Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE MATÉRIA DE FACTO CONTRADIÇÃO INSANÁVEL PRESSUPOSTOS PROVA DOCUMENTAL FORÇA PROBATÓRIA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA DECISÃO SINGULAR IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 09/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
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Sumário : | O prescrito no art. 682º, nº. 2 do CPC. é que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º, donde resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência na 6ª. Secção do STJ. Relatório: O autor, AA, intentou ação declarativa de condenação, contra a ré, BB, sendo nela Intervenientes, do lado ativo, CC e do lado passivo, DD. Na 1ª. Instância foi proferida sentença, com o seguinte teor a final: «Face ao exposto, decido: A) Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, por conseguinte, absolver a ré BB e interveniente DD do pedido que, através da ação, foi formulado na presente ação; B) Julgar manifestamente improcedente, por inadmissibilidade legal, o pedido formulado pela interveniente CC; C) Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, por conseguinte, não declarar a nulidade dos contratos em causa, por simulação; D) Julgar improcedentes os pedidos de condenação de qualquer das partes, como litigantes de má fé». Inconformado, interpôs o autor recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Évora, aonde foi proferido acórdão, confirmando na íntegra a sentença recorrida. Deste acórdão foi interposto recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº. 1 do art. 672º do CPC., arguindo-se, ainda, nulidades do acórdão da Relação. Foi lavrado acórdão em Conferência, a indeferir as arguidas nulidades. Foi junto aos autos, o acórdão fundamento. Foi proferido despacho em 6-5-2025, a remeter os autos à Formação. A Formação proferiu acórdão, com o seguinte teor a final: «Pelo exposto, acordam os juízes desta Formação em não admitir o presente recurso, enquanto revista excecional, determinando, no entanto, a devolução dos autos à Exmª. Senhora Juíza Conselheira a quem a revista foi distribuída, para os fins acima considerados». Foi então proferido o despacho datado de 12-6-2025. Sobre tal despacho foi apresentado requerimento do recorrente, aonde se alude à inadmissibilidade da decisão singular, bem como, se discorda do fundamento legal do decidido. Foram colhidos os vistos. Fundamentação: O despacho proferido tem o seguinte teor que se reproduz: «O recorrente, aquando da sua apresentação de recurso para este STJ., fê-lo a título de revista excecional, a qual, não foi admitida. Sucede que, nas suas conclusões de recurso diz, nomeadamente, o recorrente: - Se nos debruçarmos sobre o contrato de promessa de compra e venda em análise, conclui-se que o Tribunal a quo lamentavelmente também se afastou de aplicar o adequado regime da prova à questão em apreço, violando as disposições legais substantivas relativas ao regime probatório, e mais concretamente o disposto no n º 1 e 2 do artigo 376º, no nº 2 do artigo 393º, no nº 1 do artigo 394º e no artigo 351º, todos do C.C., contrariando flagrantemente o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19/03/2009, Processo nº 09ª0342. - Neste contexto, o Tribunal a quo e o Tribunal de Primeira Instância ignoraram que o contrato nos autos em análise goza de força probatória plena, que os factos nele constantes não admitem prova testemunhal e que presunção judicial aqui não é legalmente permitida. - E, assim, qualquer um dos Tribunais não se devia ter distanciado de conferir força plena ao contrato de promessa de compra e venda ajuizado, atendendo a que foi reduzido a escrito, está intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, as assinaturas foram objeto de reconhecimento presencial, uma das partes prometeu vender e a outra prometeu comprar a metade de um imóvel por um determinado ou determinável preço e foram estabelecidas as condições para a celebração do contrato prometido. - É que, mais grave, para além de não terem atribuído força plena ao dito contrato, atenderam à prova testemunhal para fundamentar a sua decisão, violando, uma vez mais, as normas de direito probatório substantivo estabelecido nos preceitos acima reproduzidos, razão pela qual fizeram uma errada interpretação da vontade das partes outorgantes. - Assim sendo, não tendo sido, sequer, arguida a sua falsidade, o referido contrato é perfeitamente válido como contrato-promessa e vincula as partes nos seus precisos termos. Com efeito, coloca em causa o enquadramento fático, que de acordo com o recorrente, o Tribunal da Relação não interpretou corretamente, enfermando o acórdão recorrido, por isso, de errada apreciação da prova produzida, e errada aplicação da lei. Analisemos: A competência do Supremo Tribunal de Justiça está circunscrita à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, ficando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido por adequado, nos termos do nº. 1 do art. 682º. do CPC. Porém, dispõe o nº. 2 do mesmo preceito, que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no nº. 3 do artigo 674º do CPC. E o nº. 3 do art. 674º do CPC., admite a revista com fundamento em ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Efetivamente, a intervenção do STJ a nível factual é muito limitada, não podendo sindicar o erro na livre apreciação das provas, exceto nos casos contemplados no nº. 3 do art. 674º do CPC. (cfr., nomeadamente, Acs. do STJ. de 15-12-2020, 15-12-2022, 24-5-2022, in www.dgsi.pt). Na situação vertente, o que incumbe analisar trata-se da conduta levada a cabo pelo Tribunal da Relação, já que, foi deste acórdão que se interpôs o recurso para este STJ. Ora, aquando da interposição do recurso de apelação, a matéria de facto concretamente impugnada, reportou-se aos pontos 39 e 44 da matéria dada como provada e quanto às alíneas b), i), j), l), m), p), q) e r) dos factos dados como não provados. Compulsado o acórdão recorrido, constatamos que ali se fez uma apreciação dos depoimentos das testemunhas prestados em 1ª. instância, que devidamente se identificaram, com reprodução de partes das respetivas declarações, como do mesmo se extrai, dizendo-se em resumo e em concreto: «E, num tal quadro de provas produzidas, apreciadas de um modo global, como, aliás, tem que ser, aceita-se a decisão da Mm.ª Juíza da 1ª instância, que tomou por boa, nesta parte, a versão dos eventos que fez plasmar na sentença recorrida (em parte, trazida à acção pela Ré/Apelada, em detrimento da que fora carreada pelo Autor/Apelante). Ademais, a existência de duas ou mais versões, opostas e contraditórias, sobre o que se passou – e aqui há realmente versões algo contraditórias, embora não se vá já dizer que as pessoas estarão a mentir, pois que isso poderá resultar de diferenças na perspectiva com que encararam os factos – a existência dessas versões, dizíamos, é uma normalidade típica dos processos jurisdicionais, que não deverá espantar ou perturbar ninguém, aos Tribunais competindo tomar as opções que reputem mais adequadas a cada caso. Naturalmente. É assim todos os dias e foi o que foi feito in casu, onde a Mm.ª Juíza – e bem, face à prova produzida – veio a concluir, em suma e para os efeitos em apreço neste recurso, que afinal se não justificava a prolação de decisão a substituir a declaração do faltoso, nem a declaração de nulidade dos contratos por simulação, menos ainda a condenação de qualquer actor processual como litigante de má fé [aceitando-se, apesar das críticas veementes que lhe vêm feitas pelo Apelante, a análise que a Mm.ª Juíza do processo enceta sobre os depoimentos prestados, mormente os de parte, e a concatenação que deles é feita com outros meios de prova, tanto documentais como doutras testemunhas (assim se concordando com o segmento da fundamentação que, sobre isso, é adiantada pela 1ª instância)]. Note-se ter a douta sentença recorrida feito uma descrição mais ou menos cronológica e até bastante clara – dentro da confusão que se instalou entre as partes intervenientes com a subscrição de sucessivos contratos uns a substituir outros ¬– descrição, dizíamos, das vicissitudes ocorridas ao longo do tempo, que resultaram linearmente dos depoimentos prestados e da documentação junta, e de que aqui não dissentimos, uma vez reanalisadas todas as provas produzidas. Dessarte, pese embora o esforço encetado pelo Apelante, a verdade é que as provas produzidas, tomadas no seu conjunto, são consistentes na versão dos factos que ficou plasmada na douta sentença recorrida. Pois que importará não perder de vista que não vai este Tribunal ad quem substituir, de ânimo leve, à convicção do Tribunal a quo (que assistiu e mediou a produção das provas) a sua própria convicção (no fundo, trata-se apenas de uma questão de convicção). Uma decisão, diga-se, que respeita cabalmente a prova em que se funda – pois que, afinal, a resposta que este Tribunal de recurso tem que dar ao caso é se a convicção que foi formada na 1.ª instância tem suporte na prova produzida. Ora, isso é aqui, claramente, respondido de forma afirmativa, auditados que são os depoimentos prestados pelas pessoas que foram inquiridas nessa audiência. E não são os documentos juntos, tomados isoladamente, que tal alteram». O acabado de transcrever é inequívoco, no sentido de se afirmar que foi a convicção do julgador que foi apreciada. O prescrito no art. 682º, nº. 2 do CPC. é que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º, donde resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena. No caso em apreço, só em sede de recurso para o STJ., o recorrente veio suscitar a violação de lei substantiva. Porém, não será desta que se trata, mas do descontentamento efetuado com o enquadramento jurídico dos factos levado a cabo pela Relação, em confirmação do decidido em primeira instância. Com efeito, não é a disciplina legal aplicável ao contrato promessa de compra e venda ou de cessão da posição contratual, que está em causa, mas o apuramento da realidade fáctica que envolveu a elaboração dos documentos. A prova plena de um documento autêntico reporta-se ao que foi declarado no documento em causa, ou seja, prova que as partes fizeram aquelas declarações, mas não implica que haja coincidência dessas declarações com a realidade. Assim, o que estava em causa era a interpretação do contexto do documento e as suas inerentes consequências. Nos termos do disposto no art. 392º do Código Civil, a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada e nos termos consagrados no nº. 3 do art. 393º do mesmo normativo, a prova por testemunhas não será afastada quando está em apreciação a interpretação do contexto do documento. O que o acórdão da Relação analisou foi a prova produzida nos autos, usando a sua livre e própria convicção e o seu prudente arbítrio, o que não é sindicável por este Supremo. Assim, não se materializando no contexto em apreço, qualquer violação de lei substantiva ou errada aplicação da lei de processo, ou seja, arredados os fundamentos do disposto no nº. 1 do art. 674º do CPC., nada há a analisar. Decisão: Atento o supra explanado, não há fundamento legal para efeitos de qualquer seguimento dos autos, neste Tribunal, em termos gerais de revista. Notifique». Ora, é do supra explanado que o recorrente se insurge, invocando que a decisão sumária não poderia ter sido proferida, por não se enquadrar no disposto no art. 656º do CPC, e ainda, que não aceita que se recorra no caso, à prova testemunhal e à livre apreciação do julgador, como fez a Relação. Porém, não lhe assistirá razão. Com efeito, o despacho proferido não se enquadra no disposto no art. 656º do CPC., mas antes, resulta de uma vicissitude do processo, resultante da decisão da Formação, aquando da não admissão da revista excecional. O despacho proferido cumpriu os imperativos legais, tendo cumprido o exercício do contraditório, que o recorrente veio a usar. Assim sendo, não tem cabimento a argumentação expendida. Porém, por uma questão de economia processual, proceder-se-á à convolação do requerimento apresentado, para reclamação para a conferência. E, de igual modo, declinará o seu reiterado descontentamento com o apuramento da realidade fáctica, pois, não estamos perante qualquer violação de lei substantiva, mas, como se diz no acórdão da Relação, «…perante a resposta que o Tribunal de recurso teve que dar ao caso, ou seja, se a convicção que foi formulada tem suporte na prova produzida». E a prova produzida, tanto pode ser prova documental, como testemunhal, a qual terá de ser analisada no seu todo, como efetivamente o foi. Contrariamente ao argumentado pelo recorrente, não está em apreço, a violação do regime substantivo, não se estando perante documentos com força probatória plena, mas sim, perante o recurso à livre apreciação do julgador na Relação, o qual não é sindicável neste STJ. Destarte, improcede a reclamação. Sumário: - O prescrito no art. 682º, nº. 2 do CPC. é que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º, donde resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena. Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em Conferência, julgar improcedente a reclamação. Custas a cargo do reclamante, que se fixa em 2 ucs. Notifique. Lisboa, 23-9-2025 Maria do Rosário Gonçalves (Relatora) Anabela Luna de Carvalho Luís Correia de Mendonça |