Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2332/14.1TBALM.E1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: CASO JULGADO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
CASO JULGADO MATERIAL
CONTRATO-PROMESSA
ERRO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ANULABILIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / REVISÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, p. 48;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 705 e 708;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, págs. 596 e 597;
- João Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, p. 200 e 201;
- João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 81 e 82;
- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Volume II, 7ª edição, p. 10 7 e 108;
- José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, págs. 285 a 289;
- Manuel A. Domingues Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, Coimbra Editora, p. 305;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, p. 317 a 319;
- Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual, BMJ 325, p. 49 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 580.º, 581.º, 619.º, N.º 1, 629.º, N.º 2, ALÍNEA A), 696.º, 697.º, 698.º, 699.º, 700.º, 701.º E 702.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 287.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24.06.1999, PROCESSO N.º 99B498, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09.07.2014, PROCESSO N.º 272/12, IN SUMÁRIOS DE JULHO DE 2014, P. 26;
- DE 18.02.2016, PROCESSO N.º 123/12.3TTVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O acesso ao STJ através da via “atípica, prevista na al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, excluindo-se, por exemplo, as situações em que o juiz afirme a existência de tal excepção, declarando a absolvição total ou parcial da instância.

II - Esta solução é totalmente harmónica com a tutela que a ordem jurídica portuguesa atribui ao caso julgado, cuja salvaguarda é totalmente coerente a que se admita sempre o recurso quando o caso julgado seja desrespeitado numa decisão, mas já não quando esse mesmo caso julgado tenha sido respeitado nessa mesma decisão.

III - O instituto do caso julgado tem por escopo a segurança jurídica da comunidade e o prestígio das decisões judiciais, sendo considerado essencial para garantir a paz jurídica e social e assegurar o respeito dos cidadãos pelos tribunais.

IV - Na essência, caracteriza-se por conferir força e total eficácia à definição já antes dada à relação controvertida, impondo a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação o dever de acatá-la.

V - O “caso julgado material” torna indiscutível, nos termos do art. 619.º, n.º 1, do CPC, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º, isto sem prejuízo de revisão extraordinária, ao abrigo dos arts. 696.º a 702.º, todos do CPC.

VI - Não tendo a pretensão anulatória do contrato-promessa, com fundamento em erro, sido apreciada em anterior acção entre as mesmas partes, que teve por objecto apenas a resolução desse contrato, com base em incumprimento, não há caso julgado.

VII - Pedir a resolução do contrato, com fundamento em incumprimento, não é o mesmo que pedir a anulação desse contrato. Na anulação está em causa a validade do contrato celebrado, enquanto na resolução o contrato tem-se por válido, mas perante a crise superveniente decorrente do seu incumprimento, é conferido ao contraente cumpridor o direito de lhe pôr termo.

VIII - Num caso, o efeito é invalidante e atinge o próprio contrato, no outro é extintivo ou de liquidação da relação contratual validamente estabelecida.

IX - A anulabilidade só pode ser arguida, em regra, “dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento” (art. 287.º, n.º 1, do CC). No entanto, o seu n.º 2 exceptua desvios à referida regra, dispondo que “enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.

X - Encontrando-se ainda por cumprir o contrato-promessa, dada a não celebração do contrato prometido, no caso, a compra e venda do imóvel objecto da promessa, o direito de anulação daquele contrato não caducou (art. 287.º, n.º 2, do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, alegando, em síntese, que:

Em 30 de Junho de 2006, prometeram vender aos Réus e estes prometeram comprar um prédio rústico, devidamente demarcado e murado, sito na Quinta da …, freguesia da …, P…, tendo deles recebido, a título de sinal, €100.000,00.

Apesar dos seus esforços em concretizar a venda, os Réus que se encontram na posse do prédio e a quem passaram procuração, recusam-se a celebrar o contrato definitivo e têm tentado imputar o incumprimento aos Autores.

Os Réus procederam ao corte e arranque de árvores, no valor de €5.000,00, demoliram construções ali implantadas e continuam a usufruir do prédio, o que lhes causa prejuízos de diversa natureza.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir:

1 - A declaração de que:

a) O contrato-promessa celebrado em 30 de Junho de 2006 encontra-se definitivamente incumprido, desde 4 de Março de 2014;

b) O incumprimento do referido contrato deveu-se a causa imputável aos Réus;

c) Os Autores têm o direito a fazer seu o sinal entregue pelos Réus no valor de €100.000,00;

d) O prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de …, concelho de P… sob o n.º 80 da secção C e descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 6…2/2007001 é o prédio rústico prometido vender e comprar através do referido contrato-promessa;

e) O incumprimento definitivo do contrato-promessa foi comunicado pelos Autores aos Réus;

f) Os Réus procederam ao corte ou arranque das árvores elencadas em 99 da p.i., com o valor de €5.000,00;

g) Os Réus procederam à demolição parcial do prédio urbano e outras construções implantadas no prédio rústico objecto da promessa, cujo prejuízo não foi possível determinar e que se liquidará em execução;

h) Os Autores encontram-se privados do uso, fruição, exploração e de dar de arrendamento os prédios referidos na alínea anterior;

i) Os Réus utilizam e ocupam ilegitimamente os prédios referidos, desde 4 de Março de 2014, sendo tal utilização e ocupação ilegal, insubsistente e de má fé;

j) Os Autores têm sofrido danos morais com a conduta de incumprimento dos Réus e as tentativas destes de imputarem o incumprimento da promessa aos Autores.

2 – A condenação dos Réus a:

a) Abster-se de perturbar ou impedir, de qualquer forma, a entrada dos Autores no referido prédio rústico e construções nele existentes;

b) Restituir aos Autores o prédio objeto do contrato-promessa, livre de pessoas e bens, bem como o prédio urbano implantado no mesmo, demais construções e respectivas chaves de entrada;

c) Entregar aos Autores a procuração;

d) Entregar os bens elencados em 97º da p.i. ou a proceder ao pagamento aos Autores da quantia de €1.321,00;

e) Pagar aos Autores as quantias referidas em 98º a 101º e 110º da p.i., a título de danos patrimoniais, no valor de €18.151,00;

f) Pagar aos Autores a quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais;

g) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00, desde 4 de Março de 2014, até à data da entrega dos bens referidos em b).

Os Réus apresentaram contestação em que, depois de contraporem uma diferente versão sobre as vicissitudes do contrato-promessa, concluíram pelo infundado petitório dos Autores e, em reconvenção, pediram a declaração de resolução do contrato-promessa, por incumprimento dos Autores, o pagamento de indemnização por benfeitorias levadas a cabo no prédio ou, subsidiariamente, a anulação do contrato-promessa, com a condenação dos Autores a restituir o valor do sinal pago, acrescido das despesas com benfeitorias e projecto de construção.

Replicaram os Autores a pugnar pela improcedência da reconvenção e a manter a sua posição inicial.

Foi proferido despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, o que mereceu reclamação dos Autores, fundada essencialmente na invocação do caso julgado formado em anterior acção entre as partes, reclamação essa não atendida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, decidiu o seguinte:

«- Declara-se a anulação do contrato promessa celebrado entre AA. e RR.;

- Condenam-se os RR. a restituir o imóvel aos AA., livre e devoluto de pessoas e bens, sem prejuízo do direito de retenção do imóvel até recebimento do seu crédito;

- Condenam-se os RR. a indemnizar os AA. no montante de 4.320 € a título de desvalorização do imóvel;

- Os RR. deverão restituir aos AA. a procuração por estes conferida;

- Condenam-se os AA. a restituir aos RR. a quantia de 100.000,00€ a título de sinal;

- Condenam-se os AA. a indemnizar os RR. no montante de 4.156,35 € que despenderam com o projeto de construção da moradia.

- Às quantias nas quais os AA. vão condenados acrescem juros de mora desde 14/11/2014, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.

- Absolvem-se AA. e RR. do remanescente peticionado, quer a título principal quer a título reconvencional

Inconformados, apelaram os Autores, sem êxito, tendo a Relação de … confirmado o sentenciado pela 1ª instância e, persistindo irresignados, interpuseram recurso de revista excepcional, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:

1. O Acórdão impugnado é recorrível e passível de revista excecional, porquanto não há quanto a ele uma confirmação da decisão de 1ª instância, no que respeita à fundamentação da caducidade do prazo do direito à anulação ou redução do preço do contrato e do caso julgado (artigo 671°, n°3 do Código de Processo Civil).

2. A fundamentação aí expendida pelo Tribunal da 1ª instância para não considerar a verificação de caso julgado é distinta daquela que conduziu o Tribunal da Relação de … a concluir que não se verifica a existência de caso julgado.

3. Ainda que se considere que há conformidade entre as duas decisões, os recorrentes entendem que se verificam os pressupostos da admissibilidade da revista excecional, previstos nas alíneas a), b) e especificamente c) do n° 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil.

4. Na verdade, relativamente à contradição e oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão- fundamento. O Tribunal da Relação de … ajuizou deficientemente quando considerou que não estava perante causas idênticas.

5. Estabelecendo um paralelo entre a causa de pedir e o pedido principal formulado pelos Réus, ora recorridos, na Reconvenção do presente processo e a causa de pedir e os pedidos formulados pelos mesmos, como Autores, na ação anterior, a que se reporta o Acórdão fundamento, dúvidas não restam que existe total similitude.

6. Num e noutro processo, os recorridos, como Autores na primeira ação e Réus/Reconvintes na segunda, enunciam as mesmas questões de facto e de direito e pretendem obter o mesmo efeito jurídico - a resolução do contrato ou anulação, pretendendo, assim, fazer cessar os efeitos jurídicos e obrigações decorrentes do contrato promessa de compra e venda.

7. Dúvidas não restam, que há uma manifesta contradição existente entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento pois entende-se que ambas as decisões foram proferidas no âmbito da mesma legislação do Código Civil (incumprimento, resolução ou anulação do contrato promessa de compra e venda), e sobre a mesma questão fundamental de direito, com base na alegação dos autores na primeira ação e réus na segunda de que o prédio prometido vender não tinha a área constante da certidão, tendo sido enganados pelos promitentes vendedores.

8. Existe oposição de soluções nos dois respetivos casos.

9. O Tribunal da Relação de … confirmando a sentença da 1ª instância, Juiz 3 da Comarca de S…, considerou que a área do prédio que figurava no contrato promessa (aproximadamente 6580 m2) foi essencial para a determinação de vontade dos Réus /Reconvintes, motivo suficiente para fazer cessar os efeitos jurídicos do contrato, havendo lugar à anulação do mesmo.

10. Ora, esta questão fundamental foi apreciada e julgada pelo então Tribunal de A… e pelo Tribunal da Relação de …, com decisões já transitadas em julgado.

11. Os agora Réus /Reconvintes, então Autores da ação que deu origem ao Acórdão-fundamento, suscitaram repetidamente a questão da anulação e resolução do contrato promessa com base no vício da formação da vontade, ou seja, que os então Réus, os enganaram quanto à área do prédio rústico, tornando impossível a prestação, pedindo, por isso, a resolução do contrato.

12. Esta questão que sustenta a tese dos réus para a anulação do negócio, ficou claramente decidida quando o Tribunal da Relação de …, a fls. 29 do Acórdão-fundamento deixou claro que "a tese dos réus que foram enganados quando à área que prometeram vender, não tem apoio nos factos provados."

13. É bom de ver, através dos articulados e das alegações de um e de outro processo que os agora Réus/Reconvintes, sustentaram os seus pedidos na mesma causa de pedir, num e noutro processo.

14. Alegaram expressamente em cada um dos processos que o prédio prometido vender, não tinha área constante da certidão registral e que tal facto impediu que eles construíssem uma moradia com área de cerca de 150 m2, não cumprindo os promitentes vendedores o contrato promessa.

15. O Tribunal da Relação de … deixou esta questão resolvida definitivamente, como se apura da leitura dos parágrafos 2º, 3º, 4° e 5° da página 26, que se transcrevem.

2° - A verdade é que a situação dos autos apenas se ajustaria à impossibilidade de prestação se interpretássemos o contrato-promessa no sentido de que os réus prometeram vender aos autores a área de 6580 m2 do prédio rústico identificado no contrato. Por outras palavras, estar-se-ia perante impossibilidade, e impossibilidade originária, se o contrato prometido fosse um contrato de compra e venda ad mensura (artigo 887° do Código Civil).

3º - Como é bom de ver, se os réus se tivessem obrigado a vender a área de 6580 m2 do prédio identificado no contrato, a prestação dos réus seria parcialmente impossível pois o prédio só tem a área de 5 541,564 m2.

4º - Não é este, no entanto, o sentido com que devem valer as declarações negociais constantes do contrato-promessa. Declarando-se os promitentes — vendedores que prometiam vender aos autores o prédio que começaram por descrever (prédio rústico composto de terras de semeadura e árvores de fruto, com a área aproximada de 6580 m2) e sabendo-se que este estava demarcado e murado e que o prédio foi mostrado aos autores antes da celebração do contrato-promessa, o sentido com que devem valer as declarações negociais é o de que o que foi prometido vender foi um prédio claramente identificado e demarcado. Tratou-se, pois da promessa de celebração de um contrato de compra e venda ad corpus (artigo 888°, do Código Civil).

5º - Interpretando as declarações negociais com este sentido, é de concluir que a prestação dos réus — a venda do prédio identificado no contrato -promessa - era possível.

16. Há, assim, um mesmo núcleo da situação de facto para a aplicação da mesma questão de direito, ou seja, a resolução ou anulação do contrato de promessa, que tem a ver com uma área de um prédio que os promitentes vendedores prometeram vender.

17. O Tribunal da Relação de … considerou que não havia motivo para a resolução do contrato, já que o que foi prometido vender foi um prédio claramente identificado, demarcado e murado e que foi mostrado aos promitentes-compradores antes da celebração do contrato de promessa e não uma área de 6580 m2 de um prédio rústico identificado no contrato promessa de compra e venda.

18. Tratou-se, segundo a Relação de … de um contrato de compra e venda "ad corpus" (artigo 888 ° do Código Civil).

19. O Tribunal da Relação de … julgou esta mesma questão de facto e de direito, de forma diferente, concluindo que a área do terreno, de acordo com o contrato era essencial para os promitentes-compradores e os autores omitiram esse elemento, interpretando o contrato prometido como se fosse um contrato de compra e venda "ad mensura" (artigo 887° do Código Civil) e que havia motivo para confirmar a sentença que anulou o contrato.

20. Há clara coincidência entre o cerne das situações de facto.

21. O Tribunal da Comarca de S... e o Tribunal da Relação de … em face da abundante documentação junta aos autos, das alegações e posições das partes e da verificação que prova testemunhal, depoimentos da parte sobre o cerne da questão eram as mesmas, com a agravante de que a as testemunhas e partes estavam no segundo julgamento, a depor alguns anos mais tarde, e correspondentemente com os acontecimentos menos memorizados não tomaram as cautelas adequadas para fixar o sentido e alcance da decisão proferida no âmbito da anterior ação, para não repetir, nem apreciar questões de facto e de direito que já naquele processo estavam compreendidas e foram julgadas de forma definitiva.

22. É evidente, que o Tribunal de S… na sentença que viria a ser confirmada factual e juridicamente pelo Tribunal da Relação de …, tentou contornar esta dificuldade, apreciando os mesmos factos com a mesma prova, extraindo uma conclusão quanto a essencialidade da área do terreno para os promitentes-compradores, sobre os quais o Tribunal da Relação de … já escalpelizara essa questão, decidindo que não havia razão para a resolução do contrato, porquanto o que se prometeu vender foi um prédio rústico, murado e delimitado e que os promitentes-compradores inspecionaram e lhes foi mostrado, antes da celebração tanto do primeiro contrato (revogado) como do segundo.

23. A questão da área, ficou provada naquele processo de …, que era um aspeto importante, mas não essencial, considerando que a prestação dos autores (venda do prédio) dos ora recorrentes, então réus e recorridos, era possível.

24. A propósito da resolução e anulação do contrato e como já se salientou supra, o entendimento da doutrina e jurisprudência é que "a resolução é equiparada quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico." (Ac S.T.J de 24/01/2012 proferido no proc. 343/04 TBMJ.P1.S1).

25. A oposição e contradição de julgados entre o Acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido é manifesto, porquanto:

A) O cerne do quadro factual, isto é, as situações de facto discutidas num e noutro processo se não são exatamente iguais são idênticas, isto é o núcleo central da argumentação e dos factos aduzidos pelos Réus/ Recorrentes no processo de S…, na sua defesa, é em tudo idêntico ao alegado no processo anterior de …, com recurso da matéria de facto e de direito para o Tribunal da Relação de …, onde inclusive, os então Autores, recorrentes, suscitaram não só a questão da resolução do contrato como também a da anulação.

B) As questões de direito suscitadas pelos Recorridos no anterior processo e na Contestação/Reconvenção do processo são no essencial idênticas, pois o que se pretendia e foi conseguido na segunda decisão judicial foi a destruição da relação contratual, ou seja o regresso das partes à situação em que elas se encontravam se o contrato não tivesse sido celebrado.

C) O efeito jurídico da anulação é equiparado ao da resolução do negócio jurídico, tendo inclusive, a resolução efeito retroativo, tal como a anulação.

D) Existem também assim aspetos de identidade nos pedidos e nos efeitos jurídicos pretendidos pelos recorridos, que determinam a contradição e oposição, alegada nos Acórdãos em confronto.

26. Não havendo dúvidas, quanto ao prédio que estavam a prometer comprar, que estava delimitado e murado e cuja área era facilmente determinável, através da ajuda de uma simples fita métrica ou então através de um levantamento topográfico, é muito estranho, que num negócio de €200.000 em 2006, com sinal de €100.000, se a área era um elemento tão essencial para o negócio, os recorridos, pessoas esclarecidas, não tenham confirmado a área.

27. E mais grave ainda, que havendo na documentação que serviu de base ao negócio (certidão do registo) um alerta sobre um processo de destaque relativo a uma desanexação de 1162 m2, apresentada em 6/6/2003 e com uma anotação de inutilizada de 21/5/2004, por ter sido declarado findo o processo de justificação, estando assistidos por advogado, não tenham consultado o processo de justificação na Conservatória do Registo Predial de P… para se inteirar e esclarecer essa situação da área efetiva do prédio.

28. A manter-se esta decisão do Tribunal de S…, confirmada pela Relação de …, haverá um erro crasso da justiça, que o cidadão comum e qualquer pessoa que conheça e examine o prédio em causa, jamais poderá aceitar.

29. É evidente que a questão em causa, se estamos ou não em presença de caso julgado, tem relevância jurídica e os interesses subjacentes ao caso tem particular relevância social, porque os recorrentes são pessoas idosas, doentes, humildes, com pensões reduzidas, como resulta de documentação constante nos autos e que venderam aquele imóvel, para terem uma velhice tranquila.

30. Por outro lado, a reapreciação do caso julgado, impõe-se, pela sua relevância jurídica e até social, porquanto, os recorrentes continuam a entender que o objeto do processo anterior, em que eram autores os agora réus, que se desenvolveu entre as mesmas partes e com a decisão já transitada em julgado, tem um objeto, senão totalmente idêntico, pelo menos no essencial similar e conexo com o quadro de factos alegados pelos Réus/Reconvintes e submetidos indevidamente aos temas de prova na presente ação.

31. Na ótica dos Recorrentes, mesmo que se admitisse por mera hipótese não existir uma completa identidade no âmbito objetivo, os efeitos do caso julgado teriam, necessariamente que se projetar, entre as mesmas partes no segundo processo, sob pena, de como aconteceu de se terem voltado a discutir e a debater as mesmíssimas questões, despeitando-se a autoridade emergente da decisão judicial e o Acórdão proferido e já transitado em julgado.

32. E nessa data manifestaram aos Autores a vontade em resolver o negócio por perda de interesse na aquisição, com a justificação de que a área do terreno não dava para construir a habitação de cerca de 150 m2 que projetaram, mas apenas 138,50 m2.

33. No fundo, os promitentes-compradores resolveram unilateralmente o contato promessa de compra e venda, alegando perder o interesse no negócio por uma pequena diferença de cerca de 10 m2 de área de construção, quando o licenciamento era possível, como, de resto se vem a confirmar documentalmente.

34. Ora essa perda total de interesse na prestação, por parte dos promitentes-compradores, declarado inequivocamente em 2006 e em 2008 pelos promitentes vendedores, constitui um incumprimento definitivo por parte daqueles.

35. A citação para a ação de 2008 do Tribunal de A… em que os recorridos pediram o sinal em dobro ou em singelo, envolveu a declaração de resolução de contrato e tem como pressupostos o incumprimento definitivo do contrato-promessa e não a simples mora como os recorridos bem sabiam.

36. O incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação, o credor perca o interesse objetivo nela ou quando havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe foi fixado pelo credor - mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adota qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento.

37. Não havendo motivos para a procedência do pedido de resolução, é óbvio, que o tribunal não podia ter dado satisfação ao pedido de anulação do contrato, por ter caducado há vários anos o prazo para a invocação desse eventual direito, porquanto foram os promitentes-compradores que declararam expressamente o incumprimento definitivo por parte deles da sua prestação.

38. Sendo manifesta a contradição existente entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento e a não se entender que estão reunidos todos os pressupostos do caso julgado, e que não há caducidade do direito à anulação, deve tal oposição ser decidida no sentido acolhido pelo Tribunal da Relação de … e já exposto anteriormente.

39. O Acórdão recorrido incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 247°, 251°, 253°, 287°, n° 1 e 2, 406°; 442, n° 2, 801°, 802°, 887° e 890, n° 1 todos do Código Civil e 576, n°2, 578°, 580°, n° 1 e 607°, n°3 e 4 do Código de Processo Civil.

Os Réus ofereceram contra-alegação a pugnar pela inadmissibilidade da revista excepcional e, no caso da sua admissibilidade, pelo seu insucesso.

Submetido ao «crivo» da Formação prevista no artigo 672º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, o recurso de revista excepcional foi recebido no tocante aos pontos 10. e 11. (reportam-se à caducidade do direito à anulação do contrato-promessa), isto sem prejuízo da sua admissibilidade como revista normal quanto ao ponto 8. (refere-se à invocada ofensa de caso julgado) do acórdão de folhas 984 a 989, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1) Por escritura pública de compra e venda exarada em 1/5/1970, o A. AA, casado no regime da comunhão geral com a A. BB comprou a EE, que vendeu, o prédio rústico sito no sítio da Quinta da …, freguesia da …, concelho de P…, composto de terras de semeadura, vinha e árvores de fruto, com a área aproximada de 6.580 metros quadrados, que corresponde a 1/336 avos do artigo rústico 1227 e é desanexado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de S… sob o n.º 27051 a fls. 169 do Livro B-86.

2) Com data de 13 de Abril de 2006, o A. AA, na qualidade de vendedor e primeiro outorgante e os Réus CC e DD, na qualidade de compradores e segundos outorgantes celebraram um Contrato Promessa de Compra e Venda e recibo de Sinal com o seguinte teor:

“1º O primeiro outorgante é dono e legitimo possuidor do terreno, sito no Bairro … na … – P….

2º Pelo presente contrato o primeiro outorgante promete vender aos segundos outorgantes e estes aceitam a compra do terreno sito no Bairro da … na … – P….

3º O preço total acordado pelas partes para a compra e venda do referido terreno é de Euros 214.483,10 (duzentos e catorze mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dez cêntimos).

4º Como sinal e princípio de pagamento os segundos outorgantes entregam neste acto a importância de Euros 20.000,00 (vinte mil euros).

5º No acto da escritura será liquidada a quantia restante em débito, no montante de Euros 194 483,10 (cento e noventa e quatro mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dez cêntimos).

6º A escritura será realizada em Cartório em dia e hora a indicar pelo primeiro outorgante, pelo menos com 8 dias de antecedência, para a morada dos segundos outorgantes indicadas neste contrato, logo que toda a documentação esteja em ordem para o efeito, até ao dia 13 de Julho de 2006. Se a data de 13 de Julho de 2006 for ultrapassada por motivos imputáveis aos segundos outorgantes, este, fica sujeito a legislação aplicável nomeadamente ao regime do art.º 442º do C.C.

7º O terreno prometido vender pelo presente contrato é livre de quaisquer ónus ou encargos hipotecários à data da celebração da escritura.

8º As despesas inerentes aos registos, sisas, escrituras ou outras ficarão a cargo dos segundos outorgantes.

9º Mais declaram os outorgantes que celebram este contrato de boa fé e que nessa conformidade, prescindem do reconhecimento notarial.”

3) Antes da celebração do contrato promessa supra referido, os RR. haviam-se deslocado ao terreno juntamente com o A. e viram a parcela delimitada por muros, bem como as construções existentes.

4) O A. disse aos RR. que o terreno tinha cerca de 6.000 m2 (para mais e não para menos) e que as casas estavam legalizadas.

5) Os RR. pretendiam levar a cabo no local a construção de uma moradia para habitação própria de ambos, e capacidade ainda para acolher o pai do R. DD e a mãe do R. CC, ambos viúvos.

6) Os AA. sabiam, ainda antes da celebração de qualquer contrato promessa, que para os RR. a área do terreno era uma questão essencial, já que lhes foi dado a conhecer pelos RR. que queriam construir, pelo menos, uma moradia com as características referidas na alínea anterior.

7) Os AA. sempre referiram aos RR. que podiam construir a moradia que queriam no terreno em causa, que não haveria qualquer problema com a Câmara Municipal de P… e que o terreno tinha a área suficiente para a moradia que os RR. pretendiam construir.

8) Na sequência de diligências desenvolvidas, para obtenção de empréstimo bancário se veio a verificar que as construções no terreno, concretamente o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2399, que os AA. alegavam estar legalizado, não possuía afinal licença, tratando-se de uma construção clandestina, conforme informação prestada aos RR. no atendimento no Departamento de Gestão Urbanística, Divisão de Obras Particulares, da Câmara Municipal de P…, com data de 20/6/2006, pelo que a primeira avaliação efectuada pela instituição bancária, a qual incluía o prédio urbano, ficou inutilizada, havendo necessidade de ter sido feita outra avaliação, agora sem o prédio urbano.

9) Os RR. ficaram surpreendidos com o facto de as habitações estarem clandestinas e suscitaram a questão junto do A.

10) Após conversações entre AA. e RR., acordaram em dar sem efeito o contrato de 13 de Abril de 2006, tendo celebrado novo contrato.

11) Assim, na data de 30 de Junho de 2006, os AA., na qualidade de primeiros outorgantes e os RR., na qualidade de segundos outorgantes celebraram o seguinte Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal, com assinaturas reconhecidas notarialmente:

“E disseram os primeiros:- Que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico composto de terras de semeadura e árvores de fruto, com a área aproximada de 6.580m2, sito na Quinta da …, actualmente Bairro …, …, a confrontar de Norte com FF, do Sul com GG, do Nascente com estrada e do Poente com EE, inscrito na respectiva matriz predial sob o antigo artigo 1227(1/336), actualmente artigo 32 da Secção C, da freguesia da …, concelho de P…, descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 7239.

Que, pelo presente contrato, prometera vender aos segundos, pelo preço total de €200.000,00 (duzentos mil euros) o identificado prédio, livre de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades de quaisquer ordem.

1ª) O pagamento do mencionado preço será feito da seguinte forma:

a) Os segundos outorgantes já entregaram aos primeiros, a título de sinal e princípio de pagamento, com a outorga do contrato promessa celebrado entre os outorgantes em 13 de Abril de 2006 e relativo ao mesmo prédio, a quantia de € 67.483,00 (sessenta e sete mil quatrocentos e oitenta e três euros) da qual os promitentes vendedores dão a correspondente quitação.

b) Com a assinatura do presente contrato, e como reforço de sinal e princípio de pagamento será paga mais a quantia de €32.517,00 (trinta e dois mil quinhentos e dezassete euros) da qual os primeiros outorgantes dão também a correspondente quitação através do presente contrato.

c) A restante parte do preço, ou seja, €100.000,00 (cem mil euros), será paga na totalidade no acto da celebração da respectiva escritura pública de compra e venda.

d) Caso o segundo outorgante, DD, venda o andar onde actualmente reside, Rua …, n.º …-4º Esq., na …, será efectuado um novo reforço de sinal, a combinar entre os outorgantes.

2ª) A escritura realizar-se-á logo que os segundos outorgantes tenham em seu poder toda a documentação necessária, nomeadamente tenham conseguido obter junto da Câmara Municipal de P…, Repartição de Finanças e Conservatória do Registo Predial, autorização para demolição do prédio urbano clandestino, que se encontra implantado no prédio rústico, construído pelos primeiros outorgantes, e a aprovação pela referida Câmara Municipal de P… de um projecto de construção de um prédio urbano a implantar no aludido prédio rústico, ficando os segundos com o encargo de notificar os primeiros do local, data e hora da sua realização.

3ª) Que no prédio rústico prometido vender pelos primeiros outorgantes encontra-se implantado um prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2399, da freguesia da …, construídos pelos promitentes vendedores, sem qualquer tipo de licença não possuindo, por conseguinte, licença de utilização.

4ª) Os primeiros outorgantes prestam, desde já, a necessária autorização e consentimento, aos segundos, para que estes tratem, junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, da demolição do identificado prédio urbano, outorgando também nesta data uma procuração com poderes especiais a favor destes para que requeiram e outorguem tudo quanto se torne necessário aos mencionados fins e também para que apresentem, em nome deles, primeiros outorgantes, na Câmara Municipal de P…, um projecto de construção, destinado a habitação, para o local.

5ª) Comprometem-se, todos os outorgantes, a ter em ordem toda a documentação que seja necessária à celebração da escritura pública de compra e venda e que a cada um deles seja inerente.

6ª) Todas as despesas da prometida venda, nomeadamente as da escritura, IMT, registo, demolição do prédio urbano e com o projecto de construção, serão da exclusiva responsabilidade dos segundos outorgantes, promitentes-compradores.

7ª) O incumprimento do presente contrato-promessa implica a perda, ou a devolução em dobro das importâncias já prestadas, consoante sejam os promitentes-compradores ou os promitentes-vendedores a faltarem ao cumprimento das cláusulas deste contrato, conforme regime previsto no artigo quatrocentos e quarenta e dois do Código Civil, sem prejuízo de os promitentes não faltosos optarem pela execução específica do presente contrato, prevista no artigo oitocentos e trinta também do Código Civil.

8ª) Quaisquer alterações ao presente contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito com a menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redacção que passa a ter cada uma das aditadas ou modificadas.

9ª) Os promitentes vendedores e os promitentes compradores acordam em revogar e dar sem efeito o contrato promessa que outorgaram em 13 de Abril de 2006.

10ª) Os promitentes vendedores transmitem aos promitentes compradores, em 20 de Julho, a posse integral do prédio objecto deste contrato, das chaves do prédio urbano.

11ª) Para resolver todas as questões emergentes do presente contrato-promessa, acordam os outorgantes, que o foro territorialmente competente será o da comarca de A….”

12) Com data de 30 de Junho de 2006, os AA. assinaram uma Procuração conferindo aos RR. “(…) plenos poderes necessários para nos representarem em todos os actos de demolição de um prédio urbano clandestino, inscrito na matriz sob o artigo 2399, da freguesia da …, e que se encontra implantada no prédio rústico composto de terras de semeadura e árvores de fruto, com a área aproximada de 6.580m2, sito na Quinta da …, actualmente Bairro …, …, a confrontar de Norte com FF, do Sul com GG, do Nascente com estrada e do Poente com EE, inscrito na respectiva matriz predial sob o antigo artigo 1227(1/336), actualmente artigo 32 da Secção C, da freguesia da …, concelho de P…, descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 7239, do qual são proprietários, requererem e outorgarem quaisquer requerimentos nas Conservatórias do Registo Predial, averbamentos e seus cancelamentos, Câmaras Municipais e Repartição de Finanças, nomeadamente ao pagamento de quaisquer taxas, que se mostrem necessários aos mencionados fins e ainda para que, em seu nome, apresentem na Câmara Municipal de P… um projecto de construção para habitação no mencionado prédio, podendo assinar e requerer tudo quanto se mostre necessário aos mencionados fins, com a faculdade de substabelecerem todos estes poderes em advogado ou solicitador.”

13) Da certidão do registo predial, em vigor à data de 28/12/2006, do prédio rústico composto de terras de semeadura e árvores de fruto, sito na Quinta da …, actualmente Bairro …, …, a confrontar de Norte com FF, do Sul com GG, do Nascente com estrada e do Poente com EE, inscrito na respectiva matriz predial sob o antigo artigo 1227(1/336) constava a área aproximada de 6.580m2, bem como uma An. 1- Ap. 75/20030606 –“A destacar do prédio n.º 05…0/20030606 – … com a área de 1162 m2” seguida da An.2 20040521 “Inutilizada a An.1 por ter sido declarado findo o processo de justificação.”

14) Foi com base nos documentos da Conservatória do Registo Predial em que o prédio dos AA. está descrito com a área total de 6.580m2 que AA. e RR. subscreveram os contratos promessa.

15) Os RR. diligenciaram junto da Conservatória do Registo Predial por esclarecimentos sobre a An. 1- Ap. 75/20030606 –“A destacar do prédio n.º 05…0/20030606 – … com a área de 1162 m2” seguida da An.2 20040521 “Inutilizada a An.1 por ter sido declarado findo o processo de justificação”, tendo-lhes sido confirmado que esta anotação dava sem efeito a anterior, pelo que o destaque não se mostrava formalizado, mantendo-se o prédio como anteriormente descrito, isto é: com a área total de 6.580m2.

16) Os Autores entregaram aos Réus as chaves dos portões do prédio rústico prometido vender e do urbano e construções anexas ali implantados no dia 20 de Julho de 2006.

17) Para a aquisição do imóvel o R. António vendeu a sua própria casa e teve de fazer transportar os seus bens para um anexo no prédio dos AA.

18) Na expectativa que o negócio se concretizasse, os RR., encarregaram um Gabinete de Engenharia e Arquitectura, HH, para criar um projecto de construção urbana e submeteram o mesmo à aprovação da Câmara Municipal de P….

19) Com o projecto para a construção da moradia os RR. despenderam 4.156,35 €.

20) No dia 29/6/2006 os RR. foram ao atendimento no Departamento de Gestão Urbanística, Divisão de Obras Particulares, da Câmara Municipal de P…, tendo sido fornecida a informação que “(…) se poderia admitir a construção de 150 m2 2 pisos em 6.000 m2. Foram informados também dos condicionalismos.”

21) Na sequência de levantamento topográfico efectuado ao imóvel pelo referido Gabinete de Arquitectura, apurou-se que afinal a área do prédio que os AA. haviam prometido vender aos RR. era somente de 5.541,564 m2, sendo que em sede de Perícia efectuada nos autos se apurou a área de 5.523,80 m2.

22) Os AA. sempre souberam que o terreno tinha apenas cerca de 5.500 m2.

23) Os autores sabiam que para os réus a área do terreno era uma questão essencial, porque isso lhes foi dado a conhecer pelos réus que queriam construir uma moradia com a área de construção nunca inferior a 150m2 e sabiam que os RR. sempre partiram do pressuposto que o terreno tinha a área aproximada de 6.580 m2, constante da documentação supra referida e contante do contrato promessa de 30/6/2006.

24) Com data de 6/10/2006, HH enviou uma carta aos RR. com o seguinte teor:

“No seguimento da nossa reunião realizada com o Exm.º Vereador II, o Sr. DD e o Sr. CC, no passado dia 29 de Setembro de 2006 no Departamento de Gestão Urbanística da Câmara de P…, todos constatamos que será impossível dar seguimento ao projecto de arquitectura para a moradia unifamiliar no Bairro … – …, projecto já entregue na Câmara, por incompatibilidades processuais motivadas pela divergência de medidas existentes entre a área de terreno proposta e a área de terreno efectivamente existente conforme levantamento topográfico. Pelo que não serão entregues as restantes peças requeridas por esta entidade necessárias para a obtenção do licenciamento do projecto de forma a que o presente processo cesse normalmente.

Estamos, no entanto, disponíveis para introduzir as alterações necessárias ao projecto já executado, de forma a permitir o seu licenciamento se for essa a vossa vontade, bem como para auxiliar em qualquer situação dentro do âmbito da nossa área, para este ou para futuros projectos.”

25) Assim, após o levantamento topográfico e a verificação que o projecto não poderia ser aprovado nos termos em que os RR. haviam projectado, os RR. não impulsionaram mais o licenciamento que haviam apresentado, uma vez que a Câmara Municipal de P… apenas viabilizará uma área bruta de construção máxima de 138,50 m2 para aquele local, sendo que qualquer novo projecto a apresentar terá de ter uma área de construção em conformidade o que defraudou as expectativas dos R.R., os quais esperavam poder construir no terreno uma casa maior.

26) Os RR., porque tinham a expectativa de construir uma casa maior do que aquela que a área real lhes permite, acabaram por adquirir um novo imóvel, sito Rua …, nº 1, …, 2820 – Charneca …, e lá colocaram os seus bens móveis.

27) Os RR. manifestaram então aos AA. a vontade de resolver o negócio, por perda de interesse na aquisição decorrente dos factos supra mencionados, não tendo as partes chegado a acordo.

28) Os RR. CC e DD intentaram contra os aqui AA. um processo, com o n.º 257/08.9TBAGN, sendo o pedido a condenação dos RR.(aqui AA.) a pagar aos AA.(aqui RR.) a quantia de 200.000,00 € correspondente ao dobro do sinal que receberam dos AA.(aqui RR.) ou, subsidiariamente, os RR.(aqui AA.) condenados a restituir aos AA.(aqui RR.) o sinal de 100.000,00 €, acrescido das alegadas despesas com benfeitorias e projecto de construção, tudo no montante de 129.471,35 € e, em qualquer dos casos, acrescido de juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento.

29) Nesses autos deduziram os RR. (aqui AA.) pedido reconvencional, pedindo a condenação dos AA. (aqui RR.) no pagamento de 9.986,00 €, bem como na perda do valor a título de sinal entregue aos RR. (aqui AA.), alegando que os AA.(aqui RR.), aquando da entrada na posse do referido imóvel se apropriaram de bens dos RR.(aqui AA.), realizaram obras que para tanto não estavam autorizados e sem comunicação aos RR.(aqui AA.). Mais alegaram que a outorga da escritura pública não se efectivou em virtude da negligência dos autores (aqui RR.) em promover correctamente o processo camarário, omitindo informações essenciais no mesmo, pelo que o incumprimento apenas a estes lhes é imputável; alegam igualmente que os autores tinham perfeito conhecimento de todas as características do imóvel em causa, tendo entrado na posse do mesmo em 20 de Julho de 2006.

30) Naqueles autos n.º 257/08.9TBAGN julgou-se totalmente improcedente a acção e totalmente improcedente o pedido reconvencional, com o fundamento que não se verificava incumprimento definitivo, quer por parte dos AA.(aqui RR.), quer dos RR.(aqui AA.).

31) Por outro lado, não foi apreciado naqueles autos, por tal não ter sido peticionado, a questão da anulação do contrato com base em erro, por não ter sido formulado tal pedido, tal como foi expressamente referido na sentença proferida e confirmado pelo Acórdão da Relação de …..

32) Na certidão do registo predial em vigor à data de 6/6/2008, encontrava-se inscrita a aquisição a favor dos AA., pela Ap. 7 de 21/5/1970, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 6…2/20071001, com descrição em Livro n.º 7239 do Livro n.º 23, omisso na matriz, sito em Quinta da …, com a área total de 6580 m2.

33) No dia 8/8/2008 foi lavrada escritura de justificação notarial em que JJ e mulher KK declararam que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio urbano com a área de 1160 m2, sito na Quinta da …, freguesia de …, concelho de P…, composto de moradia de rés-do-chão para habitação, com a área coberta de 38 m2, confrontando do Norte com FF, do Sul com AA, do Nascente com Estrada e do Poente com LL, inscrito na respectiva matriz em nome do justificante sob o artigo 2894, a desanexar do prédio inscrito na matriz sob o artigo 6712 da freguesia da …, mais declarando que adquiriram o indicado imóvel por compra meramente verbal no ano de 1980, pelo preço de 400 mil escudos, actualmente 1.995 €, uma parcela de terreno com a área de 1160 metros a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de P… com o n.º 7.239 do Livro B-23, a AA e mulher, os quais já tinham adquirido em 1976, por compra a EE, por contrato não titulado, pelo que não ficou a dispor de título formal que lhe permita o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial mas, desde logo, entrou na posse e fruição do referido imóvel, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, usufruindo como tal o imóvel e suportando os respectivos encargos.

34) Na escritura de justificação consta uma anotação efectuada pelo Notário com o seguinte teor:

“AA e mulher, BB, vieram dizer que venderam verbalmente nos anos oitenta uma parcela de terreno com a área de 1160 m2, a desanexar da descrição sete mil duzentos e trinta e nove do Livro-B vinte e três, pelo que nada têm a opor ao que consta da presente escritura de que tomaram conhecimento, conforme carta datada de 27/1/2009 que se arquiva (…)”.

35) Os AA. requereram a notificação judicial avulsa dos RR., fixando a estes o prazo de 20 dias, a contar da data da notificação, para a outorga da competente escritura de compra e venda, a qual teria lugar decorrido aquele prazo e após uma dilação de pelo menos dez dias, fixando no entanto para o efeito o dia 4 de Março do ano em curso, pelas 14h30m, no Cartório Notarial de …, e para se munirem dos elementos a que contratualmente se obrigaram, designadamente o meio de pagamento, o comprovativo do pagamento do IMT com base no preço acordado e fixado no contrato promessa, ou seja, de duzentos mil euros, a fim de outorgarem a escritura de compra e venda do imóvel objecto do mesmo contrato promessa, com a advertência de que não o fazendo, se considerar para todos os efeitos, como não cumprido definitivamente esse contrato por parte dos RR., com todas as consequências legais, designadamente, as referidas no artigo 442º do Código Civil, notificação judicial avulsa recebida pelos RR. em 11/02/2014.

36) Os RR. não compareceram naquele dia, nem naquele Cartório pela hora marcada, nem em qualquer outra hora ou dia, para esse efeito.

37) Os RR. comunicaram por escrito aos AA., em carta datada de 14/2/2014, que haviam prometido comprar um outro prédio que não o identificado na notificação judicial avulsa, alegando que a área identificada pelos AA. era de 5.540m2 e não a aproximada de 6.580m2 e mais solicitaram nessa missiva, que lhes fosse enviada a minuta da escritura até três dias antes da data de 4 de Março para verificarem se se tratava do mesmo prédio, o que foi satisfeito pelos AA.

38) Os AA. enviaram aos RR. uma carta registada com aviso de recepção, datada de 19/02/2014 e recebida pelos RR. em 21/02/2014, dizendo que o prédio identificado na notificação judicial avulsa era e é o mesmo identificado no contrato promessa, referindo-se a proveniência e correspondência exarada nos documentos matricial e registral, e entendendo que nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de … transitado em julgado não havia incumprimento por parte dos AA.

39) Em 27/02/2014, os AA. enviaram aos RR. a minuta da escritura de compra e venda, por carta registada com aviso de recepção, conforme os mesmos haviam solicitado em sua carta de 14/02/2014.

40) E com data de 3/03/2014, os RR. comunicaram através de carta registada com aviso de recepção, a insistência de que o prédio identificado na minuta da escritura de compra e venda não era o mesmo referido no contrato promessa, dada a divergência de áreas e invocando por sua vez a seu favor o citado Acórdão do Tribunal da Relação de … e referindo a desanexação de um prédio, constante da descrição predial do prédio prometido comprar e vender, ocorrida posteriormente à celebração do contrato promessa.

41) Em 3/04/2014, os AA. comunicaram aos RR., através de carta registada com aviso de recepção, que consideravam haver incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos RR. e que em seu entender a diferença da área matricial e registal não constituía fundamento para a resolução do contrato, e na mesma oportunidade, solicitaram a entrega do imóvel e das chaves quer do prédio rústico, quer do urbano que no mesmo se encontra implantado, tudo livre de pessoas e bens, no prazo de 10 dias, a contar da recepção daquela comunicação, findos os quais passariam a praticar todos os actos inerentes ao seu direito de propriedade.

42) E os Réus, mais uma vez, a 9/04/2014, invocam que os documentos actuais do prédio não dizem respeito ao mesmo prometido vender e comprar e mais informaram os AA., no mesmo documento, que todos os actos ofensivos à sua posse, legitimamente transmitida, conforme cláusula 10ª do contrato promessa, seriam justamente defendidos com todos os meios legais ao dispor do legítimo possuidor.

43) Na certidão do registo predial em vigor à data de 20/6/2013, encontrava-se inscrita a aquisição a favor dos AA., pela Ap. 7 de 21/5/1970, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 6…2/20071001, com descrição em Livro n.º 7239 do Livro n.º 23, omisso na matriz, sito em Quinta da …, com a área total de 6580 m2, referido na alínea anterior, constando desanexado o prédio n.º 6996/20081217 de …. com a área de 1.124 m2.

44) Na certidão do registo predial em vigor à data de 6/1/2014 consta a actualização da área do prédio referido na alínea anterior, por força da desanexação do prédio n.º 6996/20081217 de … com a área de 1.124 m2, rectificada assim a área para 5540 m2.

45) Um imóvel de natureza semelhante ao dos RR., à data de 30 de Junho de 2006, teria um valor estimado de 68.074,98 €, admitindo um factor de correcção pelo facto de o imóvel à data de 2006 possuir uma habitação com condições de habitabilidade, com cerca de 75 m2, a que se atribuía em 2006 um valor de m2 de 492€, no total 36.900€, o valor do imóvel poderia ascender a 105.000,00 €; não estando a habitação legalizada, há que abater 10.000,00 € a este valor.

46) Os RR. levaram a cabo as seguintes demolições:

- Zona de cobertura a Sul da casa de habitação;

- Demolição parcial do lado Norte da casa de habitação, com ampliação/reconstrução da zona de habitação e cobertura;

- Interior da habitação, sendo notória a existência de trabalhos de remodelação da mesma que ficaram, no entanto, parados numa fase embrionária (com roços abertos, paredes por rebocar/estucar).

47) Para a reposição das condições de habitabilidade, semelhantes às que o imóvel dispunha antes das demolições levadas a cabo estima-se um valor de 18.000€ + IVA (120m2 x 150€/m2).

48) Na sequência das demolições realizadas a área da casa foi aumentada em 45,6 m2, verificando-se assim uma área construída de 120,6m2, atribuindo-se ao aumento um valor de 13.680€ + IVA, correspondente a 300€/m2 de estrutura (200€/m2), paredes exteriores (20€/m2) e cobertura (60€/m2) da nova construção.

49) Em 2014 o valor locativo do imóvel era de 220 € mensais; no caso de a habitação ter condições de habitabilidade a mesma tem um valor potencial de arrendamento de 275 € mensais.

50) Verifica-se actualmente no prédio dos AA.:

- tubagens de rega por aspersão instaladas por forma a permitir a rega das espécies existentes, pelo que se considera fazer parte do imóvel, no valor de 36 €;

- Uma bomba de balão para água em casa, com o valor de 50 €;

- Um bidão de plástico de 200 litros, no valor de 12 €.

51) O valor do imóvel, prédio rústico de 5.523,80 m2 dotado de uma habitação sem habitabilidade possível dados os trabalhos de remodelação em curso e com diversas construções de apoio à agricultura é estimado, em Março de 2014 de 75.500 €, inalterado à data de Março de 2016.

52) Os AA. retiraram a grande maioria dos seus pertences, já depois de terem entregue as chaves do portão do prédio e da casa clandestina aos réus.

53) Os RR. não impedem os AA. de retirar os seus bens do imóvel, tendo sido o A. quem referiu aos RR. não ter interesse em retirar alguns bens que deixou no local, dizendo-lhes para fazer o que quisessem.

54) Os RR. retiraram pelo menos 8 árvores do imóvel, algumas já secas, em datas e de características e valores que não foi possível apurar.

55) Os RR. destruíram o “galinheiro“ que lá existia, mas em sua substituição, construíram um anexo novo.

56) O A. AA nasceu em 11 de Dezembro de 1937 e a A. BB nasceu no dia 4 de Dezembro de 1942.

57) Os AA. ficaram aborrecidos com esta situação.

58) No âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de A…, pelo Tribunal da Relação de … foi fixada a seguinte factualidade provada:

«10. Os autores pretendiam construir uma moradia no terreno, partindo do pressuposto que ele tinha a área aproximada de 6580 m2 e que a área foi importante para a compra do terreno;

11. A moradia que os autores pretendiam construir poderia ter, atendendo à área do terreno constante do contrato-promessa e da certidão junta a fls. (…), uma área bruta de construção de 150 m2.

12. Os réus sabiam que para os autores a área do terreno era uma questão importante, já que lhes foi dado a conhecer pelos autores, que queriam construir uma moradia com área de construção de cerca de 150 m2.» - cfr. doc. de fls. 157 e 158.

59) Em tal acórdão consta o seguinte:

«Sucede que os autores não pediram a anulação do contrato-promessa (…)

(…)

Face ao exposto, ao afirmar que estava vedado ao tribunal conhecer da questão da anulabilidade do contrato-promessa por erro acerca do objeto, a decisão recorrida não violou nem os artigos 247.º e 251.º, ambos do Código Civil, nem os artigos 660.º e 661.º do CPC.» - cfr. doc. fls. 168.


III – Fundamentação de direito

A apreciação do presente recurso de revista, delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), resume-se, como definido pela formação prevista no artigo 672º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, à análise e dilucidação de duas questões jurídicas, consistindo a primeira em determinar se a decisão convergente das instâncias em anular o celebrado contrato-promessa ofende o caso julgado formado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, em 12 de Março de 2013, no processo n.º 257/08.9TBAGN.C1, e a segunda em decidir se caducou, ou não, o direito dos Recorridos em obter essa anulação.

Vejamos, então, em separado, cada uma dessas questões.

1 - Fundando-se a revista em «ofensa de caso julgado», impõe-se verificar, em consonância até com o decidido pela referida formação, se ocorre essa condição de admissibilidade do recurso, através da via «atípica» prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 629º do Cód. Proc. Civil.

Para tal, importa considerar, antes de mais, que o acesso ao Supremo Tribunal, por essa via, «não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, excluindo-se, por exemplo, as situações em que o juiz afirme a existência de tal excepção, declarando a absolvição total ou parcial da instância (art. 577º, al. i)), a que se aplicarão as regras gerais sobre a recorribilidade (art. 629º, nº 1)»[1]. Esta solução é totalmente harmónica com a tutela que a ordem jurídica portuguesa atribui ao caso julgado.

Efectivamente, na óptica de salvaguarda do instituto, é totalmente coerente que se admita sempre o recurso quando o caso julgado seja desrespeitado numa decisão, mas já não quando esse mesmo caso julgado tenha sido respeitado nessa mesma decisão. A anomalia não reside em os tribunais respeitarem o caso julgado, mas antes no desrespeito do caso julgado pelos tribunais. O que se espera – e o que pode ser considerado normal – é que os tribunais respeitem os casos julgados de decisões anteriores e, nessa perspectiva, o que interessa é assegurar sempre a possibilidade de reacção contra o anómalo, não contra o normal, este sim condicionado às regras gerais sobre a recorribilidade.

No caso, o acórdão que se pretende impugnar (bem como a decisão da 1ª instância que confirmou) não respeitou, segundo alegam os Recorrentes, o caso julgado anterior constituído no processo n.º 257/08.9TBAGN.C1, no âmbito do qual teria sido já decidida e refutada a pretensão anulatória que, agora, obteve acolhimento. Está, pois, aberta a porta de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, através da via «atípica» prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 629º do Cód. Proc. Civil, havendo, assim, que decidir se, afinal, há ou não caso julgado material, por incidir sobre a própria relação material controvertida, ou seja, sobre os direitos substantivos litigados.

Sabe-se que o instituto do caso julgado tem por escopo a segurança jurídica da comunidade e o prestígio das decisões judiciais, sendo considerado essencial para garantir a paz jurídica e social e assegurar o respeito dos cidadãos pelos tribunais[2].

Na essência, caracteriza-se por conferir força e total eficácia à definição já antes dada à relação controvertida, impondo a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação o dever de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objetivo ou à atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes. Quer dizer, o «caso julgado material» torna indiscutível, nos termos do artigo 619º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, isto sem prejuízo de revisão extraordinária, ao abrigo dos artigos 696º a 702º, todos do Cód. Proc. Civil.

Há, assim, como corolário disso, um impedimento à propositura de nova acção com a mesma pretensão material e a vinculação das partes ao decidido sobre a questão, ou seja, «a decisão sobre aquele pedido e causa de pedir fica imutável, impedindo que o tribunal decida diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, e mais uma vez, do mesmo modo[3].

Ora, como resulta da conjugação do disposto nos artigos 580º e 581.º com a previsão do n.º 1 do artigo 619º, todos do Código de Processo Civil, repete-se a causa quando se propõe acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo que a identidade dos sujeitos advém de as partes serem as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica e a identidade do pedido da circunstância de numa e noutra acção se pretender obter o mesmo efeito jurídico ou tutela jurisdicional e, por outro lado, a causa de pedir é idêntica quando as duas acções procedem do mesmo facto jurídico.

No caso em apreço, é bem patente, como bem equacionaram e decidiram as instâncias, que a pretensão anulatória do contrato-promessa, com base no erro sobre a área do prédio, não foi objecto de decisão na anterior acção que correu termos no então tribunal da comarca de Arganil.

Com efeito, no acórdão do Tribunal da Relação de …, proferido em 12 de Março de 2013, no âmbito desse processo, é referido expressamente, com reporte à decisão da 1ª instância, que «o tribunal rematou a sua argumentação afirmando que a factualidade apurada podia ser subsumível ao instituto da anulabilidade do contrato-promessa por erro acerca do objecto, mas tal questão não poderia ser apreciada pelo tribunal, sob pena de cometer excesso de pronúncia, atendendo à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados»[4]. E mais adiante, depois de considerações sobre a exclusão desse ponto do objecto do processo, consta «sucede que os autores não pediram a anulação do contrato-promessa e nem há, na petição, o mais leve indício de que o pedido deduzido a título subsidiário assentava em vício na formação da vontade para onde remetem os recorrentes..(…). Face ao exposto, ao afirmar que estava vedado ao tribunal conhecer da questão da anulabilidade do contrato-promessa por erro sobre o objecto, a decisão recorrida não violou…(…)….Assim, não estando demonstrado que os réus incorreram em não cumprimento do contrato-promessa e assentando as pretensões dos recorrentes no não cumprimento deste contrato, não merece censura a sentença por ter julgado improcedente a acção».

Destes excertos bem como do que consta dos pontos 31) e 59) do elenco factual provado resulta bem evidente que, ao contrário do que os Recorrentes sustentam, a temática anulatória do contrato-promessa não foi ali apreciada e decidida.

Ainda que aquela decisão verse sobre o longo litigio das partes, iniciado com a celebração, em Abril de 2006, do indicado contrato-promessa e suas vicissitudes, nela apreciou-se e decidiu-se apenas o invocado incumprimento contratual e as pretensões resolutórias nele alicerçadas, deixando de fora, como expressamente ali é referido, a problemática da anulação do contrato, por erro. As considerações que ali foram tecidas, a tal propósito, por laterais ao thema decidendum, não relevam, para este efeito, e a elas não poderão os Recorrentes lançar âncora como fundamento do invocado caso julgado.

Além disso, pedir a resolução do contrato, com fundamento em incumprimento, não é o mesmo que pedir a anulação desse contrato. Na anulação está em causa a validade do contrato celebrado, enquanto na resolução o contrato tem-se por válido, mas perante a crise superveniente decorrente do seu incumprimento, é conferido ao contraente cumpridor o direito de lhe pôr termo. Num caso, o efeito é invalidante e atinge o próprio contrato, no outro é extintivo ou de liquidação da relação contratual validamente estabelecida[5].

Vale isto por dizer que, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, os pedidos de resolução do contrato-promessa, com base no seu incumprimento, apreciados no processo n.º 257/08.9TBAGN.C1 diferem e são bem distintos do pedido de anulação desse contrato, com base em erro, apreciado neste processo. Inexiste, por isso, identidade de pedido e de causa de pedir entre os dois processos.

Deste modo, aquela decisão não constitui caso julgado, no tocante à pretensão anulatória do contrato-promessa acolhida no último, e o acórdão recorrido ao decidir nessa conformidade não incorreu na ofensa do caso julgado em que os Recorrentes alicerçaram o recurso.

2 – Definida a inexistência de caso julgado, cabe, agora, ver se o direito dos Réus à anulação do contrato-promessa caducou, como defendem os Recorrentes, ou se, como convergentemente decidiram as instâncias, foi atempadamente exercido.

A primeira nota a reter é que, segundo o artigo 287º, n.º 1, do Código Civil, a anulabilidade só pode ser arguida, em regra, «dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento», e, como se alcança do elenco factual provado, os Réus tiveram conhecimento do erro em que formaram a sua vontade de celebrar esse contrato, há bem mais de um ano, o que poderia conduzir à caducidade desse direito.

No entanto, o n.º 2 do artigo 287º do Código Civil, exceptua desvios à referida regra, dispondo que «enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção».

Ora, considerando que o cumprimento do negócio consiste na realização da prestação que dele decorre para o obrigado e que a prestação devida, no contrato-promessa, se traduz numa prestação de facto positivo consistente na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a celebrar um outro contrato, o denominado contrato prometido, no caso a compra e venda do imóvel ainda não realizada, temos por acertada a decisão das instâncias quando concluíram que, nos termos do n.º 2 do artigo 287º do Código Civil, o direito de anulação do contrato-promessa não caducou.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas as conclusões e retórica argumentativa arquitectada pelos Recorrentes, a quem não assiste razão em se insurgir contra o decidido pelas instâncias que, frise-se, equacionaram devidamente a situação em apreço e fizeram correcta leitura, interpretação e aplicação das disposições legais atinentes ao caso julgado e à contagem do prazo relativo ao exercício do direito à anulação por erro do aludido contrato-promessa, devendo, assim, tal veredicto subsistir.


IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.


*


Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

*


Lisboa, 24 de Maio de 2018


António Joaquim Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

_________

[1] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 48, e os acórdãos do STJ de 18.02.2016 (processo 123/12.3TTVFR.P1.S1), de 24.06.1999 (processo 99B498), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, , e de 09.07.2014 (processo 272/12, in Sumários de Julho de 2014, pág. 26.
[2] Cfr, neste sentido, Manuel A. Domingues Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, Coimbra Editora, pág. 305, João de Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 81 e 82, Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 705 e 708, e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, págs. 596 e 597.
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual” – BMJ 325, págs. 49 e ss.
[4] Cfr. fls. 601.
[5] Cfr, a este propósito, Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, págs. 317 a 319, João Baptista Machado, in Obra Dispersa, Vol. I, págs. 200 e 201, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 10 7 e 108, e José Carlos Brandão Proença, in Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, págs. 285 a 289.