Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1627/04.7TBFIG-A.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
PRAZO PEREMPTÓRIO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS145º E 146º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 27 DE NOVEMBRO DE 2008, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B2372

ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE 14 DE JANEIRO DE 2003, REVISTA DE DIREITO E E ESTUDOS SOCIAIS, JANEIRO-DEZEMBRO

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 10 DE FEVEREIRO DE 2011, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, PROC. 947/10.6TBVRL.P1
Sumário :
Pode ser invocado como justo impedimento um facto ocorrido num dos três dias úteis previstos no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 


1. Por sentença de 3 de Abril de 2011, foi julgada improcedente a acção proposta por AA , Lda., contra BB, SA, destinada a obter a modificação do preço de um contrato de compra e venda segundo critérios de equidade, com fundamento em erro sobre a base do negócio.

Em 9 de Maio de 2011, AA, Lda., recorreu, invocando “justo impedimento do presente requerimento de interposição de recurso nos termos do artigo 145º, nº 4, do Código de Processo Civil" (cfr. fls. 78);

Por despacho de 1 de Julho de 2011, de fls. 98, o requerimento foi indeferido: “Afigura-se-nos (…) que o fundamento invocado (…) não é de molde a justificar o justo impedimento para a prática do acto (apresentação do requerimento de interposição de recurso) porque no dia 6 de Maio já estava fora do prazo legal”. No entender da 1ª Instância, o incidente apresentado como justo impedimento teria ocorrido já depois de terminado “o prazo para a prática do acto ao abrigo do art. 145º, nº 5, do C.P.Civil”, que seria o dia 5 de Maio de 2011.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2012, de fls. 118, foi negado provimento ao recurso que a autora interpôs do despacho de 1 de Julho de 2011. Definindo o objecto do recurso como a questão de saber se “um facto impeditivo ocorrido no decurso do prazo a que alude o artº 145º, nº 5, do C.P.Civil [a Relação considerou que o terceiro dia útil posterior ao termo do prazo para recorrer era o dia 6 de Maio de 2011, e não dia 5 de Maio], pode consubstanciar justo impedimento para a prática do acto” e seguindo a orientação perfilhada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Novembro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B2372), o acórdão concluiu neste sentido:
“O justo impedimento e o prazo suplementar de 3 dias são dois recursos processuais autónomos e independentes, com fundamentos distintos, que permitem à parte praticar o acto para além do prazo peremptório legalmente estabelecido, não podendo ser utilizados cumulativamente, uma vez que, conforme resulta da própria redacção do artigo 145º, n.º 5, do C. P. Civil, o prazo suplementar de 3 dias já é um período excepcional que decorre para além do prazo para praticar o acto, e é apenas durante este prazo que uma situação de justo impedimento deve ainda permitir o seu cumprimento imediatamente a ela cessar.
Assim, recuperando a contagem do prazo acima efectuada para a Autora interpor recurso de uma decisão proferida no tribunal recorrido, conclui-se que no dia em que a mesma alega ter ocorrido o facto impeditivo da sua interposição (6.5.2011) já havia decorrido o prazo legal para o fazer, que, como vimos, expirou a 3.5.2011.
Face ao exposto, decorrido que estava o prazo para a interposição do recurso, não pode a Recorrente valer-se de facto impeditivo ocorrido posteriormente, ainda que dentro dos 3 dias úteis subsequentes, para poder praticar o acto em causa”.

2. AA Construções, Lda. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2011 (proc. 947/10.6TBVRL.P1, disponível em www.dgsi.pt).
O recurso foi admitido. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. De acordo com o estipulado no n.º 5 do art.º 145.º do CPC, a parte pode, independentemente de justo impedimento, praticar um acto depois de decorrido o prazo peremptório desde que pague a respectiva multa;

2. O referido preceito consagra período temporal com que as partes legitimamente podem contar para a prática dos seus actos processuais, constituindo prazo de verdadeira e material disponibilidade para as partes praticarem os seus actos processuais em tudo igual ao prazo inicial, salvo quanto ao condicionamento da validade da prática dos actos ao pagamento de multa processual.

3. A preclusão do direito processual à prática do acto, apenas se verifica quando a parte não o pratica dentro do prazo em que o pode fazer, prevendo-se no artigo 145.º, n,º 5, do CPC, que acto pode ser praticado nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

4. In casu, verificando-se no último dia útil previsto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC (06.05.2011) justo impedimento, nos termos previsto no artigo 146.º, é-lhe aplicável aquele regime, podendo a parte praticar o acto assim que o motivo, que antes a impediu justificadamente de praticar o acto, cessou (09.05.2011).

5. O Acórdão recorrido violou as normas legais contidas nos artigos 145.º, n.º 5, e 146.º, n.º 1, do CPC.”


Termina requerendo que “seja revogado o acórdão impugnado e, consequentemente”, que seja “ordenada a baixa do processo à 1ª Instância para que seja por esta julgado o incidente de justo impedimento e o requerimento de interposição de recurso apresentado em 09.05.2011”.

Não houve contra-alegações.

3. Cumpre conhecer do recurso.  

Tal como sucedeu na apelação, está apenas em causa determinar se pode ser invocado como justo impedimento para a prática de um acto processual um facto ocorrido num dos três dias previstos no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil: “5 - Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos: (…)”.

Considera-se no acórdão recorrido, em termos que a recorrente não questiona, que “A decisão de que a Autora pretende recorrer foi proferida em 3.4.2011 e notificada às partes por carta registada enviada em 11.4.2011. – fls. 43 a 75, pese embora elaborada no Citius em 8.4.2011”, o que implica que o prazo em causa “terminou no dia 3 de Maio de 2011, sendo” o dia 6 de Maio o terceiro dia útil posterior a essa data.
E, ainda, que “O requerimento de interposição do recurso e a invocação do justo impedimento para a prática do acto tem a data de 9.5.2011, sendo invocada uma situação impeditiva da prática do acto ocorrida em 6.5.2011”, e afirmando a recorrente que dia 9 de Maio (2ª feira) foi “o dia útil imediato a ter cessado esse impedimento”.

4. A redacção actual do nº 5 do artigo 145º resulta do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro; mas a possibilidade de praticar um acto dependente de um prazo peremptório, depois de o mesmo ter terminado, foi introduzida no Código de Processo Civil pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho. Permitia-se, então, apenas, a prática do acto “no primeiro dia útil seguinte” ao termo do respectivo prazo, com o “pagamento imediato de uma multa de montante igual a 25 por cento do imposto de justiça que seria devido a final pelo processo ou parte de processo, mas nunca inferior a 500$00”, explicando-se no respectivo preâmbulo que “Pela modificação do artigo 145.º, torna-se possível a prática de actos no primeiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, sem necessidade da prova – que nem sempre é fácil – do justo impedimento.”

Antunes Varela, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1981 (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116º. pág. 30 e segs.) (parcialmente transcrita no Acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Novembro de 2008, proc. nº 08B2372, que foi seguido pela Relação), observa que “A possibilidade de o acto processual, sujeito a prazo peremptório, ser realizado, mediante pagamento de multa, no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, independentemente da existência (e, por conseguinte, da alegação) de justo impedimento, não constava do Código de 1939, nem do Código de 1961 na sua primitiva redacção (…) A inovação resultou do Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho, que não só alterou a estrutura e a localização dos diversos números do artigo 146º do Código de Processo Civil de 1961, como introduziu a doutrina (permissiva) do novo nº 5 do artigo 145º. Na base da nova solução encontra-se um propósito louvável e o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais. O propósito louvável, que remonta já aos primórdios da chamada reforma do processo, com o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal, é o de evitar que a omissão duma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito. O inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado. Só a generalização desse hábito explica, com efeito, que a lei tenha transferido sistematicamente para o dia posterior ao termo de todo o prazo peremptório a possibilidade de a parte realizar qualquer acto processual, embora sob a cominação do pagamento imediato de multa”. E disse ainda, a propósito da compatibilização com regras relativas ao “pagamento dos preparos judiciais e das consequências da inobservância dos prazos estabelecidos nessa área”, constantes de “regulamentação específica na legislação das custas”, que “o princípio da dilatação do prazo peremptório, antes de chegar ao Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, já fora adoptado no Código das Custas Judiciais (…)”, constando portanto de “legislação especial (…). O nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil reveste, por seu turno, a natureza de uma disposição de carácter geral sobre a matéria de prazos dos actos processuais, contida no Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho”.

Foi o artigo 1º do Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, que veio acrescentar a possibilidade de utilização de mais dois dias úteis, mantida nas subsequentes modificações do preceito (operadas pelo Decreto-Lei nº 92/88, de 17 de Março, pelo Decreto-Lei nº 329/95, de 17 de Março, pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro). Trata-se de uma alteração que não constava do projecto elaborado pela Comissão de Revisão do Código de Processo Civil, presidida por Antunes Varela (cfr. Acta nº 27 das Actas das Sessões da Comissão de Revisão do Código de Processo Civil, Boletim do Ministério da Justiça nº 364, pág. 299 e segs.), embora tenha sido proposta e discutida na comissão, como se pode verificar na Acta nº 26, in Actas cit., sep. do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1989, pág. 585 e segs. e ainda em Cardona Ferreira, Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, Reforma Intercalar do Processo, Lisboa, 1986, mas que se manteve até hoje.

Seja maior ou menor o lapso de tempo em que o acto pode ser ainda praticado, depois de decorrido o prazo peremptório, a verdade é desde o Decreto-Lei nº 323/70 que se não pode dizer que esse “decurso (…) extingue o direito de praticar o acto”, nas palavras do nº 3 do artigo 145º. A atenuação (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, I, 3ª ed., Lisboa, 1999, pág. 214) assim introduzida, em bom rigor, transformou em cominatórios os prazos peremptórios a que se aplica, uma vez que o seu termo não preclude o direito de praticar os actos a que se referem, pois que podem ser praticados depois, implicando todavia uma sanção para a parte. Assim se sugere em nota ao acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Janeiro de 2003, publicado na Revista de Direito e e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro – 1993, ano XXXV (VIII da 2ª Série) – Nºs 1-2-3-4, pág. 359 e segs., segundo a qual “A evolução legislativa verificada (…) veio esbater – senão eliminar – a habitual distinção entre prazos peremptórios e cominatórios”. Escreveu-se nesse acórdão: “… é sabido que, presentemente, mesmo não ocorrendo justo impedimento, o decurso do prazo peremptório marcado pela lei ou fixado pelo juiz – art. 144º, nº 1 –, mesmo que não ocorra justo impedimento, só extingue o direito de praticar o respectivo acto se o mesmo não for levado a cabo nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termos daquele prazo, ficando a validade do acto, no entanto, dependente do pagamento de uma multa, variável conforme os casos. Quer dizer, actualmente, todos os prazos peremptórios marcados na lei ou fixados pelo juiz, por força do estatuído nos nºs 5 e 6 do artº 145º, e nas condições neles prescritas, têm o seu termo dilatado por mais três dias úteis, para além do resultante da marcação da lei ou da fixação pelo juiz. Por outras palavras, os prazos marcados na lei ou fixados pelo juiz, respeitados os condicionalismos enunciados nos nºs 5 e 6 do qrtº 145º, têm o seu último dia diferido para o primeiro, segundo ou terceiro dias úteis posteriores àquele que resultar da respectiva marcação ou fixação”.

5. É no nº 1 do artigo 146º que se encontram os pressupostos do justo impedimento. A redacção actual do preceito resulta do Decreto-Lei nº 329-A/95, que eliminou o requisito de que se tratasse de um evento “normalmente imprevisível”, como constava da versão anterior do preceito, introduzida no Código de Processo Civil pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 47.690, de 11 de Maio de 1967. Este diploma manteve, no essencial, o conceito fortemente restritivo que vinha do § 2º, 2ª parte, do artigo 146º do Código de Processo Civil de 1939 (“…o evento imprevisto e estranho à vontade da parte…”) e do nº 4 do mesmo artigo 146º da versão inicial do Código de 1961 (“… o evento normalmente imprevisível e estranho à vontade da parte…”). Como se salienta no Código de Processo Civil Anotado de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, em anotação ao artigo 146º, passou-se “o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade para a sua não imputabilidade à parte ou ao seu mandatário”, pretendendo-se, como consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, flexibilizar “a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

Não vem ao caso, todavia, analisar os requisitos do justo impedimento, enquanto “derrogação” à “regra de que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto”, como o considera Rodrigues Bastos, op. e loc. citados, uma vez que não está em causa saber se os factos alegados pela recorrente para o justificar são ou não aptos para esse efeito. Basta reter o fundamento do instituto – proteger a parte contra um evento que escapa ao seu controlo – e determinar se pode ou não invocar-se justo impedimento dentro dos três dias úteis a que se refere o nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil.

6. O acórdão recorrido considera que o “prazo suplementar de 3 dias” corresponde a uma “complacência” para com o vício de deixar para o fim dos prazos a realização dos actos processuais, e que a multa cujo pagamento é condição de validade do acto tem como objectivo sancionar o incumprimento do prazo, presumindo-se que essa inobservância foi negligente; e que, sendo diverso o fundamento que justifica a prática do acto depois de decorrido o prazo, em caso de justo impedimento, não podem “utilizados cumulativamente” os dois meios.

Não se acompanha esta conclusão, nem os motivos que a apoiam.

Desde logo, não se pode partir do princípio de que a lei condescende com a negligência da parte ou do mandatário, ou que a multa sanciona essa negligência; muito menos presumi-la. Recorde-se que, se assim fosse, deveria ser possível evitar o pagamento da multa provando a ausência de qualquer comportamento negligente; o que não acontece.

Recorde-se que o objectivo com que o Decreto-Lei nº 323/70 veio alterar o artigo 145º do Código de Processo Civil, no ponto que agora nos interessa, foi o de permitir a prática do acto no dia seguinte ao do termo do prazo sem que a parte tivesse que invocar e provar justo impedimento; e que, como se sabe, nem sempre a exacta contagem dos prazos foi simples e isenta de controvérsia.

Seja como for, a verdade é que, ao permitir a prática de actos sujeitos a prazos peremptórios depois de estes terem terminado, fora dos casos de justo impedimento, a lei veio, na prática, alongar os prazos, sem impor a apresentação em juízo de qualquer justificação. Tal como sucede, por exemplo, com a junção de documentos de que a parte já dispunha, depois de apresentado o articulado onde foram alegados os factos a provar (artigo 523º, nº 1 do Código de Processo Civil), a multa exprime a preferência legal pelo cumprimento do prazo peremptório; mas não é possível associá-la a uma sanção por menor diligência processual.

Este regime possibilita ainda às partes e aos seus mandatários a gestão do tempo disponível, de acordo com as respectivas conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa; mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar.

E prossegue, do mesmo passo, o objectivo (salientado por Antunes Varela, como se viu) da prossecução do “primado da justiça material sobre a pura legalidade formal”, valor decididamente protegido pelo legislador português nas recentes alterações das leis de processo. Recorde-se, por exemplo, o princípio da “prevalência do fundo sobre a forma”, desenvolvido no preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95 e inspirador de diversas soluções então introduzidas, ou o objectivo ali proclamado de se “obviar(…) a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos (…)”.

7. Acresce que a solução adoptada no acórdão recorrido, além de contrariar o significado de alongamento dos prazos peremptórios em que o regime previsto no nº 5 do artigo 145º se traduz, conduz a soluções contrárias às exigências do princípio do processo equitativo, por implicar uma consequência desproporcionada à conduta adoptada.

Pese embora um certo alargamento do conceito de justo impedimento que se verificou com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 329-A/95, a verdade é que um facto que obsta à “prática atempada do acto” só o integra se for estranho ao controlo da parte e do seu mandatário. A impossibilidade de o invocar num dos três dias previstos no nº 3 do artigo 145º torna excessivamente arriscado optar por beneficiar da correspondente extensão, porque essa opção pode conduzir à perda de um mecanismo antigo de protecção da parte contra obstáculos que lhe não são imputáveis e, por essa via, à perda do direito a praticar o acto.

Consequência essa que, nomeadamente no caso a que respeita o presente recurso – perda do direito de recorrer – é manifestamente desproporcionada à actuação processual da parte, que interpôs o recurso de apelação no primeiro dia útil subsequente à ocorrência do facto que invoca como justo impedimento, alegadamente ocorrido no terceiro dia útil a que se refere o nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil, ou seja, dentro do prazo de que a parte dispunha para interpor o recurso.

São conhecidas as razões que sustentam o princípio da preclusão; mas a interpretação adoptada no acórdão recorrido faz precludir o direito de interpor recurso sem permitir à parte demonstrar que um facto que, segundo alega, lhe não é imputável, a impediu de o exercer, não obstante se ter verificado quando o recurso ainda era tempestivo.

8. Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que o processo regresse à 1ª Instância para apreciação da alegação de justo impedimento e do requerimento de interposição de recurso de apelação.


Lisboa, 25 de Outubro de 2012

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso