Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
335/17.3T8CHV-H.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
REMIÇÃO
OFENSA DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A admissibilidade de revista do acórdão da Relação que considerou validamente exercido o direito de remição (art.842º do CPC), é aferida à luz do art. 854º do CPC;

II - Não sendo aquela decisão proferida em recurso num procedimento declarativo dependente do processo executivo, a revista é admissível apenas nas situações previstas no nº2 do art. 629º, do CPC, ou seja, nos casos em que o “recurso é sempre admissível.”

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


No Juízo de Execução de ..., Comarca de Vila Real, corre termos execução para pagamento de quantia certa em que é exequente AA e executados BB e outros.

Foi determinada a venda mediante propostas em carta fechada dos imóveis penhorados.

CC, companheira de facto do executado, veio exercer o direito de remição relativamente às verbas nºs 2, 3 e 4 que foram adjudicadas ao proponente DD pelo valor de €107.500,00.

Após vicissitudes várias, foi proferido despacho, com data de 27.03.2023, do seguinte teor:

Compulsados os autos, constata-se que a remidora CC não procedeu ao depósito de 5% para indemnização do proponente DD que procedeu ao depósito integral do preço, apesar de ter sido notificada pela AE para o fazer em 08/05/2020, 01/02/2021 e 07/06/2021, sendo certo que nesta última notificação, para além de ser enviada referência para pagamento, foi feito constar o seguinte: “Caso não seja efectuado o referido pagamento, a AE terá de agir em conformidade, como referido pela Meritíssima Juiz de Direito: “em caso de incumprimento, retirar as devidas consequências…”, as quais se encontram taxativamente previstas no art. 825º do C.P.C.

Assim, dúvidas não subsistem, pelo menos para nós, que a remidora não observou um dos requisitos necessários aos seu direito plasmado no art. 843º, nº2 do CPC, razão pela qual não pode operar e efectivar-se o direito de remição que exerceu nos autos.

Pelo exposto, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes, deverá o AE proceder à adjudicação e entrega dos bens ao proponente DD, emitindo o necessário título de transmissão a seu favor (art. 825º, ex vi do art. 843º, nº2, a contrario e 827º, todos do CPC) e, oportunamente, efectuar os pagamentos devidos.


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A remidora CC interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Guimarães, no qual formulou as seguintes conclusões:

“ I – (…) tendo em conta os factos supra referenciados, e em colisão com o douto Despacho Recorrido, torna-se relevante referir que sobre tal matéria, objeto de recurso, foi proferido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 1.ª Secção Cível, Processo n.º 335/17.3T8CHV.D.G1, de 03/12/2020, em que, para além de confirmar, ainda que com distinta fundamentação, o douto Despacho de 1.ª Instância proferido em 07/05/2020, segundo o qual perante o exercício do direito de remição da ora Recorrente decide que “verificando-se os pressupostos plasmados nos arts. 842.º e 843.º ambos do CPC, defere-se o requerido devendo os bens adquiridos pelo proponente (bens melhor identificados nas verbas n.º 2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas lavrado em 22/01/2020, junto sob ref.ª 34108292), serem objeto do direito de remissão pela Requerente, Unida de Facto ao Executado”, também se pronuncia sobre a “2ª questão: verificam-se ou não os pressupostos do art. 843º, nº 2 do C. P. C., nomeadamente por não ter depositado os 5% para indemnização do proponente?” (cf. págs. 19 e segs. deste Acórdão) asseverando que “ a Agente de Execução tinha a obrigação legal de ter notificado ou indicado `remidora as referências necessárias para efetivação do pagamento através da rede multibanco ou depósito bancário, independentemente da prolação do despacho”, concluindo que “Em face desta omissão da Agente de Execução, a remidora não pode ser prejudicada, considerando-se que não fez o depósito por culpa sua.

No entanto, tal omissão, deverá ser colmatada com a indicação da referência respetiva para pagamento respetivo dos ditos 5% (caso não tenha já sido feita em face da notificação já ocorrida em 09.06.2020), a que tem direito o proponente, ora recorrente.”

II - Assim, transitado em julgado este citado Acórdão, proferido nestes autos, não pode haver outra Decisão ou Acórdão posterior incompatível com o referido Acórdão de 03/12/2020.

III - Porém, o douto Despacho Recorrido, parece ignorar a decisão julgada neste citado Acórdão, ao decidir pela inobservância dos requisitos necessários à efetivação do direito de remição da ora Recorrente, contrariamente ao naquele Acórdão decidido, e melhor referido no item 29.º.

IV - Também, sobre a mesma matéria objeto do Despacho Recorrido, e neste mesmo processo, foi proferido pela 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em 13/10/2022, no Apenso n.º 335/17.3T8CHV-F.G1 (Apenso F), que aqui se dá por reproduzido e integrado, mas que por uma questão de economia processual aqui se reproduz o n.º 2) do Sumário que refere:

“Se se tratar de venda por propostas em carta fechada, o direito de remição pode ser exercido até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º e, em qualquer outra modalidade de venda, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que o documenta”.

V - Mais uma vez, o Despacho Recorrido ora em crise, ignorou este douto Acórdão, que também já transitou em julgado, porquanto, ao arrepio da fundamentação e decisão dele constante, decide indeferir o direito de remição da ora Recorrente sob o pretexto de não ter sido liquidado aquando do depósito do preço pela Remidora os 5% da indemnização ao Proponente.

VI - Com efeito, apesar do Meritíssimo Juiz “ a quo” não poder ignorar os dois Acórdãos acima identificados, proferidos sobre decisões que apreciam matéria de direito adjetivo (ut n.º 1 do art.º 620.º do C. P. C.), mesmo assim julgou, em contradição com tais decisões, pelo indeferimento do direito de remição da Recorrente, em desrespeito do caso julgado formal.

VII - Consequentemente, ao julgar como julgou, o Meritíssimo Juiz “ a quo” no referido Despacho Recorrido violou o caso julgado formal dos Acórdãos supra referidos, que apesar de ser do conhecimento oficioso (art.º 578.º do C. P. C.), ora se arguiu nos termos das alíneas i) do art.º 577.º e n.º 2 do art.º 576.º do mesmo Diploma, dando lugar à absolvição da instância da Remidora, ora Recorrente.

VIII - Sem prescindir, sempre se dirá que “Estando em causa a venda judicial por meio de propostas em carta fechada, os titulares do direito de remição podem exercer esse direito enquanto não for emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão do bem, mesmo que o proponente tenha pago o preço e cumprido as respectivas obrigações fiscais em data anterior” (n.º 4) do Sumário do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/03/2016, Proc. n.º 976/09.2TBBG-C.G1, Relator Jorge Seabra, in www.dgsi.pt).

IX - E, “… sempre que o remidor com o requerimento em que declara exercer o direito de remição sobre o bem em venda, não depositar a totalidade do preço oferecido pelo proponente vencedor e aceite pela aquisição desse bem e, bem assim, a indemnização de 5% a que alude o n.º 2 do art. 843º do CPC, quando essa indemnização for devida, mas venha a efetuar esse depósito em falta em momento posterior, mas ainda dentro do prazo legal fixado no n.º 1 do art. 843º do CPC para aquele exercer o direito de remição, o direito de remição por ele exercido tem-se como validamente exercitado” (n.º 5 do Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/04/2022, Proc. n.º 419/14.0T8VNF-J.G1, Relator José Alberto Moreira Dias, in www.dgsi.pt).

X - Foi o que fez a Remidora, ora Recorrente, ao depositar na conta-clientes executados, com data de receção de 13/03/2023, o valor de de 5375,00 euros, correspondente aos 5% de indemnização, para entrega ao Proponente, conforme informa a Agente de Execução em requerimento junto aos autos em 15/03/2023, Referência n.º 3226650, ou seja, em data anterior à emissão do título de transmissão dos bens para o Proponente, e também anterior a prolação da Decisão Decorrida.

XI – Assim, ao julgar diversamente, o Meritíssimo Juiz “ a quo” violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 576.º, 577.º, 578.º, 843.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 todos do C. P. C.”

O Recorrido DD contra alegou, concluindo que:

(…).

4.ª … independentemente da intempestividade do seu recurso, certo é que também falece razão à recorrente na fundamentação expendida (de facto e de direito).

5.ª Com efeito, o Despacho recorrido não só não ofende os casos julgados formais dos Acórdãos que cita nas suas alegações, como, pelo contrário, veio extrair as consequências inerentes à decisão do Acórdão proferido 1ª Secção Cível Desse Tribunal, em 13/12/2020, na parte em que entendeu ser devido o pagamento dos 5% do valor anunciado na venda para indemnização do proponente, colmatada que fosse a falha da Agente de Execução, que não notificou a remidora para o efeito.

6.ª Porém, em consonância com o determinado Nesse Acórdão, a Agente de Execução procedeu a sucessivas (e inglórias) notificações à remidora, sendo que, na última notificação que lhe fez (em 06/06/2021), além de ter enviado a referência para pagamento, fez também constar que “Caso não seja efetuado o referido pagamento, a AE terá de agir em conformidade, como referido pela Meritíssima Juiz de Direito: “em caso de incumprimento, retirar as devidas consequências…”.

7.ª Todavia, em vão o fez!

8.ª Destarte, bem andou o Meritíssimo Juiz a quo, ao entender e decidir como decidiu, que “a remidora não observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito plasmado no art.843.º, n.º2 do CPC, razão pela qual não pode operar e efetivar-se o direito de remissão que exerceu nos autos”.

9.ª Por último, também não colhe o argumento de que os titulares do direito de remição podem exercer esse direito enquanto não for emitido, pelo agente de execução, o respetivo título de transmissão do bem.

10.ª Com efeito, uma coisa é o remidor poder exercer o seu direito até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente.; 11.ª Coisa bem diversa é o remidor ter já exercido o seu direito sem observar um dos requisitos necessários ao exercício desse mesmo direito, mantendo-se, pelo contrário, remisso após ter sido notificado para proceder ao pagamento (uma, duas, três vezes).

12.ª Tendo-o feito, não poderá o remidor remisso voltar a fazê-lo, por força do disposto no art.º 825º, nº 3 do C.P.C.

13.ª No mesmo sentido de que não pode ter-se por validamente praticado, vd Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/05/2011, in www.dgsi.pt. E Lopes do Rego.

14.ª E, bem assim, Salvador da Costa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240, a propósito do direito de remição na venda executiva e, ainda, Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.II, pág.51: “Quando porém o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação das propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido de 5% para indemnização do proponente que já tiver efetuado o depósito”.


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Por acórdão da Relação de Guimarães de 26.10.2023, foi a apelação julgada procedente revogado o despacho recorrido e considerado validamente exercido o direito de remição por parte de CC.

Inconformado, o proponente DD veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª. O Acórdão recorrido entendeu que a remidora cumpriu os pressupostos plasmados no artigo 843º.

2.ª. Com tal entendimento não se conforma o recorrente, considerando que o Tribunal a quo errou na interpretação de tal preceito.

3ª. Desde logo, não colhe o argumento de que os titulares do direito de remição possam exercer esse direito enquanto não for emitido, pelo agente de execução, o respetivo título de transmissão do bem.

4ª. Com efeito, uma coisa é o remidor poder exercer o seu direito até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente, nos termos previstos do artigo 843 nº 1 al. a) do C.P.C.;

5ª. Coisa bem diversa é o remidor ter já exercido o seu direito sem observar um dos requisitos necessários ao exercício desse mesmo direito, mantendo-se, pelo contrário, remisso após ter sido notificado para proceder ao pagamento da quantia em falta (uma, duas, três vezes).

6ª. E, in casu, por força do decidido pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3.12.2020, o direito da remidora ficou expressamente sujeito à condição de pagamento da indemnização de 5% do valor da venda, após notificação que a AE teria que lhe fazer, para o efeito.

7ª. Condição que a remidora não cumpriu durante 3 anos, mesmo após as sucessivas notificações feitas pela AE em cumprimento do supra dito Acórdão e, designadamente, do Despacho do Tribunal da 1ª. Instância de 1.2.2021 (referência Citius .....99) que determinou a notificação da AE para proceder em conformidade com o decidido em tal Aresto, colmatando a omissão existente, sob pena de se extraírem as devidas consequências, previstas no art.º 825 do C.P.C.

8ª. E, ainda, mesmo após o último Acórdão proferido sobre a matéria (de 3.12.2022, no apenso F), que lapidarmente decidiu que a remidora tinha de efetuar o pagamento de 5% a título de indemnização e que não existia qualquer justo impedimento que a dispensasse de tal pagamento.

9ª. Assim, é inequívoco que a unida de facto, quando exerceu o seu direito ( e após notificação expressa para proceder ao pagamento da indemnização em falta), não observou um dos requisitos necessários ao exercício do invocado direito de remição, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado.

10ª. No mesmo sentido, vai a maioria da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual o Acórdão da Relação de Coimbra, de 24/05/2011 é meramente exemplificativo (in www.dgsi.pt.): ao não efetuar o depósito do preço no momento em que se apresentou a exercer o direito de remição a Requerente não observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado.

11ª. Também no mesmo sentido se pronuncia Salvador da Costa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240, a propósito do direito de remição na venda executiva e, bem assim, Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume II, pág 51: quando, porém o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação de propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido dos 5% para indemnização do proponente que já tiver efectuado o depósito referido no nº 2 do artigo 897º .

12ª. Depósito que, no caso dos autos, deveria ter-se efetuado logo após a notificação feita pela AE, em cumprimento do Acórdão proferido no Apenso D, de 03.12.2020.

13ª. Ao não entender assim, o tribunal recorrido violou o caso julgado formal inerente às decisões constantes do Acórdão de 3.12.2020, na parte em que determinou que a omissão de depósito de 5% do preço da proposta, deveria ser colmatada com a indicação da referência pela AE, para pagamento dos 5% em falta, e, bem assim, do Despacho proferido pelo Tribunal da 1ª Instância, em 04.07.2021 (ref. CITIUS ......13) que veio extrair as consequências inerentes àqueloutro Acórdão

14ª. Fez, igualmente, errada interpretação dos artigos 824º, 825º e 843º, todos do C.P.C

Não foram apresentadas contra alegações

Objecto do recurso:

- Se o acórdão recorrido violou o caso julgado formal decorrente das decisões proferidas no acórdão da Relação de Guimarães de 03.12.2020 e despacho de 04.07.2021.


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Fundamentação.

Factos que relevam para apreciação das questões decidendas:

1. Em 22.1.2020, data designada para abertura de propostas em carta fechada relativamente à venda dos bens imóveis penhorados, foi apresentada uma proposta no valor de € 107 500,00 por DD, acompanhada de um cheque visado de € 5 750,00, a qual foi aceite, tendo sido determinada a notificação do proponente para efetuar o depósito do remanescente do preço;

2. Devido a vicissitudes técnicas e informáticas atinentes à referência para pagamento que lhe foi enviada pela Sr.ª agente de execução (AE), o proponente só conseguiu realizar o pagamento do preço em duas vezes, o que ocorreu em 31.1.2020 e 4.2.2020.

3. Em 31.1.2020, CC, invocando a sua qualidade de unida de facto com o executado, veio exercer o direito de remição relativamente aos bens imóveis penhorados.

4. A AE não criou referência multibanco referente ao pedido de remição por estar a aguardar despacho judicial sobre tal pedido.

5. O proponente procedeu ao depósito da quantia de € 107.500,00 na conta pessoal da AE a qual, posteriormente, transferiu este valor para a conta da execução.

6. Em 9.6.2020, a AE informou que notificou a remidora para proceder ao pagamento de 5% do valor da venda pago pelo proponente, a título de indemnização, nos termos do art. 843º, nº 2, do CPC.

7. Em 7.5.2020, foi proferido despacho que considerou verificados os pressupostos do direito de remição.

8. O proponente interpôs recurso deste despacho, o qual, por acórdão do TRG, proferido em 3.12.2020, no âmbito do apenso D, foi julgado improcedente, tendo sido confirmada a decisão recorrida.

9. Na fundamentação desse acórdão considerou-se que a remidora, na qualidade de unida de facto, podia exercer o direito de remição e que a falta de depósito de 5% do preço da proposta não decorria de culpa sua, mas sim de uma omissão da AE pela qual a remidora não podia ser prejudicada, omissão que deveria ser colmatada com a indicação da referência para pagamento dos 5%.

10. Na sequência da prolação deste acórdão, em 01.02.2021 e foi proferido despacho (ref. Citius .....99) que determinou a notificação da AE para proceder em conformidade com o decidido, colmatando a omissão existente, na hipótese de, entretanto, ainda não o ter feito.

11. Em 4.7.2021 foi proferido despacho (ref. Citius ......13) que entendeu que a questão de ser devido o pagamento de 5% do valor da venda a título de indemnização não podia ser novamente apreciada e que a AE não estava impedida de dar cumprimento ao despacho de 26.5.2021 (comunicar a referência para pagamento da indemnização de 5% e, em caso de incumprimento, daí retirar as necessárias consequências).

12. A remidora interpôs recurso deste despacho o qual, por acórdão proferido em 20.1.2022, no âmbito do apenso E), foi julgado procedente, tendo sido ordenado que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre a reclamação no presente incidente (ou seja, saber se era, ou não, devido o pagamento de 5% de indemnização por parte da remidora).

13. Na sequência do decidido neste acórdão, foi proferido despacho, em 14.3.2022 (ref. Citius ......54), que julgou o incidente de reclamação improcedente e considerou que o proponente tinha direito ao pagamento dos 5% de indemnização.

14. A remidora interpôs recurso deste despacho o qual, por acórdão proferido em 13.10.2022, no âmbito do apenso F), foi julgado improcedente, tendo sido confirmada a decisão recorrida.

15. Com data de 5.12.2022, a AE dirigiu notificação à remidora, na pessoa do seu mandatário, “face ao acórdão proferido no recurso Apelação em Separado Nº 335/17.3T8CHV-F, para diligenciar pelo pagamento dos 5% do valor da venda, destinado a indemnização do proponente”, tendo-lhe enviado a entidade e referência necessárias para efetuar o pagamento por Multibanco.

16. Em 10.1.2023, a AE comunicou ao processo que, após a notificação anteriormente referida, a remidora não tinha procedido ao pagamento da indemnização de 5%.

17. Em 15.3.2023 a AE informou “que o valor de € 5.375,00, correspondente aos 5% de indemnização, para entrega ao proponente, já se encontram depositados na conta clientes executados, com data de recepção 13/03/23.”

18. Com data de 27.3.2023 foi proferido despacho (supra transcrito) que considerou que por a remidora não ter cumprido os requisitos exigidos o art. 843º, nº2 do CPC, não pode efectivar-se o direito de remição exercido nos autos.

19. Decisão esta revogada pelo acórdão recorrido que considerou validamente exercido o direito de remição por parte de CC.

O direito.

A revista vem interposta de acórdão da Relação que julgou validamente exercido o direito de remição no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa.

Assim, há que convocar a disposição do art. 854º do CPC, que rege sobre a admissibilidade da revista na acção executiva:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependentes de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

Em face deste normativo, o acórdão da Relação que julga validamente exercido o direito de remição não admite revista, por não se tratar de acórdão proferido em recurso que integre algum dos procedimentos declarativos dependentes do processo executivo ali mencionados de forma taxativa, salvo se for invocada uma qualquer das situações em que o recurso é sempre admissível, o que remete para o disposto nos arts. 629º, nº2, e 671º, nº2, al. b) do CPC

O Recorrente alega que o acórdão recorrido violou o caso julgado formado pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 3.12.2020, no âmbito do apenso D, o que preenche o fundamento de recorribilidade previsto no art. 629º, n2, alínea a), do CPC.

Como assim, e apesar de a revista não ter sido interposta ao abrigo do art. 629º, nº2, al. a) do CPC, passa a conhecer-se do mesmo.

Preceitua o art. 629º, nº2, alínea a) do CPC, que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado.”

O caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado (art. 619º do CPC). O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade de modificação de uma decisão judicial por qualquer tribunal (mesmo por aquele que a proferiu, em consequência da impugnabilidade do seu conteúdo por via de reclamação ou recurso ordinário. (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag. 567).

O caso julgado pode ser formal ou material. O caso julgado formal só tem um valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida (art. 620º); o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é susceptível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (art. 619º).

Dito isto,

O Recorrente acusa o acórdão recorrido de ofender o caso julgado formado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.12.2020, proferido no apenso D.

Vejamos.

O referido acórdão de 03.12.2020, confirmou o despacho de 07.05.2020, que reconheceu à Requerente CC o direito de remição.

Na fundamentação, considerou-se que a remidora, na qualidade de unida de facto, podia exercer o direito de remição e que a falta de depósito de 5% do preço da proposta não decorria de culpa sua, mas sim de uma omissão da AE pela qual a remidora não podia ser prejudicada, omissão que deveria ser colmatada com a indicação da referência para pagamento dos 5%. (factos 7, 8 e 9).

Está provado que apenas pelo acórdão do TRG de 13.10.2022, (Apenso F), ficou definitivamente decidido que o Proponente tinha direito à indemnização de 5%. (factos 13 e 14).

E foi na sequência daquela decisão que a Agente de Execução, em 05.12.2022, notificou a Remidora, na pessoa do seu mandatário, para efectuar o depósito dos 5%, “do valor da venda, destinado a indemnização do proponente tendo-lhe enviado a entidade e referência necessárias para efetuar o pagamento por Multibanco”, o que Recorrida fez em 13.03.2023, com o depósito da quantia de €5.375,00, correspondente aos 5% de indemnização devida ao proponente.

Mostrando-se depositado o montante indemnizatório devido ao propoente, o acórdão recorrido considerou que “o direito de remição foi validamente exercido.”

Não se vê que o acórdão recorrido tenha ofendido o caso julgado formado pelo acórdão de 03.12.2020: este acórdão reconheceu à Recorrida o direito de remição e que a falta de depósito da indemnização devida ao proponente não lhe era imputável, mas sim decorrente de uma omissão do agente de execução; o acórdão recorrido considerou validamente exercido o direito de remição, “face ao depósito do preço e ao posterior depósito de 5% do mesmo para indemnização ao proponente.” Decisões compatíveis e em sintonia.

A alegação de ter o acórdão recorrido ofendido o caso julgado carece de fundamento, o que conduz ao inevitável naufrágio da revista.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 14.03.2024

Ferreira Lopes (relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

A. Barateiro Martins