Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8223/17.7T6CBR.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SEGURO DE GRUPO
NULIDADE DE CLÁUSULA
ATESTADO MÉDICO
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
FORÇA PROBATÓRIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
BOA FÉ
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME PARCIAL
SEGMENTO DECISÓRIO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Transpondo o critério aprovado no acórdão de uniformização de jurisprudência de 20 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 545/13.2TBLSD.P1.S1-A, segundo o qual a dupla conforme deve ser aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo, para um recurso de revista no qual se questiona a validade de diversas cláusulas contratuais integrantes de um contrato de seguro de grupo não contributivo, ramo vida, cumpre avaliá-la separadamente para as cláusulas cuja validade foi objecto de decisões cindíveis – isto é, não interdependentes –, tenham ou não sido levadas formalmente à parte decisória da sentença e do acórdão recorrido, desde que integrem o objecto do recurso, tal como foi definido pela recorrente nas conclusões das suas alegações.

II. As nulidades atribuídas pela recorrente ao acórdão recorrido apenas poderão ser apreciadas se a revista for admissível.

III. Não há dupla conforme impeditiva da revista quando as decisões das instâncias assentam numa concepção radicalmente diferente sobre o papel dos contratantes num seguro de grupo e, em consonância com essa concepção, sobre os deveres da seguradora e do tomador do seguro, relativamente ao aderente/beneficiário, no que toca à comunicação das cláusulas que integram o contrato.

IV. Há dupla conforme relativamente a uma cláusula julgada nula por ambas as instâncias, por unanimidade, na Relação, e pelo mesmo fundamento.

V. Só há nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa conhecer de questões que estivesse obrigado a apreciar; não quando não considera argumentos trazidos pelas partes para sustentar a sua posição quanto a essas questões. Esta regra, definida a propósito da sentença, é aplicável à 2.ª instância e não é alterada pela definição do objecto do recurso, mas é afastada quando a sua decisão ficar prejudicada.

VI. Para efeitos de prova da incapacidade, quer uma Perícia Médico-Legal, quer um Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, estão sujeitos à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal.

VII. O processo de formação de um contrato de seguro de grupo, contributivo ou não, comporta “dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2014, www.dgsi.pt, proc. n.º 841/10.0TVPRT.L1.S1).

VIII. Aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato concreto através do qual o beneficiário adere ao contrato de seguro de grupo.

XI. Num contrato de seguro, será desproporcional e consequentemente nula por contrariedade com o princípio da boa fé uma cláusula que imponha ao aderente obrigações cujo incumprimento o impeça de obter o capital seguro, não obstante serem inadequadas à demonstração da verificação do sinistro que o contrato cobre; ou que provoque a exclusão da cobertura em violação patente da confiança que o aderente depositou na consideração global do contrato, em particular do tipo de sinistro coberto.

X. A imposição de apresentação do Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, sob pena de o incumprimento desta obrigação ser, por si só, motivo de indeferimento do pedido de pagamento do capital seguro, é desproporcionada, porque agrava significativamente a posição do beneficiário do seguro, sem ser adequada à demonstração da situação de incapacidade para o trabalho que o seguro cobre.

XI. Contraria o princípio da boa fé e é, portanto, nula, mas apenas nessa medida, uma cláusula que exclui da cobertura do seguro as doenças psíquicas e psiquiátricas, quando tem como efeito a exclusão das doenças neurológicas, em consequência de o contrato remeter a determinação do grau de desvalorização para a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, que não tem um enquadramento próprio para as doenças neurológicas.

XII. Essa cláusula tem como consequência um desequilíbrio significativo a favor do predisponente, que beneficia de uma exclusão provocada por razões apenas formais.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., e The Navigator Paper Figueira, S.A., uma acção na qual pediu “deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência:

A. Ser reconhecido e declarado válido e eficaz, relativamente ao Autor, o contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice n° 5.0…39, em vigor à data da adesão do Autor;

B. Considerarem-se excluídas do contrato a parte das cláusulas não comunicadas ao Autor e que, entre outras, constituam obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, nomeadamente a alínea b) da definição de invalidez total e permanente constante do artigo 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013, e onde tal obrigação passou a ter consagração contratual, por violação do DL nº 446/85, de 25 de Outubro (CCG);

C. Considerarem-se excluídas do contrato a cláusula de exclusão constante do ponto 8 do Artigo 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013, não comunicada ao Autor e que excluem da cobertura complementar de doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, por violação do disposto no DL 446/85 de 25 de Outubro (CCG);

D. Independentemente da falta de comunicação da obrigatoriedade de apresentação de Atestado Multiusos e da exclusão da Cobertura Complementar de doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, sempre os segmentos das cláusulas a elas correspondentes devem considerar-se nulas, porque proibidas, uma vez que violam o princípio da boa-fé, que deve conformar os contratos e constituem manifesto abuso de direito; assim como e por violação de iguais princípios, conformadores dos contratos, igualmente se deve ter por nula e excluída, a exigência de apresentação de Atestado Multiusos e a sua conjugação com a exclusão de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico quando, e na sua sequência, sejam abrangidas doenças de foro neurológico.)

E) Serem as Rés Seguradora e Tomadora condenadas, solidariamente, no pagamento ao Autor e nos termos do contrato que lhe é aplicável constante da apólice 50…39, resultante da sua incapacidade para o trabalho, na quantia de capital de € 97.492,50 (noventa e sete mil quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que à data da propositura se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 22/07/2016, e até efectivo e integral pagamento.”

Para o efeito, e em síntese, e esclarecendo que tanto designa a ré por Soporcel como por Navigator, alegou que entre as rés foi celebrado um contrato de seguro de grupo, Ramo Vida, titulado pela apólice n.º 50…39, com início de produção de efeitos a 1 de Janeiro de 1992, destinado a cobrir “o risco da verificação de um dano na esfera jurídica de qualquer um dos seus trabalhadores do quadro (Segurados), desde que subscritores do correspondente Boletim de Participante”; que os riscos cobertos são a morte e a invalidez permanente; que foi trabalhador do quadro de efectivos da ré Soporcel desde 1 de Maio de 1983; que, em 5 de Fevereiro de 1992, subscreveu um boletim de participante de integração no referido seguro, no “gabinete de um seu superior hierárquico”, sem que lhe tivesse sido entregue cópia do contrato ou fornecidas quaisquer explicações, remetidas para o Manual da Empresa; que nunca lhe foram dadas a conhecer quaisquer “cláusulas, actas ou alterações contratuais” enquanto foi trabalhador da ré Soporcel; que veio a sofrer das doenças que descreve e a requerer a reforma, por invalidez, o que foi deferido pelo Instituto de Segurança Social I.P.; que entregou à ré Seguradora os documentos necessários à obtenção do capital seguro; que a ré Soporcel lhe pediu a entrega do Atestado Multiusos, o que não fez “por entender não lhe ser exigível a sua apresentação e ilegítima a exigência da sua apresentação”; que não era contratualmente exigível quando aderiu ao contrato de seguro, desconhecendo, aliás, até ao momento em que “promoveu a instrução do processo de atribuição da compensação (…), fosse na sequência de cláusulas e ou actas adicionais, fosse por reformulação do contrato inicial”, ou mesmo por comunicação das rés ou de colegas de trabalho, que era exigível; que os contrato de seguro de grupo são contratos de adesão; que as rés nunca comunicaram a “alteração, entre outras, de que resulta ser exigível o Atestado de Multiusos, para determinação da percentagem de incapacidade do segurado, nem da exclusão de doenças do foro psíquico e psiquiátrico, cuja previsão contratual apenas ocorreu no ano de 2013”, em violação expressa do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, cuja consequência é a sua exclusão do contrato; que, de qualquer forma, é uma cláusula arbitrária e abusiva e, por isso, nula.

A Companhia de Seguros Fidelidade contestou. Começou por observar que o contrato de seguro, “como resulta da cópia de 1992” junta “pelo autor, tem como outorgantes a Seguradora Ré e a Soporcel, como segurado e tomador, e como beneficiários os aderentes trabalhadores da Soporcel no activo”. Por entre o mais, contrapôs: que, nos seguros de grupo, compete ao tomador do seguro (no caso, à Soporcel) “a obrigação de prestar informações aos segurados sobre as condições contratuais”; que, além de não ser segurado, o autor confessa ter recebido o Manual e um folheto; que, quanto ao que está em causa neste processo, o autor foi informado pela Soporcel; que a invalidez invocada “não foi apurada nem reconhecida por um médico da Seguradora”; que o Certificado Multiusos não existia à data da contratação, mas que estava previsto que, além de a invalidez ter de ser reconhecida por um médico da Seguradora, tinha de se tratar de “uma incapacidade para exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada igual ou superior a 2/3”; que as alterações ao contrato inicial não têm repercussão “na recusa de indemnização”; que o Certificado Multiusos foi pedido para prova para que o médico da seguradora aferisse a invalidez; que “as doenças do foro psíquico e psiquiátrico” só foram excluídas em 2013, mas que “não se percebe sequer por que foram invocadas”; que o réu é apenas beneficiário do contrato. Termina convidando o autor a fazer uma perícia médico legal, “a fim de que o INML” apure a sua incapacidade, “à data em que obteve a incapacidade relativa”.

Também contestou a ré Navigator Paper Figueira, S.A.. Sustentou ser parte ilegítima e impugnou diversos factos alegados pelo autor nomeadamente, quanto ao “desconhecimento incompleto ou insuficiente das condições inerentes ao contrato de seguro”; que cabia à ré Seguradora, “em primeira linha”, o dever de informação dos aderentes; que igualmente lhe cabia a decisão relativa aos pedidos de indemnização.

2. Pela sentença de fls. 289, a acção foi julgada parcialmente procedente.

Entendeu-se na sentença:

– Tratar-se de um seguro de grupo não contributivo, ramo vida, outorgado entre a ré Fidelidade, como seguradora, a ré Navigator, como tomadora, ao qual o autor aderiu em 1992, “efectivamente celebrado na vigência do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, aplicável a todos os contratos novos e aos renovados, a partir da sua entrada em vigor”, cujo artigo 4.º se destina apenas a “dirimir os eventuais conflitos entre seguradora e o tomador do seguro”;

– Contrato que é um contrato de adesão, “regido pelas normas, que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85 (…). Na verdade, o clausulado do seguro foi elaborado pela ré Seguradora, tendo a ré Navigator’ apenas assumido o papel de intermediário, no caso, para aceitação desse contrato pelos aderentes (empregador da dita ré) ao seguro de grupo e figurando nesse mesmo contrato com a posição de tomador”;

– Que “compete ao tomador (…), em primeira linha, comunicar ao aderente todo o conteúdo contratual e a informação adequada desse mesmo conteúdo”, tendo “o ónus de alegar e provar que tinha cumprido” essa obrigação, prova que não foi feita. Todavia, porque não teve “qualquer intervenção activa na elaboração das cláusulas que regem este tipo de contratos (…), nessa medida, afastámos a sua responsabilidade única (isolada) pela comunicação de tais cláusulas”;

– Que esta obrigação da tomadora “não desonera a ré seguradora de cumprir a sua obrigação, essa sim principal, de comunicar as condições gerais do contrato ao aderente”, por si ou através do intermediário (tomador do seguro);

– Que “A sanção cominada para o desrespeito” dos deveres de comunicação e de informação é a exclusão “das cláusulas que não tenham sido comunicadas”; consideram-se assim excluídas as cláusulas da al. c) do n.º 2 do artigo 1.º das Condições Gerais (exigência da apresentação de um certificado de incapacidade multiusos e do n.º 8 o artigo 3.º das Condições particulares (exclusão das doenças psíquicas e psiquiátricas);

– Que “É abusiva e proibida nos termos dos artigos 15.º, 16.º e 21.º, al. b), do Dec.-Lei n.º 446/85” e, portanto, nula a cláusula, “inserta no n.º 2 do artigo 2.º das condições especiais da apólice”, que exige “a comprovação da situação de invalidez por exclusivo alvitre de médico indicado pela seguradora”, mantendo-se o contrato;

– Que resulta da prova “que o autor aderiu, em particular, às seguintes cláusulas (…):

- "O Segurador garante o pagamento de um capital, de valor indicado nas Condições Particulares, se a Pessoa Segura, devido a doença, ficar com uma Invalidez Total e Permanente (...)" - cfr. artigo 1.º das condições especiais;

- "DOENÇA - Entende-se por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva.

-INVALlDEZ TOTAL E PERMANENTE - Entende-se por Invalidez Total e permanente o estado que incapacite a Pessoa Segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões. Para que seja considerada essa Invalidez terão de verificar-se simultaneamente as seguintes condições:

1.Persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção. Este período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas….

3. Perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3 (cf. Art. 2.2 das condições especiais”;

– Reunindo os requisitos exigidos, o autor tem direito ao valor contratado, pelo qual a única responsável é a ré seguradora.

Foi, assim, decidido:

«1. Absolv[er] a ré Navigator Paper Figueira, Sa, do pedido;

ii) Declarar válido e eficaz, relativamente ao autor, o contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice n° 50….39, em vigor à data da sua adesão;

iii) Julg[ar] excluído do contrato, as cláusulas ou partes de cláusulas não comunicadas ao autor e que, entre outras, constituam obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, constante do art. 8º, nº2.2, al. c) e al. b) da definição de INAVLIDEZ TOTAL E PERMANENTE constante do art. 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013 e onde tal obrigação passou a ter consagração contratual;

iv) Consider[ar] excluído do contrato, a cláusula constante do ponto 8) do art. 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013, e que exclui da Cobertura Complementar doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, e nesta decorrência,

v) Conden[ar] a ré Fidelidade, Companhia de Seguros, SA no pagamento ao autor da quantia de capital de € 97.492,50 (noventa e sete mil quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que à data da propositura se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 22/07/2016, e até efectivo e integral pagamento.»

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em recurso interposto pela ré seguradora, decidiu-se:

«1)- Absolver a Recorrente dos pedidos formulados na alínea B) e C), da petição inicial e, consequentemente, revogar a sentença, no que respeita ao que, com fundamento na falta de comunicação das cláusulas aí abarcadas, ou de parte delas, foi consignado nos itens nº iii) e iv), da respectiva parte dispositiva;

2)- Considerar procedente o peticionado sob a alínea E) do articulado inicial do Autor, e julgar nulas, porque abusivas e, por isso proibidas, as cláusulas ou partes de cláusulas do contrato “sub judice”:

- Que impõem a obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, nomeadamente a alínea b) da definição de invalidez total e permanente constante do artigo 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013;

- Constante do ponto 8), do art. 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013, e que exclui do âmbito de cobertura complementar do seguro, as doenças do foro psíquico ou psiquiátrico;

3) - Confirmar, na parte restante, a decisão recorrida, confirmando, designadamente, a condenação da Fidelidade, Companhia de Seguros, SA no pagamento ao autor da quantia de capital de 97.492,50 (noventa e sete mil quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que à data da propositura se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 22/07/2016, e até efectivo e integral pagamento.».

Explicitando expressamente aderir ao entendimento sustentado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 935/18.4T8CBR.S1, aprovado em relação a um caso semelhante, a Relação entendeu, tal como a sentença, ser abusiva e nula a cláusula constante do n.º 2 do artigo 2.º das condições especiais da apólice, mantendo-se todavia o contrato; mas que, cabendo em exclusivo o dever de informar o aderente “ao tomador de seguro, ou seja, a ré Navigator -, não se poderem considerar, com tal fundamento, excluídas do contrato, com as alterações introduzidas em 2013, e, portanto, inoponíveis ao Autor, as cláusulas atinentes: - À obrigação de submissão e apresentação pelo segurado de atestado multiusos (art.1º, nº2.2.al. c) 2 das Condições Gerais; - À definição de invalidez total e permanente nos termos constantes do art. 1º, al. b) das Condições Gerais do Contrato de Seguro, - À exclusão constante do ponto 8) do art. 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro, onde se exclui da Cobertura Complementar as doenças do foro psíquico ou psicológico.”

Todavia, considerou a Relação, a acção não improcede porque – interpretando o pedido

“D) Independentemente da falta de comunicação da obrigatoriedade de apresentação de Atestado Multiusos e da exclusão da Cobertura Complementar de doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, sempre os segmentos das cláusulas a elas correspondentes devem considerar-se nulas, porque proibidas, uma vez que violam o princípio da boa-fé, que deve conformar os contratos e constituem manifesto abuso de direito; assim como e por violação de iguais princípios, conformadores dos contratos, igualmente se deve ter por nula e excluída, a exigência de apresentação de Atestado Multiusos e a sua conjugação com a exclusão de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico quando, e na sua sequência, sejam abrangidas doenças de foro neurológico”, como um pedido subsidiário, tais cláusulas são nulas porque são abusivas, contrárias à boa fé; mantendo-se, todavia, o contrato, nos mesmos moldes definidos pela sentença:

“(…) são, no caso “sub judice”, de ter como proibidas, porque abusivas e, consequentemente, nulas, as cláusulas, ou partes de cláusulas que impõem obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, nomeadamente a alínea b) da definição de invalidez total e permanente constante do artigo 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013. Merece o mesmo tratamento, a cláusula, introduzida em 2013, que, restringindo de forma desproporcionada e desprovida de qualquer explicação racional, o âmbito de cobertura complementar do seguro, exclui desse âmbito as doenças do foro psíquico ou psiquiátrico. Acresce que, no caso, se provou que o Autor não sofre de qualquer doença do foro psicológico ou psiquiátrico, mas sim do foro neurológico, que só por si o incapacita para o trabalho, assim como o incapacitava à data da sua aposentação (51 dos factos provados).”

E concluiu: “Assim, validado que foi, mais acima, o que, quanto ao montante indemnizatório e respectivos juros, fixou o Tribunal “a quo”, importa concluir, ante tudo o que ficou exposto, que, embora com fundamentação não totalmente coincidente com aquela que foi utilizada na sentença recorrida, a aí proferida condenação da Ré Companhia de Seguros, SA, a pagar ao Autor a quantia de capital de € 97.492,50 e os juros de mora vencidos e vincendos aí indicados, têm a nossa plena concordância, improcedendo, pois, a Apelação, já que os pedidos formulados que não obtiveram aqui atendimento, constituíam, apenas, parte da “ratio decidendi” da apontada condenação.”

2. Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Começando por observar que não ocorre o obstáculo da dupla conforme, “quer porque a confirmação da sentença é apenas parcial, quer porque os fundamentos da parte confirmativa são diversos da 1.ª instância”, a recorrente terminou desta forma as alegações que apresentou:

“I - Estamos perante uma nulidade do acórdão, por o tribunal não se ter pronunciado sobre conclusões VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV. Foi violado o artigo 615 d) do CPC. O acórdão deveria ter respondido directa e integralmente a todas as conclusões formuladas.

II - A incapacidade atribuída pela perícia médico-legal é a constante do facto provado nº 60, que é total e permanente para o trabalho por turnos e de 29% para o trabalho em geral e para as demais profissões ou actividades; o documento de incapacidade atribuído pela segurança social é apenas uma invalidez relativa para a sua profissão habitual de trabalho por turnos, e não refere qualquer incapacidade para as demais profissões ou actividades; o documento da Segurança Social, ao atribuir uma incapacidade relativa, portanto não permanente, apenas o incapacita temporariamente, para a sua profissão, que é de trabalho por turnos, justamente por ser uma incapacidade relativa, se se vier a demonstrar eficácia externa das avaliações da segurança social

Violação dos artigos 369, 371 e 376 do CC e 674,3 do CPC

III - Os pontos 57, 58 e 59 deverão ser devolvidos à Relação, para que os aprecie com base nas alegações que o recorrente efectuou no recurso de apelação e para que sejam, face à alegação, devidamente fundamentados com as factualidades ou razões, sob pena de incumprir o artigo 607 nº 5 do CPC.

IV - A não violação do dever de informação por parte da seguradora não exclui a violação desse dever por quem juridicamente é por ele responsável, o tomador, que deverá responder, indemnizando o autor. Cfr 554 e 615 d), ou seja, tem o dever de se pronunciar sobre todo pedido.

V - Se um contrato teve início em 1992 e foi alterado em 2013, caso venham a ser consideradas nulas as cláusulas negociadas em 2013, mantém-se em vigor o contrato com cláusulas contratadas em 1992 (289 e 293 do CC).

VI - Se um contrato foi classificado como de não adesão, não se lhe pode aplicar as normas previstas no diploma que rege os contratos de adesão.

Razão pela qual as cláusulas consideradas nulas ao abrigo do DL 446/85 são válidas (293 CC, e falta de subsunção legal – a norma não se aplica ao facto).

VII - Para se avaliar se uma cláusula incluída numa alteração contratual é abusiva por violadora do princípio da boa-fé, o principal critério de o aferir é o de correr ao histórico da cláusula no contrato inicial, quer por ser essa a cláusula que ficará a vigorar, quer porque do confronto de ambas no seu conteúdo se tem um critério objectivo da boa-fé das partes (239 do CC).

VIII - Sendo o atestado multiusos um atestado médico passado por uma entidade pública e podendo ao abrigo do contrato de 1992 a seguradora pedir os vários atestados dos médicos que seguiram a pessoa segura bem como os demais elementos que entenda convenientes, parece razoável que possa pedir agora tal atestado, que foi efectivamente incluído numa negociação, mas que sempre o poderia pedir, mesmo que não tivesse sido negociado, à luz do contrato inicial de 1992, onde se previa a possibilidade de pedir os vários atestados e outros elementos, pois o atestado multiusos não seria mais do que um atestado ou outro elemento (239 do CC). Ademais, havendo tal atestado sido criado em 1996 dar-se-ia o caso curioso de a seguradora o poder pedir ao abrigo da apólice de 1992, entre 1996 (data em que foi criado na lei) até 2013 e deixar de o poder pedir a partir desta data por ter sido incluído com esse nome na apólice.

As normas aplicáveis são as disposições contratuais citadas nas alegações:

Condições Gerais artigo 7º 1 e 3; Condições Especiais art.º 2.º nº 2 e Dl 187/2007, artigos 14 e 15.

IX - Quando na apólice se estabelece uma cláusula, artigo 9º das condições Gerais, em que se remete para arbitragem com peritos escolhidos pelas partes os diferendos, não pode concluir por uma cláusula violadora da boa ao abrigo do artigo 21 b) do DL 446/85, quer o contrato seja de adesão quer o não seja.

X - Quando se declara que determinadas cláusulas são violadoras do princípio da boa-fé, deverá o julgador, sob pena de nulidade, fundamentar essa decisão com os factos que permitiram a conclusão de abusividade (615 nº 1 b) e 607 nº 4 e 5 ambos do CPC).

XI - O contrato dos autos é de não adesão, sem prejuízo de ser um contrato de vida grupo não contributivo, portanto, sem carácter tripartido; tem apenas duas partes, duas grandes empresas, a seguradora e a Navigator em que esta foi representada nas negociações pela E..., uma empresa de mediação de seguros.

XII – Perante o contrato dos autos, uma decisão proferida ao abrigo do artigo 21 b) do DL 446/85, mesmo que o contrato fosse de adesão, não violava o princípio da boa-fé, porque a seguradora não tinha a faculdade exclusiva das informações ou controlo médicos, nem no contrato inicial nem no decorrente das alterações de 2013, apólice CG. artigo 7º Condições especiais art. 2º)

XIII - A decisão sobre a faculdade exclusiva de verificar a qualidade dos serviços prestados (reconhecer as informações médicas) como violadora da boa-fé, não foi pedida pelo autor na PI, razão pela qual se decidiu para além do pedido, o que torna a decisão nula (615 d)).

XIV – Os conceitos técnicos ou jurídicos sobre invalidez e reforma que vigoram no âmbito da segurança social só têm validade no âmbito dos contratos particulares quando estes os assumam como clausulado. O Decreto-Lei n.º 187/2007 não contempla amplitude fora do âmbito da segurança social.

XV - a invalidez relativa reconhecida pela Segurança social é a prevista no artigo 14 do DL 187/2007e que ocorre quando o beneficiário, na sua profissão, temporariamente, por 3 anos, não possa auferir mais de 1/3 (33,3%) e com carácter permanente se recuperar no prazo de 3 anos, capacidade para auferir 50% do rendimento que vinha auferindo.

A invalidez absoluta é a prevista no artigo 15 do DL 187/2007, ou seja, aquela em que o beneficiário se encontra numa situação de incapacidade permanente e definitiva para toda e qualquer profissão ou trabalho e quando o beneficiário não apresenta capacidades de ganho remanescentes.

XVI - As conclusões constantes de uma perícia médico-legal que não foram contraditadas e por isso constam da matéria de facto provada não podem ser objecto de prova por presunção e, assim, as incapacidades aí declaradas valem nesses exactos termos. Foram violados os 351, 362, 363, 369, 371, 376 e 393 nº2, todos do Código Civil.

XVII - O juízo que a sentença e o acórdão definem como presunção, para além de não poder contrariar o documento pericial, não é sequer uma presunção judicial, por não haver facto desconhecido a extrair por dedução ilativa, razão pela qual não poderá ser considerada na decisão.

XVIII - num contrato de seguro, verificada uma incapacidade para o trabalho subsumível à garantia clausulada, isso basta para que a apólice seja acionada e o capital pago, independentemente do que ocorra na vida da pessoa incapacitada, cujo trabalho na vida corrente não afecta os efeitos do contrato.

XIX – Face às conclusões supra, deve o acórdão ser revogado, as nulidades invocadas ser declaradas nulas e a ré seguradora absolvida, sem prejuízo das demais conclusões de direito que ao caso caibam.»

O autor contra-alegou, concluindo deste modo:

«1. Da leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra verifica-se que houve unanimidade dos Srs. Juízes Desembargadores e conformidade decisória, que respeita à parte dispositiva da sentença;

2. A Decisão da 2ª Instância não revoga uma Decisão com a qual é contraditória, apenas faz uma leitura jurídica diferente de algumas das circunstâncias que conduzem à conclusão de que o Autor reúne as condições legais e contratuais para que lhe seja paga a quantia correspondente a 42 salários base à data do evento; coincidindo, assim, na consideração de que o Autor reúne as condições previstas no contrato de seguro e de cuja aplicação resulta para a Ré seguradora a obrigação de pagar-lhe, a título de cobertura complementar de invalidez, a quantia de € 97.492,50; como resulta, aliás, do Acórdão recorrido.

3. Está-se, pois, perante uma dupla conformidade de Decisões que obstam ao recebimento do presente Recurso de Revista.

4. Ao haver uma dupla conformidade de Decisões, impedido está a análise de nulidades por omissão de pronúncia sobre as conclusões, tal como a realizada pela Recorrente, relativamente aos pontos VI a XIV das suas Conclusões de Recurso; invocação que não colide com a verificação da dupla conformidade das Decisões proferidas, uma vez que esta eventual nulidade resulta de uma Decisão do Tribunal da Relação, sem ligação à Decisão da 1ª Instância

5. O conhecimento de qualquer uma das nulidades ínsitas no artigo 615 do CPC, requeridas pela Recorrente, porque não admissível recurso ordinário, é do conhecimento do Tribunal da Relação e não do Supremo Tribunal, que está impedido de apreciá-las.

6. Independentemente da existência que dupla conformidade de Decisões e ainda que não ocorresse, a Decisão objeto do presente Recurso não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia relativamente a questões que devia conhecer, uma vez que o Tribunal se pronunciou sobre as questões que se lhe impunha decidir, designadamente e tal como resulta do Acórdão da Relação recorrido:

- Se é de proceder à alteração da matéria de facto em que se fundou a sentença recorrida;

- Se está correcta a decisão de julgar a acção parcialmente procedente, nos termos decididos pelo Tribunal “a quo”.”

7. É verdade que o Tribunal recorrido não subscreve a inadmissibilidade da exigência do Atestado Multiuso nem exclusão do âmbito do contrato de doenças do foro psicológico e ou psiquiátrico, por nulidade das correspondentes cláusulas resultante da falta de comunicação ao Autor, porém e atendendo a estar-se perante um contrato de seguro de grupo, ao qual se aplica o instituto do abuso de direito e do regime do DL 446/85, tal como o prevê, designadamente, o artigo 3 do DL 72/2008, subscreve o entendimento do Autor, que conduz exatamente ao mesmo resultado decisório de condenação da Recorrente, e pedido subsidiariamente, de ser aquela exigência e aquelas exclusões nulas em decorrência da aplicação dos referidos regime das CCG e do Instituto do Abuso de Direito.

8. Ao seguir pela via da nulidade da obrigação de Atestado Multiuso e a de exclusão das doenças do foro psicológico e psiquiátrico, o Tribunal da Relação responde, expressa e fundamentadamente, às Conclusões ínsitas nos pontos VI a XIV enunciadas no Recurso da Fidelidade, ainda que as mesmas mais não sejam que fundamentos, ou juízos de valor com os quais a Seguradora funda a sua pretensão de não condenação, razão porque nem sequer estava vinculado a dar-lhes resposta.

9. No que á incapacidade para o exercício da profissão e ou de qualquer outra atividade do Autor compatível com as suas qualificações profissionais (fogueiro) nada há a apontar à Sentença do Tribunal da Relação, que confirma, integralmente, o decidido em 1ª Instância, uma vez que as sequelas que apresenta são impeditivas do exercício da atividade profissional, que no seu caso é, também, exercida por turnos, se os Srs Peritos tivessem querido abranger somente o trabalho por turnos teriam apenas afirmado que tais sequelas eram impeditivas do exercício de trabalho por turnos, o que não fizeram; posto de trabalho em que a Navigator, conhecedora do seu problema de saúde, não reconverteu, nem providenciou a cessação da sua sujeição a trabalho por turnos, conforme consta dos Factos provados 30 e 58, não colocados em causa pela Recorrente.

10.O Autor ao encontrar-se incapacitado para o exercício da sua atividade profissional, não tem uma incapacidade profissional de 29%, como falaciosamente invoca a Recorrente, mas sim de 100%, o que em muito excede os 66,66%.

11. A essência do contrato de seguro dos Autos é proteger todos aqueles que se têm que reformar por incapacidade para o exercício da sua atividade profissional, tal como aconteceu com o Autor, ao ser reformado pela Segurança Social nos termos do artigo 14 do DL 187/2007, ora ao estar incapacitado para o exercício da profissão não pode ser invocável a incapacidade indicada de 26%, sob pena de esdrúxulo desvirtuamento daquele mesmo contrato.

12. Correta está, pois, a Decisão de confirmação de que o Autor, relativamente ao contrato de seguro do ramo vida dos Autos, titulado pela Apólice 50…39, reúne os requisitos nele consagrados para que lhe seja paga a quantia de capital de € 97.492,50, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 22.07.2016 e até efetivo e integral pagamento.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser julgado improcedente, por não provado e, em consequência, ser a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, de condenação da Ré, confirmada, com todos os efeitos legais.»

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido, assinalando-se as alterações introduzidas pela Relação, em resultado de impugnação da decisão de facto da 1.ª Instância):

«São factos provados:

1- Outorgaram a ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. na qualidade de Seguradora e a ré The Navigator Paper Company S.A. (anterior Soporcel), na qualidade de segurada tomadora, um contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, titulado pela apólice n° 5.0…39, com início de produção de efeitos a 01.01.1992. subordinado às condições gerais, particulares e especiais juntas como doc. nº 20 com a petição inicial, de entre as quais se destacam as seguintes:

-Nos termos do art. 7º das condições gerais ‘as importâncias seguras só poderão tornar-se exigíveis após a apresentação dos seguintes documentos: (…) risco de invalidez – atestado detalhado, passado por médicos que tratam e/ou trataram a pessoa segura, indicando as circunstâncias, causas, início, natureza, evolução e provável duração do estado de invalidez. …:

-Nos termos do art. 2º das condições especiais ‘entende-se por invalidez total e permanente o estado que incapacite a pessoa segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões’. Para que seja considerada essa invalidez terão de verificar-se simultaneamente as seguintes condições:

1. Persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção. Este período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas.

2 - Reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada uma invalidez total e permanente.

3. Perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3. (art.1º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob A).)

2- Contrato pelo qual a então Soporcel transferiu para a Seguradora Fidelidade, mediante pagamento de uma remuneração, o risco da verificação de um dano na esfera jurídica de qualquer um dos seus trabalhadores do quadro (sendo estes os beneficiários), desde que subscritores de correspondente Boletim de Participante. (art.2º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob B)).

3- A ré Fidelidade assumiu a obrigação de pagamento do capital seguro, em caso de morte (cobertura principal), ou invalidez total e permanente (cobertura complementar) de qualquer um dos trabalhadores efectivos da Soporcel, compensação correspondente a 42 salários base do trabalhador em causa, com um limite mínimo de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos). (art.3º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob C)).

4 - Os riscos seguros, com o dito contrato foram e são os riscos de Morte, de Vida e de Invalidez dos trabalhadores do quadro da Soporcel (art.8º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob D)).

5 - Nos termos do referido contrato consagrava-se, quanto à cobertura complementar de invalidez total e permanente por doença (condições especiais), que se encontra em estado de invalidez total e permanente o beneficiário que esteja incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, sendo que ‘Para que seja considerada essa invalidez terão de verificar-se simultaneamente as seguintes condições:

1. Persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção. Este período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou perturbação psíquica.

2. Reconhecimento pelo médico da Seguradora de que a pessoa segura está afectada duma invalidez total e permanente.

3. Perda definitiva de capacidade de ganho superior a 2/3. (art. 2º)” - Incapacidade que se traduz numa perda definitiva de capacidade de ganho igual ou superior a 2/3. (art.4º e 5º da petição inicial)- facto com arrimo documental- doc. 3 - REFª: ......67 e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob E).-

6 - O contrato de seguro Ramo Vida, titulado pela apólice n° 5.0…39, ainda hoje se mantém em vigor (à data de entrada da presente acção em juízo), sendo a ré Soporcel/Navigator quem assumiu, desde sempre, a obrigação de pagamento dos prémios deste contrato. (art.6º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob F)).

7- O Autor, a 01 de Maio de 1983, celebrou com a ré Soporcel contrato subordinado de trabalho e integrou o seu quadro de efectivos a partir de 01 de Maio de 1983, tendo-se mantido seu trabalhar até 09 de Fevereiro de 2015, tal como consta do certificado de trabalho que é doc. 1 da p.i… (art.9º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob G)).

8- No dia 05 do mês de Fevereiro de 1992 o autor subscreveu, um Boletim de Participante, relativo à sua integração no contrato de seguro ramo vida, constante da indicada Apólice 5.0…39, emitido pela ré Fidelidade, com início de vigência, relativamente ao autor, a 01 de Janeiro de 1992, tal como consta do indicado Boletim, constante como doc. 1 do reqº REFª: ......67/doc. 2 da pi (art.10º da petição inicial) - facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob H)).

9- Em 31/01/2013, cf. doc. 4 e 5 do reqº REFª: ......67 da pi, as rés alteraram a apólice nº 5000539 ao qual aderiu o autor, passando as condições gerais e particulares a serem as constantes, nomeadamente:

-Nos termos do art. 1º das Condições Gerais, para efeitos do contrato de seguro em apreço, considera-se Invalidez Total e Permanente ‘a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:

a) a pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;

b) corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor à data da avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias pré-existentes;

c)-seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal do Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica’;

- Nos termos do art. 3.1.b) das condições particulares, o contrato de seguro abrange a garantia de invalidez Total e Permanente por doença de ‘grau de desvalorização igual ou superior a 2/3 por doença ocorrida durante a vigência da adesão’;

- Nos termos do artigo 3.2.b) das Condições Particulares, ‘…as garantias cessam os seus efeitos nas seguintes condições: (…) cessação do vínculo com o tomador do seguro ou reforma da Pessoa Segura.’ ;

- Nos termos do artigo 3.8 das Condições Particulares ‘…estão excluídos os sinistros de invalidez decorrentes de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico.’;

- Nos termos do disposto no artº 8º, nº 2, 2.2, al. c) 2) das Condições Gerais, em caso de sinistro a pessoa segura está obrigada, além do mais:

a) - a entregar ao Segurador um Atestado Médico de Incapacidade Multiusos;

b) - a enviar a médico designado pelo Segurador do relatório do médico assistente que indique as causas, a data de início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração. A divergência entre o médico da Pessoa Segura e o médico do Segurador quanto ao grau de invalidez, pode ser decidida por um médico nomeado por ambas as partes. (Teor da acta adicional 1/2013- (facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob I)).

10 - O Autor nasceu a ... de ... de 1958, tendo 56 anos à data da sua aposentação facto com arrimo documental - doc. 23 da pi-, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob R)).

11 - Auferia, à data da aposentação, uma remuneração mensal, paga pela segunda Ré, sua entidade patronal, de € 2.321,25. (facto com arrimo documental – doc. 24 – e aceite por acordo, cf. factos assente enunciado anteriormente sob R), 2ª parte, constituído por recibos de remunerações correspondente ao mês de Julho de 2014).

12- O autor, tal como os seus colegas trabalhadores da Soporcel, não interferiu, não participou, nem foi convidado a participar, por qualquer uma das rés, na discussão, negociação e redação das Cláusulas do contrato de seguro, titulado pela Apólice 5.0…39, ou de quaisquer suas alterações contratuais, anteriores, ou posteriores à subscrição do Boletim de Participante (art. 20º a 22º da petição inicial),

13 - Cláusulas, actas e ou alterações contratuais, cuja existência e conteúdo, prévias à adesão do autor, ou posteriores à mesma, nenhuma das rés lhe deu a conhecer ou facultou cópias, bem assim como a seus colegas de trabalho, ao longo de todo o período em que foi trabalhador da ré Soporcel/The Navigator (art. 20º a 22º da petição inicial).

14 - No dia 05.02.1992, o autor subscreveu o Boletim de Participante junto como doc. nº2 correspondente à sua integração no contrato de seguro ramo vida com a Apólice 5.0..39, por indicação da Soporcel, assinado no Gabinete de um seu superior hierárquico, que o chamou para o efeito, e tal como lhe foi então indicado fazer, limitou-se a nele apor a respetiva identificação sumária, os beneficiários em caso de morte e sinalização sintética de enfermidades, tal como sucedeu com inúmeros colegas de trabalho;

15 - tal superior hierárquico que não entregou ao autor nenhuma cópia do contrato de seguro (nem a recebeu posteriormente das rés), nem tão pouco lhe fez qualquer explicação do seu conteúdo, remetendo- o para a leitura do Guia do Trabalhador, nomeadamente quanto às cláusulas que regulavam a atribuição de uma compensação em caso de morte e de invalidez, correspondentes requisitos necessários a que os Segurados garantissem o recebimento do capital previsto na invalidez.

16 - Aquando da adesão ao contrato de seguro, que operou efeitos a partir de 01.01.1992, o conhecimento do autor e demais colegas de trabalho sobre o ajuizado contrato de seguro, circunscrevia-se ao obtido pela leitura do Manual da Empresa, Edição de 11.04.91, em vigor à data da subscrição do Boletim de Participante, emitido e distribuído pela 2ª ré aos seus trabalhadores do quadro, mormente, nas fls 11, 12 e 13 do Capítulo IX, junto como doc. nº4 com a petição inicial e ao obtido pela leitura do Notícias Soporcel II série, de Outubro de 1988, que se junta e dá por reproduzido (Doc. 3).

17 - O Manual da Empresa regulava, ao tempo, as relações laborais constituídas entre a ré Soporcel e os seus trabalhadores subordinados, nomeadamente e entre outras, nas matérias relativas a Recrutamento; Direitos, Deveres e Garantias; Prestação e Suspensão de Trabalho; Benefícios Sociais; Saúde e Prevenção de Acidentes; Seguros.

18 - Manual de Gestão de Pessoal (Manual da empresa – ed. 930224/910411) - indica no seu Capítulo IX, ponto 6.4 e 6.5 (fls 11, 12 e 13), relativamente ao seguro Ramo Vida assegurado pela empresa, que e quanto ao risco de Invalidez o seguinte: ‘Considera-se incapacidade Total e Permanente sempre que o trabalhador se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão, ou qualquer outra atividade lucrativa, de acordo com os seus conhecimentos e aptidões. ‘. ‘Uma Pessoa Segura, na situação de Incapacidade Total é reconhecida como sendo atingida de uma Invalidez Total e Permanente, desde que se verifiquem simultaneamente as três seguintes condições:

- A sua incapacidade total se mantenha sem interrupção pelo menos seis meses a contar do dia em que foi constatada pelo médico da companhia de seguros que contratou a cobertura; este período mínimo de seis meses poderá ser alargado para dois anos se a incapacidade é resultante de alienação mental, ou perturbações psíquicas;

- O carácter permanente desta incapacidade deve ser atestado por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura. Este certificado deve precisar nomeadamente que não é de esperar da continuação do tratamento médico em curso melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura.

- Pelo facto da sua incapacidade total e permanente a Pessoa Segura é atingida de uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços.’

‘Em caso de incapacidade total permanente ou morte, o trabalhador ou os seus herdeiros ou beneficiários indicados no Boletim de Inscrição, respetivamente, terão direito a 42 vezes o salário base à data do evento, com um mínimo de esc.5.500.000$00. ”.- cf. doc. 3 da pi..

19- O autor ao longo da quase totalidade da sua carreira profissional, como trabalhador da ré Soporcel/Navigator, executou as funções de Operador de Processo, categoria profissional com que se reformou (art. 24º da petição inicial e doc. 1 da pi, constituído por certificado de trabalho),

20 - Funções cuja execução consistia em operar caldeiras de alta pressão, tubo-geradores, central de ciclo combinado de gaz, evaporadores, forno de cal, central de tratamento de águas e afluentes, bem como distribuição de energia de alta tensão, e para que estava habilitado com carteira profissional de Fogueiro de 1ª (art. 25 e 26 º da petição inicial). - cf. doc. 5 da pi.

21 - Funções que exigem enorme disponibilidade física e mental ao seu executor, tendo em conta não só as condições extremas de funcionamento do equipamento operado, como o risco que a sua deficiente operacionalização pode implicar para a seguração e integridade da unidade fabril onde se encontram e segurança e integridade física daqueles que nela trabalham, (art. 27º da petição inicial).

22 - E que sempre desempenhou, ininterruptamente, por período superior a trinta anos e até à sua reforma, em regime de turnos, mais concretamente, e quase exclusivamente, em regime de 3 turnos rotativos de laboração contínua (art. 28º da petição inicial).

23 - No começo do ano de 2014 o autor desenvolvia a sua atividade laboral com enorme esforço físico e mental, em resultado da sua limitação funcional, com considerável diminuição de mobilidade, na sequência da sua enfermidade (arts. 29º a 42º da petição inicial):

a) Ao nível da coluna vertebral, com sinais que se evidenciam há mais de 10 anos, onde ressalta uma hérnia discal L3/L4, cuja operação foi desaconselhada por neurocirurgião, limitação acentuada na mobilidade, que se tem vindo a deteriorar, ao longo dos anos, com fortes e constantes dores, sobretudo na seção dorso-lombar e nervo ciático, com limitação de desempenho profissional, pois condicionantes da locomoção e movimentos do tórax e membros superiores – atenta a limitação de mobilidade do segmento dorso-lombar, sempre que tinha que realizar trabalho em qualquer um dos equipamentos que operava, fosse qual fosse a posição em que o fazia, e com a sintomatologia, diagnóstico e conclusões, constantes do Relatório Médico de médico especialista em ortopedia e traumatologia, Dr DD, de 24 de Setembro de 2014, cf. doc. 6 da pi;

b) Ao nível cardíaco, foi-lhe diagnosticado, há cerca de 15 anos, uma patologia valvular, com progressivo agravamento nos últimos anos; com crescente e constante cansaço, tonturas, perturbações de visão, em pleno local de trabalho e não só, sintomas que levaram a que o Dr EE, enquanto médico da Soporcel, julga-se que no ano de 2012, determinou-lhe um Tac cerebral e um Dopler às carótidas – exames inconclusivos; porque os sintomas continuaram o Dr FF, enquanto médico da Soporcel, ordenou-lhe a realização de uma ecocardiografia, o que fez- do qual resulta uma cardiopatia estrutural, ou seja, uma alteração na estrutura valvular - estenose aórtica), pois tem uma válvula aórtica bicúspide, ao invés do normal (tricúspide), com consabido prognóstico de evolução a curto prazo para estenose ("aperto") severa, com indicação de cirurgia de substituição ( que ocorreu no ano de 2017), tal como evidenciam os Ecocardiogramas realizados em 13.08.2013, 28.05.2014 e Relatórios médicos de 14.10.2014 e 19.06.2017-(Dr. GG- cardiologista(cf. Doc. 7, 8, 9 e 10).

c) Paralelamente à enfermidade do âmbito da cardiologia e ortopedia, sofria também o autor, há vários anos, mais de 15 anos, de doença de foro neurológico, em consequência de ter, ininterruptamente, trabalhado em regime de turnos por mais de 30 anos, com variação semanal dos seus “ritmos” de descanso e de trabalho (arts. 39º e 40º da petição inicial), circunstância que fez com que progressivamente fossem diminuindo os seus períodos de descanso, ou mais concretamente de sono, há cerca de 15 anos, a contar da data da sua aposentação, o que levou a que o médico da Soporcel lhe tivesse então prescrito Kainever 1 gr., em SOS;

24 - Apesar dos medicamentos que tomava diariamente para dormir, cada vez tinha mais dificuldade em adormecer e nesse estado permanecer, o que muito o afetava na realização do seu trabalho, tendo passado a exibir perda de concentração, memória e também dificuldade de interação com os outros (arts. 43º e 44º da petição inicial).

25 - Por falência dos hipnóticos que lhe foram receitados, foi-lhe também prescrita a toma de antidepressivos vários e outros fármacos como Zolpidem. (art. 45º da petição inicial).

26 - Porque a ausência de sono não regredia, pese embora os fármacos que e para o efeito, diariamente, tomava e na sequência das queixas sucessivas que realizava junto do(s) médico(s) da empresa, foi-lhe por este(s) aconselhado, no ano de 2013, consulta a um médico neurologista, especialista do sono – o que fez, de imediato, junto da Professora Drª HH, em ..., onde foi sujeito a exames vários, nos meses de Outubro e Novembro de 2013. (arts. 46º e 47º da petição inicial).

27 - O sono na generalidade das pessoas é composto por duas fases, a NREM e a REM : a NREM é a fase que inicia o sono e representa 75% do tempo em que se dorme. É a fase do sono profundo. É nela que acontece a libertação da hormona do crescimento e o descanso mental; A REM (rapide eye movement), correspondente à fase do sono onde ocorrem os sonhos; representa 25% do tempo em que se dorme. É importante para o bem-estar físico e emocional; quando a fase REM termina, volta-se à fase NREM e repete-se este ciclo cerca de 5 vezes por noite. A cada ciclo que passa, a fase NREM fica menor e a REM, maior.

28 - Dos exames realizados ao autor foi constatado que inexistia o sono profundo e redução significativa do REM, tal como se verifica dos mesmos (Doc. 11 e 12 da pi) e na sequência dos exames e da avaliação feita pela Srª Profª HH, a medicação foi alterada no mês de Novembro de 2013. ( arts. 52º e 53º da petição inicial).

29 - Após ligeiras melhoras, com aumento de período de sono, três/quatro semanas após a alteração da medicação, o Autor passou, novamente, a quase não conseguir dormir, nunca ultrapassando três horas de sono. (art. 54º da petição inicial).

30 - A sua entidade patronal, conhecedora do problema do autor, ainda no ano de 2013, por intermédio do seu clínico, Dr. FF, não providenciou que lhe fossem dadas funções em horário diurno e sem sujeição a turnos, nem teve a iniciativa de o determinar; e conhecedora das demais patologias do seu funcionário, não recomendou a atribuição ao autor de outras funções e não tão exigentes, a nível físico, como as que desempenhou até à sua aposentação. (art. 55º da petição inicial).)

31 - O sono é um estado anatómico e funcional de não acordado; é o período em que se desliga a relação com o mundo exterior para que o cérebro se dedique às actividades necessárias ao seu normal funcionamento, ou seja, analisar todas as suas funções e estruturas anatómicas, bem como as secreções que precisa de libertar; por outro lado, aproveita para reparar lesões que podem interferir com a actividade cerebral. (art. 56º da petição inicial).

32 - E esta falta de descanso, resultado do trabalho ininterrupto por turnos, ao longo de tantos anos, foi colidindo com o relógio biológico do autor e com a segregação pelo seu cérebro da melatonina, da acetilcolina, tal como a noradrenalina ou norepinefrina, entre outras, num processo de equilíbrio constante. – o que afetou o autor, profundamente, na sua saúde ao nível do sistema nervoso central e periférico; e fez com que se tivessem agravado os sintomas de perda de concentração, alterações de memória e cognitivas, cansaço, ansiedade, dores de cabeça, problemas digestivos, com queda do rendimento mental, perda de concentração, dificuldade de atenção e também dificuldade de interação com os outros; tendo-se tornado também, nessa relação como o(s) outro(s), mais introvertido, mal-humorado, agressivo, depressivo e intolerante – alterações que se refletiram, igualmente, no seu comportamento sexual, com diminuição sensível na frequência de relações sexuais. (arts. 56º e 62º da petição inicial).

33 - Com o passar do tempo e à media que se agravavam os sintomas, o autor foi também deixando de fazer ou praticar qualquer outra atividade para além da correspondente ao seu trabalho profissional, por falta de disposição, de vontade, assim como igualmente se foi afastando do convívio da sua família, na sequência do isolamento que, constantemente, procurava. (arts. 63º e 64º da petição inicial).

34 - No mês de Junho de 2014, em pleno turno noturno de execução da sua atividade profissional, o autor perdeu a consciência e foi conduzido, de imediato, para o Hospital Distrital da ..., com suspeita de AVC, ou problema cardíaco, mas não sofreu AVC, ou problema cardíaco, tudo derivava da sua falta de repouso, por falta de sono ( arts. 65º e 66º da petição inicial),

35 - o que levou a que a sua médica assistente, Drª HH, tenha entendido, após um período de baixa médica que lhe concedeu em 30.07.2014, dado o agravamento da sua saúde e não estar fisicamente apto a trabalhar, considera-lo definitivamente inapto para o trabalho, tal como se verifica dos Relatórios Médicos constantes como Doc. 13 e 13A, – tendo-o também aconselhado, de imediato, a submeter-se a intensivo tratamento de recuperação e a requerer a sua aposentação, por invalidez (arts. 67º e 68º da petição inicial),

36 - O que fez, no início do mês de Novembro de 2014, junto da Segurança Social, para o que fez entrega no Instituto da Segurança Social dos:

• Relatório Médico do Dr DD, de 24 de Setembro de 2014 (Cfr/doc. 6)

• Ecocardiogramas realizados em 13.08.2013, 28.05.2014 e Relatórios médicos de 14.10.2014 e 19.06.2017 (Cfr/Docs. 7, 8, 9 e 10);

• Relatório de EEG Poligráfico do Sono e Monitorização Actigráfica realizados pela Profª Drª HH (Cfr/Docs. 11 e 12);

• Relatórios Médicos da DrªHH (Cfr/Doc. 13 e 13A) (art.69º da petição inicial).

37 - No mês de Janeiro do ano de 2015, o Instituto da Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões, por ofício datado de 20.01.2015, notificou o Autor de que o seu requerimento de pensão tinha sido deferido e que se encontrava reformado por Invalidez Relativa, ofício constante como doc. 14. (facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob J)).

38 - Após ter recepcionado a indicada comunicação, o autor contactou os serviços administrativos da Ré Navigator para que lhe indicassem os procedimentos necessários ao recebimento do capital seguro, no âmbito do contrato de seguro titulado pela Apólice 5.0…39, encaminhamento que tais serviços fizeram, tal como já o tinham feito a seus colegas de trabalho, anteriormente aposentados por invalidez e no seguimento do qual fez-lhes entrega, para que fosse remetida à primeira ré de:

• Comunicação da atribuição de Pensão de Invalidez (Cfr/Doc. 14),

• Relatório do Médico Assistente, Dr KK, elaborado em impresso próprio facultado pela Ré Seguradora, de avaliação de incapacidade, que se junta e se dá por reproduzido (Doc. 15). (art.71º e 72º da petição inicial).

39 - O autor apenas enviou à seguradora a comunicação da Segurança Social, junta com Doc 14, e o Relatório do Médico Assistente, junto sob o Doc 15. (facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob K)).

40 - A Seguradora recebeu os documentos apresentados pelo Autor – a saber, a comunicação da Segurança Social, junta com Doc 14, e o Relatório do Médico Assistente, junto sob o Doc 15, – e não impugnou nenhum, nem solicitou qualquer outro, não indicou nenhum médico para reconhecer a afectação do Autor a uma invalidez relativa, nem o convocou para ser examinado por um médico seu. (aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob M1)).

41 - Por carta datada de 16 de Novembro de 2015 a Soporcel requereu ao autor a entrega de atestado Multiusos ‘Para complemento do Processo 84/...58, solicita a Seguradora, através da E........., que lhe seja enviada cópia do Atestado de Incapacidade Multiusos.’; pedido reiterado pelas comunicações de 07.04.2016 e 12.09.2016, tal como se verifica do teor das mesmas (Docs. 16, 17 e 18). facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob M2)). ( art.74º da petição inicial).

42 - Assim, por carta de 7 de Abril de 2016 dirigida ao autor, a ré seguradora comunicou que ‘Nesta data, providenciámos a revisão do(s) processo(s) de sinistro em apreço e concluímos que não nos foram remetidos os documentos abaixo identificados, que constituem elementos essenciais para o prosseguimento da instrução do(s) respectivo(s) processo(s). § Assim, encontramo-nos impedidos de providenciar a avaliação da situação, que oportunamente nos colocou, e lamentamos ter de informar que se num prazo máximo de 180 dias, não for satisfeito o nosso pedido anterior, que desta feita reiteramos, somos forçados a providenciar o encerramento do(s) respectivos processo(s) de sinistro….ATESTADO MÉDICO DE INCAPACIDADE MULTIUSOS. (facto com arrimo documental – doc. 16 – e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob N));

43 - atuação, aliás, em conformidade com a praticada em todos os processos que o Autor tem conhecimento de casos de não pagamento do capital seguro a trabalhadores reformados da Soporcel, onde se incluem as Ações de Processo Comum nºs 13907/17.7..., 4024/16.8... e 5991/15.4...;

44 - Por carta de 6 de Setembro de 2016 dirigida pelo autor à ré seguradora, escreveu o mesmo: ‘para complemento do processo de seguro VIDA-GRUPCI do qual sou beneficiário, com Vossa designação PS 84/3…8, solicitado pela seguradora através da E......... em 7 de abril de 2016, envio em anexo documento com a minha resposta’- exposição anexa na qual refere ter sido sujeito à Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente, nos termos do decreto-lei nº 360/97, tendo ficado ‘com invalidez para o trabalho’ como definido no art. 17º do decreto lei nº 329 de 1993, e sendo atribuída incapacidade permanente de 66,6%; e recusou o autor solicitar qualquer atestado multiusos como comprovativo, pois ‘não tem sequelas de qualquer acidente’, e ‘não existe na legislação em vigor em Portugal, qualquer directiva ou orientação que defina como obrigatória a apresentação de um atestado multiusos’. (facto com arrimo documental – doc. 17 – e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob O)).

45 - Em carta de 12 de Setembro de 2016, a ré reitera o pedido referindo que se num prazo máximo de 180 dias não recepcionar a documentação ‘seremos forçados a providenciar o encerramento administrativo do respectivo processo de sinistro.’ (facto com arrimo documental – doc. 18 – e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob P)).

46 - O autor não satisfez o pedido formulado pela seguradora para que entregasse Atestado Multiusos.

47 - e solicitou à 1ª ré, por comunicação escrita datada de 10.03.2017 a conclusão do processo e pagamento do capital (Doc. 19), comunicação que reiterou por carta de 19 de Abril de 2017 (Doc. 19 A), sem que e até ao momento, tivesse dela recebido resposta a qualquer uma das suas interpelações. (facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob Q)).(art. 75 a 77º da petição inicial).

48 - A data da interpelação do autor, pela leitura do doc.16 junto verifica-se ter ocorrido, pelo menos, até 16 de Novembro de 2015. (facto com arrimo documental e aceite por acordo, cf. factos assentes enunciados anteriormente sob L)).

49 - A exigência do Atestado Multiusos, para instrução do processo de atribuição da compensação prevista na Apólice 5.0…39, não tinha consagração contratual aquando da adesão do autor ao contrato de Seguro.

50 - O Autor foi sujeito a Comissão de Verificação das Incapacidades Permanentes, que deliberou considerá-lo incapaz para a sua profissão por comunicação de 10.07.2014 e lhe determinou uma Invalidez Relativa, conforme consta do Doc.14 junto, o que fez por diagnóstico da sua situação clínica, com base nos relatórios médicos entregues e consequente avaliação de que a sua debilidade implicava uma Incapacidade permanente, com consequente impossibilidade de auferir, no exercício da sua profissão, mais de 1/3 da remuneração que lhe era correspondente, verificação feita nos termos do artigo 14 do Dec. Lei 187/2007 (cf. art. 112º e 113º da pi).

51 - O Autor não sofre de qualquer doença do foro psicológico ou psiquiátrico, mas sim do foro neurológico, que só por si o incapacita para o trabalho (Doc.22- relatório da Dra HH de 25 de Julho de 2017), assim como o incapacitava à data da sua aposentação, Cfr Doc. 13 e 13ª- relatórios da Drª HH de 30-07-2014 11-09-2014, sem enquadramento próprio no DL 352/2007, como o não tem, aliás, qualquer outra doença do foro neurológico ( arts. 137º e 138º da pi).

52 - ELIMINADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO . [A 1.ª instância considerara provado o seguinte: As Comissões de Verificação das Incapacidades Permanentes, as Comissões de Recurso e os Médicos relatores são entidades competentes para a verificação da incapacidade para atribuição das pensões de invalidez e determinação de perda de ganho, – cf. Dec-Lei 329/93 de 25 de Setembro, no artigo 64; Dec-Lei 360/97 de 17 de Dezembro, artigo 3; e Dec-Lei 187/2007 de 10 de Maio, artigo 64. – cabendo assim às mesmas avaliar e apurar se o trabalhador doente tem ou não uma “Perda definitiva da capacidade de ganho igual ou superior a 2/3 "].

53 - ELIMINADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. [A 1.ª instância considerara provado o seguinte: O Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (AMIM) consiste num documento oficial, emitido após avaliação em junta médica, que indica e comprova o grau de incapacidade de uma pessoa, expresso numa percentagem e calculado com base na Tabela Nacional de Incapacidades, sendo documento essencial para uma pessoa com incapacidade ter acesso a inúmeros benefícios fiscais, proteção social e ainda apoios a nível da saúde e formação previstos por lei, sejam fornecidos pelo Estado ou entidades parceiras. (cf. no nº 6 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 291/2009, ‘os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, …’).]

54 - ELIMINADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. [A 1.ª instância considerara provado o seguinte: No AMIM, a avaliação que faz da pessoa e da incapacidade que apresenta não coincide com a avaliação que a Comissão de Verificação de Incapacidades faz, nem com a sua incapacidade para o trabalho (determinação se a pessoa avaliada, em consequência de incapacidade permanente, pode ou não auferir, na sua profissão, mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal); no AMIM a avaliação determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades não se destina a verificar da incapacidade profissional dos avaliados e sim cumular à incapacidade determinada pela Comissão de Verificação de Incapacidades, a incapacidade avaliada para efeitos de determinação de benefícios fiscais, cujos critérios de avaliação nada têm que ver com a anterior, sendo que na maioria dos casos, traduzirá sempre, uma incapacidade inferior à determinada pela Comissão de Verificação de Incapacidades.]

55 - Quando no âmbito de uma avaliação em sede de AMIM surge um avaliado que sofre de problemas de índole neurológica, esta componente é integrada e avaliada nos termos do Capítulo X (doenças do foro psiquiátrico e psicológico) da Tabela Nacional das Incapacidades. [ELIMINADO O SEGUINTE PELO ACÓRDÃO RECORRIDO , que a 1.ª instância considerara provado: …circunstância que leva a ré Seguradora a não aceitar, no âmbito da reformulação do contrato de 2013, tal como o prevê o artigo 3 nº 8 das Condições Particulares (Cfr Doc. 21), a percentagem determinada à referida doença do foro neurológico do Autor, mesmo que esta avaliasse a sua incapacidade para o trabalho, tal como já fez em casos semelhantes ao do autor, alguns dos quais também patrocinados por seu mandatário, onde respetivos colegas de trabalho padecem de igual doença e apresentaram Atestados Multiusos que a tinha em conta e determinada pelos parâmetros do Capítulo X.]

56 - ELIMINADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. [A 1.ª instância considerara provado também o seguinte: A avaliação feita em sede de Atestado Multiusos, com a matriz da Tabela Nacional de Incapacidades, não incide na vertente da incapacidade para o trabalho, não retratando, nessa perspetiva, a incapacidade dos avaliados, facto que a seguradora não desconhece e que a beneficia na diminuição do número de incapazes a quem tem que pagar o capital seguro, no âmbito da Apólice indicada nos autos, benefício resultante da imposição das alterações contratuais retratadas.]

57 - A razão de ser da celebração do contrato de seguro e consequente constituição de um Fundo de Pensões, tal como consta do Notícias Soporcel, distribuído pela Segunda Ré aos seus trabalhadores e junto sob o Doc 5 - foi: ‘… no sentido de serem postas em prática fórmulas capazes de, quanto possível, proteger os que, em particular, por razões de idade ou de invalidez, tiverem de interromper a continuidade da sua colaboração com a Empresa.’ E ‘… complementar os modestos meios que a Segurança Social oficial pode assegurar, por forma a que os reformados das associadas deste Fundo venham a dispor de condições de vida mais dignas numa altura em que as situações de necessidade se tornem mais sensíveis.’

58 - A empresa labora continuamente e por restrição do limite de horas de trabalho diário, o seu quadro de pessoal fabril, em grande número, trabalha, obrigatoriamente, em regime de turnos rotativos.

59 - Para além da exigência de Atestado Multiusos, Seguradora e Tomadora consagraram também, na alteração contratual de 2013, a exclusão de doenças do foro psiquiátrico. [ A Relação excluiu : ‘o que, simultaneamente com a obrigatoriedade de Atestado Multiusos, faz com que sejam excluídas da cobertura do contrato doenças do foro neurológico e em particular, doença contraída pelos trabalhadores por turnos da Navigator, na execução do seu trabalho’].

60 - No âmbito da perícia medica realizada – em sede de Tabela Nacional de Incapacidades entendeu o Perito Neurologista:

O exame neurológico não demonstra alterações dignas de menção.

Foi submetido a estudo poligráfico do sono tendo o registo noctumo demonstrado um sono pobre, por insónia marcada, com ausência de sono profundo e sono REM, Sindrome de apneia do sono ligeiro (ressalva-se o curto período de sono registado - cerca de 32 min).

O facto de ser um trabalhador nocturno gera uma alteração crónica da ciclicidade do sono, com insónia por fragmentação e atraso de fase, sendo assim admissível que a existência de trabalho nocturno permanente possa gerar alterações também crónicas da arquitectura do sono e defeito cognitivo ligeiro (de tipo amnésico/defeito de atenção).

E os Srs. Peritos verteram as seguintes conclusões gerais:

1. Conjugando a informação clínica facultada, o exame objetivo à data da perícia e o resultado dos exames complementares constata-se que o examinando é portador de várias patologias, designadamente do foro neurológico, ortopédico e cardíaco...........................................

3. Nesta conformidade considerando-se os danos permanentes constantes na Tabela Nacional e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei n.° 352/07 de 23 de outubro) atribuiu-se a seguinte incapacidade Permanente Geral de acordo com a tabela seguinte:

Código da Tabela a que correspondem
as sequelas
Coeficientes previstos na tabelaCoef. Arbitrados
Soma direta
Capacid. restante
Desvalorização Arbitrada
11.1.1 b) coluna cervical
dolorosa
0,02 a 0,100,0200010,02000
11,1.1. b) coluna lombar
dolorosas
0,02 a 0,100,030000,980000,04940
Por analogia com 12.1.3 a) joelho direito
doloroso
0,01 a 0,030,020000,950600,06841
Por analogia 12.1.3 a) joelho esquerdo
doloroso
0,01 a 0,030,020000,931590,08704
III 2.2, defeito cognitivo ligeiro + perturbação do
Sono
0,00 a 0,190,150000,912960,22399








VI 1.2. Classe I cardiopatia tratada cirurgicamente condicionando
cansaço fácil
0,06 a 0,150,080000,776010,28607

Nesta conformidade atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando o (a) examinado(a) em termos de autonomia e independência, serem causa de sofrimento físico, limitando-o(a) em termos funcionais, atribui-se uma Incapacidade Permanente Geral fixável em 29 pontos........

Neste caso as sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional trabalho por turnos).

61- As sequelas que o autor apresentava eram impeditivas do exercício da sua actividade profissional – ou qualquer actividade por turnos, e também de qualquer actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões que lhe assegurasse capacidade de ganho mínima até 1/3.

A 1.ª Instância incluíra ainda como factos não provados o seguinte:

I) Subscreveu o autor o Boletim, bem como os colegas de trabalho, convicto(s) que se tratava de um seguro semelhante ao que até então tinha estado em vigor na empresa, mas celebrado com outra seguradora (art. 15° da petição inicial).

II) As alterações de saúde reflectiram-se igualmente, no seu comportamento sexual, com diminuição sensível na frequência de relações sexuais (art. 43° da petição inicial).

III) O autor não satisfez o pedido de apresentação de certificado Multiusos por desconhecer até então essa exigência.

4. Antes do mais, cumpre verificar se o presente recurso é admissível. O recorrido sustenta a sua inadmissibilidade, por se verificar o obstáculo da dupla conformidade entre as decisões das instâncias (n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).

Nas alegações de recurso, a recorrente explica por que razão considera não existir tal obstáculo; não é assim necessária a sua notificação para responder antes de decidir.

Sobre o que se se deve entender por dupla conforme entre as decisões das instâncias, impeditiva do recurso de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, foi aprovado o acórdão de uniformização de jurisprudência de 20 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 545/13.2TBLSD.P1.S1-A que, embora tirado no âmbito de uma açcão de indemnização, revela uma concepção segundo a qual a dupla conforme deve ser aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo.

Transpondo essa concepção para esta acção, dever-se-á proceder a essa aferição relativamente às diversas cláusulas contratuais que foram objecto de decisões cindíveis (isto é, não interdependentes), desde que, naturalmente, integrem o objecto do recurso, tal como foi definido pela recorrente nas conclusões das suas alegações.

As nulidades atribuídas pela recorrente ao acórdão recorrido apenas poderão ser apreciadas se a revista for admissível.

Analisadas tais conclusões, verifica-se que a recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça conheça das seguintes questões:

– nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (concl. I, IV), falta de fundamentação (concl. X) e excesso de pronúncia (concl. XIII);

– valor probatório do “documento de incapacidade atribuído pela segurança social” (concl. II) e admissibilidade das presunções referidas na concl. XVI;

– Falta de fundamentação relativa aos pontos de facto n.º 57, 58 e 59, e devolução à Relação para que “os aprecie com base nas alegações que o recorrente efectuou no recurso de apelação”, cumprindo o n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (concl. III);

– erro de julgamento quanto às demais questão de mérito.

No presente caso, só se coloca a questão da eventual dupla conformidade quanto às decisões sobre a questão de mérito; no fundo, sobre as cláusulas analisadas pelas instâncias, tenham ou não sido levadas formalmente à parte decisória da sentença e do acórdão recorrido.

É certo que coincide a condenação da ora recorrente no pagamento da indemnização – recorde-se que a apelação foi julgada improcedente – e que as mesmas cláusulas foram apreciadas, tendo-se decidido que não integravam o contrato que se considerou vincular o autor, e que o acórdão recorrido foi votado por unanimidade; mas é igualmente certo que difere a fundamentação que levou à exclusão das cláusulas de 2013, cumprindo indagar se essa diferença é ou não essencial, na acepção do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil; ou seja, como o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, se, no que é essencial, se a fundamentação acolhida na sentença e no acórdão recorrido para desconsiderar essas cláusulas de 2013 difere.

Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Maio de 2015, cuja doutrina se mantém, “Na verdade, temos entendido que só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância ( Ac. de 19/2/15, proferido pelo STJ no P. 302913/11.6YIPRT.E1.S1)”.

Ora, no que toca às cláusulas introduzidas em 2013 que ambas as instâncias consideraram não poderem integrar o contrato que vale relativamente ao autor, a sentença considerou-as excluídas do contrato com fundamento em não lhe terem sido comunicadas pela ré seguradora, porque era sobre a ré seguradora que, a título principal, competia a comunicação e informação ao autor.

Já no acórdão recorrido, por se divergir do entendimento acabado de transcrever, considerando tais cláusulas não excluídas do contrato por falta de comunicação pela seguradora, conheceu-se da “pretensão deduzida pelo mesmo [autor] sob a al. d) do petitório”, qualificada como pedido subsidiário, e julgaram-se as cláusulas nulas, por serem abusivas.

Não se entende que se trate de um pedido subsidiário, isto é, a ser apreciado apenas se o pedido principal for julgado improcedente (n.º 1 do artigo 554.º do Código de Processo Civil); a interpretação da al. D) vai antes no sentido de conter uma causa de pedir alternativa; o que, todavia, não releva para saber se ocorre ou não dupla conforme.

Entende-se que não ocorre dupla conforme impeditiva da revista, quanto a estas cláusulas. As decisões das instâncias assentam numa concepção radicalmente diferente sobre o papel dos contratantes num seguro de grupo e, em consonância com essa concepção, sobre os deveres da seguradora e do tomador do seguro, relativamente ao aderente/beneficiário, no que toca à comunicação das cláusulas que integram o contrato.

O mesmo se não pode dizer quanto à cláusula já constante do contrato de 1992 – recorrendo ao texto da sentença, “a cláusula contratual constante do ponto 2) do artigo 2.º das Condições Especiais, enquanto condição para que seja considerada a situação de invalidade total e permanente o «reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afectada duma invalidez total e permanente»”– que foi julgada nula por ser contrária “à boa fé exigível, por implicar um desequilíbrio desproporcionado e, a final, uma penalização gravosa para o autor que se vê, relativamente ao seu estado, «nas mãos» exclusivas da seguradora”, “nos termos dos artigos 15.º, 16.ºe 21.º, al. b) do Dec.-Lei n.º 446/85, desde 25/10 (RLCCG)”, “subsistindo o contrato na parte não afectada pela invalidade”.

Como se escreveu expressamente no acórdão recorrido, “não há razões (…), neste aspecto particular, para divergirmos da sentença”.

Muito embora esta decisão não tenha sido levada formalmente à parte final da sentença, repete-se, foi nela efectivamente decidida e a cláusula foi excluída do contrato, por ser julgada nula, estando incluída a confirmação pelo acórdão recorrido na respectiva al. 3) da decisão final.

5. Explicitado o objecto do presente recurso, cumpre começar por apreciar as nulidades do acórdão recorrido arguidas pela recorrente.

A recorrente invoca a nulidade por omissão de pronúncia por dois motivos:

– Em primeiro lugar, porque a Relação “não se pronunciou sobre as conclusões VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV” – concl. I) das alegações apresentadas no recurso de apelação, cujo texto é o seguinte:

«VI- Nenhuma parte da matéria de facto dada como provada permite extrair a conclusão de estarmos perante um contrato de adesão e, assim sendo, terá que ser incluído um ponto na matéria de facto a dizer que a apólice dos autos não é um contrato de adesão.

VII - A ré Navigator, como tomador do seguro, cumpriu o dever de informação, por ter comunicado os elementos essenciais do contrato; Num seguro de vida grupo não contributivo em que nem sequer a obrigação contratual de informar existe para com os aderentes, cumpre-se dever de informação aos beneficiários quando se comunica o essencial da garantia do contrato, as exclusões e os procedimentos a adoptar.

VIII - Mesmo que o contrato fosse de adesão as cláusulas que definem a garantia da apólice, máxime, a definição e condições de verificação da invalidez absoluta permanente, tais cláusulas são válidas e não abusivas. Ad majori ad minus, se o contrato não for de adesão.

IX - Também a cláusula que estipula que a verificação da incapacidade prevista na apólice é feita por médico da seguradora e que em caso de dissenso cada parte nomeia um perito que por sua vez poderão nomear um terceiro, é cláusula válida e não abusiva, que foi negociada em 1992, no contrato inicial.

X – Esta cláusula não é abusiva porque estamos perante um contrato que não é de adesão, como tal sujeito à vontade das partes, ou seja, porque duas empresas que assim o quiseram e porque contém uma solução arbitrada para os casos em que há desacordo entre as partes.

XI – Nos autos, o INML apurou uma incapacidade para profissão no trabalho por turnos e uma incapacidade de ganho de 29% para qualquer profissão ou actividade, quando a apólice exige uma incapacidade de ganho superior a 2/3 (66,6%).

XII - Face a este apuramento não se encontram preenchidos os requisitos contratuais estabelecidos na apólice, por a incapacidade total e permanente não ser completa e definitiva de exercer a sua profissão nem de exercer qualquer outra actividade remunerada compatível com o seu grau de conhecimentos e aptidões. Esta garantia foi contratada e manteve-se na apólice desde o inicio em 1992.

XIII - Um documento da Segurança Social que declara que uma pessoa se reformou por invalidez relativa a partir de uma determinada data, diz apenas isso e vale entre o subscritor segurança social e o beneficiário. Este documento, mesmo para a Segurança Social, vale como reforma relativa, sem dizer o grau desta (o documento não o diz) e com carácter não permanente (por decorrência da legislação da segurança social). Logo, mesmo que valesse fora da segurança social não cumpria as exigências da apólice.

XIV – Ademais, as partes são livres de contratar livremente, de acordo com a sua vontade, respeitados que sejam os ditames legais. Quando num contrato privado estipulam que uma invalidez deve ter estes aqueles conteúdos para que a invalidez seja total e definitiva, são estes conteúdos e contornos que devem ser verificados pelas partes contratantes, apenas por elas, independentemente do que entidades alheias entendam sobre aquele conceito. De aí que o conceito de invalidez absoluta e permanente ou o conceito de invalidez relativa, válidos para a segurança social, valem apenas para si e para as relações que tenha com os seus beneficiários»

Só há nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa conhecer de questões que estivesse obrigado a apreciar; não quando não considera argumentos trazidos pelas partes para sustentar a sua posição quanto a essas questões – al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Esta regra, definida a propósito da sentença, é aplicável à 2.ª instância (n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo Civil) e não é alterada pela definição do objecto do recurso que resulta do artigo 635.º do mesmo Código, nomeadamente do seu n.º 4.

Acresce que a obrigação de conhecer das questões suscitadas (e levadas às conclusões, tratando-se de um recurso) é afastada quando a sua decisão ficar prejudicada “pela solução dada a outras” (n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil).

Assim:

– Concl. VI): O acórdão recorrido não poderia incluir na matéria de facto que o contrato de seguro dos autos é ou não é um contrato de adesão, porque se trata de uma qualificação jurídica. Resulta, aliás, da leitura do referido acórdão que é tratada como contrato de adesão a relação que se estabelece com o autor, quando subscreve o Boletim de Participante; o regime resultante do Decreto-Lei n.º 446/85 é aplicado nesse contexto (concl. VI). A afirmação de que “não consideramos, ao invés do que entendeu o Tribunal ‘a quo’, que estejamos face a um contrato de adesão” (pág. 58 do acórdão recorrido) é feita no a propósito da discordância de que caiba à seguradora comunicar ao autor as condições do contrato e que a falta de comunicação conduza à exclusão do contrato das cláusulas não comunicadas;

– Concl. VII: A sua apreciação ficou prejudicada com a solução adoptada pelo acórdão recorrido de que as cláusulas em causa nesta acção são nulas;

– Concl. VIII, IX e X: o acórdão recorrido julgou nulas as cláusulas a que se refere a recorrente; a questão da validade ali colocada foi tratada, portanto. Esta afirmação vale mesmo para a concl X, note-se;

– Concl. XI, XII, XIII e XIV: o acórdão recorrido considerou demonstrada uma incapacidade que preenchia os requisitos do contrato que, quanto a ele, ficou a valer. Esta questão foi tratada, não causando nulidade o não afastamento concreto do meio de prova referido na concl. XI ou a consideração do “documento da Segurança Social”, nos termos explicitados no acórdão. Na perspectiva da recorrente, como a interpretamos, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Em segundo lugar, a recorrente invoca nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, por entender que não se pronunciou sobre a questão, sustentada perante a Relação, de que o tomador, responsável pela violação do dever de informação, deve “responder, indemnizando o autor” (concl. IV das alegações de revista). Não há, no entanto, qualquer omissão de pronúncia. O acórdão recorrido diz expressamente que a “absolvição da Ré ‘Navigator’ [decidida em 1.ª Instância] transitou em julgado”, razão pela qual não pode ser tido em conta o pedido também deduzido contra esta ré (pág. 65 do acórdão recorrido).

A recorrente invoca ainda a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (concl. X): “X - Quando se declara que determinadas cláusulas são violadoras do princípio da boa-fé, deverá o julgador, sob pena de nulidade, fundamentar essa decisão com os factos que permitiram a conclusão de abusividade (615nº 1 b) e 607 nº 4 e 5 ambos do CPC)”.

Considera-se improcedente esta arguição de nulidade, desde logo porque constam dos factos provados: o conteúdo do contrato de seguro tal como foi celebrado em 1992 e das alterações de 2013, o que permite verificar as diferenças agora relevantes para a validade ou invalidade da cláusulas que estão em causa; a subscrição do Boletim de Participante pelo autor, que “não interferiu, nem participou”, “na discussão, negociação e redacção”, nem do contrato inicial, nem de alterações posteriores; que não lhe foi dado conhecimento, nem de um, nem de outras; que, quando subscreveu o referido Boletim, foi apenas remetido para o Manual da Empresa, do qual constava o que vem indicado nos pontos 17 e 18 dos factos provados; que “quando no âmbito de uma avaliação em sede de AMIM surge um avaliado que sofre de problemas de índole neurológica, esta componente é integrada e avaliada nos termos do Capítulo X (doenças do foro psiquiátrico e psicológico) da Tabela Nacional das Incapacidades”, sofrendo o autor de uma doença “do foro neurológico, que só por si o incapacita para o trabalho”.

Não provoca nulidade a ausência de indicação expressa de cada ponto da decisão de facto que se considera fundamentar cada questão de direito decidida no acórdão.

Finalmente, a recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia:

“XIII - A decisão sobre a faculdade exclusiva de verificar a qualidade dos serviços prestados (reconhecer as informações médicas) como violadora da boa-fé, não foi pedida pelo autor na PI, razão pela qual se decidiu para além do pedido, o que torna a decisão nula (615 d))”.

Trata-se da cláusula constante do n.º 2 do artigo 2.º das condições especiais (cfr. ponto n.º 1 da matéria de facto provada), que foi considerada abusiva e, portanto, nula pelo acórdão recorrido, que neste ponto acolheu a sentença e seguiu a orientação perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 935/18.4T8CBR.S1

Ora a nulidade é de conhecimento oficioso (artigos 24.º do Decreto-Lei n.º 446/85 e 286.º do Código Civil), não existindo, portanto, excesso de pronúncia.

6. Cumpre agora conhecer das demais questões que integram o objecto do recurso, tal como definido pela recorrente nas conclusões das alegações (n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil):

– valor probatório do “documento de incapacidade atribuído pela segurança social” (concl. II) e admissibilidade das presunções referidas na concl. XVI;

– Falta de fundamentação relativa aos pontos de facto n.º 57, 58 e 59, e devolução à Relação para que “os aprecie com base nas alegações que o recorrente efectuou no recurso de apelação”, cumprindo o n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (concl. III);

– erro de julgamento quanto às demais questões de mérito (nulidade das cláusulas).

7. Invocando o disposto nos artigos 369.º (“Competência da autoridade ou oficial público” para exarar documentos autênticos), 371.º (“força probatória” material dos documentos autênticos) e 376.º (“força probatória” material dos documentos particulares) do Código Civil, bem como no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil (que permite que o Supremo Tribunal de Justiça controle a força probatória de meios de prova com força probatória legalmente fixada), a recorrente sustenta que a incapacidade que deve relevar para se saber se cumpre os requisitos exigidos pelo contrato de seguro para que a indemnização nele prevista tenha de ser paga à recorrente deve ser a que resultou da perícia médico-legal e que o documento da Segurança Social em que se baseou o acórdão recorrido não tem eficácia externa.

Ora o acórdão recorrido, a pág. 70, louvando-se na sentença, reconhece que “o conceito de invalidez contratualmente explicitado não equivale automaticamente ao conceito de invalidez absoluta adoptado no diploma que define a protecção nas eventualidades de invalidez e velhice dos beneficiários com enquadramento obrigatório no regime geral de Segurança Social – DL n.º 187/2007, de 10/05”, recordando qual é o objectivo deste sistema de protecção: “compensar a perda de remunerações de trabalho” causada pelas ocorrências definidas no citado diploma.

Todavia, e igualmente acolhendo o que se entendeu na sentença, o acórdão recorrido, referindo-se à “acta adicional n.º 3/94”, recorda que o seguro conferiu relevância contratual à declaração da Segurança Social sobre a data a partir da qual se verificou a situação de invalidez, data que igualmente releva para saber a partir de quando é “devida a prestação pela ré seguradora” – e, portanto, à verificação da situação de invalidez pela Segurança Social.

Na definição dos elementos que um aderente tem de entregar para instrução do pedido de pagamento do capital devido de acordo com o contrato, a fim de demonstrar que se encontra numa situação de invalidez coberta pelo seguro, figura a obrigatoriedade de junção de “documento comprovativo do reconhecimento da invalidez emitido pela instituição de Segurança Social ou pelo Tribunal de Trabalho” (cfr. ponto 9. dos factos provados, que descreve as alterações de 2013, que a recorrente considera não abusivas).

Não se pode, pois, dizer que a relevância atribuída à verificação de invalidez pela Segurança Social não resulte do próprio contrato de seguro, nomeadamente na versão que a recorrente entende valer. Note-se ainda que o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 esclarece que se considera invalidez, para efeitos de protecção através do regime de segurança social, “toda a situação incapacitante de causa não profissional determinante de incapacidade física, sensorial ou mental permanente para o trabalho”.

Ora o autor foi reformado por invalidez relativa; o que a sentença e o acórdão recorrido fazem é considerar a invalidez reconhecida pela Segurança Social, cujo significado se obtém recorrendo ao citado Decreto-Lei n.º 187/2007, conjuntamente com as sequelas que vêm provadas (ponto de facto n.º 61) e os demais elementos referidos em ambas as decisões para, do conjunto de factos provados, extrair a presunção de que “o seu estado de saúde era integrador, quer do conceito de invalidez total e permanente, quer das condições de verificação necessária para que tal invalidez tenha de ter por coberta no seguro dos autos” (pág. 73 do acórdão recorrido, em transcrição de frase da sentença).

A recorrente, porém, entende não se tratar, aqui, de uma presunção – que, aliás, seria inadmissível, porque não poderia contrariar a perícia: “(…) a presunção não podia contrariar a perícia, portanto, a presunção não tem eficácia” – alegações de revista, fl. 441, v..

Esta alegação baseia-se na ideia de que se trataria de uma presunção que viria contrariar a prova plena resultante da perícia médico legal (seria, portanto, inadmissível, se de presunção se tratasse, artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do Código Civil) e que nem sequer seria realmente uma presunção – porque o facto desconhecido a provar, por ilação, não seria desconhecido (“O facto é conhecido: 29% (ou 22,4) de incapacidade parcial e permanente para as actividades que não sejam de trabalho por turno. Não há facto desconhecido” – alegações de revista, fl. 442.)

Ora os resultados da perícia estão sujeitos a livre apreciação pelo tribunal, não tendo força probatória plena (artigo 389.º do Código Civil) – cfr., a propósito do confronto entre a força probatória de incapacidade de um Atestado Médico de Incapacidade Multiusos e de uma Perícia Médico-legal, referindo-se a ambas as perícias, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2021, www.dgsi.pt, proc. 3325/15.7T8SNT.L1.S1.

Escapam, por isso, ao poder de controlo do Supremo Tribunal de Justiça – n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil; e não impedem o recurso a presunções judiciais por via das quais o tribunal chegue a uma conclusão de facto diversa da que se baseie no resultado da perícia.

Tal como escapa o controlo da presunção. A ilação em que as presunções consistem situam-se ainda no domínio dos factos, se de presunções judiciais se tratar. Não sendo manifestamente ilógicas, ilegais ou assentes em factos não provados, o que aqui não sucede, o Supremo Tribunal de Justiça não pode controlar os resultados a que chegam, por a tanto se oporem os limites da possibilidade da sua intervenção na fixação da matéria de facto (n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil), (cfr. por ex., o acórdão de 27 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 1412/14.8tYFLSB-A.L1.S1).

Coisa diferente não resultaria dos preceitos, indicados pela recorrente, relativos à força probatória dos documentos, sejam autênticos (cfr. artigo 371.º do Código Civil), sejam particulares (artigo 376.º do Código Civil)

8. A recorrente sustenta ainda que ocorre falta de fundamentação relativamente aos pontos de facto n.º 57, 58 e 59, requerendo a devolução à Relação para que “os aprecie com base nas alegações que o recorrente efectuou no recurso de apelação”, cumprindo o n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (concl. III).

São do seguinte teor, repete-se:

57- A razão de ser da celebração do contrato de seguro e consequente constituição de um Fundo de Pensões, tal como consta do Notícias Soporcel, distribuído pela Segunda Ré aos seus trabalhadores e junto sob o Doc 5 - foi: ‘… no sentido de serem postas em prática fórmulas capazes de, quanto possível, proteger os que, em particular, por razões de idade ou de invalidez, tiverem de interromper a continuidade da sua colaboração com a Empresa.’ E ‘… complementar os modestos meios que a Segurança Social oficial pode assegurar, por forma a que os reformados das associadas deste Fundo venham a dispor de condições de vida mais dignas numa altura em que as situações de necessidade se tornem mais sensíveis.’

58- A empresa labora continuamente e por restrição do limite de horas de trabalho diário, o seu quadro de pessoal fabril, em grande número, trabalha, obrigatoriamente, em regime de turnos rotativos.

59- Para além da exigência de Atestado Multiusos, Seguradora e Tomadora consagraram também, na alteração contratual de 2013, a exclusão de doenças do foro psiquiátrico. [A Relação excluiu: ‘o que, simultaneamente com a obrigatoriedade de Atestado Multiusos, faz com que sejam excluídas da cobertura do contrato doenças do foro neurológico e em particular, doença contraída pelos trabalhadores por turnos da Navigator, na execução do seu trabalho’]

Trata-se de pontos da decisão sobre a matéria de facto que foram já apreciados, fundamentadamente, pelo acórdão recorrido, não procedendo a pretensão novamente formulada pela recorrente (cf. págs.34-35 do acórdão recorrido).

9. Quanto às demais questões relativas ao mérito do recurso, cumpre começar por ter em conta que a recorrente entende que não se pode aplicar o regime dos contratos de adesão, porque não está em causa nenhum contrato de adesão; e que são válidas as cláusulas julgadas nulas com o fundamento de serem abusivas “por violação do princípio da boa fé” (concl. VII).

Ora resulta dos factos provados que, em 1992, e com efeitos a partir de 1 de Janeiro desse ano, foi celebrado entre a Fidelidade – Companhia de Seguros, enquanto seguradora, e a ré The Navigator Paper Company, S.A., na altura Soporcel, enquanto tomadora, um contrato de seguro de grupo, não contributivo (os prémios eram pagos pela tomadora), ramo vida, titulado pela apólice n.º 50…9, junto com a petição inicial como doc. 20. A esse contrato podiam aderir os trabalhadores da tomadora, subscrevendo o Boletim de Participante.

Interessa agora recordar que o risco seguro, a título complementar, era a invalidez total e permanente, tal como definida no contrato, dos trabalhadores da Soporcel que subscrevessem o Boletim de Participante, o que o autor fez em 5 de Fevereiro de 1992.

Em 31 de Janeiro de 2013, as rés desta acção acordaram diversas alterações ao contrato inicial, descritas no ponto 9 dos factos provados.

O acórdão recorrido considerou abusivas e, consequentemente nulas, “as cláusulas ou partes de cláusulas” que (1) “impõem a obrigação de submissão de Atestado Multiusos, nomeadamente a alínea b) da definição de invalidez total e permanente constante do artigo 1.º das condições Gerais do Contrato de seguro, na formulação de 2013”, que (2) que excluem da cobertura do seguro doenças do foro psíquico ou psiquiátrico (ponto 8) do artigo 3.º das Condições Particulares), e (3), tal como a sentença – o que exclui nova apreciação, agora pelo Supremo Tribunal de Justiça –, que exigem que a situação de invalidez tenha que ser comprovada pelo médico da Seguradora (n.º 2 do artigo 2.º das condições especiais da apólice, constante do contrato desde a sua versão inicial – cfr. ponto 1) dos factos provados).

Ora, como o Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de observar por diversas vezes, o processo de formação de um contrato de seguro de grupo – neste ponto não havendo que distinguir se é ou não contributivo – comporta “dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo”(acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2014, www.dgsi.pt, proc. n.º 841/10.0TVPRT.L1.S1). Tendo sido negociado entre a Seguradora e a Soporcel/Navigator, que posteriormente o alteraram, o contrato que liga estas duas empresas, entre ambas, “não é um contrato de adesão; o contrato concreto mediante o qual” o autor “aderiu ao grupo é que assume essa característica, estando portanto abrangido pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro”, valendo aqui o que, quanto a esta peculiar configuração, se escreveu no acórdão de 18 de Fevereiro de 2021, wwwdgsi.pt, proc. n.º 418/19.5T8FLG.P1., de onde se extraiu esta última transcrição.

Não está em causa a questão de saber se a obrigação de comunicação das cláusulas em questão neste recurso, definidas em 2013, incumbia à seguradora ou à tomadora, questão decidida na sentença e no acórdão recorrido em sentidos opostos, como se viu, e que não faz parte do objecto do recurso de revista; mas apenas averiguar se as cláusulas que neste recurso podem ser avaliadas, introduzidas no contrato em 2013, contrariam ou não os artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 446/85, sendo abusivas e consequentemente nulas, como entendeu o acórdão recorrido. Note-se que a circunstância de, no caso, se tratar de um seguro de grupo não contributivo não as torna imunes a este controlo.

Como todos sabemos, a exigência de boa fé no desenho e na execução dos contratos – sinteticamente, como por vezes se diz, a devida consideração dos interesses da contraparte – assume relevo especial no âmbito das cláusulas contratuais gerais, dado o desequilíbrio que se encontra na sua génese. Não é específico destes contratos, naturalmente, que a infracção dessa exigência provoque a nulidade de cláusulas contratuais que nela incorram – cfr. artigos 280.º, 294.º e 334.º do Código Civil; nem que, para a consideração da conformidade (ou desconformidade) de cláusulas contratuais com a boa fé, se devam confrontar com “os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada” (corpo do artigo 16.º).

Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Dezembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. 634/13.3TVPRT.P1.S1, explicitando a interpretação dos critérios concretizadores da proibição das cláusulas contrárias à boa fé constante do artigo 15.º, «Dir-se-á, (…) em síntese, que serão abusivas, à luz dos critérios enunciados no art. 16.º do RJCCG, porque opostas à boa fé e, como tal, proibidas: (i) as cláusulas que ofendam a confiança legítima (e, portanto, a confiança não contrária a outros valores jurídicos ou aos deveres de indagação que no caso caibam) provocada pelos factores enunciados na lei (o sentido global das cláusulas, o processo de formação do contrato singular e o teor deste); e (ii) as cláusulas que, sem justificação legítima, contrariem, dificultem ou impeçam os objectivos prosseguidos pelas partes com o contrato.

Sem embargo, os enunciados vectores não esgotam, ainda assim, o alcance do princípio da boa fé como critério de ponderação do conteúdo do contrato, cumprindo igualmente atender aos “valores fundamentais do direito”, a que o art. 16.º do RJCCG primariamente se refere (isto é, os valores de justiça e de equivalência contratual que devem presidir à modelação das cláusulas contratuais gerais e informar a apreciação da sua eficácia), bem como à ideia de equilíbrio, ou de reequilíbrio, das prestações que, por sua vez, tem subjacente a de reposição de igualdade.»

Recorda-se, aliás, no mesmo acórdão que «“o significativo desequilíbrio das prestações” foi o critério eleito pela Directiva n.º 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993 (relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com consumidores) para aferir da natureza abusiva de uma cláusula, estatuindo-se no seu art. 3.º, n.º 1, que “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.”» Cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 935/18.4T8CBR.S1. e a chamada de atenção para a necessidade de interpretar em conformidade “o direito português das cláusulas contratuais gerais”.

O desequilíbrio significativo resultante de cláusulas definidas pelo predisponente pode revelar-se na imposição ao aderente de obrigações desproporcionadas, no sentido de agravarem significativamente a sua posição, não obstante a sua inadequação ao objectivo do tipo de contrato que estiver em causa.

Num contrato de seguro, será desproporcional e consequentemente nula por contrariedade com o princípio da boa fé uma cláusula que imponha ao aderente obrigações cujo incumprimento o impeça de obter o capital seguro, não obstante ser inadequada à demonstração da verificação do sinistro que o contrato cobre; ou que provoque a exclusão da cobertura em violação patente da confiança que o aderente depositou na consideração global do contrato, em particular do tipo de sinistro coberto.

10. O acórdão recorrido considerou nula, por ser abusiva, a imposição da “obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos”, como se viu.

Para assim decidir, perfilhou a orientação adoptada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º1329/14.6T8LSB.L1.S1 e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Janeiro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 2628/17.0T8VIS-A.C1. Tal como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acabado de citar, «O atestado em causa está previsto no DL nº 202/96, de 23.10, republicado pelo DL nº 291/2009, de 12.10, no seguimento das alterações que então nele foram introduzidas.

Como se lê no seu art. 1º, este diploma rege a avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, designadamente na Lei nº 38/2004, de 18.8, para facilitar a sua plena participação na comunidade. As pessoas com deficiência devem apresentar os respetivos requerimentos de avaliação de incapacidade através de estruturas públicas da saúde – nomeadamente o delegado de saúde da sua residência habitual – com vista à sua submissão a uma junta médica, após o que o presidente desta emite o atestado médico de incapacidade multiuso, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado, tudo isto de acordo com os arts. 3º e 4º do diploma referido. Trata-se, pois, de um atestado previsto na lei para um fim vinculado, de interesse público, o que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes.

Porém, no caso em apreço não se verifica esta justificação para a intervenção da Administração Pública.

A exigência deste atestado por um segurador, como meio indispensável para o cumprimento, por este, de uma prestação a que está, eventualmente, obrigado perante um particular por contrato de seguro, constitui uso abusivo de um instrumento legal que é concebido pelo Estado para uma finalidade específica, na linha do imperativo constante do art. 71º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência (…)”.

Está, na verdade, fora deste contexto legal o pedido de emissão desse atestado para efeitos da sua apresentação ao segurador, e não para acesso a medidas e benefícios legais.

Seria admissível uma cláusula prevendo que a pessoa segura pudesse apresentar esse atestado ao segurador se o mesmo já tivesse sido emitido em seu favor, sem que na apólice se previsse a obrigatoriedade dessa apresentação.

Mas a obrigatoriedade estabelecida a este propósito no contrato de seguro, apesar da eventualidade de, por razões várias, a pessoa segura não estar em condições de obter o dito atestado e de, por isso, lhe ser impossível satisfazer essa exigência contratual, constitui violação da boa fé, tornando a correspondente estipulação contratual proibida e, por isso, nula, à luz das disposições combinadas dos arts. 15º e 12º do DL nº 446/85.»

Subscreve-se o entendimento adoptado neste acórdão; e acrescenta-se que, não obstante remeter-se, para efeitos de avaliação da incapacidade, para a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doença Profissional (n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro), sendo o objectivo com que o Atestado Multiusos pode ser passado a integração na comunidade das pessoas portadoras de deficiência (artigo 1.º), e não a declaração da sua incapacidade para o trabalho, a incapacidade declarada, nem revela necessariamente uma incapacidade laboral, nem o grau de incapacidade geral reconhecida no atestado coincide necessariamente com uma incapacidade laboral efectivamente existente.

A imposição da sua apresentação, sob pena de o incumprimento desta obrigação ser, por si só, motivo de indeferimento do pedido de pagamento do capital seguro, é desproporcionada, porque agrava significativamente a posição do beneficiário do seguro, sem ser adequada à demonstração da situação de incapacidade para o trabalho que o seguro cobre.

Nas alegações, a recorrente afirma que “este atestado está previsto no contrato para apurar a incapacidade” e que “independentemente da sua inclusão com esta denominação em 2013, a seguradora, com base no contrato de 1992 já podia pedir todos os atestados que entendesse convenientes às suas responsabilidades no âmbito da apólice. Portanto, substantivamente, este atestado multiusos, mesmo que não houvesse sido incluído em 2013, já podia ser pedido ante de 2013 ao abrigo do artigo 7º” n.ºs 1 e 3 das Condições Gerais da apólice.

Não integra o objecto deste recurso a validade dessa cláusula; sempre se diz, todavia, que, se integrasse, esta argumentação não excluiria a necessidade de avaliar a respectiva validade à luz do princípio da boa fé, na medida em que permitisse, por si só, a exclusão do segurado que não pedisse e apresentasse o atestado. Não é apenas uma “mudança de nomenclatura” que está em causa, mas, decisivamente, a inadequação do atestado multiusos para certificar “a incapacidade permanente de 2/3 para toda e qualquer actividade profissional” (alegações, fl. 437) e, por isso, ser nula uma cláusula da qual resulta que a falta de apresentação, por si só, exclui o pagamento do capital seguro.

Confirma-se, portanto, o julgamento de nulidade feito pelo acórdão recorrido, com a consequência da exclusão do contrato, que, todavia, se mantém.

12. O acórdão recorrido considerou ainda abusiva e, portanto, nula, a exclusão “do âmbito de cobertura complementar do seguro, as doenças do foro psíquico ou psiquiátrico,”, “constante do ponto 8) do art. 3.º das Condições particulares do contrato de seguro, na sua formulação de 2013”. O autor pedira, na l. d) dos pedidos formulados na petição inicial, que se julgasse nula “a exigência de apresentação de Atestado Multiusos e a sua conjugação com a exclusão de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico quando, e na sua sequência, sejam abrangidas doenças do foro neurológico.”

Vem provado que “o autor não sofre de qualquer doença do foro psicológico ou psiquiátrico, mas sim do foro neurológico que, só por si, o incapacita para o trabalho (…), assim como o incapacitava à data da sua aposentação (…), sem enquadramento próprio no DL 352/2007, como não o tem, aliás, qualquer outra doença do foro neurológico (…)” (ponto 51 dos factos provados).

Não sofrendo de qualquer doença psicológica ou psiquiátrica, a correspondente exclusão só tem interesse para o caso na medida em que, com as alterações introduzidas pelas rés em 2013, passou a constar da definição de invalidez total e permanente coberta pelo seguro a necessidade de que a invalidez correspondesse “a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares” – isto é, igual ou superior a 2/3, artigo 3, 1, b) – “ de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (…) – cfr. ponto 9 dos factos provados.

É, pois, nesta medida, apenas, que se considera tal cláusula nula por ser contrária às exigências da boa fé, por infracção da regra da proporcionalidade acima descrita, uma vez que causa o já referido desequilíbrio significativo a favor do predisponente, que beneficia de uma exclusão provocada por razões apenas formais, resultantes de a Tabela tomada como referência para cálculo da desvalorização não ter um enquadramento próprio para as doenças do foro neurológico.

13. Aqui chegados, e tendo em conta o que ficou assente por dupla conformidade das instâncias, quanto à cláusula constante do ponto 2) do artigo 2.º das condições Especiais – “o reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afectada de uma invalidez total e permanente”, a sua nulidade e consequente exclusão do contrato, acolhe-se o que se decidiu no acórdão recorrido – com a limitação introduzida no ponto 12 –, considerando preenchidas as condições para que a acção proceda:

– O autor era trabalhador da ré Navigator atá à data da sua reforma pela Segurança Social (pontos de facto n.º 7 e 37);

“Reclamou da ré seguradora o pagamento do capital seguro”, tendo entregado “a esta os docs. aludidos no facto 38 dos provados” (pág. 71 do acórdão recorrido);

– Estando afectado de uma invalidez total e permanente que preenche a exigência contratual de duração da incapacidade total e de grau de perda de capacidade de ganho superior a 2/3 – cfr. pontos 60 e 61 dos factos provados; tenha-se especialmente em conta a presunção extraída na sentença e confirmada pelo acórdão recorrido – “(…) inferimos não ser possível do desempenho de actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões que assegurasse uma capacidade de ganho até 1/3”;

– Vem provado que, à data da reforma, recebia da ré Navigator a remuneração mensal de € 2 321,25.

Confirma-se, assim, quer o montante indemnizatório atribuído, quer o modo de contar os juros devidos.

14. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Lino Ribeiro

Sousa Lameira