Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
540/11.6TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: RECURSO DA REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
INTERPRETAÇÃO DA LEI
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: ----
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE COMPORTAM RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE DOS ACÓRDÃOS.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 287 e ss..
- Miguel Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme”: critério e âmbito da conformidade”, Cadernos de Direito Privado, n.º21, p. 21 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 652.º, N.º1, AL. B), 655.º, 671.º, N.º 3, 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12.07.11, 10.05.12, 13.02.14 E 04.06.15, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, a não ser que seja caso de admissibilidade da revista excecional (art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013)).
II - Na interpretação da norma constante no art. 671.º, n.º 3, do NCPC, deve ponderar-se o seu elemento racional-teleológico para se concluir pela dupla conformidade de decisões, mesmo nos casos de ausência de sobreposição total, mas com decisão mais favorável para a recorrente.
III - Não ocorre diversidade essencial entre a fundamentação que serviu de suporte a ambas as decisões, se numa e noutra se decretou a resolução do contrato em causa, com fundamento na alteração anormal das circunstâncias que enquadraram a respetiva celebração, irrelevando, nesta perspetiva, o “iter” jurídico percorrido em cada caso.
Decisão Texto Integral:

1 - “Banco AA, S. A.” interpõe recurso de revista (que, por conveniência prática, se pode qualificar de “normal”) do acórdão de 28.04.15, do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos em epígrafe, em que foi demandada por “BB, S. A.

      Tendo-se, porém, entendido que tal recurso não é admissível, foi, oportunamente, dado cumprimento ao preceituado no art. 655º do CPC.

      Pronunciando-se, a propósito, sustentou a recorrente a admissibilidade do mesmo recurso, com o fundamento essencial de que o sobredito acórdão não procedeu a uma confirmação irrestrita da sentença apelada, para além de - argumentação só agora usada… - assentar em fundamentação essencialmente diferente da que serviu de suporte à sentença.

       A recorrida quedou silenciosa.

      Não obstante e sem quebra do respeito devido, continuamos a entender que o interposto recurso de revista “normal” é inadmissível, como passamos a fundamentar:

                                                    /

2 - O interposto recurso de revista “normal” não é admissível, atento o preceituado no art. 671º, nº3, do CPC, nos termos do qual “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível” - o que, aqui, irreleva -, “não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte” (Aqui se prevendo os casos em que é admissível a revista “excecional”).

      Quer a sentença apelada, quer o acórdão recorrido decretaram a resolução do contrato em apreço nos autos, com fundamento em alteração anormal das circunstâncias que rodearam a respetiva celebração. Apenas divergem na fixação do momento que releva para a eficácia de tal resolução: a citação da R., no caso do acórdão, e janeiro de 2009, no caso da sentença, mas sempre com benefício para a apelante, uma vez que, interessada na subsistência do mencionado contrato, por via da apelação, “viu” a eficácia da resolução deste ser reportada, não a janeiro de 2009, mas à data da respetiva citação, necessariamente posterior, uma vez que a ação foi instaurada em 2011.

      Certo, pois, que o acórdão não procedeu a uma confirmação irrestrita da sentença apelada.

      No entanto, contrariamente a quem, em obediência “cega” - perdoe-se-nos a terminologia menos própria - ao elemento literal que deve ser tido em conta na interpretação normativa, sustenta que, no caso dos autos, inexiste dupla conforme, entendemos que, ponderado - como não pode e não deve deixar de ser - o elemento racional-teleológico da norma, não pode ser negada a existência daquela.

      Com efeito, seria, no mínimo, absurdo que fosse, categoricamente, reconhecida a existência de dupla conforme em caso de total e integral sobreposição do segmento decisório de ambos os veredictos, e, do mesmo passo, que tal fosse negado na ausência de tal sobreposição total, mas com decisão mais favorável para a apelante. Dito de outro modo: esta última não poderia interpor recurso da decisão que suportasse a integral sobreposição e coincidência da decisão recorrida, mas já o poderia fazer, na ausência daquela sobreposição, mas beneficiando de decisão mais favorável na parte não sobreponível. Caindo-se, assim, num resultado não querido pelo legislador e que nada justifica, para além de colidente com a perspetiva que o art. 9º, nº3 do CC obriga a não esquecer.

       O entendimento perfilhado pela recorrente frustra, além do mais e sem que do contrário resulte desproteção da sua posição processual, o desígnio legislativo de racionalizar a admissibilidade de recursos de revista, descongestionando e imprimindo mais celeridade ao cumprimento das demais e essenciais funções atribuídas ao Supremo.

      Diga-se, finalmente, que a posição por nós perfilhada tem o expresso apoio, entre outros, do Cons. Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pags. 287 e segs) e do Prof. Miguel Teixeira de Sousa (in “Dupla Conforme”: critério e âmbito da conformidade” - em “Cadernos de Direito Privado”, nº21, pags. 21 e segs.), para ambos, no mais omitido e com a devida vénia, se remetendo. Salientando-se, apenas, que à Jurisprudência deste Supremo convocada por aquele primeiro autor poderão acrescer os Acs. de 12.07.11, 10.05.12, 13.02.14 e 04.06.15, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

                                                       /

3 - A verificação da mencionada “dupla conformidade” também não se mostra, de modo algum, obviada pela utilização de fundamentação essencialmente diferente entre ambas as decisões recorridas, o que, aliás, não foi, minimamente, aflorado no requerimento de interposição de recurso, quando se tentou fundamentar a respetiva admissibilidade. Tal só veio a ser invocado na sequência da ordenada notificação para cumprimento do preceituado no art. 655º do CPC e perante a insinuação da ocorrência de dupla conformidade…

      Como quer que seja, o que releva é que, em nosso entendimento, não ocorre diversidade - e, muito menos, essencial - entre a fundamentação que serviu de suporte a ambas as decisões recorridas: em ambos os casos, a decisão consistiu no decretamento da resolução do contrato em causa, com fundamento na alteração anormal das circunstâncias que enquadraram a respetiva celebração, irrelevando, nesta perspetiva, o “iter” jurídico percorrido em cada caso.

                                                        /

4 - Na decorrência do exposto, considerando, ainda, o preceituado nos arts. 652º, nº1, al. b) e 679º, ambos do CPC, julgo findo o recurso de revista “normal”, dada a respetiva inadmissibilidade.

       Custas pela recorrente.

                                           Lx 04/02/2016

Fernandes do Vale (Relator)