Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3141/07.0TBLLE-AE.L1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
INCUMPRIMENTO
DECISÃO SINGULAR
COMPETÊNCIA DO RELATOR
PODERES DA RELAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO, MANTENDO-SE O DESPACHO DO
RELATOR
Sumário :
I. O relator, na Relação, deve avaliar se o requerente de revista excecional cumpriu os ónus previstos no n.º 2 do art.º 672.º do CPC.

II. Deve ser rejeitado, pelo relator, o requerimento de interposição de revista excecional, se a recorrente não indicou quais as razões em que se sustentava para a admissibilidade da revista excecional, cingindo-se às particularidades do seu caso concreto e individual, limitando-se a apresentar argumentação que poderia sustentar a revogação do acórdão recorrido nos termos de uma revista ordinária, sem proceder à subsunção do caso a qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 672.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Em 22.8.2022, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa instaurada por Administração Condomínio Edifício Rua das Casuarinas contra AA e BB e em que reclamou créditos Cristicarnes – Importação e Exportação Lda em 27.6.2017, a executada BB, advogada em causa própria, apresentou “oposição à execução mediante embargos de terceiro”, contra a decisão do Agente de Execução de iniciar leilão online do imóvel penhorado nos autos.

A requerente alegou, muito em síntese e além do mais, que o aludido imóvel constitui a sua casa de morada de família e domicílio profissional.

2. Em 01.9.2022 foi proferido despacho que rejeitou liminarmente os embargos, por manifesta extemporaneidade.

3. Notificada do despacho referido em 2, a embargante apresentou apelação, em que formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

I. A inexistência de título executivo por parte da credora reclamante graduada em 2º lugar relativamente à requerente.

II Falta de citação para efeitos do Artigo 119 do CRPREDIAL, o que consubstancia a nulidade da venda e a extinção da execução quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.Exa, requer-se a notificação do tribunal a quo para dar sem efeito a venda com a anulação da sentença que se executou e consequente extinção da execução.”

4. Por acórdão proferido em 23.3.2023, a Relação de Lisboa julgou a apelação improcedente.

Para tanto, considerou que a apelante se conformara com o juízo formulado pela 1.ª instância de que os embargos de terceiro não haviam sido deduzidos em tempo.

5. Em 30.3.2023 a recorrente arguiu a nulidade do acórdão, invocando o disposto no art.º 615.º n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.

6. Em 11.5.2023 a Relação, em conferência, indeferiu a arguição de nulidade do acórdão.

7. Em 17.5.2023, a recorrente interpôs recurso de revista excecional, apresentando alegação, que aqui se transcreve:

I. Constata-se agora (teve conhecimento em consulta aos autos) que por requerimento de 02/02/2018, com referência: 11637646, a credora Cristicarnes requereu a extinção da reclamação, ou seja, notificada para o efeito não requereu a renovação da instância executiva pelo que, não é credor reclamante.

II Não obstante, foi graduada em segundo lugar na sentença de reclamação de créditos (apenso C) proferida em 23/10/2019 pela juiz CC, o que constitui ato nulo, por excesso de pronuncia, exceção dilatória insuprível de conhecimento oficioso.

III A juiz na sentença omitiu pronuncia sobre a impugnação apresentada pela recorrente relativamente á credora Cristicarnes (por inexistência de título executivo e falta de citação para efeitos do Artigo 740 do NCPC), que na verdade, constata-se agora, não é credor reclamante, pelo que a sentença é nula.

IV O apenso C correu à revelia do executado, ex-cônjuge, por falta absoluta da sua intervenção, mostra-se que faltou a sua citação.

V O apenso C, assenta sobre ato simulado das partes, a credora reclamante Cristicarnes não é credora reclamante; fraude esta ratificada pela juiz.

VI O apenso C, transitado em julgado está pendente de revisão (ainda sem despacho) e é suscetível de originar a responsabilidade civil e criminal do estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, a venda do imóvel habitacional coloca a recorrente na ruína já que os seus rendimentos não permitem de modo algum o arrendamento na comarca de ..., onde tem domicílio profissional.

VII A recorrente não contribuiu para estes vícios, esgotou todos os meios de impugnação, o imóvel habitacional foi vendido, por ato ilegal, inconstitucional e injustificado da juiz a quo; o poder legislativo estabeleceu no Artigo 751 nº4 do NCPC, os requisitos de penhorabilidade dos imóveis habitacionais, que só pode acontecer caso a penhora de outros bens não permitir a satisfação integral do credor; neste caso os credores reclamantes, que não têm título, são graduados em primeiro(prescrição/preterição do Persi) e segundo lugar(não requereu a renovação da instância) e únicos a ser pagos com a venda.

VIII Conforme resulta dos documentos juntos, a juiz a quo, mandou arquivar o PROCESSO: ... do mesmo Juízo e juiz, que incidia sobre o imóvel devoluto, onde foi feita a primeira penhora nos bens comuns/indivisos e em que a reclamação de créditos datava de 20/01/2012, em vez de determinar a apensação destes autos, Ac. TRE de 13/07/2022

IX Mandar prosseguir estes autos em 08/10/2019 que incide sobre o imóvel habitacional e arquivar o processo que incidia sobre o imóvel devoluto comum/indiviso, proferir sentença de reclamação de créditos em 23/10/2019, omitindo formalidades de cumprimento obrigatório como a citação dos executados nos autos principais (remete a defesa para 22/08/2008) e a falta de citação/nula do executado, ex-cônjuge, no apenso C, além de procedimento processual desleal subsumível criminalmente, tem como consequência a anulação dos termos do processo posteriores ao momento em que a citação devia ser feita, por excesso/omissão de pronuncia, sendo nula a sentença.


CONCLUSÕES


I Está pendente processo-crime, suscetível de originar a responsabilidade civil e criminal do estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, não tendo a recorrente contribuído para os vícios dos autos principais e da sentença da reclamação de créditos, tendo esgotado todos os meios de impugnação da decisão, o imóvel habitacional foi vendido, o que implica a ruína da recorrente.

II A recorrente só agora teve conhecimento da comunicação em 02/02/2018 da credora Cristicarnes a requerer a extinção da reclamação, notificada para o efeito não requereu a renovação da instância executiva, a sua graduação em segundo lugar constitui ato nulo por excesso de pronuncia. Reclamava créditos da exclusiva responsabilidade do executado ex-cônjuge, não tendo a recorrente sido citada para efeitos do Artigo 740 do NCPC (está pendente processo de inventário) não tendo a matéria sido objeto de pronuncia, Ac.TRL de 25/01/2022, Ac. TRP de 11/01/2022, 05/04/2022 e 23/05/2022

III O apenso C correu à revelia do executado ex-cônjuge que não foi citado/nulidade.

IV A sentença de reclamação de créditos assenta em fraude à lei, porque gradua credor que não reclamou no prazo legal, e pelo ato judicial de violação do Artigo 751 nº4 do NCPC, com o arquivamento do Processo: ... do mesmo Juízo e juiz, onde foi feita a primeira penhora nos bens comuns/indivisos, que incidia sobre o imóvel comum devoluto e em que a reclamação de créditos datava de 20/01/2012, Ac. TRC de 08/03/2022 e 26/04/2022, Ac. STJ de 14/07/2020

V A recorrente tem direito constitucionalmente a um processo justo e equitativo (Artigo 3 do NCPC e Artigo 20 nº1 e 4 da CRP), a venda do imóvel habitacional assume aspetos intoleráveis e aceitando-a o tribunal a quo premeia a má fé intencional e dolosa, a recorrente nunca se conformou com o juízo de extemporaneidade a toda a defesa remetendo-a para o longínquo ano de 2008 e condenando-a consequentemente à indefesa.

VI O direito real de propriedade obtido por efeito de escritura publica confronta-se com um direito de crédito (no caso dos autos a credora notificada para o efeito não requereu a renovação da instância executiva, tendo mesmo em 02/02/2018 requerido a extinção da reclamação), mesmo que o credor esteja de boa fé (não é o caso), ignorante que o bem não era só da esfera jurídica do devedor, manter a execução, quando por via de embargos de terceiro(enviados com a decisão da venda pelo AE, os executados nunca foram notificados para defesa), se denuncia a veracidade da situação, seria colocar o estado, por via do aparelho judicial, a deliberadamente, ratificar algo que vai desembocar numa situação ilícita que se aproxima de subsunção criminal, ao menos se for o próprio executado a indicar os bens à penhora (cristicarnes era exequente no PROCESSO:... do mesmo Juízo e juiz que incidia sobre o imóvel comum indiviso). O bem penhorado nestes autos (imóvel habitacional) não podia garantir a divida, como bem alheio que é, pode o seu titular embargar de terceiro perante ato do AE Conceder-se eficácia ao registo estaria a emprestar-se-lhe capacidade impeditiva do embargante conservar o seu direito de propriedade, é certo que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte daquele direito sob pena de inconstitucionalidade, de certo modo estaríamos perante a figura do confisco, facto suscetível de ferir o senso comum e gerar alarme social. A má fé-conhecimento da situação jurídica do prédio …levantar a penhora sobre o bem. Ac. de fixação de jurisprudência nº3/99 de 18/05

VII A admissão ou não dos embargos é irrelevante, em virtude de nos encontrarmos perante uma situação de inexistência de título executivo que inquina todo o processo e prejudica o conhecimento de qualquer outra questão, sendo de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, a falta de pressuposto processual essencial que leva à extinção dos autos por inexistência de título executivo, Ac. TRL de 23/06/2022.”

8. Por despacho proferido em 28.6.2023 a revista foi rejeitada, pelo relator na Relação, nos seguintes termos:

Na sua alegação a requerente não cumpre o disposto no nº 2 do art. 672º do CPC para impugnar o acórdão da Relação por via da revista excepcional.

Assim, rejeita-se o recurso de revista excepcional.

Custas pela requerente, sem prejuízo da protecção jurídica.

Notifique.”

9. A recorrente reclamou do aludido despacho, nos seguintes termos:

Exmo. Senhor

Juiz Conselheiro

Supremo Tribunal de Justiça

DD, recorrente, vem por apenso, nos termos dos

Artigos 641 nº6 e 643 do NCPC, apresentar a V.Exa

RECLAMAÇÃO CONTRA O INDEFERIMENTO

Da decisão que não admitiu o recurso – REF: ...02

I – Por motivo de não cumprimento do Artigo 672 nº2 do NCPC, ora a recorrente

a) Indicou a razão pela qual a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação de direito – a venda ilegal e injusta para pagar a quem não se deve – falta de título executivo, questão de conhecimento oficioso, Ac. STJ de 22/03/2018

b) Indicou a razão pela qual o interesse é de particular relevância social – a venda do imóvel habitacional coloca a recorrente na ruína.

c) O acórdão viola os princípios constitucionais, a lei substantiva, a jurisprudência e a doutrina – Artigo 740 NCPC, Artigo 119 CRPredial, Ac. TRL de 25/01/2022, Ac. TRP de 11/01/2022 e de 23/05/2022, Ac. TRC de 26/04/2022; a omissão de pronuncia do acórdão da Relação, Artigo 615 d) NCPC, constitui uma nulidade, permitindo-se nestes autos a execução injusta vai obrigar a recorrente a instaurar ação declarativa com o fim de ser declarada a inexistência do direito, o que se afigura despropositado, inútil e denota desinteresse no apuramento da verdade material nestes autos que estão pendentes, Ac. STJ de 18/02/2021, Ac. TRP de 08/06/2022

P.E.D.

10. Não houve resposta à reclamação.

11. Por despacho datado de 27.09.2023 a reclamação foi julgada improcedente.

12. Deste despacho reclamou a reclamante, em 29.9.2023, para a conferência, nos seguintes termos:

DD, recorrente, vem apresentar a V.Exa., nos termos do Artigo 643 nº4 e 652 nº3 do NCPC

IMPUGNAÇÃO

Requer-se que sobre a matéria recaia um acórdão; razões que deveria justificar a excecional reapreciação do caso pelo STJ:

I

Artigo 672 nº2 a) NCPC – subsunção ao caso concreto – a apreciação da questão da credora CRISTICARNES ter requerido em 02/02/2018 a extinção da reclamação, ou seja, notificada para o efeito não requereu a renovação da instância executiva é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo inexigível a venda coerciva do imóvel habitacional por ilegitimidade da exequente.

II

Artigo 672 nº2 b) NCPC – subsunção ao caso concreto – a apreciação da questão da credora CRISTICARNES que não tem título contra a recorrente; trata-se de divida da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge como fiador, conforme consta na certidão do registo predial – AP. ...46 de 20/01/2010 – PROCESS: 28570/09.0..., do mesmo Juízo e Juiz e mandado arquivar fraudulentamente pela juiz a quo e pela própria credora; está em causa interesse de particular relevância social como o é a partilha de património comum constituído por dois imóveis, um devoluto e o dos autos que é imóvel habitacional.

III

Artigo 672 nº2 c) NCPC – subsunção ao caso concreto – a apreciação da questão do executado AA ser revel no apenso C de reclamação de créditos; não foi notificado para impugnar a reclamação quando o devia ser, Artigo 789 do NCPC, a carta registada enviada em 22/01/2018 veio devolvida em 05/02/2018, Referência: ...20; constitui ato nulo por excesso de pronuncia, Artigo 195 e 615 d) do NCPC e viola o principio da proibição da indefesa, Artigo 20 nº 1,4, 5 da CRP, o principio do contraditório, Artigo 3 nº3 do NCPC, o principio do acesso ao direito e aos tribunais, Ac. TRP de 04/04/2022, jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional.

Toda a fraude é grave mas a dos mais poderosos é indesculpável.

P.E.D.

13. Em 09.10.2023 a reclamante dirigiu ao relator (neste STJ) o seguinte requerimento:

DD, recorrente, vem nos termos dos Artigos 12 e 13 do CRP e Artigos 195 e 839 nº1 do NCPC, requerer a V.Exa, a declaração/anotação de

CADUCIDADE e consequente CANCELAMENTO e anulação do ato da venda do imóvel habitacional

Dos seguintes registos de hipoteca judicial e voluntária ou legal.

I

Os registos caducam decorridos 10 anos sobre a sua data por força da lei e são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos.

II

AP. ...5 de 05/06/1997 – Aquisição – à 26 anos

AP. ...6 de 05/06/1997 – Hipoteca voluntária – à 26 anos

AP. ...41 de 07/01/2009 – Transmissão por transferência de património – à 14 anos

AP. ...42 de 07/01/2009 – Transmissão de crédito – à 14 anos

AP. ...599 de 26/02/2009 – Penhora – à 14 anos

AP. ...46 de 20/01/2010 – Penhora – à 13 anos

AP. ...499 de 27/09/2011 – Penhora – à 12 anos

AP. ...31 de 16/07/2012 – Penhora – à 11 anos

P.E.D.

14. Em 11.10.2023 a reclamante dirigiu ao relator (neste STJ) o seguinte requerimento:

DD, recorrente, vem nos termos dos Artigos 33, 187a), 188 nº1 a), 190 a), 191, 196, 198, 219, 839 nº1 b) e 851 do NCPC, apresentar

RECLAMAÇÃO POR FALTA/NULIDADE DA CITAÇÃO

Do executado AA no apenso C de reclamação de créditos

I

O imóvel habitacional foi vendido nestes autos para pagamento exclusivo aos dois credores reclamantes com inexistência de título quer por prescrição – S..., SA quer por inexigibilidade – CRISTICARNES que em 02/02/2018, Referência nº ...646 requereu a extinção da reclamação, ou seja, notificada para o efeito não requereu a renovação da instância executiva, pelo que, não é credor reclamante; está pendente ação declarativa cível para efeitos do Artigo 839 do NCPC e consequente pedido de restituição do imóvel.

II

O executado ex-cônjuge foi absolutamente revel no apenso C de reclamação de créditos, não foi notificado para impugnar a reclamação quando o devia ser, Artigo 789 do NCPC, a carta registada enviada em 22/01/2018 veio devolvida em 05/02/2018, Referência nº...20

III

Não pode o tribunal no apenso de reclamação de créditos usar o mesmo argumento fraudulento que usou nos autos principais, que os executados foram notificados à 16 anos, no ano de 2007.

IV

Requer-se a procedência da reclamação com a consequente nulidade/anulação de tudo o que na execução se tenha praticado incluindo a venda do imóvel habitacional.

P.E.D.

15. Não houve resposta à reclamação, nem aos requerimentos referidos em 13 e 14.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Previamente, haverá que apreciar a admissibilidade dos requerimentos supratranscritos em 13 e 14.

Nesses requerimentos a reclamante/recorrente pretende que este STJ proceda à “declaração/anotação de caducidade e consequente cancelamento e anulação do ato da venda do imóvel habitacional”, identificando alegadas inscrições no registo predial que deveriam ser canceladas (requerimento supra transcrito em 13) e, bem assim, pretende que este STJ declare a “nulidade/anulação de tudo o que na execução se tenha praticado incluindo a venda do imóvel habitacional”, declaração essa fundamentada numa alegada falta/nulidade de citação do executado AA num apenso de reclamação de créditos.

É manifesto que tais requerimentos devem ser rejeitados, na medida em que não cabem no objeto do procedimento ora em curso perante este Supremo Tribunal. Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da reclamação para a conferência deduzida nos termos dos artigos 643.º n.º 4, parte final, e 652.º, n.º 3, do CPC, avaliar, tão só, se deve ou não ser mantida a decisão do relator que confirmou o despacho da Relação que rejeitou a revista excecional deduzida pela reclamante/recorrente.

Por conseguinte, na medida em que os requerimentos transcritos em 13 e 14 estão fora do objeto da reclamação regida pelo art.º 643.º do CPC, não serão apreciados, rejeitando-se os mesmos.

2. A questão objeto desta reclamação é se a revista excecional deveria ter sido admitida pelo tribunal a quo.

Na análise dessa questão reiterar-se-á o aduzido na decisão singular pelo relator, que não merece a discordância deste coletivo.

3. O factualismo relevante a levar em consideração é o supra exposto no Relatório (I).

4. O Direito

Reportando-nos ao caso destes autos, dúvidas não existem quanto à admissibilidade geral da revista, quanto ao seu objeto, valor e sucumbência (artigos 671.º n.º 1 e 629.º n.º 1 do CPC).

É sabido, porém, que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC consagra o obstáculo à revista comummente designado de “dupla conforme”:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

A jurisprudência do STJ tem densificado o conceito da dupla conforme no sentido de que apenas inexiste dupla conforme quando se esteja perante “uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt,– sublinhados nossos).

No caso dos autos, a decisão da primeira instância, de rejeição liminar dos embargos de terceiro deduzidos pela ora reclamante, sustentou-se na manifesta extemporaneidade dos embargos.

O acórdão proferido pela Relação na sequência da apelação deduzida pela embargante confirmou a decisão recorrida, por entender que na apelação a embargante não questionara a intempestividade que fundara a decisão recorrida. Isto é, confirmou-se a intempestividade como fundamento relevante para a rejeição dos embargos – assim se mantendo a decisão recorrida.

Ora, com este enquadramento, existe dupla conforme.

Pelo que a única via admissível de impugnação do acórdão seria a revista excecional, prevista no art.º 672.º do CPC.

Com efeito, no n.º 1 do art.º 672.º estipula-se o seguinte:

1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

O legislador excetua, assim, da irrecorribilidade resultante da dupla conforme, situações em que, pela relevância jurídica da questão em apreciação, ou a particular relevância social do interesse que estiver em causa, ou face a contraditoriedade relevante entre o acórdão da Relação e outro acórdão dos tribunais superiores, se justifica uma reapreciação por parte do STJ.

Quanto aos requisitos formais da revista excecional, rege o n.º 2 do art.º 672.º:

O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição”.

Caberá a uma formação especial de juízes do STJ a avaliação acerca da verificação das razões invocadas para a admissão da revista excecional.

Tal decorre do estipulado no art.º 672.º, n.º 3, do CPC:

A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis”.

Isto é, é da exclusiva competência da formação a apreciação da verificação dos requisitos substantivos da revista excecional.

Quanto ao incumprimento dos ónus formais a que está sujeita a dedução da revista excecional, nomeadamente a alegação das razões em que se alicerça a revista excecional, poderá e deverá ser fiscalizado pelo relator da Relação, no despacho previsto no art.º 641.º

In casu, a recorrente não teve dúvidas quanto à ocorrência de dupla conforme e, por isso, deduziu revista excecional.

Contudo, como bem entendeu o relator na Relação e resulta da transcrição da alegação da revista, a recorrente não indicou quais as razões em que se sustentava para a admissibilidade da revista excecional. A recorrente apenas indicou, na alegação, as razões por que, no seu entender, o acórdão recorrido deveria ser revogado, nos termos de uma revista ordinária, invocando a violação de regras de direito ordinário e constitucional, substantivas e adjetivas. A recorrente cingiu-se às particularidades do seu caso concreto e individual, sem proceder à subsunção do mesmo a qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 672.º do CPC. E, não tendo procedido à identificação de nenhuma dessas alíneas, também não aduziu qualquer razão que, no seu entender, deveria justificar a excecional reapreciação do caso pelo STJ, ao abrigo do art.º 672.º.

Os esforços efetuados pela recorrente/reclamante para, em sede da reclamação formulada nos termos do art.º 643.º do CPC, suprir tal omissão, são irrelevantes, pois é na alegação da revista que, como decorre do exposto supra, deve o recorrente indicar os fundamentos da pretendida reapreciação excecional do acórdão recorrido.

Pelo exposto, a reclamação improcede.

III. DECISÃO

Pelo exposto julga-se a reclamação improcedente e consequentemente mantém-se o despacho reclamado, confirmando-se a rejeição da revista excecional pelo tribunal a quo.

As custas da reclamação são a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela beneficia.

Lx, 31.10.2023

Jorge Leal

Manuel Aguiar Pereira

Pedro de Lima Gonçalves