Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2300/18.4T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: REGULAMENTO (UE) 1215/2012
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA INTERNA
DOMICÍLIO
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL / FACTORES DE ATRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 62.º, ALÍNEA B).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (EU) N.º 1215/2012, DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 12-12-2012: - ARTIGOS 4.º E 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 24-05-2018, PROCESSOS N.º 27881/15.0T8LSB-A.L1-6, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 09-06-2016, PROCESSOS N.º 3077/15.0T8BRG.G1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Para efeitos de definição do foro internacionalmente competente dentro do espaço da União Europeia (uma vez que as partes têm a sua sede em diferentes Estados Membros), haverá que atender-se às regras estabelecidas no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12-12-2012, no qual se estabelece o regime comunitário relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

II - No art. 4.º deste Regulamento estabelece-se o princípio geral de que a ação deve ser proposta nos tribunais do País onde se encontra domiciliada ou sediada a pessoa demandada, a menos que outras regras especiais ou exclusivas resultem do mesmo diploma (especialmente as constantes do artigo 7.º – não estando em causa as demais).

III - Assim, estando a ação sujeita ao regime comunitário, conforme é o caso, é este o regime que prevalece em relação ao regime interno.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, S.A. sediada em Portugal, intentou ação declarativa comum contra BB, sediada na Alemanha, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 125.335,57 a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 07.08.2018 até integral pagamento, ascendendo os juros já vencidos à quantia de 4.230,50.

Alegou para o efeito e em resumo que, na qualidade de distribuidora comercial, acordou com a CC, com o conhecimento e consentimento da ré, passar a ser a distribuidora exclusiva do licor Jagermeister no território português, pelo que a ré incumbiu a CC de através da autora comercializar aquele licor, em regime de exclusividade em Portugal.

Maia alegou que tal relação comercial se desenvolveu e consolidou ao longo de mais de 9 anos, não obstante só em 2013 ter sido formalizado por escrito o contrato entre a autora e a CC denominado contrato de sub-distribuição, e que fazia as encomendas diretamente à ré, a qual lhe fornecia diretamente o licor, sendo a política de preços definida pela ré e comunicada à autora pela CC, tal como os objetivos, sendo a ré quem aprovava os planos de marketing definidos pela autora.

Mais alegou que, em junho de 2017 a CC informou a autora que o contrato iria terminar a 31 de Dezembro de 2017, referindo que a ré também iria fazer cessar o contrato mantido com ela, pelo que a autora reclamou da ré o pagamento de uma indemnização de clientela, o que esta recusou, sendo que a ré vai continuar a comercializar os seus produtos em Portugal, beneficiando dos clientes angariados pela autora.


Na sua contestação, a ré invocou a exceção da incompetência internacional do tribunal, referindo ser aplicável ao caso a regra geral do art.º 4.º do Regulamento n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012, de acordo com a qual as ações devem ser intentadas no domicílio do réu.

Mais alega que não tendo celebrado qualquer contrato com a autora e não estando também em causa a prática de qualquer ilícito extracontratual, capaz de fundamentar as exceções prevista no art.º 7.º do Regulamento, são por isso competentes os Tribunais da Alemanha, onde a ré tem a sua sede.

Mais alega ainda que no contrato de sub-distribuição comercial que a autora celebrou com a CC, foi convencionado um pacto de jurisdição, tendo as partes atribuído competência aos Tribunais de Barcelona para apreciarem os litígios relativos àquele contrato, pelo que a autora sempre a isso estaria vinculada e que também no caso de sub-rogação da autora no direito de crédito da CC teria de considerar-se o contrato celebrado entre esta e a ré, no qual as partes também acordaram num pacto de jurisdição, atribuindo competência aos tribunais Alemães.


A autora respondeu à referida exceção, defendendo no essencial a aplicação ao caso do art.º 7.º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que estabelece que é competente o tribunal do Estado-membro onde nos termos do contrato os serviços foram ou devam ser prestados.

Mais alega que apenas invoca a sub-rogação no direito indemnizatório da CC e não uma qualquer cessão da posição contratual, não estando vinculada ao que esta e a ré acordaram quanto ao pacto de jurisdição, não tendo também aplicação a cláusula atributiva de competência estabelecida no contrato de sub-distribuição que celebrou com a CC no qual a ré não é parte.


Conhecendo da invocada exceção de incompetência internacional, a 1ª instância julgou a mesma procedente, julgando o tribunal incompetente em razão da nacionalidade para apreciar e decidir esta ação.


Na sequência e no âmbito de apelação da autora, a Relação do Porto, julgando procedente o recurso, revogou a decisão recorrida e considerou o tribunal competente em razão da nacionalidade para apreciar e decidir a presente ação.


Inconformada, interpôs a ré o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2019 que julgou os tribunais portugueses internacionalmente competentes em razão da nacionalidade para apreciar e decidir o presente litígio - por considerar que ao caso se aplicaria a regra do artigo 62.° al. b) do CPC e, nesse pressuposto, que certos factos que compõem a causa de pedir dos presentes autos tiveram lugar em Portugal, nomeadamente, “uma atividade econômica por si [a Autora] desenvolvida em beneficio da R.” .

B. O Acórdão Recorrido encontra-se em absoluta contradição com a hierarquia de fontes de Direito da ordem jurídica portuguesa (cf. artigo 8.°, n." 4 da CRP), tendo violado o princípio do primado do Direito da União Europeia, de que são corolários o disposto no artigo 288.° do TFUE disposto no artigo 59.º do CPC.

C. O Acórdão padece, por isso, de erro na interpretação e aplicação do Direito, mormente, das regras de competência internacional previstas no Regulamento Bruxelas I Bis.

Pelo seguinte:

D. A Ré BB, ora Recorrente, tem a sua sede na Alemanha, país Estado-membro da União Europeia, tal como Portugal.

E. Este elemento de estraneidade reclama a intervenção do direito dos conflitos - em particular o disposto no Regulamento Bruxelas I Bis - para a determinação da jurisdição competente para conhecer o litígio, de entre as duas potencialmente equacionáveis: a portuguesa e a alemã.

F. Uma vez que a ação, tal como é configurada pela Autora não é subsumível a qualquer uma das normas daquele Regulamento que fixam regras especiais de atribuição de competência em matéria contratual ou extracontratual (cf. artigo 7.°, n.ºs 1 e 2), a determinação dessa competência deve fazer-se por aplicação da regra geral do domicílio do Réu, constante do artigo 4.° do mesmo diploma e nunca por aplicação das normas de DIP do CPC.

G. Pelo que, não podia o Tribunal a quo aplicar aos presentes autos, como fez, as normas internas de competência internacional dispostas no CPC, mormente o artigo 62.°, al, b) do CPC.

H. O que, de resto, fez sem sequer rejeitar a aplicabilidade do Regulamento Bruxelas I Bis aos presentes autos, antes sustentando, ao arrepio da hierarquia de Fontes de Direito e sem qualquer base legal para tanto, uma alternatividade entre o DIP interno e o DIP Comunitário, instituído por aquele Regulamento.

I. Sendo que a norma do artigo 62.°, al. b), do CPC é inconstitucional, por violação do princípio do primado do direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada e aplicada no sentido de que, na determinação da competência internacional dos Tribunais dos Estados-membros da União Europeia para conhecer um litígio que apresente elementos de conexão com dois (ou mais) Estados-membros da União Europeia, a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses que dela resulta é feita em alternativa com o disposto nas normas do Regulamento Bruxelas Bis I e pode determinar a competência internacional dos Tribunais portugueses que resultaria excluída por aplicação da regra geral do artigo 4.° daquele Regulamento - vício de inconstitucionalidade que se deixa desde já invocado, para os devidos efeitos e com todas as consequências legais.

Com efeito,

J. A ordem jurídica portuguesa recebe e reconhece expressamente, pelo artigo 8.°, n.º 4 da CRP, o princípio do primado do Direito da União Europeia, tal como desenvolvido pela jurisprudência pretoriana do TJUE.

K. Desse primado resulta que, por um lado, a validade do direito da União não pode ser determinada por referência ao direito nacional dos Estados-membros e, por outro lado, que os tribunais nacionais ficam obrigados a assegurar a aplicação do direito da União Europeia aplicável.

L. Corolário deste primado em matéria de determinação da competência internacional dos tribunais é justamente o disposto no artigo 59.0 do CPC, que o Tribunal Recorrido igualmente desconsiderou.

M. De igual modo desconsiderado pelo Tribunal a quo foi também o princípio da interpretação autónoma do Direito da União Europeia, como único modo eficaz de garantir a aplicação uniforme deste Direito entre todos os Estados-Membros, concretizando assim e efetivamente, o primado.

Concretizando:

N. O Regulamento Bruxelas I Bis define a sua concreta aplicação através de três âmbitos - a) âmbito material, b) espacial, e c) temporal, os quais, estão todos verificados nos presentes autos: (i) o litígio refere-se a matérias civis e comerciais; (ii) o réu tem o seu domicílio num Estado-membro, e (iii) a ação foi apresentada após a entrada em vigor do Regulamento.

O. Face à indisputada aplicabilidade do Regulamento, cabia ao Tribunal da Relação do Porto verificar quais as concretas normas de receção de competência aplicáveis.

P. O que, como já referido, não fez.

Ora,

Q. Apenas o artigo 4.° do Regulamento que indica o Estado-membro do domicílio do réu como o foro geralmente competente, tem aplicação no presente caso.

R. Esta regra geral do domicílio do réu cumpre um propósito de proteção de legítimas expectativas muito premente. Como expressamente referido no Considerando (15) do Regulamento "[a]s regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente".

S. A par disso, todos os outros critérios especiais de competência devem ser interpretados restritivamente porquanto representam exceções àquele princípio geral, nomeadamente, os critérios especiais do artigo 7.°, n.ºs 1 e 2 do Regulamento de que a Autora AA pretendeu prevalecer-se.

Em primeiro lugar,

T. O conceito de "matéria contratual" na aceção do artigo 7.°, n.º 1 do Regulamento Bruxelas I Bis deve ser interpretado de modo autónomo face ao direito nacional, tendo em conta o sistema e os objetivos do Regulamento, e de modo restritivo, atenta a excecionalidade destes critérios especiais de atribuição de competência face ao princípio geral previsto no artigo 4.°, n." 1 (cf. designadamente, os acórdãos do TJUE no caso Falco Privatstiftung e no caso Zuid-Chemie BV).

U. Por outro lado, e ainda que se admita que o ponto de partida para a aferição do pressuposto da competência internacional deva ser a ação tal como configurada pelo autor, a jurisprudência do TJUE também deixa claro que não pode existir uma aceitação acriteriosa dos factos tal como alegados pela parte, devendo existir um mínimo de verificação que evite a inutilidade do momento prévio de determinação da competência (cf. Acórdãos do TJUE nos casos Effer, Brogsitter e Kolassa).

V. Para efeitos de aplicação do Regulamento, o termo "matéria contratual" tem de revelar a existência de uma obrigação livremente assumida pelo réu perante o autor (cf. acórdão do TJUE, no caso Handte).

W. No caso, mesmo da configuração dada pela Autora à ação resulta que inexiste qualquer obrigação que tenha sido livremente assumida pela Ré perante a Autora.

X. Porque a Autora e a Ré não são, simultaneamente, partes contraentes de nenhum dos contratos juntos aos autos (cf. Contrato de Distribuição e Contrato de Subdistribuição).

Y. E porque o que é alegado pela Autora AA é que a Ré é o "beneficiário efetivo do trabalho desenvolvido pelo concessionário ou sub-concessionário e que é o concedente, independentemente de como esteja organizada a rede de distribuição" (cf. artigo 145.° da Petição Inicial) e não que a Ré tenha assumido qualquer obrigação perante ela Autora.

Z. Portanto, o presente litígio não diz respeito a "matéria contratual", o que nada diz sobre a procedibilidade do pedido da Autora, i.e., tão-só esclarece que a causa de pedir e o pedido da AA não configuram "matéria contratual" para efeitos de aplicação do artigo 7.°, n," 1 do Regulamento Bruxelas I Bis.

Em segundo lugar,

AA. O litígio sub judice também não se enquadra no conceito restrito de "matéria extracontratual" previsto no artigo 7.°, n.º 2 do Regulamento Bruxelas I Bis - que a Recorrente veio ex nuovo invocar em sede de alegações de recurso de apelação.

BB. Primeiro, porque a indemnização reclamada pela Autora AA não tem por base a prática de qualquer facto ilícito por parte da Ré, ora Recorrente.

CC. Em segundo, porque mesmo que se conclua que a indemnização de clientela tem natureza próxima do enriquecimento sem causa, este instituto também não é subsumível à previsão do artigo 7.°, n.º 2 do Regulamento pois não resulta da prática de um facto ilícito(cf. acórdão T JUE, no caso Kalfelis).

DD. Em terceiro, porque a norma do n.º 2 do artigo 7.° do Regulamento Bruxelas I Bis não é supletiva em relação ao disposto ao 0.0 1- e especial em relação ao disposto no artigo 4.° e deve ser, como as demais normas especiais de atribuição de competência, interpretada restritivamente;

EE. E, por fim, porque os n.os 1 e 2 do artigo 7.° do Regulamento Bruxelas I Bis são mutualmente excludentes.

Por fim,

FF. Também o pedido da Autora, tal como enquadrado a título subsidiário, não justifica nem tão-pouco permite atribuir competência internacional aos tribunais portugueses para conhecer o presente litígio.

GG. Por via da ação sub-rogatória, prevista no artigo 606.0 do CC, a competência seria dos tribunais alemães,

HH. Na medida em que a Recorrente pudesse sub-rogar-se num suposto direito de crédito da CC sobre a Ré BB para fazer valer um seu próprio direito de crédito sobre a CC (no que não se concede), esse direito teria de ser exercício à luz do Contrato de Distribuição assinado pela Ré e pela CC, sujeito à jurisdição dos tribunais alemães por força da respetiva Cláusula 7,

Face ao anteriormente exposto, conclui-se que:

II. Por ser inaplicável, in casu, qualquer uma das normas especiais de atribuição de competência do artigo 7.°, n.º 1 e 2, do Regulamento. a competência internacional para o conhecimento desta ação é determinada por aplicação da regra geral do artigo 4.° do mesmo Regulamento, e não por aplicação do artigo 62.º, al. b), do CPC.

JJ. Posto isto, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para o conhecimento do presente litígio, o que constitui exceção de incompetência absoluta cuja procedência determina a absolvição da Ré (Recorrente) da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 60°, n" 2, 96°, 97°, 99°, n" 1,278°, n" 1, al. a), 576°, nºs 1 e 2 e 577°, 1. a), todos do CPC.

KK. Por assim não ter decidido, julgando, pelo contrário, competentes os Tribunais Portugueses, o Tribunal a quo violou, não só os artigos acabados de referir como, o princípio constitucional e de direito da União Europeia de primado deste direito sobre o direito nacional, que se encontra consagrado no artigo 8.°, n.º 4 da CRP e no artigo 288.º do TFUE, e de que o disposto do artigo 59.º do CPC - igualmente violado - é corolário.

LL. E, por isso, deve ser substituída por outra que, interpretando e aplicando corretamente aqueles preceitos, nos termos que resultaram expostos na motivação do presente recurso, julgue os Tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para conhecer a presenta ação e, em consequência, absolva a Ré Recorrente da instância.


A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir:


Atento o teor das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, a única questão de que cumpre conhecer tem a ver com a (in)competência dos tribunais portugueses para a apreciação da ação.

E, para o efeito, haverá que atender-se aos elementos constantes do relatório supra.


Sendo a ação proposta por uma sociedade sediada em Portugal contra uma outra sediada num outro país (Alemanha), da União Europeia, está em causa determinar se os tribunais portugueses, onde foi proposta a ação, gozam para o efeito de competência internacional.

E, neste âmbito, está em causa a aplicação do Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2012 (também designado por “Regulamento Bruxelas I bis”) - no qual se estabelece o regime comunitário relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e em cujo artigo 4º se estabelece queSem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.”


De entre as regras especiais de exceção àquele princípio, com eventual relevância, a 1ª instância considerou não ser aplicável ao caso dos autos a que consta do nº 1 do artigo 7º, onde se estabelece que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro “em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”.      E isto por considerar que, fundamentando a autora o seu direito (direito de indemnização de clientela) na cessação de um contrato intitulado “contrato de sub-distribuição” celebrado com a CC “e embora invoque a sua integração na cadeia de distribuição da Ré não pode prevalecer-se de uma relação contratual direta com Ré, que não é interveniente naquela relação contratual.”


Para além disso, considerou ainda que, caso a autora pretenda fundamentar o seu pedido diretamente no contrato de distribuiçãoterá que atender à cláusula 25 na qual as partes nesse contrato – Autora e CC – estabelecem um pacto de jurisdição que dispõe o seguinte:

«As partes contratantes para qualquer divergência, litígio ou dúvida que surja entre elas em relação ao cumprimento, falta de cumprimento ou interpretação do presente contrato submetem-se, com renúncia expressa ao que lhes pudesse corresponder, aos Juízos e Tribunais da cidade de Barcelona».

E daí o entendimento e, respetiva decisão, no sentido verificação da invocada incompetência material (incompetência absoluta) do tribunal português.


Seguindo em entendimento contrário, a Relação, após fazer referência, de entre as situações especiais consagrada no Regulamento em que o sujeito de um Estado Membro pode ser demandado num outro onde não tenha o seu domicílio, ao disposto no referido (e supra transcrito) nº 1 do art. 7º (tribunal do lugar onde deva ser cumprida a obrigação), ao disposto no nº 2 do mesmo artigo (em matéria de responsabilidade extra-contratual, o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso) e ao disposto no artigo 25º (validade dos pactos de jurisdição), veio a considerar que “o Regulamento em causa não exclui porém a aplicação das normas do Código de Processo Civil que regem sobre esta matéria, como decorre desde logo do art.º 59.º do C.P.C” e que, como tal, “importa levar em conta o art.º 62.º do C.P.C. que vem elencar os fatores relevantes para a atribuição de competência aos tribunais portugueses, tal como o art.º 63.º que vem estabelecer os casos que são da sua competência exclusiva.”

E foi precisamente no disposto na al. b) do artigo 62º do CPC (onde se estabelece que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes no caso de “ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram”) que a Relação se baseou para justificar o seu entendimento (e respetiva decisão) no sentido da competência dos tribunais portugueses.

Embora aceitando que a autora não alegou ter celebrado diretamente um contrato escrito de distribuição comercial com a ré, diz para o efeito que a mesma “já alega factos reveladores de que com ela estabeleceu relações comerciais e acima de tudo alega factos que correspondem a uma atividade económica por si desenvolvida em benefício da R. da qual pretende retirar consequências jurídicas – saber se pode falar-se de uma relação contratual entre ambas ou se há outra fonte que possa fundamentar o direito indemnizatório que a A. reclama, como seja a sub-rogação no direito da distribuidora que também invoca, é questão que para ser decidida carece de prova sobre os factos alegados e corresponde à apreciação do mérito da causa, não interferindo na questão da competência internacional do tribunal.”


Aceitando não estar evidenciada uma relação formal direta entre as partes que se possa considerar estar incluída na previsão do nº 1 do art. 7º do Regulamento em causa, a Relação acaba por tomar posição no sentido da desconsideração das normas do Regulamento em questão, considerando suficiente a mera aplicação das normas do CPC:

É verdade que não está evidenciada uma relação contratual formal direta entre as partes que foi o que levou a decisão recorrida a excluir a aplicação do art.º 7.º n.º 1 do Regulamento (UE). Contudo, não é sequer necessário avaliar se a situação em presença se integra no âmbito da previsão do Regulamento, uma vez que os tribunais portugueses sempre são competentes para a presente ação, em razão do disposto no art.º 62.º al. b) do C.P.C. uma vez que alguns dos factos que integram a causa de pedir e que são relacionados com toda a atividade desenvolvida pela A. foram praticados no território português – saber qual a relação jurídica evidenciada entre as partes ou se a A. tem direito a haver da R. a indemnização de clientela pretendida é já questão que se prende com o mérito da ação, não interferindo na determinação da competência do tribunal”.

Para além disso, a Relação tomou ainda posição contrária ao entendimento (subsidiário) da 1ª instância relativo à competência dos tribunais de Barcelona em razão do pacto de jurisdição estabelecido nesse sentido no contrato de sub-distribuição pelo facto de a ré não ter sido parte do mesmo.


É contra tal entendimento que se manifesta a ré recorrente, segundo a qual o acórdão recorrido não podia aplicar as normas internas conforme o fez ao arrepio da hierarquia das fontes do direito, defendendo que o foro competente é o do domicílio do réu, à luz do disposto no supra mencionado artigo 4º do Regulamento.

E isto uma vez que, atenta a configuração dada pela autora à ação, o presente litígio não diz respeito a matéria contratual ou extra-contratual.


Conforme bem se salienta no acórdão da Relação de Lisboa de 24.05.2018 (proc. nº 27881/15.0T8LSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt) o regime interno de competência internacional só será aplicável se o não o for o regime comunitário, que é de fonte normativa superior, face ao primado do direito europeu (cf. Artigo 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 8º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e 1ª parte do artigo 59º do CPC)” – artigo último este no qual se estabelece:

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.


Assim, prima facie, para efeitos de definição do foro internacionalmente competente (dentro da EU e uma vez que, conforme supra referimos as partes têm a sua sede em diferentes Estados Membros), haverá que atender-se às regras estabelecidas no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2012 (também designado por “Regulamento Bruxelas I bis”) - no qual se estabelece o regime comunitário relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

Estando a ação sujeita ao regime comunitário, conforme é o caso, é este o regime que prevalece em relação ao regime interno (vide acórdãos da Relação de Guimarães de 09.06.2016 - proc. nº 3077/15.0T8BRG.G1,e do STJ de 1387/15.6T8PRT-B.L1.PO1-A. 7ª secção, ambos in www.dgsi.pt).


No seu artigo 4º (“Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”), estabelece-se o princípio geral de que a ação deve ser proposta nos tribunais do País onde se encontra domiciliada ou sediada a pessoa demandada, a menos que outras regras especiais ou exclusivas resultem do mesmo diploma (especialmente as constantes do artigo 7º - não estando em causa as demais).

Isto, aliás, na linha do Considerando 15 do mesmo diploma, onde se diz que “As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.”


Conforme entendimento pacífico da jurisprudência, a questão da competência deve ser aferida em função da forma como a ação é configurada pelo autor na petição inicial (vide acórdão da Relação de Guimarães de 09.06.2016 –proc. nº 3077/15.0T8BRG.G1, in www.dgsi.pt),

Ora, analisada a forma como foi configurada a presente ação, haveremos de concordar com a 1ª instância no sentido de que a mesma se não enquadra em qualquer das situações - de exceção à regra do artigo 4º -, estabelecidas nos nºs 1 e 2 do artigo 7º do Regulamento (de resto, em bom rigor até acaba por ser este o entendimento do acórdão recorrido), onde (com eventual interesse) se estabelece que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro, em matéria contratual e em matéria extra-contratual:

i. Não se enquadra no nº 1, relativo à matéria contratual (“a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”) – na medida em que nada foi alegado no sentido de a ré ter celebrado qualquer contrato com a autora ou no sentido de aquela ter assumido  o cumprimento de qualquer obrigação para com esta.

Acaba, de resto, por ser este também o entendimento do acórdão recorrido, onde se aceita como “verdade que não está evidenciada uma relação contratual formal direta entre as partes que foi o que levou a decisão recorrida a excluir a aplicação do art.º 7.º n.º 1 do Regulamento”.

ii. E não se enquadra no nº 2, relativo a matéria extra-contratual (“2)Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”) – na medida em que a indemnização peticionada (indemnização de clientela) não se baseia na prática de qualquer facto ilícito que haja sido praticado pela ré.


Na verdade, o direito de indemnização invocado pela autora assenta na cessação do contrato de sub-distribuição que celebrou com a CC (de quem alega ter reclamado sem sucesso o pagamento de indemnização de clientela), sendo certo que, conforme bem salienta a 1ª instância, “embora invoque a sua integração na cadeia de distribuição da Ré não pode prevalecer-se de uma relação contratual direta com Ré, que não é interveniente naquela relação contratual.”


Em face do exposto, contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, haveremos de concluir, conforme o fez a 1ª instância, no sentido de a competência internacional dever ser atribuída em conformidade com o disposto no artigo 4º do Regulamento n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012, ou seja, no sentido de ação dever ser proposta no país onde a ré tem a sua sede, ou seja, nos tribunais alemães, que não nos tribunais portugueses.


Procedem assim as conclusões recursórias – impondo-se a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1ª instância.


Em síntese:

I. Para efeitos de definição do foro internacionalmente competente dentro do espaço da União Europeia (uma vez que as partes têm a sua sede em diferentes Estados Membros), haverá que atender-se às regras estabelecidas no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2012,- no qual se estabelece o regime comunitário relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

II. No artigo 4º deste Regulamento estabelece-se o princípio geral de que a ação deve ser proposta nos tribunais do País onde se encontra domiciliada ou sediada a pessoa demandada, a menos que outras regras especiais ou exclusivas resultem do mesmo diploma (especialmente as constantes do artigo 7º - não estando em causa as demais).

III. Assim, estando a ação sujeita ao regime comunitário, conforme é o caso, é este o regime que prevalece em relação ao regime interno.



Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância que, julgando procedente a invocada exceção de incompetência internacional, julgou o tribunal português incompetente em razão da nacionalidade para apreciar e decidir a ação.


Custas pela recorrida.


Lisboa, 01 de outubro de 2019


Acácio das Neves (Relator)

Fernando Samões

Maria João Vaz Tomé