Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4753/07.7TBALM.L2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ENFITEUSE
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO DA ENFITEUSE
INCONSTITUCIONALIDADE
ARRENDATÁRIO
CONTRATO DE COMODATO
DIREITO REAL
DIREITO PESSOAL DE GOZO
DOMÍNIO ÚTIL
INDEMNIZAÇÃO
POSSE
CORPUS
ANIMUS POSSIDENDI
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS / POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS DE ALEGAÇÃO DO RECORRENTE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC) DE 1966: - ARTIGOS 1491.º, N.º 1, 1492.º, N.º 1, 1497.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 1287.º E SS.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 639.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 96.º, N.º 2.
DECRETO-LEI N.º 195-A/76, DE 16 DE MARÇO, NA REDACÇÃO DA LEI Nº 22/87, DE 24 DE JUNHO, E DA LEI Nº 108/97, DE 16 DE SETEMBRO: - ARTIGO 1.º, N.ºS 5 E 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 786/2014, DE 12/11/2014 (PROC. N.º 412/2013), EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 09/04/2013 (PROC. N.º 79/06.1TBODM.E1.S1), DE 30/10/2014 (PROC. N.º 5658/07.7TBALM.L2.S1), DE 12/03/2015 (PROC. N.º 4583/07.6TBALM.L2.S1) E DE 26/03/2015 (PROC. N.º 5001/07.5TBALM.L1.S1), TODOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 30/10/2014 (PROC. N.º 5658/07.7TBALM.L2.S1), DE 12/03/2015 (PROC. N.º 4583/07.6TBALM.L2.S1) E DE 26/03/2015 (PROC. N.º 5001/07.5TBALM.L1.S1).
-DE 09/06/2016 (PROC. N.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Sumário :
I - A enfiteuse, que consistia no desmembramento do direito de propriedade em dois domínios (directo e útil), distinguia-se do arrendamento quer em virtude da sua natureza perpétua, quer por se tratar de um direito real – arts. 1491.º, n.º 1, e 1492.º, n.º 1, do CC de 1966.

II - Em consequência, os dois direitos, quando incidentes sobre a mesma coisa, eram incompatíveis: não se podia ser, simultaneamente, enfiteuta e arrendatário, nem tais direitos podiam ser exercidos em alternativa; ou se tinha uma qualidade ou se tinha outra.

III - A enfiteuse podia ser constituída por contrato, testamento ou usucapião – art. 1497.º do CC.

IV - A declaração da constituição da enfiteuse por contrato pressupõe a alegação e prova – cujo ónus recai sobre os autores - do carácter de perpetuidade da relação contratual invocada por estar em causa um facto constitutivo do seu direito – art. 342.º, n.º 1, do CC.

V - Tendo apenas ficado provada a existência de uma relação contratual anual, que se foi renovando sucessivamente, o facto de tal relação (consistente na exploração e cultivo de duas parcelas de um prédio mediante o pagamento de uma quantia) durar há mais de 100 anos não é suficiente para se concluir que a mesma foi feita para vigorar em termos de perpetuidade, isto é, sem limitação temporal.

VI - De acordo com o entendimento commumente aceite, a posse é constituída por dois elementos: o corpus (que corresponde ao poder de facto sobre a coisa) e o animus (que corresponde à intenção de agir como titular do direito real em causa) – art. 1287.º e ss. do CC.

VII - Não sendo os factos provados susceptíveis de integrar, por si só, o corpus correspondente ao domínio útil da enfiteuse – por poderem igualmente corresponder a outro direito real ou a um direito pessoal de gozo, próprio do arrendatário ou do comodatário – sem que a situação possa ser esclarecida por recurso ao elemento subjectivo por também não terem sido alegados, nem provados, factos que permitam integrar o animus de enfiteutas –, faltam os pressupostos necessários à aquisição da enfiteuse por usucapião à luz do regime do Código Civil de 1966.

VIII - Tal direito também não pode ser reconhecido aos autores ao abrigo do disposto nos n.os 5 e 6 do art. 1.º do DL n.º 195-A/76, de 16-03 (introduzidos sucessivamente pela Lei n.º 22/87, de 24-06 e pela Lei n.º 108/97, de 16-09) já que, de acordo com a orientação jurisprudencial constante do STJ, estabelecendo-se aí um regime de constituição de enfiteuse por usucapião que, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e directo, decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização, tais normas são inconstitucionais.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, intentaram acção declarativa contra Município de Almada, pedindo a condenação deste a reconhecê-los como rendeiros/enfiteutas/possuidores, mais se declarando judicialmente reconhecida a enfiteuse por usucapião, e subsequentemente extinta, para que a propriedade plena dos prédios radique na sua titularidade, e que, em consequência, sejam declarados os seus direitos de propriedade sobre as parcelas de terreno e construções nelas implantadas e o demandado condenado a reconhecer tais direitos.

Invocam para tanto, no essencial, ser por si próprios, e pelos seus antecessores, há mais de 100 anos, arrendatários/enfiteutas/cultivadores directos, por contrato de arrendamento verbal, por um ano, renovável, de 1 de Outubro de cada ano a 1 de Setembro do ano seguinte, de parcela de terreno integrada em prédios comprados pelo R. nos anos de 1971 e 1972, mediante o pagamento de rendas anuais, na qual realizaram benfeitorias de valor muito superior ao do terreno, mantendo-se desde então e até agora, por eles e pelos antepossuidores, na posse pública, pacífica e ininterrupta das mesmas.

O R. contestou.

Por sentença de fls. 1375/1391, foram julgados procedentes os pedidos formulados e declarou-se o direito de propriedade dos AA. sobre as parcelas identificadas, condenando-se o R. a reconhecer tais direitos.

Inconformado, o R. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de fls. 1557, a apelação foi julgada procedente, revogando-se a sentença de 1ª Instância e absolvendo-se o R. de todos os pedidos.


2. Vêm os AA. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

PRIMEIRA Deparamo-nos no presente processo com uma análise comparativa ou “bifronte” de PARECERES DE JURISCONSULTOS:

1.      Da autoria do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO, fls.;

2.     Da autoria do SR. PROF. Gomes Canotilho, do SR. DR. Abílio Vassalo Abreu, fls.; e do SR. PROF. Bacelar Gouveia, fls..

SEGUNDA E, enquanto o TRLx concordou com o 2.º Parecer, o recorrente, por sua vez, e com o devido respeito, optam e acompanham a sábia posição do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO.

TERCEIRA Os AA. Paulo António Marques e outros sentem que estão bem escudados, ancorados e seguros na sabedoria do DOUTO PARECER do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO, que prima pela brevidade, consistência e clareza histórico-jurídica.

QUARTA Também a SENTENÇA do TJ Almada de 21-08-2013, de fls. 1375/1391, assentiu com o Parecer do Sr. Prof. Menezes Cordeiro, bem como com o ACÓRDÃO do TR Porto de 08-11-2010, in www.dgsi.pt.

QUINTA Por sua vez, os interessantes estudos referidos nos Pontos 26 e 27 dão razão aos recorrentes.

SEXTA

A enfiteuse é de feição multifacetada e de natureza real tendencialmente perpétua, devendo privilegiar-se os indícios materiais, em detrimento de meras qualificações vocabulares atribuídas pelos interessados.

Veja-se, neste sentido, também o douto PARECER da autoria do Exm.º Sr. Doutor Abílio Vassalo Abreu, emitido em Coimbra, em maio de 2012, inserido na REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS, Ano 72 – Lisboa – Out/Dez 2012, Voluma IV, págs. 1247 a 1322 “A NECESSIDADE DE UMA MUDANÇA JURISPRUDENCIAL EM MATÉRIA DE ACESSO DA POSSE (art. 1256.º do Código Civil) – cfr. Doc. n.º 2.

SÉTIMA Sucessivas gerações de agricultores mais que bicentenárias da Costa de Caparica fizeram prolongada e alargadamente dos solos estéreis, das areias, das dunas, as terras francas, areno-argilosas, as atuais hortas férteis da Costa de Caparica.

OITAVA Outros querem-se apropriar delas!

NONA E os AA./ora recorrentes, estes homens agricultores da Costa de Caparica exerceram e continuam a exercer largamente a sua ação produtiva naquelas terras/solos que lhe estão adstrito(s) por sucessão/transmissão de seus antecessores mais que bicentenários.

DÉCIMA Deste modo e neste contexto temporal-espacial, o A. enraizado numa sucessão hereditária mais que bicentenária foi e é enfiteuta e preencheu/preenche cumulativamente todos os requisitos legais.

DÉCIMA PRIMEIRA Consequentemente, os AA. AA e outros são proprietários das parcelas/talhões cultivados nas Terras da Costa da Caparica, como está corretamente reconhecido pela DOUTA SENTENÇA do TJ ALMADA de 21-08-2013, de fls. 1375/1391.

DÉCIMA SEGUNDA

Com o documento que ora se requer a junção aos autos (Doc. n.º 1) PARECER TÉCNICO – ECONÓMICO AGRÁRIO sobre CAPITAL BENFEITORIAS EM AGRICULTURA, por Alberto de Alarcão, Investigador e Professor Coordenador fica claramente comprovada a perpetuidade da relação enfitêutica com e para além da relação contratual, porquanto o contrato não esgota nem exaure a enfiteuse. Veja-se também o Doc. n.º 2.

Na verdade, o contrato não aniquila a ENFITEUSE.

DÉCIMA TERCEIRA As normas aplicadas pela sábia SENTENÇA do TJ ALMADA de 21-08-2013, de fls. 1375/1391, não enfermam seguramente de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, louvando-se os AA. AA e outros no ACÓRDÃO do Tribunal Constitucional n.º 159/2007, de 06-03-2007, acessível no endereço seguinte: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos200701159.

DÉCIMA QUARTA Compete agora ao Venerando STJ desempatar a análise comparativa ou “bifronte” entre 2 pareceres e 2 Decisões do TJ Almada e do TRLx.

DÉCIMA QUINTA No caso vertente está estabelecida toda a sequência de transmissão do domínio útil dos prédios rústicos e urbanos desde o bisavô até os próprios justificantes AA., com comprovação plena da invocada “posse pública, pacífica e contínua dos AA. e antecessores, com o respetivo “animus”, integrando também o alegado regime foreiro e sua extinção, radicando a plena propriedade nos AA. enfiteutas e justificantes.

DÉCIMA SEXTA E provada essa posse a ação teria de ser, como foi julgada procedente no TJ Almada, na sua parte útil e dinâmica, qual seja a do reconhecimento da propriedade dos ditos prédios, colocando os AA. na situação de plenos proprietários, radicando a propriedade plena nos enfiteutas.

DÉCIMA SÉTIMA Não foi apreciada e decidida a magna questão da legalidade/constitucionalidade profusamente abordada quer nos PARECERES juntos aos autos pelas partes, quer nos ACÓRDÃOS dos Tribunais Superiores expressamente referenciados pelo A. e pelo Réu Município de Almada, que revelam oposição frontal. Tal omissão é causa de nulidade [art. 65.º, n.º 1, al. c) do nCPC/13]. Em casos análogos, o TRLx tem desaplicado por julgar inconstitucional, à luz do art. 204.º da CRP, a norma do art. 1.º, n.º 5, alíneas a) e b) do DL n.º 195-A/76, de 16 de março, o que levou o MP no STJ a interpor recurso para o Tribunal Constitucional [arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 3 e 75.º, n.º 1 da LTC] cfr. Doc. n.º 3.

DÉCIMA OITAVA Donde, face às razões legais e constitucionais expendidas, deve decidir-se dar a revista, com as legais consequências.


O R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


3. Por despacho da relatora a fls. 1665, e nos termos conjugados dos arts. 679º e 651º, nº 2, do Código de Processo Civil, foi admitida junção aos autos de parecer jurídico apresentado pelos AA.


4. Vem provado o seguinte:

1 – Por escrituras públicas de compra e venda outorgadas em 16.11.1971 e em 17.03.1972, o réu declarou comprar a particulares e estes declararam vender-lhe a denominada “Quinta do Cardoso”, vulgarmente conhecida por “Terras da Costa”, com a área de 67.587,75 m2 e de 270.350,00 m2, respectivamente, descritas na Conservatória do Registo Predial de Almada sob os n.ºs 757, 762, 765, 767,783, 15.467, 15.468, 790, 15.473 e 15.472, da freguesia da Caparica, concelho de Almada, conforme consta dos instrumentos de fls. 43 a 74 destes autos, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 4934/07.3TBALM, de fls. 51 a 82 do processo apenso n.º 6679/07.5TBALM, de fls. 47 a 78 do processo apenso n.º 6495/07.4TBALM, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 6000/07.2TBALM, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 5938/07.1TBALM e de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 6054/07.1TBALM – al. A); ___ 2 – À data existiam explorações agrícolas nos terrenos referidos em A) – al. B); ___ 3 – Em 17 de Julho de 1972, o réu dirigiu aos cultivadores das referidas terras cartas registadas com Aviso de Recepção, para que estes entregassem tais terras em 30 de Setembro seguinte – al. C); ___ 4 – Os cultivadores não entregaram as terras por considerarem que as podiam reter até que lhes fossem pagos os melhoramentos que nelas fizeram – al. D); Processo n.º 4753/07.7TBALM ___ 5 - O autor, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 59, este inserido no Lote 2, do prédio descrito em A), com a área total de 19.540,00 m2 e com a área de construção de 129 m2 (excluindo abrigos de apoio) – art. 1º; ___ 6 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 2.600$00, no contravalor de € 12,97 – art. 2º; ___ 7 - À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 3º; ___ 8 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 59 confronta do Norte com talhão n.º 28, do Sul com talhão n.º 58, de Este com Arriba Fóssil e de Oeste com caminho público – art. 4º; ___ 9 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 5º; ___ 10 – HH, avô do autor, fez nas referidas parcelas de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 6º; ___ 11 – Foi o autor quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, nas referidas parcelas, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 7º; ___ 12 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 8º; ___ 13 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso às referidas parcelas, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores do autor – art. 9º; ___ 14 – O qual é exclusivamente afecto à actividade do autor e por si utilizado – art. 10º; ___ 15 – E que dá acesso à via pública - art. 11º; ___ 16 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pelo autor que não aceitava o facto referido em C) – art. 12º; ___ 17 - Durante os últimos 40 anos, o autor erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 1.º - art. 13º;___ 18 – O que fez sem oposição do réu – art. 14º; ___ 19 – E aí habita o autor numa casa – art. 15º; ___ 20 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 16º; ___ 21 – A parcela referida em 1º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 17º e 18º; Processo n.º 4934/07.3TBALM 22 – ___ O autor, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 43, inserido no Lote 3, grupo B, do prédio descrito em A), com a área total de 18.971,00 m2, com a área de construção de 260 m2 – art. 22º; ___ 23 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 1.500$00, no contravalor de € 7,48 – art. 23º; ___ 24 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 24º; ___ 25 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 43 confronta do Norte com particular, do Sul com talhão n.º 51, de Este com talhão n.º 51 e de Oeste com Malha Urbana – art. 25º; ___ 26 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 26º; ___ 27 – II, ascendente do autor, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 27º; ___ 28 – Foi o autor quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 28º; ___ 29 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 29º; ___ 30 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores do autor – art. 30º ___ 31 – O qual é exclusivamente afecto à actividade do autor e por si utilizado – art. 31º;___ 32 – E que dá acesso à via pública – art. 32º; 33 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pelo autor que não aceitava o facto referido em C) – art. 33º; ___ 34 – Durante os últimos 40 anos, o autor erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 22 – art. 34º; ___ 35 – O que fez sem oposição do réu – art. 35º; ___ 36 – E aí habita o autor numa casa – art. 36º; ___ 37 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 37º; ___ 38 - A parcela referida em 22º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 38º e 39º; Processo n.º 6679/07.5TBALM: ___ 39 – O autor, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 47, inserido no Lote 2, grupo A, do prédio descrito em A), com a área total de 11.658,00 m2, com a área de construção de 80,00m2 (excluindo abrigos de apoio) – art. 43º ___ 40 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 1.000$00, no contravalor de € 4,99 – art. 44º; ___ 41 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 45º; ___ 42 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 47 confronta do Norte com talhão 46, do Sul com talhão n.º 48, de Este com Caminhos Municipais de acesso e de Oeste com Malha Urbana – art. 46º; ___ 43 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 47º; ___ 44 – JJ, ascendente do autor, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 48º; ___ 45 – Foi o autor quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 49º; ___ 46 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 50º; ___ 47 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores do autor – art. 51º; ___ 48 – O qual é exclusivamente afecto à actividade do autor e por si utilizado – art. 52º; ___ 49 – E que dá acesso à via pública – art. 53º; ___ 50 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pelo autor que não aceitava o facto referido em C) – art. 54º; ___ 51 – Durante os últimos 40 anos, o autor erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 43.º - art. 55º; ___ 52 – O que fez sem a oposição do réu – art. 56º; ___ 53 – E aí habita o autor numa casa – art. 57º; ___ 54 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 58º; ___ 55 - A parcela referida em 43º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 59º e 60º; Processo n.º 6495/07.4TBALM ___ 56 – O autor, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 25 e o talhão n.º 26, inseridos no Lote 1, grupo A, do prédio descrito em A), com a área total de 74.198,00 m2, com a área de construção de 610,00m2 (excluindo abrigos de apoio) - art. 64º; ___ 57 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 4.100$00, no contravalor de € 20,45 – art. 65º; ___ 58 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 66º; ___ 59 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 25 e talhão n.º 26 confronta do Norte com talhão n.º 21 e talhão n.º 23, do Sul com talhão n.º 28, de Este com Arriba Fóssil e de Oeste com Caminhos Municipais de acesso – art. 67º; ___ 60 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 68º; ___ 61 – KK, ascendente do autor, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 69º; ___ 62 – Foi o autor quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 70º; ___ 63 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 71º; ___ 64 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores do autor – art. 72º; ___ 65 – O qual é exclusivamente afecto à actividade do autor e por si utilizado – art. 73º; ___ 66 – E que dá acesso à via pública – art. 74º; ___ 67 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pelo autor que não aceitava o facto referido em C) – art. 75º; ___ 68 – Durante os últimos 40 anos, o autor erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 64.º - art. 76º; ___ 69 – O que fez sem oposição do réu – art. 77º; ___ 70 – E aí habita o autor numa casa – art. 78º; ___ 71 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 79º; ___ 72 – A parcela referida em 64º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 80º e 81º; Processo n.º 6000/07.2TBALM ___73 – A autora, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 42, do prédio descrito em A), com a área total de 34.328,00 m2, com a área de construção de 438,00m2 – art. 85º; ___74 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 4.000$00, no contravalor de € 19,95 – art. 86º; ___ 75 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 87º; ___ 76 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 42 confronta do Norte com talhão n.º 41, do Sul com talhão n.º 56, de Este com Arriba Fóssil e de Oeste com Caminhos Municipais – art. 88º; ___ 77 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 89º; ___ 78 – LL, ascendente da autora, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 90º; ___ 79 – Foi a autora quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 91º; ___ 80 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 92º; ___ 81 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores da autora – art. 93º; ___ 82 – O qual é exclusivamente afecto à actividade da autora e por si utilizado – art. 94º; ___ 83 – E que dá acesso à via pública – art. 95º; ___ 84 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pela autora que não aceitava o facto referido em C) – art. 96º; ___ 85 – Durante os últimos 40 anos, a autora erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 85.º - art. 97º; ___ 86 – O que fez sem oposição do réu – art. 98º; ___ 87 – E aí habita a autora numa casa – art. 99º; ___ 88 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 100º; ___ 89 – A parcela referida em 85º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 101º e 102º; Processo nº 5938/07 ___ 90 – A autora, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 35, inserido no Lote 3, grupo B, do prédio descrito em A), com a área total de 13.272,00 m2, com a área de construção de 307,00m2 (excluindo abrigos de apoio) – art. 106º; ___ 91 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 1.500$00, no contravalor de € 7,48 – art. 107º; ___ 92 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 108º; ___ 93 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 35 confronta do Norte com talhão n.º 32, do Sul com talhão n.º 38, de Este com talhão n.º 41 e de Oeste com talhão n.º 33 e talhão n.º 37 – art. 109º; ___ 94 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 110º; ___ 95 – MM, ascendente da autora, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 111º; ___ 96 – Foi a autora quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 112º; ___ 97 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 113º; ___ 98 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores da autora – art. 114º; ___ 99 – O qual é exclusivamente afecto à actividade da autora e por si utilizado – art. 115º; ___ 100 – E que dá acesso à via pública – art. 116º; ___ 101– Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pela autora que não aceitava o facto referido em C) – art. 117º; ___ 102 – Durante os últimos 40 anos, a autora erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 106.º - art. 118º; ___ 103- O que fez sem a oposição do réu – art. 119º; ___ 104– E aí habita a autora numa casa – art. 120º; ___ 105– E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 121º; ___ 106 – A parcela referida em 106º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 122º e 123º Processo nº 6054/07 ___ 107 – A autora, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 49, inserido no Lote 4, grupo B, do prédio descrito em A), com a área total de 44.232,00 m2, com a área de construção de 284,00m2 (excluindo abrigos de apoio) – art. 127º; ___ 108 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 1.500$00, no contravalor de € 7,48 – art. 128º; ___ 109 – À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 129º; ___ 110 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 49 confronta do Norte com talhão n.º 47 e talhão n.º 50, do Sul com desconhecido e Matas Nacionais, de Este com Arriba Fóssil e de Oeste com Malha Urbana – art. 130º; ___ 111 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 131º; ___ 112 – NN, ascendente da autora, fez na referida parcela de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 132º; ___ 113 – Foi a autora quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 133º; ___ 114 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art. 134º; ___ 115 – Existe um caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela, com entrada proibida a estranhos e que foi feito pelos antecessores da autora – art. 135º; ___ 116 – O qual é exclusivamente afecto à actividade da autora e por si utilizado – art. 136º; ___ 117 – E que dá acesso à via pública – art. 137º; ___ 118 – Em 29 de Julho de 1970, o réu foi judicialmente notificado pela autora que não aceitava o facto referido em C) – art. 138º; ___ 119 – Durante os últimos 40 anos, a autora erigiu edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 127 – art. 139º; ___ 120 – O que fez sem oposição do réu – art. 140º; ___ 121 – E aí habita a autora numa casa – art. 141º; ___ 122 – E já lá habitavam os seus ascendentes já falecidos, incluindo os seus pais e avós – art. 142º; ___ 123 - A parcela referida em 127º e as respectivas benfeitorias têm um valor de pelo menos o dobro do valor da parcela aquando do início da exploração por banda do 1º A. – arts. 143º e 144º.


Cumpre decidir.


5. Apesar de, nas conclusões da revista se adoptar uma técnica de remissão parcial para pareceres jurídicos que não respeita inteiramente as exigências do art. 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, considera-se possível, a partir do conteúdo das mesmas conclusões, identificar as seguintes questões, objecto do presente recurso:

- Nulidade por omissão de pronúncia sobre questões de inconstitucionalidade;

- Natureza enfitêutica do direito dos AA. emergente do contrato celebrado com o R.;

- Aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios.


6. Na resolução das questões substantivas da presente revista, há que ter em conta a jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 09/04/2013 (proc. nº 79/06.1TBODM.E1.S1), de 30/10/2014 (proc. nº 5658/07.7TBALM.L2.S1), de 12/03/2015 (proc. nº 4583/07.6TBALM.L2.S1) e de 26/03/2015 (proc. nº 5001/07.5TBALM.L1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt) que tem vindo a decidir tais questões em sentido unânime, sendo que, nos três últimos casos relativamente a acções que não só têm o mesmo município como réu como dizem respeito a situações em tudo equivalentes às dos autos. Manteremos a orientação jurisprudencial já consolidada, seguindo de perto o conteúdo do acórdão de 30/10/2014 (proc. nº 5658/07.7TBALM.L2.S1), já citado.


7. Coloca-se, antes de mais, o problema resultante da formulação do pedido que foi formulado da seguinte forma:

“1. Deverá declarar-se ser o A. legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador/possuidor dos seus invocados direitos; e

2. Condenar-se o Réu/Município de Almada/CM Almada a reconhecer ao A. os referidos direitos e, por via, desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o A. na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição.”


Deve ter-se presente o regime legal da enfiteuse, tal como regulado no Código Civil de 1966, em especial nas seguintes normas:


Artigo 1491.º (Noção)

1. Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil.

(…)                                              

 3. Ao titular do domínio directo dá-se o nome de senhorio; ao titular do domínio útil, o de foreiro ou enfiteuta. 

Artigo 1492.º (Perpetuidade da enfiteuse)

1. A enfiteuse é de sua natureza perpétua, sem prejuízo do direito de remição, nos casos em que é admitido.

 2. Os contratos que forem celebrados com o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, mas estipulados por tempo limitado, são tidos como arrendamentos. 


Relativamente a pedido exactamente igual, o problema foi identificado no citado acórdão de 30/10/2014. Valem aqui as considerações deste aresto:

“Perante esta redação, das duas uma: Ou a palavra “rendeiro” foi empregue como sinónimo de “enfiteuta” ou como de “arrendatário”.

No caso de ter sido empregue no sentido de “arrendatário”, ainda há que distinguir: Ou o foi no sentido que lhe é conferido pelo contrato de locação, pretendendo-se que se declare subsistir tal contrato; Ou considerando o contrato de arrendamento como “porta de entrada” para, face ao disposto nas Leis n.ºs 22/87, de 24.6 e 108/97, de 16.9 – que infra melhor se examinarão – se chegar à enfiteuse e, depois, à sua extinção em favor do titular do domínio útil.  

O sentido de que “rendeiro” equivale ou pode equivaler a “enfiteuta” não tem correspondência no n.º3 do artigo 1491.º do Código Civil, nem tradição na nossa linguagem jurídica. Mas, se assim foi (impropriamente) usado, o resultado da interpretação do pedido não difere do que emerge da consideração do segundo daqueles sentidos.

Nem como veremos, colhe a aplicação daquelas Leis no sentido da transmutação do arrendamento em enfiteuse. A interpretação mais consentânea do pedido, de acordo com o teor da parte narrativa da p.i., vai no sentido de que é pedida concomitantemente a declaração de arrendatário (com contrato de arrendamento subsistente) e de enfiteuta.

Como melhor veremos infra, a definição de enfiteuse constava do n.º1 do artigo 1491.º, n.º 1 do Código Civil. É o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados direto e útil. No artigo seguinte referia-se ter natureza perpétua, sem prejuízo do direito de remição, nos casos em que é admitido.

Mais se referindo que os contratos celebrados com o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, mas estipulados por tempo limitado, são tidos como arrendamento.

Quer em virtude do desmembramento da propriedade, quer em virtude da natureza perpétua (ainda que com uma ressalva) a enfiteuse distingue-se do arrendamento. É um direito real, contraposto a este que, no melhor dos entendimentos, tem natureza obrigacional.

Sendo assim, sobre a mesma coisa, os direitos são incompatíveis: não se pode ser, ao mesmo tempo, enfiteuta e arrendatário. Nem o direito pode ser exercido em alternativa. Ou se tem uma qualidade ou outra.

Daqui concluímos que, se corresponder a palavra “rendeiro” a “arrendatário”, com subsistência do contrato de arrendamento, a autora, que não colocou os pedidos numa relação de subsidiariedade, cumulou pedidos substancialmente incompatíveis, integrando a previsão da segunda parte da alínea c) do n.º2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil (artigo 186.º, n.º2 c) do NCPC).

Aliás, a ineptidão já vem, nesta hipótese, da causa de pedir, nos termos da primeira parte da mesma alínea, quando a autora – artigos 4.º e seguintes da p.i. – invoca os factos integrantes da enfiteuse e, nomeadamente nos artigos 26.º, 27.º, 28.º e 36.º, al. c), invoca os que fundamentam o arrendamento.

Certo é, porém, que a nulidade daí resultante está sanada, atento o disposto no artigo 206.º, n.º 2 daquele Código (200.º, n.º2 do NCPC).

Ora, o demais constante do pedido, nomeadamente a referência a declaração judicial da enfiteuse e a “propriedade”, afastam a ideia de que o Tribunal tem de se pronunciar, ou também de se pronunciar, sobre a relação locatícia também aludida no petitório.

(…)

Outrossim, a pretensão relativa à declaração do direito de propriedade tem aqui contornos específicos. A petição inicial e, também aqui, as alegações da revista só traçam um caminho de surgimento desse direito: é o derivado – na construção que fazem – do direito de enfiteuse e do que emergiu da extinção desta figura. Nomeadamente a usucapião invocada não é a que, diretamente, determinaria o surgimento do direito de propriedade a favor da autora, mas a que determinaria a favor desta o surgimento do seu direito de enfiteuta, o qual, uma vez extinto, daria – sempre no seu modo de ver – origem à referida propriedade.”


Deste modo, reafirma-se, não obstante o teor do pedido, as questões substantivas objecto do presente recurso são aquelas que foram supra indicadas, isto é: - Natureza enfitêutica do direito dos AA. emergente do contrato celebrado com o R.; - Aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios.


8. Antes, porém, de apreciarmos as questões substantivas, vejamos a questão da alegada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da Relação, assim formulada pelos Recorrentes: “Não foi apreciada e decidida a magna questão da legalidade/constitucionalidade profusamente abordada quer nos PARECERES juntos aos autos pelas partes, quer nos ACÓRDÃOS dos Tribunais Superiores expressamente referenciados pelo A. e pelo Réu Município de Almada, que revelam oposição frontal.”

Também aqui, a respeito da definição do objecto da apelação, se refuta a técnica remissiva utilizada pelos Recorrentes. O objecto da apelação do R. não é definido pelo conteúdo de pareceres juntos aos autos, nem pelo conteúdo de acórdãos dos tribunais superiores referenciados pelas partes.

De todo o modo, é certo que na apelação do R. foi invocada (concl. Y) a inconstitucionalidade da “legislação ordinária que aboliu a enfiteuse – decreto-lei nº 195-A/76, bem como as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas, pela lei 22/87 e 108/97”. Contudo, o acórdão recorrido assentou a sua decisão na falta de prova pelos AA. da natureza perpétua do seu direito, o que impede que sejam qualificados como enfiteutas. Assim sendo, não aplicou ao caso a legislação cuja inconstitucionalidade foi invocada na apelação do R.

Conclui-se pois que não se verifica no acórdão recorrido a alegada omissão de pronúncia.


9. Passemos à apreciação das questões substantivas da revista, começando pela alegada natureza enfitêutica do direito dos AA. à luz do Código Civil de 1966.

Quanto à constituição da enfiteuse, o Código Civil de 1966 estabelecia o seguinte:


Artigo 1497.º (Princípio geral)

A enfiteuse pode ser constituída por contrato, testamento ou usucapião. 


Artigo 1498.º (Constituição por usucapião)

A constituição da enfiteuse por usucapião pode ter lugar pela aquisição do domínio directo, pela aquisição do domínio útil, ou ainda pela aquisição simultânea de ambos os domínios por pessoas diferentes. 


Não estando em causa, nos autos, a possibilidade de constituição da enfiteuse por testamento, temos de considerar por um lado a constituição por contrato e, por outro lado, a constituição por usucapião.

Relativamente à constituição por contrato, recorde-se que terá de corresponder ao “desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil” (art. 1491º, nº 1, CC) com carácter perpétuo (art. 1492º, nº 1, CC).

São os AA. quem qualifica o contrato como “contrato de arrendamento verbais, com início em 1 de Outubro e termo em 30 de Setembro seguinte”. Dos factos provados, e quanto ao que aqui releva, consta apenas, quanto a cada um dos AA., que o acordo existe há mais de 100 anos e que tem sido feito o pagamento de uma quantia anual.

O acórdão recorrido decidiu correctamente nos seguintes termos:


“… o que se constata é que da factualidade provada e supra descrita, não se extrai que o acordo verbal, de exploração e cultivo das duas parcelas do prédio em causa, tenha sido feito para vigorar em termos de perpetuidade, ou seja, sem limitação temporal. Nem se pode retirar tal ilação do facto de tal acordo verbal remontar aos antecessores dos Autores há mais de 100 anos.

Por outro lado.

Dúvidas não existem de que estamos perante um facto constitutivo do direito do Autores e, consequentemente, a eles incumbia o ónus de alegação e prova do mesmo, atento o disposto no art.º 342º nº 1 do C. Civil. Ora, em bom rigor, a verdade é que os Autores não deram cumprimento a esse ónus pois nunca caracterizaram a relação contratual estabelecida entre eles e seus antecessores por um lado, e o Réu e respetivos antecessores por outro, como revestida do tal carácter de perpetuidade.

    Muito pelo contrário, não estando o Tribunal vinculado às alegações das partes quanto às qualificações resultantes de interpretação jurídica, não relevando por isso as qualificações jurídicas feitas pelos Autores, como «enfiteuta/rendeiro/utilizador/ possuidor», a verdade é que dos factos invocados apenas se poderia extrair que as relações contratuais em causa eram anuais e que se teria sucessivamente renovado.”


     Conclui-se assim que não tem natureza enfitêutica o direito nascido dos contratos celebrados entre os AA./seus antepassados e o R.


10. Passa-se agora à apreciação da questão da aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios. Questão que deve ser considerada quer perante o regime geral da usucapião dos arts. 1287º e segs. do Código Civil, quer perante o regime especial do Decreto-Lei nº 195º-A/76, de 16 de Março, na redacção da Lei nº 22/87, de 24 de Junho, e da Lei nº 108/97, de 16 de Setembro.

De acordo com o entendimento comummente aceite, a posse é constituída por dois elementos: o corpus e o animus. O corpus, consistente numa “materialidade empírica consubstanciada no exercício efectivo de poderes materiais sobre a coisa ou na possibilidade física desse exercício”; e o animus, traduzido na “intenção de exercer sobre ela, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto” (formulação do acórdão deste Supremo Tribunal de 09/06/2016, proc. nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

Para a verificação do corpus relevam os seguintes factos dados como provados: com pequenas variantes entre os AA. (que pelo que segue, não se afiguram importantes para a decisão), têm estes, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordos verbais celebrados com os anteriores donos, vindo a explorar e a cultivar directamente os prédios dos autos, à vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu, neles erigindo construções e/ou cultivando hortas.

Os factos provados não são, por si só, conclusivos. Podem integrar o corpus correspondente ao domínio útil da enfiteuse, como também podem integrar o corpus correspondente a outro direito real, designadamente o direito de propriedade. Ou, diversamente, podem corresponder ao exercício de um direito pessoal de gozo, próprio do arrendatário ou do comodatário.

A situação não pode ser esclarecida com recurso ao elemento subjectivo pois não foram alegados ou provados factos que permitam integrar o animus de enfiteutas ou, em geral, de possuidores por conta própria.

Como decidido nos citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30/10/2014 (proc. nº 5658/07.7TBALM.L2.S1), de 12/03/2015 (proc. nº 4583/07.6TBALM.L2.S1) e de 26/03/2015 (proc. nº 5001/07.5TBALM.L1.S1) – relativos a situações em tudo equivalentes às dos autos – não se verificam os pressupostos necessários à aquisição por usucapião. Em conclusão, os AA. não são enfiteutas à luz do regime do Código Civil de 1966.


11. Há que averiguar da possibilidade de aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios ao abrigo do regime especial do Decreto-Lei nº 195º-A/76, de 16 de Março, na redacção da Lei nº 22/87, de 24 de Junho, e da Lei nº 108/97, de 16 de Setembro.

Em concreto, há que ter presente as seguintes disposições legais:


Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de Março:

Artigo 1.º - “1. É abolida a enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil.

(…)”

Artigo 2.º - “1. O Estado, através do Ministério da Agricultura, indemnizará o titular do domínio directo quando este for uma pessoa singular com rendimento mensal inferior ao salário mínimo nacional.

2. A indemnização consistirá no pagamento anual, enquanto forem vivas, de uma quantia em dinheiro igual a doze vezes a diferença entre o salário mínimo nacional e o seu rendimento mensal ou no pagamento do valor do foro quando este for inferior àquela quantia.


Constituição da República Portuguesa

Artigo 101.º, n.º 2 (redacção originária): “Serão extintos os regimes de aforamento e colonia…”

Alterado, na revisão de 1982 para:

Art. 96º, nº 2: “São proibidos os regimes de aforamento e colonia…, que se mantem actualmente”


Lei n.º 22/87, de 24 de Junho - aditou ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, o seguinte número:

“5. Considera-se que a enfiteuse se constitui por usucapião se quem alegar a titularidade do domínio útil provar por qualquer modo:

a) Que em 16 de Março de 1976 tinham decorrido os prazos de usucapião previstos na lei civil;

b) Que pagava uma prestação anual ao senhorio;

c) Que as benfeitorias realizadas pelo interessado, contitular ou seus antecessores na posse do prédio ou parcela foram feitas na convicção de exercer o direito próprio como enfiteuta;

d) Que as benfeitorias, à data da interposição da acção, têm um valor de, pelo menos, metade do valor da terra no estado de inculta, sem atender à sua virtual aptidão para a urbanização ou outros fins agrícolas.”


Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro – nova alteração ao nº 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, que passou a ter a seguinte redacção:

“5 – Considera-se que a enfiteuse se constituiu por usucapião se:

a) Desde, pelo menos 15 de Março de 1946 até à extinção da enfiteuse o prédio rústico, ou a sua parcela, foi cultivado por quem não era proprietário com a obrigação para o cultivador de pagamento de uma prestação anual ao senhorio.

b) Tiverem sido feitas pelo cultivador ou seus antecessores no prédio ou sua parcela benfeitorias, mesmo que depois de 16 de Março de 1976, de valor igual ou superior a, pelo menos, metade do valor do prédio ou da parcela, considerados no estado de incultos e sem atender a eventual aptidão para a urbanização ou outros fins não agrícolas.


Tendo sido acrescentado um novo número ao mesmo art. 1º:

“6. Pode pedir o reconhecimento da constituição da enfiteuse por usucapião quem tenha sucedido ao cultivador inicial por morte ou negócio entre vivos, mesmo que sem título, desde que as sucessões hajam sido acompanhadas das correspondentes transmissões da posse.”


É ao abrigo dos nºs 5 e 6, do art. 1º, do Decreto-Lei n.º 195-A/76, introduzidos, sucessivamente, pela Lei nº 22/87, de 24 de Junho, e pela Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro, que os Recorrentes pretendem ter feito prova da aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios.

Contudo, a jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 09/04/2013 (proc. nº 79/06.1TBODM.E1.S1), de 30/10/2014 (proc. nº 5658/07.7TBALM.L2.S1) e de 12/03/2015 (proc. nº 4583/07.6TBALM.L2.S1, citados), tem entendido, de forma constante, que estamos perante normas inconstitucionais, acolhendo a posição defendida por Gomes Canotilho/Vassalo de Abreu (“Enfiteuse sem extinção. A propósito da dilatação legal do âmbito normativo do instituto enfitêutico”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 140º, págs. 206-238, 266-300, e 326-345) e afastando-se da posição de Menezes Cordeiro (Da enfiteuse: extinção e sobrevivência, in O Direito, 2008, II, págs. 285-315, posição reafirmada no parecer junto aos autos na presente revista).

Mantendo-se, também aqui, a orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal, adere-se às conclusões de Gomes Canotilho/Vassalo de Abreu (cit., págs. 338 e seg.) que aqui se transcrevem:


“I – A Constituição da República, desde a sua versão originária, pretendeu, na sequência de legislação pré-constitucional, a liquidação radical dos encargos e obrigações relacionados com a enfiteuse que impendiam sobre o enfiteuta (titular do domínio útil), dando por assente quem podia, ou não, ser considerado como tal, à luz dos artigos 1491º e seguintes da versão primitiva do Código Civil de 1966.

II – Mesmo no contexto da “Reforma Agrária” recebida pela Constituição não se vislumbra qualquer abertura para a extensão do âmbito normativo da enfiteuse sobre prédios rústicos a quem não reunia, na data da entrada em vigor do Decreto-lei nº 195-A/76, de 16 de Março, a qualidade de enfiteuta.

III – A Lei nº 108/97, de 16 de Setembro, consagra uma perspectiva radicalmente diversa. A julgar pela interpretação que dela fazem alguns autores, ela impõe a extensão do âmbito normativo da disciplina enfitêucica a “domínios da realidade” que nunca estiveram no programa normativo constitucional.

IV – Da extensão da enfiteuse a outros âmbitos empíricos resulta uma disciplina legal retroactivamente extensiva do âmbito de proibição do regime enfitêutico.

V – Esta nova disciplina é claramente inconstitucional, dados os seus efeitos jurídicos: expropriação ou confisco por utilidade particular de direito protegidos pela Constituição.

VI – E protegidos nos termos do regime dos direitos, liberdades e garantias, pois trata-se de garantir o direito de propriedade contra ingerências ablatórias (cf. arts. 17º 18º/3 da CRP).

VII – Em rigor, sem vez de se proceder à extinção da enfiteuse procurou-se recortar uma enfiteuse sem extinção, pois tenta-se fazer revivescer um instituto jurídico que está constitucionalmente proibido.

VIII – Com efeito, o legislador de 1997 (Lei nº 108/97) introduziu retroactiva e inovadoramente três maldades congénitas: (1) através do alargamento do âmbito normativo e da “realidade” normativa da enfiteuse; (2) através da transmutação de outros institutos jurídicos em enfiteuse (ex: arrendamento de longa duração); (3) através da constituição de regimes enfitêuticos a favor do titular do domínio útil e com completo desprezo dos interesses do titular do domínio directo.

IX – Além de proceder a um confisco ou expropriação retroactiva de “propriedade não enfitêutica”, o legislador não curou de saber também do regime indemnizatório por privação desta propriedade.

X – Está em manifesta contradição com as actuais regras e princípios constitucionais ficcionar um novo dierito real de enfiteuse a fim de legitimar a expropriação do titular da propriedade plena, sem qualquer indemnização.

XI – A criação de figuras à margem da taxatividade ou do “numerus clausus” dos direitos reais, mas com a pretensão dos mesmos efeitos explicitamente tipificados no Código Civil – designadamente a enfiteuse do prédio rústico cultivado por quem não era proprietário, a “enfiteuse iniciada com posse em termos de arrendamento”, “equiparação à enfiteuse do arrendamento de longa duração” – é, portanto, duplamente inconstitucional. Por um lado, cria novas figuras desapropriadas sem assento constitucional. Por outro lado, legitima actos ablatórios da propriedade sem qualquer previsão do regime de indemnização (CRP, art. 62º/2).”


Pelas razões aduzidas, não pode reconhecer-se aos AA. a aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade do direito de propriedade plena sobre os prédios, ao abrigo dos nºs 5 e 6, do art. 1º, do Decreto-Lei n.º 195-A/76, introduzidos, sucessivamente, pela Lei nº 22/87, de 24 de Junho, e pela Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro, uma vez que tais normas são inconstitucionais.

Aliás, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 786/2014, de 12/11/2014 (proc. nº 412/2013) decidiu “Julgar inconstitucional as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização”.


12. Concluindo, os AA. não se tornaram enfiteutas nem por contrato nem por usucapião. Assim, não se verifica o suporte a partir do qual os AA. pretendem chegar à propriedade plena sobre os prédios dos autos.

        

13. Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 23 de Junho de 2016


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo