Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3125/11.3TJCBR-B.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
COMPRA E VENDA
OPOSIÇÃO DE EMBARGOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO FALIMENTAR - DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª Ed., pp. 180/181.
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE”, Anotado, p. 71.
- Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2ª Ed., pp. 214/215.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., p. 626 e doutrina aí mencionada.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º 2, 2.ª PARTE, 879.º, AL. C).
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 3.º, N.ºS 1 E 4, 14.º, N.º1, 17.º, 20.º, N.º1, ALS. A) E B), 120.º, 121.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º1, AL. D), 2.ª PARTE, 635.º, N.º4, 666.º, N.º1, 682.º, N.º1.
LEI N.º 16/2012, DE 20-04: - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 26.10.99 – COL. – 4º/44.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08.06.1989, AJ, O.º/89, P. 12;
-DE 20.02.1990, AJ, 6º/90, P. 11;
-DE 03.05.1995 – BOL. 447º/508;
-DE 10.11.1998 – BOL. 481º/449;
-DE 21.01.2003, IN WWW.DGSI.PT ;
- DE 25.03.14, DA 6ª SECÇÃO, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Com excepção do apenso de embargos deduzidos à sentença declaratória da insolvência, não é aplicável a restrição recursiva prevista no art. 14.º, n.º 1 do CIRE, aos apensos do processo de insolvência.
II - A alteração introduzida ao art. 120.º, n.º 1 do CIRE pelo art. 1.º da Lei n.º 16/2012, de 20-04, não é aplicável, atento o preceituado na parte final do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, às relações jurídicas constituídas, mas que já não subsistam (designadamente, por efeito de operada resolução extrajudicial), à data da sua entrada em vigor.

III - Constitui acto prejudicial para a massa insolvente a venda de um imóvel integrante do património do insolvente e em que, pelo menos, parte do respectivo preço – coincidente com o valor comercial, então, detido pelo imóvel – não é paga, antes sendo afectada ao pagamento ou garantia de pagamento de empréstimos concedidos ao insolvente pelo sócio-gerente da compradora, favorecendo, deste modo, tal credor em detrimento dos demais e impedindo o ingresso, no património do insolvente, da importância não paga.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1[1]

                (Rel. 165)

                             Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA – ..., Lda” instaurou, na comarca de Coimbra, por apenso à respectiva acção de insolvência (nº 3125/11.3TJCBR – 4º Juízo Cível), acção declarativa, a processar sob a forma ordinária e por si denominada de “acção de impugnação de resolução de acto jurídico”, contra a “Massa Insolvente de BB, pedindo que, na procedência da impugnação, deva subsistir a compra e venda a que a impugnada resolução havia posto termo.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência:

                                                      /

--- Foi notificada pela Sra. administradora da correspondente insolvência da resolução do contrato de compra e venda celebrado, em 13.11.07, entre o insolvente e a, ora, A., bem como da resolução do contrato de compra e venda celebrado, em 11.11.10, entre a, ora, A. e CC, relativos ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (CRPred.) de …, sob o nº…, da freguesia de ... e inscrito, na respectiva matriz predial, sob o art. nº1;

--- Porém, os factos invocados pela Sra. administradora para fundamentar essas resoluções não correspondem à realidade, visto dos contratos não terem resultado para as partes obrigações manifestamente desproporcionadas, o insolvente não estar, à data, em situação de insolvência iminente e a venda não ter dificultado a satisfação dos credores da insolvência;

--- O prédio em causa foi adquirido não apenas ao insolvente, mas aos seus dois proprietários de então e o preço da compra foi efectivamente pago, tendo, para o efeito, a impugnante entregue ao insolvente dois cheques, no valor global de € 50 000,00 e pago o remanescente através de uma conta-corrente caucionada;

--- O imóvel estava, à data, muito degradado, correspondendo o preço da compra ao valor real do bem.

       A massa insolvente contestou, invocando os fundamentos de resolução (do dito contrato em benefício da massa) constantes da comunicação que dirigiu à, ora, A., a saber: que o negócio foi simulado, tendo-se destinado apenas a retirar o imóvel do património do insolvente; que não foi pago o preço pela compradora; e que, de todo o modo, o valor indicado na escritura, de € 100 000,00, é substancialmente inferior ao valor do imóvel e respectivo mobiliário, à data da venda, dado que o prédio (que fora recuperado pelo insolvente) tinha o valor comercial de € 1 085 000,00.

       Mais invocou que a A. não ignorava este facto quando adquiriu o prédio, tendo-o, aliás, posto à venda por € 750 000,00 e que, tanto pela relação familiar existente entre o seu gerente e o insolvente (primos), como pelos laços de amizade existentes entre as partes, tinha conhecimento que este se encontrava com graves dificuldades económicas.

       Acentuou, ainda, que quer os vendedores, quer a sociedade compradora conheciam a situação económica do insolvente e sabiam que a venda agravava a situação de insolvência deste e prejudicava os respectivos credores.

       Aditou, ainda, que se presume ser o negócio prejudicial à massa, sem admissão de prova em contrário, nos termos dos arts. 120º, nº3 e 121º, nº1, al. h), ambos do CIRE, prescindindo-se, ainda, da verificação da má fé dos intervenientes, em conformidade com o art. 120º, nº4 do mesmo diploma, pelo que, tendo o negócio sido celebrado nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência, estão verificados os pressupostos da resolução em benefício da massa insolvente do negócio celebrado entre a A. e o insolvente.

                                                   *

2 – Também CC instaurou, na mesma comarca, acção declarativa, a processar sob a forma ordinária e por si denominada de “acção de impugnação de resolução de acto”, contra a “Massa Insolvente de BB” e por apenso a esta, pedindo que seja declarada inválida e ineficaz a declaração (provinda da Sra. administradora da correspondente insolvência) de resolução da compra e venda que celebrou com a sobredita A.

       Para o efeito, alegou, em resumo e essência:

                                                   /

--- A administradora da insolvência dirigiu-lhe uma declaração de resolução incondicional do negócio de compra e venda por si celebrado com a sobredita A., em 11.11.10, negócio este através do qual o A. adquiriu um imóvel (o prédio supra id.) pelo preço de € 90 500,00, que, efectivamente, pagou por transferência bancária;

--- Tal resolução não tem fundamento, porque, até à data, não conhecia o vendedor, o imóvel estava em estado de degradação e abandono e o preço pago correspondia ao respectivo valor de mercado;

--- A compra do imóvel não causou qualquer prejuízo à massa insolvente, que, à data do negócio, nada tinha a ver com o insolvente, desconhecendo o negócio celebrado entre este e a sua mulher e a sociedade “AA”, além de que agiu com boa fé, inexistindo, assim, qualquer justificação para a pretendida resolução do negócio.

                                                    /

       A “Massa Insolvente de BBcontestou a acção proposta por CC, onde, além do mais, invoca os fundamentos de resolução em benefício da massa do negócio celebrado entre o insolvente e “AA, Lda”, antes resumidos, e, no que concerne ao negócio celebrado entre esta sociedade e o A., alegou que este conhecia todos os intervenientes no negócio anterior, sendo amigo do insolvente e da sua família, tanto mais que chegou a emprestar-lhe € 20 000,00 (crédito este que, aliás, baseou o pedido de insolvência), tendo, por isso, conhecimento da situação económica e financeira do insolvente, do carácter prejudicial do negócio celebrado entre este e a sociedade “AA”, bem como de que se trataria de um negócio simulado.

       Mais referiu que também a venda que foi feita a esse A. consistiu num negócio simulado que se destinou apenas a evitar que a dita sociedade fosse obrigada a pagar IMT sobre a transacção inicial e foi ditado pela amizade que mantinha com os sócios gerentes desta, que a sociedade “AA” não pagou, sequer, o preço, não procedeu à entrega do imóvel e continuou a diligenciar pela venda do imóvel junto de terceiras entidades.

       Invocou também que esta venda diminuiu o património do insolvente, na medida do prejuízo sofrido e que mesmo que as transmissões tivessem sido feitas pelos preços declarados seriam altamente prejudiciais ao insolvente, dado o valor do prédio ser muito superior.

       Concluiu que este A. agiu de má fé e que se verificam os pressupostos da resolução do negócio com o mesmo celebrado, estabelecidos nos arts. 120º e 121º, nº1, als. b) e h) do CIRE, devendo também esta acção improceder.

                                                /

       Cumprindo o determinado no despacho de fls. 151 a 153 da acção instaurada por “AA”, procedeu-se à apensação a esta da que foi instaurada por CC.

       Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente selecção da matéria de facto reputada relevante para a instrução e decisão da causa.

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 27.05.13) sentença que, julgando improcedentes ambas as acções, absolveu a massa insolvente dos correspondentes pedidos.

       Desta sentença interpuseram recurso ambos os AA., tendo, porém, sido rejeitado, com improcedência da reclamação, o interposto pelo A. CC.

       A Relação de Coimbra, por acórdão de 21.01.14 (Fls. 401 a 412), julgou procedente o admitido recurso de apelação, consignando no respectivo dispositivo: “…revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, também se acorda em julgar procedente a presente acção de impugnação, dando-se sem efeito as referidas declarações de resolução de acto jurídico – factos supra nº/s 11 e 13”.

       Daí a presente revista interposta pela apelada “Massa Insolvente”, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                        /

Questão prévia: da admissibilidade do presente recurso

                                                  /

1ª – Em regra, determina o artigo 14°, nº 1 do CIRE, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça encontra-se limitado aos casos em que o recorrente demonstre a existência de contradição da decisão proferida na Relação com um outro acórdão que trate da mesma questão de Direito;

2ª – Porém, é nosso entendimento, que tal limitação não se aplica ao presente caso, pois que se trata de um apenso ao processo de insolvência, e aquela norma aplica-se apenas ao processo de insolvência em si mesmo e aos embargos opostos à declaração de insolvência;

3ª – Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.04.13, no âmbito do processo nº 3410/l0.lT2SNT-E.Ll.51: "A disposição contida no art. 14°, nº1, do CIRE, que no âmbito da insolvência exclui, em regra, o recurso para o STJ, não tem aplicação a uma acção apensa que não tem por objecto a insolvência em si, nem integra, formal e estruturalmente, o próprio processo de insolvência ou quaisquer dos seus incidentes, no âmbito dos quais o legislador sentiu necessidade de estabilizar as decisões aí proferidas, incluindo nessa rápida estabilização também as questões incidentais";

4ª – Dos elementos literal e sistemático decorre o mesmo entendimento, ou não tivesse o legislador em muitas das disposições legais do CIRE usado autonomamente as expressões "processo de insolvência" e “seus incidentes e apensos";

5ª – O artigo 14° do CIRE integra o capítulo I do Titulo I onde se plasmaram as disposições gerais do processo de insolvência. Neste capítulo, é usada esta expressão "processo de insolvência" onze vezes (artigo 1°, nº1; artigo 2°, nº1; artigo 7°, nº1; artigo 7°, nº3; artigo 8°, nº1; artigo 9°, nº1; artigo 9°, nº2; artigo 9°, nº5; artigo 11°; artigo 14°, nº 1; e 17°) e por uma vez é usada de forma abreviada como "no processo" (artigo 14°, nº 2);

6ª – E, analisando estes artigos no seu conjunto, por sete vezes é usada a expressão de processo de insolvência por contraposição a "seus incidentes e apensos";

7ª – Se o legislador quisesse ter incluído no âmbito do processo de insolvência os seus incidentes e apensos, não retrataria de modo distinto cada uma dessas fases. Exemplo claro disso é o disposto no artigo 9° do CIRE, o qual retrata o carácter de urgência não só do processo de insolvência em si mas alargando especificamente esse carácter aos incidentes e apensos;

8ª – Ora, de modo coerente, não iria naturalmente o legislador usar a mesma expressão "processo de insolvência" umas vezes em sentido amplo e outras em sentido restrito;

9ª – E, assim, havemos de concluir que quis o legislador restringir o âmbito de aplicação do artigo 14° do CIRE unicamente ao processo de insolvência e aos embargos opostos à declaração de insolvência;

10ª – Analisando o elemento teleológico concluímos igualmente que, embora o legislador tenha pretendido imprimir ao processo de insolvência a celeridade necessária para resolver o crescente número de insolvências sem inviabilizar a satisfação dos credores e os fins do processo, essa mesma celeridade decorre do carácter urgente do processo e seus apensos, e não da restrição de garantias dos cidadãos, ou, de outra forma, essa mesma constrição teria sempre de ser expressa;  

11ª – A necessária estabilização de decisões que o legislador refere deve ser aferida, tão-somente, com respeito ao próprio processo de insolvência, pois é neste que ocorrem alterações significativas na situação do devedor, designadamente, no que toca aos poderes de administração e disposição do seu património, à restrição de meios ao dispor dos credores para cobrança dos seus créditos, e à segurança transmitida aos mesmos no que respeita às sanções sobre o insolvente que dissipe os seus bens;

12ª – É para o lapso temporal que decorre entre a entrada da petição que requer a insolvência de um devedor, e a sua efectiva declaração, que se mostra fundamental e urgente que se defina a situação do devedor;

13ª – Conclui-se, pois, que o artigo 14° do CIRE deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicabilidade se limita ao próprio processo de insolvência e aos embargos opostos à declaração da mesma, tendo sido intenção deliberada do legislador excluir do seu âmbito os incidentes e apensos;

14ª – Devendo o presente recurso ser admitido, e apreciada a questão da violação da lei substantiva, por erro de interpretação das normas aplicáveis.

Do erro na interpretação das normas legais aplicáveis:

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15ª – Entende a recorrente que o julgador do caso em apreço formulou errada interpretação das normas aplicáveis;

16ª – Além de que valorou novamente toda a prova, em clara violação do princípio da imediação, concluindo pela não verificação dos pressupostos necessários à resolução de negócio em benefício da massa insolvente;

17ª – Assim, no que concerne à prejudicialidade para a massa insolvente, visto que o julgador entendeu este conceito em sentido restrito, como a necessidade de falta de equivalência entre o valor do bem e o valor pago, sem atender a quaisquer outros parâmetros relevantes para aferir a integração ou não do negócio em causa naquele conceito de direito;

18ª – Considerou, ainda, não ter ficado demonstrada a má-fé dos intervenientes no negócio, tão-somente por o devedor não se encontrar, à data do negócio, em 2007, em situação de insolvência ou sequer em insolvência iminente;

Do requisito da prejudicialidade do negócio resolvido para a massa insolvente:

                                                     /

19ª – Alterando a matéria de facto provada, o tribunal a quo considerou provado que o valor patrimonial do imóvel rondava os 100 000,00 € (facto 34) e que, uma vez que esse foi o valor efectivamente pago pela sociedade AA, Lda. (facto 4) não houve prejudicialidade para a massa insolvente;

20ª – No nosso modesto entendimento, porém, e em maior concordância com o disposto nos artigos 1200 e 1210 causam prejudicialidade para a massa insolvente todos os actos que “diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência", bem como todos os actos elencados no artigo 121° do CIRE, e não apenas os negócios celebrados por valor inferior ao real;

21ª – O património do insolvente ficou diminuído com o negócio celebrado;

22ª – Tanto mais que não ficou provado que a sociedade AA, Lda. fosse credora do insolvente, mas antes que o valor a receber por este se destinaria ao pagamento ou garantia de pagamento de empréstimo que o sócio gerente daquela sociedade lhe havia concedido;

23ª – Apesar de ser sócio daquela empresa, não podemos confundir, corno fez o Tribunal a quo, que estas são duas entidades completamente diferentes, e é por isso que o negócio celebrado foi, afinal, prejudicial à massa: serviu para extinguir a dívida que o insolvente tinha para com um terceiro;

24ª – De acordo com o nº3 do artigo 120° do CIRE, presumem-se, sem admissão de prova em contrário, todos os actos descritos no artigo 121° daquele diploma legal, mesmo que não se enquadrem nos prazos referidos no preceito;

25ª – Ora, se, conforme ficou provado, o negócio realizado constituiu uma dação em cumprimento, e este não se considera um meio usual no comércio jurídico de pagamento ou extinção de obrigações, como o são, ao invés, o pagamento ou a compensação, é enquadrável no âmbito daquela norma, e portanto, presumível, sem admissão de prova em contrário, a sua prejudicialidade - vide artigo 121°, al. g) do CIRE;

26ª – Mais, se atentarmos no facto de a sociedade AA, Lda. não ser credora do insolvente, e não deter, por isso, qualquer direito contratual que lhe permitisse exigir do insolvente o uso da dação em cumprimento para pagar ou extinguir qualquer obrigação;

27ª – E se considerarmos os demais credores e os privilégios ou garantias que os mesmos detêm, que lhes atribuiriam uma posição privilegiado face à A., bem como ao sócio desta, DD, que a ser credor seria credor comum nos termos do artigo 47° do CIRE;

28ª – O negócio celebrado integra-se no conceito de prejudicialidade para a massa insolvente em consonância com os artigos 120° e 121°, ambos do CIRE, e era neste sentido que o Tribunal da Relação deveria ter interpretado as referidas normas, e em consequência, considerado verificado o pressuposto de prejudicialidade necessário à resolução do negócio em benefício da massa insolvente;

29° Apesar de não ser directamente aplicável, por não estar verificado o prazo que o artigo 121°, al. g) do CIRE dispõe, este preceito é aplicável por remissão do artigo 120°, nº 3 do mesmo diploma legal;

30° Entende a recorrente que o tribunal a quo não interpretou de forma correcta e adequada as normas legais aplicáveis;

31ª – A errada interpretação das normas legais constitui, de acordo com o artigo 674°, n,º 1, al. a) do CPC, fundamento para que o recurso de revista seja admitido, julgado procedente, revogando o acórdão recorrido e sua substituição por outro que declare a improcedência do recurso interposto pela sociedade AA, Lda;

32ª – No caso em apreço, o julgador interpretou de forma errada as normas vertidas nos artigos 3°, 120° e 121° do CIRE, pelo que se aplica o supra exposto;

Do requisito da má-fé dos intervenientes no negócio:

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33ª – O tribunal a quo deu como provado que o insolvente tinha dívidas vencidas a diversas entidades, que não conseguia pagar (facto 23), que tinha várias acções executivas pendentes contra si, em 2007 (facto 24) e que os sócios da AA, Lda. frequentavam a casa e intimidade do insolvente (facto 37), sendo conhecedores das dificuldades financeiras do mesmo e da sua impossibilidade de cumprir os compromissos que assumia (facto 38);

34ª – Deu, ainda, como assente que um dos credores, DD, era sócio da AA, Lda. (facto 21 e 27);

35ª – Mas, ainda assim, o Tribunal da Relação entende não ter havido má-fé dos compradores do imóvel, visto que entende não se verificar nenhum dos requisitos elencados no nº 5 do artigo 120° do CIRE;

36ª – Aquele preceito determina que para existir má-fé deve haver conhecimento ou que o devedor se encontrava em situação de insolvência, ou do carácter prejudicial do negócio e que o devedor se encontrava em situação de insolvência iminente ou do início do processo de insolvência;

37ª – Resulta da leitura do acórdão de que ora se recorre que o julgador terá feito uma errada interpretação do conceito de insolvência em si mesmo, na sua redacção contida no artigo 3° do CIRE, preceito no qual se considera em situação de insolvência "o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas";

38ª – Ora, como se referiu, o próprio tribunal deu como provado que o devedor “não conseguia cumprir os compromissos que ia assumindo" (facto 38), no entanto, considerou que este facto bem como que o facto de o insolvente apresentar à data do negócio sérias dificuldades financeiras e revelar incumprimento generalizado das suas obrigações vencidas não seria determinante para considerar que DD se encontrava em situação de insolvência, ou pelo menos, em situação de insolvência iminente;

39ª – São também elementos indiciadores de insolvência os constantes das alíneas a) e b) do artigo 20° do CIRE: suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas" e "falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações".

40ª – Tendo o tribunal dado como assentes, como deu, os referidos factos, e que no entendimento da recorrente consubstanciam claramente uma situação de insolvência (ou, pelo menos, de insolvência iminente), não se compreende por que motivo o tribunal a quo não os subsumiu no artigo 3° do CIRE e não tenha considerado que já em 2007 o devedor se encontrava em situação de insolvência, ou em situação de insolvência iminente;

41ª – Dando como provada a intimidade e conhecimento por parte dos sócios da AA, Lda. das dívidas do insolvente, e que não as conseguia cumprir pontual e tempestivamente, deveria ter considerado igualmente que os mesmos conheciam os seus montantes, os seus titulares e se dos mesmos detinham alguma garantia ou privilégio;

42ª – Pelo que outra não podia ser a conclusão se não que a sociedade AA, Lda sabia que a compra e venda celebrada era, como foi, prejudicial para os credores e para a massa insolvente, dado que o património do insolvente ficou diminuído e, assim, se tornou mais difícil para os credores verem os seus créditos satisfeitos, ou pelo menos que o seu pagamento tenha sido retardado;

43ª – Torna-se, assim, patente que existia má-fé da sociedade AA, Lda. não só por serem conhecedores da situação de insolvência do devedor, mas também por possuírem a noção do carácter prejudicial do negócio para a massa insolvente;

44ª – Ao invés, o tribunal considerou erradamente que a mesma não se verificava, em óbvia contradição com os factos que deu como assentes e provados;

45ª – Foi, como se disse, a errada interpretação que o julgador formulou sobre o conceito de insolvência que determinou e toldou o seu entendimento acerca da não verificação do pressuposto da má-fé no caso em apreço;

46ª – Estamos em crer que o Tribunal a quo confundiu situação de insolvência com a sua efectiva declaração, induzindo a ideia de que apenas se encontra em situação de insolvência o devedor acerca do qual haja sido declarada a insolvência por sentença transitada em julgado;

47ª – Interpretação esta contrária ao que determina o artigo 3° do CIRE, e que determinou uma igualmente errada interpretação dos artigos 120°, nº1 e 5 do CIRE;

Da nulidade prevista na alínea d) do n°1 do artigo 615°do CPC

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48ª – Pode ler-se em todos os acórdãos proferidos no âmbito de recursos apreciados pelo Tribunal da Relação que o seu objecto "é delimitado pelas conclusões produzidas nas alegações";

49ª – Vale, aqui, a norma constante do artigo 635°, nº4 do CPC, bem como o artigo 615°, nº1, al. d) do CPC, por remissão da al. c) do nº 1 do artigo 674° também do CPC, que determinam a nulidade de sentença que conheça de questões que lhe estava vedado conhecer;

50ª – Das alegações da sociedade AA, Lda., bem como dos factos dados como provados constata-se a existência de dois contratos resolvidos pela Senhora administradora de insolvência:

- contrato de compra e venda celebrado em 13 de Novembro de 2007 entre o insolvente e sua ex-mulher, na qualidade de vendedores, e a sociedade AA, Lda., na qualidade de compradora, cujo objecto se tratava de um imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-O-Velho sob o nº … da freguesia de ..., pelo preço de € 100 000,00;

- contrato de compra e venda sobre o mesmo objecto, celebrado em 11 de Novembro de 2010, entre aquela sociedade e o co-autor CC, mas já pelo preço de € 90 500,00;

51ª – No entanto, nas alegações da A. apenas se aprecia a verificação ou não verificação dos pressupostos necessários para a resolução do primeiro contrato (prejudicialidade e má-fé), não fazendo semelhante menção ou apreciação quanto ao segundo;

52ª – O Tribunal da Relação conclui com a seguinte decisão "julgar procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e consequentemente também se acorda em julgar procedente a presente acção de impugnação, dando-se sem efeito as referidas declarações de resolução de acto jurídico, factos supra números 11 e 13";

53ª – Estes factos (11 e 13) respeitam às impugnações deduzidas pela sociedade AA, Lda. e por CC, não tendo este último interposto recurso tempestivo da sentença que julgou improcedente a sua acção;

54ª – Ao apreciar, como apreciou, questões de que não podia conhecer, o Tribunal da Relação apreciou em excesso o recurso interposto pela sociedade AA, Lda;

55ª – Assim, padece de nulidade o acórdão recorrido, nos termos do artigo 615°, nº 1, al. d) do CPC.

       FACE AO EXPOSTO

       Deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que determine a improcedência do recurso interposto pela autora AA, Lda.

       Contra-alegando, suscita a recorrida a questão prévia da inadmissibilidade do interposto recurso, defendendo, em entendimento contrário, a confirmação do acórdão recorrido.

       Corridos os vistos, cumpre decidir.

                                                     *

3Questão prévia da inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra-alegações da sociedade recorrida:

                                                     /

       O art. 14º, nº1, do CIRE preceitua: “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da Relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC, jurisprudência com ele conforme”.

       No caso dos autos, confrontamo-nos com duas acções de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente de actos tidos por prejudiciais à mesma (massa insolvente), as quais foram instauradas e, conquanto objecto de apensação, foram, por sua vez, processadas por apenso ao respectivo processo de insolvência.

       Como foi entendido no douto acórdão deste Supremo, de 25.03.14, de que foi relator o Ex. mo Cons. Azevedo Ramos, acessível em www.dgsi.pt e que, de resto, é perfilhado, unanimemente, nesta 6ª Secção:

       “Como resulta das palavras do próprio texto legal, a limitação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça abrange o processo de insolvência e os embargos opostos à sentença declaratória da insolvência, constituindo estes embargos apenas um dos vários apensos possíveis do processo de insolvência (art. 41º, nº1) (…) Assim, inculca-se aqui a intenção de limitar o regime estabelecido, excluindo dele todos os apensos que não os embargos (…) Esta solução surge reforçada pelo cotejo do nº1 com o nº2 do mencionado art. 14º, onde, a propósito do decurso do prazo de alegações, a lei inequivocamente contempla «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos» (…) Neste sentido, opinam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2008, pags. 113) (…) Por isso, como não há dupla conforme (arts. 17º do CIRE e 671º, nº3, do novo CPC), independentemente de pretensa oposição de acórdãos, o presente recurso de revista é admissível nos termos gerais”.

       Improcedendo, pois, a suscitada questão prévia.

                                                        *

4 – Na Relação, tiveram-se por provados os seguintes factos:

                                                        /

1Em 31.08.11, CC intentou acção especial de insolvência contra DD, contribuinte fiscal nº …, pedindo que este fosse declarado em estado de insolvência (A);

2 – O pedido de declaração de insolvência teve por base um crédito proveniente de um empréstimo, no valor de € 20 000,00, realizado por CC ao insolvente (B);

3 – Por sentença, já transitada em julgado e proferida nos autos de processo nº 3125/11.3TJCBR do 4º Juízo Cível de Coimbra, em 17.10.11, foi DD declarado insolvente, tendo, naquela sentença, sido nomeada administradora da insolvência, EE (C);

4 – Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de FF, em Coimbra, no dia 13.11.07, o insolvente e sua mulher, GG, já no estado de divorciados um do outro, declararam vender à sociedade “AA - ..., Lda.”, e esta declarou comprar-lhes, pelo preço de € 100 000,00, o prédio assim identificado nos documentos da matriz e registo público: prédio composto de casa de moagem com quatro casais de pedras de farinha, três prensas para fabrico de azeite, com vara e duas mós e logradouro, com a área de 2.983,60 m2, sito na Rua …, lado direito, no Lugar e freguesia de ..., concelho de Montemor-o-Velho, a confrontar, a norte e poente, com HH, do sul, com II e, do nascente, com a Rua …, descrito na Conservatória de Montemor-o-Velho sob o número …, da freguesia de ... e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1º (D);

5 – Nesta escritura, a AA declarou que «o prédio se destina a revenda», tendo-se feito dela constar que o «contrato está isento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do artigo 7º do respectivo código» (E);

6 – A transmissão foi registada, em 14.11.07, pela apresentação 5 (F);

7 – Sobre o imóvel incidia uma penhora registada a favor do Banco JJ, SA, pela inscrição F, apresentação 18, de 23.11.06 (G);

8 – Por escritura pública outorgada no 1º Cartório de Competência Especializada de Coimbra, no dia 11.11.10, a sociedade “AA - ..., Lda.” declarou vender o referido prédio a CC, que declarou comprar-lho, pelo preço de € 90 500,00 (H);

9 – A transmissão foi registada na Conservatória de Registo Predial, através da apresentação 3222 de 11.11.10 (I);

10 – Mantinha-se, à data da venda, a penhora registada a favor do Banco JJ (J);

11 – Em 9 de Dezembro de 2011, a administradora de insolvência comunicou à sociedade “AA - ..., Lda.” que declarava incondicionalmente resolvidos e ineficazes o contrato de compra e venda celebrado, em 13 de Novembro de 2007, entre o insolvente e esta sociedade e o contrato de compra e venda celebrado, em 11 de Novembro de 2010, entre a sociedade AA e CC (K);

12 – A sociedade AA tomou conhecimento da resolução em benefício da massa insolvente, no dia 12.12.11 (L);

13 – Por carta datada de 28 de Maio de 2012, a administradora de insolvência comunicou a CC que declarava incondicionalmente resolvidos e ineficazes o contrato de compra e venda celebrado, em 13 de Novembro de 2007, entre o insolvente e a sociedade “AA - ..., Lda.”, e o contrato de compra e venda celebrado, em 11 de Novembro de 2010, entre esta sociedade e CC (M), com correcção, operada na Relação, quanto ao ano de envio da carta – 2012);

14 – CC tomou conhecimento da resolução em benefício da massa insolvente, no dia 31.05.12 (N);

15 – O imóvel foi avaliado, em Março de 2008, pelo Serviço de Finanças competente, para efeitos de IMI, sendo-lhe atribuído o valor patrimonial tributário de € 90 010,00 (O);

16 – A sociedade “AA - ..., Lda.” tem por objecto a ... e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento dos mesmos imóveis (P);

17 – Em 29 de Maio de 2009, esta sociedade celebrou com a sociedade “KK - …, Lda.”, que segue com a firma “LL”, um contrato de mediação imobiliária no regime de exclusividade, “com a finalidade de promover a venda da nossa propriedade sita na Rua …, nº …, em ..., Concelho de Montemor-o-Velho, descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha nº … e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo nº 1”, pelo preço de € 750 000,00, estando actualmente à venda por € 850 000,00 (Q);

18 – DD nasceu, em … de Outubro de 19…, é filho de MM e de NN, e neto, pelo lado paterno, de OO e de PP (R);

19 – O insolvente BB nasceu, em … de Março de 19…, é filho de QQ e de RR, e neto, pelo lado paterno, de OO e de PP (S);

20 – DD casou, catolicamente, com SS, em … de Junho de 19… (T);

21 – E é, desde 20.12.00, titular de uma quota social, com o valor nominal de € 2 500,00, na sociedade “AA – ..., Lda.”, sociedade onde é também gerente (U);

22 – Tal como a sua esposa, SS, que é titular da segunda quota social, com o valor nominal de € 2 500,00, e gerente daquela sociedade (V);

23 – O insolvente tinha dívidas vencidas a diversas entidades, que não conseguia pagar (W);

24 – Em Novembro de 2007, estavam pendentes contra o insolvente diversas acções executivas, nomeadamente:

- Proc. nº 3971/05.7TJCBR: Juízos Cíveis de Coimbra; 2º Juízo Cível; Exequente: Banco JJ, S.A.; Valor: € 8799,47M;

- Processo nº 1641/05.5TBCBR: 2ª Secção; Vara Mista de Coimbra; Exequente: TT; Valor: € 18 456,57;

- Proc. nº 674/07.1TJCBR: Juízos Cíveis de Coimbra; 4.º Juízo Cível; Exequente: UU, Lda.; Valor: € 8 799,47;

- Processo nº 1371/06.0TBCBR: 2ª Secção; Vara Mista de Coimbra; Exequente: VV, PLC; Valor: € 16 349,40;

- Processo nº 1428/06.8TBCBR; 2ª Secção Vara Mista de Coimbra; Exequente: VV, PLC; Valor: € 411 835,79;

- Proc. nº 2709/07.9TJCBR; Juízos Cíveis de Coimbra; 2º Juízo Cível; Exequente: XX, Lda.; Valor: € 6 353,52;

- Proc. nº 217/07.7TJCBR: Juízos Cíveis de Coimbra; 2º Juízo Cível; Exequente: ZZ; Valor: € 5 514,75;

- Proc. nº 1387/07.0TJCBR; Juízos Cíveis de Coimbra; 5º Juízo Cível; Exequente: AAA, …, S.A.; Valor: € 4 052,82,

acções que representam um passivo judicialmente reclamado de cerca de meio milhão de euros (€ 479 088,83) (X);

25 – No dia 28 de Outubro de 2010, no Cartório Notarial sito na Avenida …, nº …, Salas … e …, perante a Notária BBB, DD e mulher, SS, e CC declararam que os primeiros emprestaram ao segundo a quantia de € 193 055,44, gratuitamente e sem vencimento de quaisquer juros, e que esta quantia deveria ser paga no prazo máximo de quinze anos a contar daquela data (Y);

26 – Para garantia desse mútuo, CC constituiu uma hipoteca a favor dos co-outorgantes sobre uma fracção de que era proprietário (Z);

27 – A transmissão do prédio pelo insolvente à sociedade AA destinou-se, pelo menos parcialmente, a pagar ou a garantir o pagamento de empréstimos que DD concedera ao insolvente (2º);

28 – Não tendo sido paga, pelo menos, a parte do preço correspondente aos empréstimos anteriormente concedidos (3º);

29 – Depois da sua aquisição, em Fevereiro de 1998, e, pelo menos, até 2001, o insolvente realizou obras de restauro e adaptação à habitação no imóvel em causa (4º);

30 – Tendo o imóvel ficado concluído com as seguintes edificações: um imóvel principal com dois pisos, tendo no rés-do-chão uma cozinha, dois salões, sala de jantar, hall, sala de banho e arrumos, e, no 1.º piso, uma varanda virada a nascente, duas salas, quatro quartos e uma casa de banho; um anexo contíguo à casa principal e que é constituído por uma lavandaria e um arrumo; um logradouro, com uma piscina alimentada por uma cisterna de 750 m3 de capacidade, jardim e pomar (5º);

31 – Em 4 de Janeiro de 2007, o interior do prédio encontrava-se pintado, com mobiliário em todas as divisões, nomeadamente nos quartos, salas, cozinha, e com objectos decorativos nas paredes e móveis (6º);

32 – O prédio tinha, então, acesso directo à via pública e estava ligado à rede de saneamento básico e à rede eléctrica (7º);

33 – Os anexos externos estavam recuperados e eram local de apoio às infra-estruturas de piscina, servindo de arrumos de mesas, cadeiras, bancos de jardim, forno a lenha para pão, etc. (10º);

34. O valor comercial do imóvel, em Novembro de 2007, rondava os € 100.000,00 (12º, com a correcção operada na Relação);

35 – A avaliação do Serviço de Finanças foi efectuada com base nas declarações do A. no sentido de que o imóvel se destina a ser afecto a “armazéns e a actividade industrial” (13º);

36…(resposta corrigida supra ao quesito 14º);

37 – Ambos os sócios gerentes da sociedade-A. frequentavam a casa e intimidade do insolvente (15º);

38 – E tinham conhecimento das dificuldades financeiras do insolvente, isto é, que não conseguia cumprir os compromissos que ia assumindo (16º);

39 – O insolvente e sua, então, mulher também não ignoravam a situação difícil em que este se encontrava (17º);

40 – CC conhece todos os intervenientes no negócio anterior: o insolvente, DD e a sociedade de que este é gerente (18º);

41 – Era amigo do insolvente e da sua família e de DD (19º);

42 – Na data em que celebrou o contrato, sabia que o insolvente tinha dívidas generalizadas à banca e a fornecedores, que não conseguia cumprir (20º);

43 – Após o negócio, a sociedade continuou a diligenciar pela venda do mesmo junto de terceiras entidades (27º).

                                                        *

5 – Considerando o teor das conclusões formuladas pela recorrente, e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, são as seguintes as questões que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso:

                                                        /

 I – Se o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d), 2ª parte, do, aqui aplicável, novo CPC[2] como arguido pela recorrente;

II – Se, na procedência da respectiva impugnação, deve ser dada sem efeito a operada resolução, em benefício da massa insolvente recorrente, da compra e venda ocorrida em 13.11.07 e em que figuraram o insolvente e sua ex-mulher, por um lado, como vendedores, e a sociedade recorrida, por outro (lado).

       Apreciando:

                                                       *

6 – I – Nos termos do disposto no art. 615º, nº1, al. d), 2ª parte, aqui aplicável “ex vi” do preceituado no art. 666º, nº1, “É nula a sentença quando…o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

       No caso dos autos:

                              --- Houve duas acções distintas de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, de dois distintos contratos de compra e venda, celebrados em diferentes datas (13.11.07 e 11.11.10, respectivamente) e em que intervieram diferentes sujeitos contratuais, sendo aquelas acções patrocinadas por diferentes mandatários forenses;

                             --- Em conformidade com o exposto, foram interpostos dois distintos recursos de apelação pelos AA., cada um deles com referência à acção de impugnação por si instaurada;

                             --- Porém, o recurso interposto pelo A. CC não foi admitido, dada a extemporaneidade da respectiva interposição;

                              --- Vindo a ser julgada improcedente a correspondente reclamação por si deduzida;

                              --- Na respectiva apelação (porventura, por desconhecimento do ocorrido com o recurso interposto pelo outro A.), a apelante não impugna, por qualquer modo, o sentenciado quanto ao contrato de compra e venda celebrado, em 11.11.10, e que teve como um dos sujeitos o mencionado CC;

                            --- Não sendo efectuada qualquer abordagem, directa ou indirecta, a tal temática, nas extensas conclusões formuladas pela sociedade apelante;

                            --- A qual culmina as respectivas conclusões, peticionando que “deve a decisão ora apelada ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente, com a consequência de o acto da resolução do negócio, celebrado em 13 de Novembro de 2007, entre o insolvente, a sua mulher, GG e a autora AA, ser ineficaz, não produzindo qualquer efeito na ordem jurídica, com as demais consequências legais” (Sublinhámos).

       Ora, a parte dispositiva do douto acórdão recorrido culmina com os dizeres “…dando-se sem efeito as referidas declarações de resolução de acto jurídico – factos supra nº/s 11 e 13”, abarcando, pois, necessariamente, a resolução cuja impugnação judicial havia sido efectuada, sem êxito na 1ª instância, pelo A. CC. O qual “viu” definitivamente rejeitada a admissão do recurso com que visava a revogação da sentença da 1ª instância, com a inerente formação de correspondente caso julgado.

       Tudo impondo, pois, acrescido do preceituado no art. 635º, nº4 (segundo o qual o âmbito e objecto do recurso são delimitados pelo teor das conclusões das respectivas alegações) que deva ser julgada procedente (bem como as conclusões que a suportam), como é, a arguida nulidade do concretizado e explicitado excesso de pronúncia, o que virá a ser tido em conta no veredicto final do presente acórdão.

                                                        /

IIQuanto à questão enunciada em segundo lugar

                                                        /

       a) – Na sua originária redacção, dispunha o art. 120º, nº1 do CIRE que “Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência”(Negrito de nossa autoria).

       Porém, através do art. 1º da Lei nº 16/2012, de 20.04, passou a prever-se “dois” onde, antes, se previa “quatro”. Passando, pois, a só poderem ser objecto da resolução, aí, prevista os actos que, para além do mais, tenham sido praticados “dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”.

       Dispondo a transcrita prescrição legal directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas dimanadas dos contratos mencionados no aludido art. 120º, nº1, abstraindo dos factos que lhes deram origem, deverá, nos termos do disposto no art. 12º, nº2, 2ª parte, do CC, entender-se que a mesma abrange as próprias relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor. O que, porém, não se verifica, “in casu”, uma vez que, por via da resolução extrajudicial do contrato em causa, ocorrida em 09.12.11, a correspondente relação jurídica já não subsistia, por desse modo extinta, à data da entrada em vigor – 20.05.12 (respectivo art. 6º) – da sobredita Lei.

       Assim, o regime legal a ter em conta na apreciação e decisão da questão em apreço é o constante do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), na originária redacção conferida pelo DL nº 53/20004, de 18.03, não podendo ser tidas em consideração as alterações ao mesmo introduzidas pela mencionada Lei nº 16/2012, de 20.04

                                                      /

b) – Dispõe o art. 1º do CIRE que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

       Contribuindo para a garantia de consecução do primeiro e primacial dos indicados desígnios, foi consagrada legalmente a faculdade de o administrador da insolvência (AI) proceder à resolução em benefício da massa insolvente de certos negócios jurídicos praticados ou omitidos pelo insolvente.

       No entanto, em homenagem aos basilares princípios da liberdade contratual e do “favor negotii”, recortaram-se apenas alguns actos sujeitos a tal resolução, condicionando a efectivação desta ao preenchimento de determinados requisitos.

       Assim é que, nos termos do disposto no art. 120º do CIRE:

                                                      /

“1 – Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

2 – Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

3 – Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

4 – Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

5 – Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) – De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) – Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) – Do início do processo de insolvência”.

       Paralelamente, no sequente art. 121º, enunciou o legislador os casos em que a mencionada resolução poderá ter lugar, sem dependência de quaisquer outros requisitosResolução incondicional, por contraposição aos casos de resolução que poderá ser apelidada de condicional, previstos no transcrito art. 120º.

       Textua, com efeito, o mencionado art. 121º, na parte que, ora, releva:

        “1 – São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
a) – ...
b) - Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) – …
d) – …
e) - …
f) - …
g) - …
h) – Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) - …

       2 – O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.

       Perante estas últimas previsões legais, logo se vê que a resolvida compra e venda nunca poderia ser objecto da resolução incondicional invocada pela Ex. ma administradora da insolvência, uma vez que: quanto à contemplada na al. b), não nos confrontamos, “in casu”, com negócio de natureza gratuita (cfr. art. 879º, al. c) do CC), além de que o mesmo não foi celebrado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, ou seja, entre 31.08.09 e 31.08.11; e quanto à acolhida na al. h), para além de a questionada compra e venda ter sido efectuada em data muito anterior a 31.08.10, não se evidencia, minimamente, que as obrigações, então, assumidas pelo insolvente tivessem excedido e, muito menos, manifestamente as da compradora, uma vez que esta pagou um preço sensivelmente igual ao valor comercial que, então, poderia ser atribuído ao prédio adquirido (Cfr. 4 e 34 de 2 supra).

                                                       /

c)I – Sendo de rejeitar, como vimos, qualquer dos casos de resolução incondicional invocados pela AI, vejamos se, perante os fundamentos invocados por esta, na carta enviada à recorrida, e que tenham sido acolhidos na factualidade provada, se mostra legitimada a resolução operada ao abrigo do preceituado no art. 120º.

       Neste art., contemplam-se os que podem ser denominados requisitos gerais da resolução, os quais podem, assim, elencar-se:
a) – Realização pelo devedor de actos ou omissões;
b) – Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;
c) – Verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência; e
d) – Existência de má fé do terceiro.

       Na lição do Prof. Menezes Leitão[3],      

       “A prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente consiste, de acordo com o art. 120º, nº2, no facto de estes diminuírem, frustrarem, porem em perigo ou retardarem a satisfação dos credores da insolvência. A lei estabelece, no entanto, no art. 120º, nº3, uma presunção juris et de jure de actos prejudiciais à massa, ao considerar como tais, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no art. 121º, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados (…) A verificação do acto ou omissão nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência vai implicar que apenas possam ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos ou omissões que tenham ocorrido nos quatro anos anteriores ao início do processo, uma vez que só este período é considerado como suspeito para efeitos da resolução. Assim, se o acto tiver sido praticado antes desse período, não poderá o mesmo ser objecto de resolução em benefício da massa insolvente (…) O último requisito da resolução em benefício da massa insolvente é a existência de má fé de terceiro, considerando-se como tal, nos termos do art. 120º, nº5, o conhecimento por este de qualquer das seguintes circunstâncias: a) a situação de insolvência do devedor; b) o carácter prejudicial do acto (ou omissão), estando o devedor à data em situação de insolvência iminente; c) o início do processo de insolvência. Nos termos do art. 120º, nº4, a má fé presume-se «quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data»”.

                                                               /

II – No caso dos autos, constata-se que o imóvel foi vendido pelo preço de € 100 000,00 (nº4 da factualidade provada), sendo certo que o respectivo valor comercial rondava, então, os € 100 000,00 (nº 34 da mesma factualidade, face à correspondente alteração operada na Relação, já que, na 1ª instância, tal valor tinha sido fixado em montante “não inferior a € 150 000,00”).

       Não obstante, entendemos que não pode deixar de qualificar-se tal acto como eivado de prejudicialidade para a respectiva massa insolvente.

       Na realidade, provado está, designadamente, que:

--- “A transmissão do prédio pelo insolvente à sociedade “AA” destinou-se, pelo menos parcialmente, a pagar ou a garantir o pagamento de empréstimos que DD” (sócio-gerente daquela sociedade) “concedera ao insolvente” (nº 27 da factualidade provada);

--- “Não tendo sido paga, pelo menos, a parte do preço correspondente aos empréstimos anteriormente concedidos” (nº 28 da mesma factualidade).

       Ou seja, para além de a alienação de bens integrantes do património do devedor poder comportar, as mais das vezes, um agravamento qualitativo da respectiva garantia patrimonial em relação à generalidade dos seus credores, já que o dinheiro, por menos controlável, é mais facilmente ocultável ou dissipável que os bens imóveis integrantes do património do devedor[4], no caso dos autos, não se mostra que o sobredito montante tenha vindo a ser absorvido pela massa insolvente, tendo-se, porém, provado que, pelo menos, parte do mesmo foi afectada ao pagamento ou garantia de pagamento de empréstimos que o sócio-gerente da compradora havia concedido ao insolvente, não tendo sido paga, pelo menos, a parte do preço correspondente ao valor de tais empréstimos, o qual, permanecendo ignorado, legitima que, em tese, possa ser considerado como abrangente da quase totalidade do mesmo preço.

       De qualquer modo, tem de concluir-se que, para além do que ficou ponderado, tendo privilegiado, da sobredita forma, um dos respectivos credores (seu parente no 4º grau da linha colateral – nº/s 18 e 19 da factualidade provada), em necessário detrimento dos demais, o insolvente praticou um acto que, pelo menos, diminui, dificulta, põe em perigo e retarda (se é que não frustra, definitivamente), a satisfação da generalidade dos credores da respectiva insolvência. Não podendo, pois, deixar de qualificar-se tal acto como prejudicial à massa insolvente, nos termos decorrentes do preceituado no art. 120º, nº2.

       Aliás, sem que, em homenagem ao preceituado no art. 682º, nº1 do CPC (“ex vi” do disposto no art. 17º), deixe de ter-se em conta o valor comercial atribuído ao imóvel alienado, não poderão menosprezar-se, para um mais perfeito enquadramento da envolvência da transacção efectuada, os factos que se mostram acolhidos em 4, 17, 29, 30, 31, 32 e 33, todos da factualidade provada[5], os quais emprestam ainda maior consistência ao juízo de valor formulado.

                                                    /

III – Mas, como já se observou, a prejudicialidade do acto em relação à massa insolvente só pode constituir fundamento da resolução (condicional) daquele se coexistir com a má fé do terceiro interveniente no acto (art. 120º, nº4).

       Estando, no caso, liminarmente afastada a correspondente presunção prevista no nº4 daquele art. (o acto prejudicial foi praticado muito antes dos dois anos anteriores ao início – 31.08.11 – do processo de insolvência), terá de admitir-se a existência de má fé se, nos termos preceituados no nº5 do mesmo art., a compradora e, ora, recorrida conhecia, à data – 13.11.07 – do acto prejudicial, qualquer das duas primeiras (a última está excluída por natureza, uma vez que o respectivo processo de insolvência ainda não se iniciara) circunstâncias, aí, previstas, ou seja: a) – de que o devedor se encontrava em situação de insolvência; ou b) – carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente.

       Que o devedor se encontrava, à data, em situação de insolvência ou, pelo menos, de insolvência iminente[6], atento o que decorre dos arts. 3º, nº/s 1 e 4 e 20º, nº1, als. a) e b), ambos do CIRE, em conjugação com a factualidade acolhida em 23 e 24, é facto que não suscita qualquer dúvida, porquanto, então, “o insolvente tinha dívidas vencidas a diversas entidades, que não conseguia pagar” e pendiam contra si oito acções executivas (identificadas em 24 da factualidade provada) que, globalmente, representavam “um passivo judicialmente reclamado de cerca de meio milhão de euros (€ 479 088,83)”.

       Não admitindo, por outro lado, fundada controvérsia que a compradora e, ora, recorrida, conhecia, à data da compra e venda e pelas razões que já ficaram expendidas, quer o carácter prejudicial daquela em relação à massa insolvente, quer as mencionadas situações de insolvência ou de, pelo menos, iminente insolvência.

       Na realidade, “ambos os sócios-gerentes da sociedade-A. frequentavam a casa e intimidade” (sic) “do insolvente” (37 da factualidade provada) “e tinham conhecimento das dificuldades financeiras do insolvente, isto é, que não conseguia cumprir os compromissos que ia assumindo” (38 da mesma factualidade), ao que acresce o já mencionado parentesco no 4º grau da linha colateral entre o insolvente e o sócio-gerente daquela sociedade, DD.

       Decorrendo, pois, do exposto que, por serem legais os fundamentos para tanto invocados pela Ex. ma AI, deve ser mantida a resolução por esta operada da questionada compra e venda efectuada em 13.11.07, improcedendo, pois, a respectiva impugnação judicial e devendo, em conformidade, ser revogado o douto acórdão recorrido.

       Procedendo, pois e na medida exposta, as conclusões formuladas pela recorrente.  

                                                      *

7Sumário (art. 663º, nº7):

                                                       /

     I – Com excepção do apenso de embargos deduzidos à sentença declaratória da insolvência, não é aplicável a restrição recursiva prevista no art. 14º, nº1 do CIRE aos apensos do processo de insolvência.

    II – A alteração introduzida ao art. 120º, nº1 do CIRE pelo art. 1º da Lei nº 16/2012, de 20.04, não é aplicável, atento o preceituado na parte final do art. 12º, nº2, 2ª parte, do CC, às relações jurídicas constituídas, mas que já não subsistam (designadamente, por efeito de operada resolução extrajudicial), à data da sua entrada em vigor.

    III – Constitui acto prejudicial para a massa insolvente a venda de um imóvel integrante do património do insolvente e em que, pelo menos, parte do respectivo preço – coincidente com o valor comercial, então, detido pelo imóvel – não é paga, antes sendo afectada ao pagamento ou garantia de pagamento de empréstimos concedidos ao insolvente pelo sócio-gerente da compradora, favorecendo, deste modo, tal credor em detrimento dos demais e impedindo o ingresso, no património do insolvente, da importância não paga.

                                                      *

8 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, para ficar a subsistir, integralmente, a sentença proferida na 1ª instância.

       Custas da revista pela recorrida, a qual suportará, ainda, as custas do incidente – questão prévia – por si suscitado, com fixação da respectiva taxa de justiça em 1 UC.

       As devidas na Relação serão, igualmente, suportadas pela, aqui, recorrida e, aí, apelante.

       As devidas na 1ª instância serão suportadas pelos, aí, AA.

                                                        /

                                           Lx       17/   06  /   2014  /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

                                                             
[1]  Relator: Fernandes do Vale (08/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida

[2]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[3]  In “Direito da Insolvência”, 2ª Ed., pags. 214/215.
[4]  Em sentido coincidente, designadamente: João Cura Mariano, in “Impugnação Pauliana”, 2ª Ed., pags. 180/181; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 626 e doutrina, aí, mencionada; e Acs. deste Supremo, de 08.06.89: AJ, O.º/89, pags. 12, de 20.02.90: AJ, 6º/90, pags. 11, de 03.05.95 – BOL. 447º/508, de 10.11.98 – BOL. 481º/449 e de 21.01.03, in www.dgsi.pt e da Rel. de Coimbra, de 26.10.99 – Col. – 4º/44.
[5]  Tais factos são os seguintes, na parte relevante:
--- Identificação do prédio vendido como: “…prédio composto de casa de moagem com quatro casais de pedras de farinha, três prensas para fabrico de azeite, com vara e duas mós e logradouro, com a área de 2 983,60 m2, sito na Rua …, lado direito, no lugar e freguesia de ..., concelho de Montemor-o-Velho,…descrito…e inscrito…(4);
--- Em 29.05.09, esta sociedade (“AA”) celebrou com a sociedade “KK – …, Lda”…um contrato de mediação imobiliária no regime de exclusividade, “com a finalidade de promover a venda da nossa propriedade sita na Rua …, nº …, em ..., concelho de Montemor-o-Velho, descrita… e inscrita…, pelo preço de € 750 000,00, estando actualmente à venda por € 850 000,00 (17);
--- Depois da sua aquisição, em Fevereiro de 1998, e, pelo menos, até 2001, o insolvente realizou obras de restauro e adaptação à habitação no imóvel em causa (29);
--- Tendo o imóvel ficado concluído com as seguintes edificações: um imóvel principal com dois pisos, tendo, no rés-do-chão, uma cozinha, dois salões, sala de jantar, hall, sala de banho e arrumos e, no 1º piso, uma varanda virada a nascente, duas salas, quatro quartos e uma casa de banho; um anexo contíguo à casa principal e que é constituído por uma lavandaria e um arrumo; um logradouro, com uma piscina alimentada por uma cisterna de 750 m3 de capacidade, jardim e pomar (30);
--- Em 04.01.07, o interior do prédio encontrava-se pintado, com mobiliário em todas as divisões, nomeadamente nos quartos, salas, cozinha, e com objectos decorativos nas paredes e móveis (31);
--- O prédio tinha, então, acesso directo à via pública e estava ligado à rede de saneamento básico e à rede eléctrica (32); e
--- Os anexos externos estavam recuperados e eram local de apoio às infra-estruturas de piscina, servindo de arrumos de mesas, cadeiras, bancos de jardim, forno a lenha para pão, etc. (33)”.
[6]  Esta poderá ser entendida como a ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade (e na expectativa do homem médio face à evolução normal da situação do devedor, de acordo com os factos conhecidos e na eventualidade de nada acontecer de incomum que altere o curso dos acontecimentos) a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível (Cfr. “CIRE Anotado”, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, pags. 71).