes quanto à fraude induzida na celebração do contrato foram intencionalmente ocultados à R. seguradora. Isto mesmo acabou por ser admitido pelo agente de seguros (…)”.


10. Sendo nulo o contrato de seguro, perde utilidade apreciar da relevância das declarações inexactas, quer quanto à propriedade do veículo, quer quanto à identidade do seu condutor habitual, nomeadamente no plano da eventual anulabilidade do contrato de seguro.

E improcede necessariamente o recurso, porque, sendo nulo o seguro, o Fundo de Garantia Automóvel responde perante o lesado (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85), ficando sub-rogado nos direitos do lesado, perante o responsável, nos termos previstos no artigo 25º do mesmo diploma.


11. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Sem custas, uma vez que o recorrente está isento (artigo 4º, nº 1, o) do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 09 de Julho de 2015


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego