Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2604/15.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE LEALDADE
BOA -FÉ
CAUSA DE PEDIR
CONTRATO-PROMESSA
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª edição, p. 15 e 24;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª edição, p. 219;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 13.ª edição, p. 323 e 324.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, N.º 1 E 498.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 21852/15.4T8PRT.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – Fundando-se a pretensão indemnizatória na alegação de factos reconduzidos à previsão normativa do art. 227º do Código Civil, a indemnização peticionada não emerge, segundo o alegado, da falta de cumprimento de qualquer um dos deveres emergentes do acordo que une as partes.

II – Não pode, por isso, a causa de pedir ser reconduzida à responsabilidade contratual, estando em causa o instituto da culpa in contrahendo previsto no nº 1 do mesmo art. 227º, emergente da violação de deveres pré-negociais de proteção, de informação e de lealdade.

III – Embora na doutrina seja controvertida a qualificação da responsabilidade pela culpa in contrahendo como responsabilidade aquiliana ou contratual ou ainda como uma terceira via da responsabilidade civil, no tocante à prescrição a responsabilidade pré-negocial rege-se pelo disposto no art. 498º, iniciando-se a contagem do prazo de três anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe cabe, ainda que com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL 


I - AA e BB intentaram contra o Município de … a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo a condenação deste:

a) A indemnizar os autores em € 500.000,00 acrescidos de juros calculados à taxa legal, contados desde a data da notificação do réu para a ação especial de fixação do prazo;

Subsidiariamente,

b) A entregar aos autores no 1.º piso do Bloco os 200 m2 de área, um espaço dividido em duas ou três frações, sendo uma delas destinada a restaurante, frações essas devidamente aprovadas pelo réu e aceites pelo coletivo de condóminos do edifício, dotadas das acessibilidades combinadas e inicialmente projetadas, dos devidos acabamentos e expurgadas de elementos nocivos como o da passagem indevida de esgotos e providas das necessárias condutas de evacuação de fumos e gazes e do mais a que se faz referência na causa de pedir.

Alegaram, em síntese, o seguinte:

- A partir do ano de 2004 os autores e o réu, por iniciativa deste, iniciaram negociações para a permuta de dois imóveis pertencentes aos autores com um espaço de um prédio a construir na Av. …, em …, propriedade do réu;

- Por avaliação foi atribuído a cada uma das prestações a permutar o valor de 500.000 €;

- Nessas negociações, além do mais, foi acordado que o espaço cuja propriedade seria transmitida para os autores situar-se-ia no primeiro andar do prédio a construir, seria virado para a Rua …, seria subdividido em duas ou três frações, facto a decidir no momento da constituição da propriedade horizontal e que a maior parte do espaço seria destinada à instalação de um restaurante.

- No projeto do prédio a construir onde se situaria esse espaço constava a previsão de umas escadas exteriores e de um elevador de acesso exclusivo ao 1.º andar;

- Em 22.12.2008 foi celebrado um contrato-promessa de permuta entre os autores e o réu, dele constando na cláusula 3.ª que o Réu promete dar aos autores e estes prometem aceitar, uma fração autónoma com a área de 199,636 m2 no piso um, pertencente ao réu, de um prédio em construção numa parcela sita na Av. …, inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor da sociedade CC - Investimentos Imobiliários, S.A., com o valor de € 499.090,00.

- Em 2011, já após a constituição da propriedade horizontal deste prédio pela CC em 16.6.2010, os autores tomaram conhecimento de que, devido a alterações introduzidas no projeto de construção deles conhecido e com base no qual ocorreram as negociações preliminares, o espaço a permutar no 1.º andar integrava uma única fração, que se haviam suprimido as escadas exteriores e o elevador de acesso exclusivo ao 1.º piso e que nem toda a área da fração a permutar estava virada para a Rua …, com o que ficou significativamente desvalorizado o espaço que constituiria a contraprestação camarária. 

- E em 21.3.2015 quando os autores visitaram o espaço a permutar verificaram as seguintes situações: as canalizações de esgotos vindas dos andares superiores atravessavam o interior daquele espaço, coladas ao teto; por cima das vidraças que fazem de empena existiam espaços ocupados por grelhas de alumínio em que as réguas são paralelas, inamovíveis, permitindo sem cessar a entrada e saída de ar quente ou frio; o espaço não estava pavimentado; os tetos não estavam rebocados; as casas de banho estavam incompletas; não havia tubagem para exaustão de gases e fumos a partir do primeiro piso ou tal tubagem não estava disponível para esse piso.

- O réu incumpriu o acordado nas negociações que antecederam a celebração do contrato-promessa, nunca tendo informado os Autores das alterações ocorridas.

Contestou o Réu, alegando, em síntese, o seguinte:

- O direito a indemnização invocado pelos Autores encontra-se prescrito, uma vez que estes, já desde 2011, conhecem os factos que fundamentam esse direito;

- O Réu apenas se comprometeu a deixar a fração a permutar em condições de ser subdividida, o que acontece;

- A fração em apreço está voltada para a Av. …;

- O Réu não se comprometeu a que a fração se destinasse à instalação de um restaurante;

- O valor dos bens a permutar foi calculado em € 499.090,00.

- A fração em causa destina-se a comércio e serviços, tendo sido sempre este o destino acordado para essa fração;

- A supressão das escadas exteriores para o 1.º andar resultou de uma alteração do projeto ocorrida em 21 de Junho de 2007 anterior à outorga do contrato-promessa;

- O Réu prestou-se a edificar umas escadas e um elevador exterior de acesso ao 1.º andar;

- O elevador interior de acesso ao 1.º andar não foi suprimido, encontrando-se instalado;

- As canalizações de esgotos e a parte de cima das vidraças estão edificadas no estrito cumprimento da lei, estando licenciadas;

- O Réu desde sempre se comprometeu a pavimentar a fração, a rebocar os tetos e a concluir as casas de banho de acordo com as instruções dos Autores;

- O Réu já marcou a realização da escritura de permuta, à qual os Autores não compareceram;

Pediu a improcedência da ação e, em sede de reconvenção, pediu a execução específica do contrato-promessa celebrado.

Os Autores replicaram e pediram a condenação do réu como litigante de má-fé e houve resposta do réu.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que:

- julgou procedente a exceção da prescrição do direito de indemnização invocado pelos autores, absolvendo o réu do correspondente pedido.

 - declarou o pedido subsidiário ininteligível e, julgando verificada a respetiva exceção dilatória, absolveu o réu da instância relativamente a ele.

- julgou procedente a reconvenção e, em consequência, decretou a execução específica do contrato-promessa de permuta celebrado entre os autores e o réu.

Os autores apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão onde se decidiu:

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores;

- revogar-se a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção de prescrição e, em consequência, absolveu o Réu do pedido indemnizatório formulado pelos Autores;

- revogar-se a decisão recorrida na parte em declarou o pedido subsidiário ininteligível e julgou verificada a excepção dilatória da nulidade, tendo absolvido o Réu da instância;

- julgar improcedente a excepção da prescrição deduzida pelo Réu;

- determinar, se possível pelo mesmo juiz, a fixação dos factos provados e não provados relativos aos pedidos formulados pelos Autores, e o julgamento do pedido indemnizatório formulado pelos Autores e, no caso de improcedência deste, o julgamento do pedido subsidiário.

- julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores na parte em que pretendia que este tribunal de recurso desse provimento às suas pretensões.

Contra tal acórdão trouxe o réu a presente revista, tendo apresentado alegações onde formula as conclusões que passamos a transcrever:

I - O D. Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 227º, nº 2, 913º e seguintes, 410º, nº 1 e 939º, todos do Código Civil, bem como os artigos 674º, nº 1, alínea a), 186º, nº 2 al. a), 196º, 200º, nº 2, 577º al. a) e 576º, nº 2, todos do C.P.C..

II - Em sede de D. Acórdão, de que ora se recorre, o Tribunal recorrido alterou o regime aplicável aos factos em apreço nos presentes autos, entendendo que seria aplicável o regime previsto para a venda de coisas defeituosas, por força do princípio da equiparação do regime do contrato prometido ao contrato-promessa - art. 410º, nº 1, do C. Civil - e da aplicação das regras de compra e venda aos contratos de permuta, conforme prevê o art. 939º do C. Civil, ao invés do regime previsto para a responsabilidade pré-contratual.

III - Entendeu o Tribunal recorrido que, da leitura da causa de pedir descrita pelos Autores na sua Petição Inicial, não resulta estar-se perante a descrição de uma situação que possa ser juridicamente qualificada como erro na celebração de um contrato-promessa de permuta, resultante de incumprimento de deveres de informação na fase pré-contratual que possa dar origem a um direito de indemnização, nos termos do artigo 227º do Código Civil.

IV - Não obstante o Recorrente não ter violado qualquer dever pré-contratual, porquanto agiu de boa-fé em sede de negociações com vista à celebração do contrato-promessa de permuta, contrato-promessa este que reproduz a real vontade das partes, bem como não violou qualquer dever de informação ou confiança, certo é que os Autores alicerçam a sua causa de pedir precisamente na violação destes deveres.

V - Os Autores, em sede de Petição Inicial, bem como em sede de Alegações de Recurso, alegam factos que, na sua perspectiva, fariam incorrer o ora Recorrente em responsabilidade pré-contratual. É com base nesta qualificação jurídica que constroem a sua acção, bem como fundamentam o seu pedido.

VI - O aqui Recorrente defendeu-se por excepção e por impugnação, tendo por base os factos alegados pelos Autores na sua Petição Inicial, bem como pela qualificação jurídica que os Autores configuraram àquela factualidade.

VII - Parte da factualidade alegada pelos Autores é anterior à outorga do contrato-promessa. Os Autores alegam que o Réu Município de … produziu alterações ao projecto do prédio em apreço em momento anterior à outorga do contrato-promessa, designadamente a supressão de escadas exteriores de acesso exclusivo ao primeiro andar. E que tal alteração consubstanciaria a violação de um dever de informação, logo, responsabilidade pré-contratual.

VIII - Não obstante o Recorrente entender que não assiste razão aos Autores, certo é que os factos alegados pelos Autores configurariam uma hipotética responsabilidade pré-contratual. Hipotética, porque não existe objectivamente responsabilidade pré-contratual do Recorrente. No entanto, os factos alegados pelos Autores, que o Recorrente não reconhece como verdadeiros, configurariam esta qualificação jurídica.

IX - Relativamente a tais escadas exteriores, resulta provado dos autos que tais escadas exteriores de acesso exclusivo ao primeiro andar encontram-se edificadas, como resulta da inspecção ao local realizada nos autos.

X - A factualidade descrita pelos Autores na sua versão constante na Petição Inicial, respeitam a uma alegada alteração ao projecto, anterior à outorga do contrato-promessa de permuta.

XI - Não se trata de factualidade alegada pelos Autores, posterior à celebração do contrato-promessa.

XII - Com o devido respeito, que é muito, os factos alegados pelos Autores na sua Petição Inicial incidem sobre o período anterior à outorga do contrato-promessa, por respeitar às negociações preliminares a tal momento.

XIII - Os Autores alegam desconformidades na própria outorga do contrato-promessa, ao invés de desconformidades com o contratado. Na tese dos Autores, decorrente da leitura da Petição Inicial dos Autores, estar-se-ia perante responsabilidade pré-contratual e não responsabilidade contratual.

XIV - Os Autores, na sua Petição Inicial, alegam factos que, na sua perspectiva, consubstanciariam violação do dever de confiança e de boa-fé. Edificam a sua causa de pedir com base nas negociações havidas entre as partes, alegam factos anteriores à outorga do contrato-promessa e que, no seu entender, consubstanciariam uma conduta contrária ao direito daqueles em sede negocial, e que teriam desembocado num contrato-promessa aquém do acordado.

XV - Esta factualidade alegada pelos Autores, que, reitera-se, o Recorrente não aceita por não corresponder à realidade dos factos, é anterior à outorga do contrato promessa.

XVI - A responsabilidade pré-contratual, enquanto regime jurídico, em tese, não se verifica apenas na ruptura injustificada de negociações. Poderá igualmente verificar-se em caso de concretização do contrato.

XVII - Da leitura da Petição Inicial, bem como das Alegações de recurso dos Autores, verifica-se a descrição de uma situação que, a verificar-se, o que não se concede, poderia ser juridicamente qualificada como de erro na celebração de um contrato-promessa de permuta.

XVIII - O D. Acórdão do Tribunal recorrido viola, assim, o disposto no artigo 674º, nº 1, alínea a) do C.P.C., porquanto se verifica um erro de determinação da norma aplicável.

XIX - Deverá assim, revogar-se o D. Acórdão recorrido, porquanto os factos alegados pelos Autores em sede de Petição Inicial configurariam, em tese, uma hipotética responsabilidade pré-contratual do Recorrente, e não uma responsabilidade contratual.

XX - Sucede que tal responsabilidade pré-contratual, qualificação jurídica para a qual remete a causa de pedir dos Autores, não se verifica in casu, porquanto o Recorrente agiu de boa-fé nas negociações havidas com os Autores.

XXI - Por via da aplicação do artigo 227º, nº 2 do Código Civil, o direito de indemnização dos Autores já se encontrava prescrito, atenta a data da propositura da acção e a data da celebração do contrato-promessa, conforme, e bem, decidiu o Meritíssimo Juiz em 1ª instância.

XXII - Em sede de D. Sentença, em lª. instância, o Tribunal decidiu no sentido de o pedido subsidiário dos Autores em sede de Petição Inicial ser inepto, por inteligibilidade, tendo absolvido o ora Recorrente da instância.

XXIII - O Tribunal recorrido revogou a D. Sentença nesta matéria, porquanto entende que não existe qualquer indeterminação no pedido formulado pelos Autores, que determine a sua ininteligibilidade e consequente ineptidão parcial da petição inicial.

XXIV - O Tribunal em sede de 1ª instância decidiu, e bem, que o pedido dos aqui Recorrentes, realizado sob a alínea b) e a título subsidiário, "(...) é feito de forma indeterminada ("duas ou três"), bem como obrigaria a imiscuir-se em interesses de terceiros (condomínio), a que os autos não podem conhecer nem responder. O pedido é o efeito jurídico pretendido, e o mesmo há-de ser único, certo e exigível. Ora, não estão preenchidas as duas últimas categorias".

Concluindo o Meritíssimo Juiz a quo que "Impõe-se a sua ininteligibilidade. É ilícito por não ter possibilidade legal. Sendo excepção dilatória, conduz à absolvição da instância. Assim, verifica-se a excepção dilatória de nulidade (parcial), nos termos dos artigos 186º, nº 2, a), 196º, 200º, nº 2, 577º, a), e 576º, nº 2 do C.P.C.".

XXV. - Esta D. Decisão, do Tribunal de 1ª instância, quanto ao pedido dos aqui Recorrentes, realizado sob a alínea b) e a título subsidiário, não merece qualquer reparo, pelo deve ser mantida a D. Sentença da lª instância quanto a esta matéria.

XXVI - O pedido subsidiário dos Autores, é feito de forma indeterminada, porquanto estes não concretizam o número de fracções, se duas ou três. Acresce que envolve terceiros que não são parte na presente acção, designadamente o condomínio do prédio em apreço.

XXVII - O pedido subsidiário dos Autores, in factu, não é certo, nem tão-pouco exigível, pelo que é ininteligível.

XXVIII - Não se trata de um pedido alternativo, nos termos do artigo 553º do C.P.C., mas sim de um pedido que não é certo, porquanto deveria ser determinado. Duas ou três fracções não representam a mesma coisa, nem se trata tão-pouco de direitos que sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa.

XXIX - Aquele pedido subsidiário é ilícito por não ter possibilidade legal, como decorre da D. Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz em sede de 1ª instância.

XXX - Ainda que assim se não entendesse, sempre aquele pedido subsidiário deveria ser julgado improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido.

XXXI - O Autores, em sede de Recurso, não colocaram em causa a procedência do pedido reconvencional do aqui Recorrente, não revelando qualquer discordância quanto à parte da decisão recorrida que julgou procedente esse pedido.

XXXII - O pedido reconvencional do ora Recorrente foi julgado procedente em primeira instância, sendo certo que tal Sentença, pelo facto de os Autores não terem interposto recurso desta decisão, já transitou em julgado.

XXXIII - Deve revogar-se o D. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, substituindo-se por outro que confirme a D. Sentença proferida pelo Tribunal de lª instância.

Os recorridos, contra-alegando, formularam as conclusões que passamos a transcrever:

1ª - Não prescreveu de forma alguma o direito dos Autores ora Recorridos. Não sendo invocados factos capazes de justificar a excepção, não se provando que decorrera qualquer prazo em que o direito devesse ser exercido, tendo o próprio Município, em 2015, se disponibilizado para a realização da escritura e, segundo a doutrina mais recente, devendo o prazo, no caso de as conversas preliminares e pré-contratuais serem seguidas de contrato realizado, são os prazos de prescrição dos contratos os aplicáveis e não o art° 498° do C.C..

2a.- Por outro lado é permitido deduzir, nos mais amplos termos, pedidos alternativos. Isto desde que a escolha venha a caber ao devedor. Foi isso que se fez e se disse "desafiando" o R. a falar com verdade. Por outro lado é ao R. que compete convencer os condóminos a aceitar tudo o que o R. Município prometeu fazer (e não fez) quando era ele o promotor do empreendimento.

II – O acórdão recorrido comporta duas decisões completamente distintas e autónomas que o recorrente Município de … pretende ver sindicadas, a saber: a) a que, alterando a sentença, julgou improcedente a exceção de prescrição do direito invocado pelos autores; b) e a que, também na procedência da apelação, alterou a sentença na parte em que esta tivera como verificada a exceção dilatória de ininteligibilidade do pedido subsidiário por aqueles deduzido, dele absolvendo da instância o réu Município.

Foi proferido sobre decisão da 1ª instância e, ao julgar improcedente a dita exceção perentória, o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, o que o torna, nessa parte, passível de recurso de revista, nos termos do art. 671º, nº 1 do CPC.

Já quanto ao mais, o acórdão impugnado apreciou decisão interlocutória da 1ª instância que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que a decisão respetiva apenas comportaria revista nos casos descritos nas alíneas a) e b) do nº 2 do mesmo art. 671º.

Não vindo invocada nem se vislumbrando a verificação de nenhuma dessas hipóteses excecionais, a revista é inadmissível nessa parte, pelo que não se conhecerá do seu objeto, sendo a mesma de julgar como finda, o que, a final, se fará.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questão sujeita à nossa apreciação – visto o teor das conclusões que, como é sabido, delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso -, a de saber se se verifica, ou não, a exceção de prescrição do direito a indemnização invocado pelo autor, o que passa pela prévia caraterização da causa de pedir invocada pelos autores.

III – Na sentença descreve-se como provada a seguinte matéria de facto “redimensionada”, como aí se diz, “à causa de pedir reconvencional e pedido respectivo (incumprimento do objeto imediato do contrato-promessa: celebração do contrato prometido)”:

1. Em vinte e dois de Dezembro de dois mil e oito, os AA. e a Sra. Presidente da Câmara de … assinaram um escrito intitulado “contrato-promessa de permuta” pelo qual os AA. “prometem dar em permuta ao Município de …” (…) “o prédio sito na Quinta … e o prédio sito em Fonte …”, aquele descrito na C.R.P.(1ª) de … sob a ficha n.º 1088-… e este sob a ficha n.º 1089-…, e por sua vez, o R. “promete dar” aos RR. “uma fracção autónoma com a área de 199,636 m2 no piso um da edificação descrita na C.R.P. (2ª) sob a ficha n.º 7633-…” na data da emissão da respectiva autorização de utilização. Mais se acordou que a “escritura pública de permuta será realizada na data da emissão da autorização de utilização para a fracção autónoma objecto da permuta”, e que em caso de incumprimento pode a outra parte exigir a execução específica, sendo que “todas as comunicações entre as partes contraentes relativas ao presente contrato, serão feitas para as moradas (…) por carta registada com aviso de receção”.

2. Foi emitida licença de utilização da fracção D a 4.10.2010, foi agendada pelo R. mediante carta recebida pelos AA. a 7.05.2015 a realização da escritura a 19.05.2015, à qual os AA. não compareceram.

3. Os AA. demandaram o R. em acção especial para fixação judicial de prazo e por sentença judicial de 5.01.2015, transitada a 9.02.2015, foi fixado o prazo de sessenta dias “para a realização da escritura definitiva prevista no contrato promessa de permuta”.

E consignou-se ainda “Nada mais se não provou com relevância para a decisão.

IV - Debrucemo-nos então sobre a questão submetida à nossa apreciação, devendo, antes disso, salientar-se, como aliás se fez no acórdão recorrido, que os autores, apelantes, não puseram em causa nesse recurso, a sentença na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional deduzido pelo réu, tendo-se insurgido apenas contra a decisão que julgara admissível a dedução desse mesmo pedido, matéria que o acórdão recorrido considerou estar fora do objeto da apelação pelo que dela não conheceu.

Temos assim que há caso julgado, insuscetível de ser posto em causa por qualquer outra decisão judicial, quanto ao comando decisório emitido na sentença que, julgando procedente o pedido reconvencional, decretou a execução específica do contrato promessa de permuta firmado pelas partes, declarando “em substituição dos AA., transmitida ao R. Município de … o prédio urbano para habitação sito na R. …, união das freguesias de …, …, … e …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial com o nº 1089 bem como o prédio rústico sito na Quinta … na união das freguesias de …, …, … e … descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial com o nº 1088, por troca com a fracção “D” com a área de 199,636 m2, sita na Av. Eng. …, andar P-I, descrita na C.R.P. – … com o nº 7633 da união de freguesias …/… a favor de AA e esposa BB, ordenando-se as inscrições dos respetivos prédios a favor dos AA. (fracção “D” referida) e a favor do R. (prédios descritos sob as fichas 1088 e 1089 identificadas), e o cancelamento das inscrições incompatíveis.

Da causa de pedir que subjaz ao pedido indemnizatório formulado pelos autores:

Sobre a caraterização e delimitação da figura processual da causa de pedir, escreveu-se no acórdão deste STJ proferido em 18.9.2018[1]:

“(…) a causa de pedir, legalmente definida (art.º 581.º, n.º 4, do CPC) como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se numa factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, factualidade esta que não deve ser destituída de qualquer valoração jurídica, mas sim relevante no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor (…). É o que se designa por princípio da causa de pedir abertas.

Nessa conformidade, a causa de pedir pode ser, analiticamente, configurada por dois vetores complementares:

a) – o seu perfil normativo, que a doutrina designa por causa de pedir próxima (…), traçado não em função da qualificação jurídica dada pelo autor, mas à luz do quadro das soluções de direito plausíveis que ao tribunal cumpre, a final, convocar, em função do efeito prático-jurídico pretendido;

b) – o seu substrato factológico, também designado por causa de pedir remota (…), o qual é preenchido, segundo um critério empírico-normativo, em função do tipo de factualidade desenhada, em abstrato, na factis species aplicável, tendo ainda em conta os critérios de repartição do ónus da prova formulados a partir do sobredito efeito prático-jurídico.

(…) A par disso, tem-se entendido que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.

Segundo Lebre de Freitas (…):

«(…) embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo»

Também Teixeira de Sousa (…) elucida que:

«A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.

(…)

Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.»

Prossegue-se dizendo no mesmo acórdão que a diferenciação de causas de pedir é feita, em regra, pela conjugação da factualidade alegada com o quadro normativo aplicável tendo em conta o efeito jurídico pretendido; só assim não será se a mesma factualidade for “suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir.»

No caso dos autos, a título principal os autores pediram, relembre-se, a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de € 500.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação do réu na ação especial de fixação do prazo e até efetivo pagamento.

Fundam tal pretensão indemnizatória na alegação dos factos resumidos no relatório deste acórdão, reconduzindo a situação à previsão normativa do art. 227º do Código Civil[2].

E esses factos concretos revelam, a nosso ver sem margem para dúvida razoável, que a indemnização peticionada emerge, segundo o alegado, não da falta de cumprimento de qualquer um dos deveres emergentes do acordo que une as partes, mas das “sucessivas violações dos convénios preliminares e do termos dos acordos prévios à formação do contrato-promessa celebrado pelo seu próprio executivo” – art. 54º da petição inicial -, ao esconder-lhes as alterações operadas no projeto de construção conducentes a que, à revelia do combinado pelas partes ao longo das negociações que precederam a outorga da promessa de permuta, o espaço prometido trocar pelo réu integre uma única fração, tenham sido eliminadas as projetadas escadas exteriores e elevador de acesso exclusivo ao 1.º piso e, bem assim, a que nem toda a área do espaço a permutar se encontre virada para a Rua …, tudo isto com desvalorização do espaço que constituiria a contraprestação camarária no negócio prometido e prejuízo dos autores.

Depois de terem obtido, por sentença de 5.01.2015, a pedida fixação judicial de prazo para a celebração do contrato de permuta, objeto do contrato-promessa celebrado – facto nº 3 -, os autores, em volte face na estratégia até aí delineada, não comparecem no ato de celebração da escritura do contrato definitivo, marcado pelo réu para 7.05.2015, e propuseram em 29.07.2015 esta ação onde não discutem qualquer obrigação que emerja daquela promessa, antes visando o ressarcimento do prejuízo alegadamente sofrido com a sua celebração, dano a que atribuem o valor fixado pelas partes aos bens que integram a prestação prometida por cada uma das partes.

Só subsidiariamente os autores se arrimam ao contrato-promessa, formulando pedido que se aproxima da sua execução específica – mas apenas em relação à obrigação assumida pelo Município –, pese embora não sejam inteiramente coincidentes, quanto às suas caraterísticas, o bem que o réu se obrigou a permutar e o imóvel que os autores pretendem ver transmitido para a sua titularidade.

Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, se não possa acompanhar o acórdão recorrido quando, discorrendo-se sobre a causa de pedir que os autores teriam invocado, se escreveu o seguinte:

O que os Autores alegam é que nas negociações que antecederam o contrato-promessa de permuta outorgado em 22.12.2008, se acordou em algumas das características da parte do imóvel a constituir em propriedade horizontal, cujo direito de propriedade deveria ser posteriormente transferido para os Autores, sem que, contudo, a descrição dessas características previamente acordadas tenha integrado o texto do contrato-promessa.

Assim, a eventual responsabilidade do Réu pela existência dessas desconformidades, na versão apresentada pelos Autores resulta, não da violação de deveres pré-contratuais, mas sim de um incumprimento, ou melhor dizendo, de um cumprimento defeituoso, do contrato-promessa de permuta. (sublinhado nosso)

Na verdade, com a celebração deste contrato-promessa, o promitente-transmitente fica vinculado a abster-se de quaisquer comportamentos que possam comprometer a realização do contrato prometido, assim como fica obrigado à prática dos actos necessários ao cumprimento pontual da sua obrigação de contratar, designadamente o de transmitir a propriedade do bem a permutar com as características definidas pelos contraentes. Daí que a existência de desconformidades com o contratado, no que respeita ao objecto da permuta, corresponda a um incumprimento destas obrigações, sendo-lhe aplicável o regime previsto para a venda de coisas defeituosas, por força do princípio da equiparação do regime do contrato prometido ao contrato-promessa – art.º 410º, n.º 1, do C. Civil – e da aplicação das regras da compra e venda aos contratos de permuta, conforme prevê o art.º 939º do C. Civil.

O facto do contrato-promessa de permuta não assegurar ainda a transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel prometido transmitir não impede a responsabilidade do promitente-transmitente pelas desconformidades no objecto da permuta, relativamente ao contratado, pelo que se, no momento em que deve ocorrer essa transmissão o imóvel revela vícios ou desconformidades face ao prometido, o promitente transmissário deve poder exercer os mesmos direitos que são conferidos ao comprador de coisa defeituosa (…).

Por estas razões, atenta a causa de pedir invocada pelos Autores, a responsabilidade do Réu pela existência das alegadas desconformidades com o contratado, não deve ser qualificada como uma responsabilidade pré-contratual, mas sim como uma responsabilidade contratual pelo cumprimento defeituoso, a que é aplicável o regime da compra e venda de coisa defeituosa prevista nos artigos 913º e seguintes, por remissão dos artigos 410º, n.º 1, e 939º do C. Civil.” (sublinhado nosso)

Lembra-se que a obrigação essencial que para cada uma das partes resulta do contrato promessa é a de celebrar o contrato definitivo nos termos e condições aí definidos, no caso, a permuta a que alude o facto provado descrito na sentença sob o nº 1.

Nas palavras de Calvão da Silva[3]Do contrato-promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, a declaração de vontade correspondente a um negócio cuja futura realização se pretende assegurar, chamado negócio prometido ou negócio definitivo. Se ambos os contraentes assumem a obrigação de contratar (…), o contrato-promessa diz-se bilateral; se apenas um deles se vincula a firmar o negócio definitivo (…), o contrato-promessa diz-se unilateral (…)

Ora as “desconformidades” que, segundo o alegado pelos autores, afetarão o bem a cuja permuta o réu se obrigou pelo contrato-promessa, não se verificarão - ainda de acordo com a versão dos factos por eles trazida aos autos - em relação ao que deste contrato se fez constar, mas antes, em relação ao falado/combinado entre as partes em sede das negociações preliminares à sua outorga; negociações essas que são constituídas pela “actividade instrumental da conclusão de um contrato, também da conclusão de contrato-promessa.”[4]

Daí que, salvo melhor opinião, se não veja fundamento para considerar como invocadas “desconformidades com o contratado”.

Como acima se disse já, os factos concretos alegados pelos autores para consubstanciar a pretensão indemnizatória deduzida são absolutamente estranhos ao cumprimento defeituoso do contrato promessa de permuta, em lado algum sendo invocada matéria suscetível de configurar “desconformidades com o contratado”, não havendo, assim, razão para reconduzir à responsabilidade contratual a causa de pedir e, com base nisso, negar a prescrição que a 1ª instância afirmara com base no nº 2 do citado art. 227º.

Não se está sequer perante caso em que a facticidade alegada preencha, em simultâneo, quadros normativos diferenciados ou institutos jurídicos diversos; a ser bastante para o efeito, a mesma só poderia integrar a responsabilidade pré-contratual e não a responsabilidade contratual, já que nenhum cumprimento defeituoso da promessa de permuta vem invocado.

Está em causa, pois, o instituto da culpa in contrahendo previsto no art. 227º, cujo nº 1 impõe às partes a obrigação de atuar de boa fé na fase pré-contratual que abrange tanto os preliminares como a formação do contrato, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Os deveres pré-negociais, que vêm sendo doutrinariamente autonomizados em três espécies distintas, são descritos por Menezes Leitão[5] da seguinte forma:

 “- deveres de proteção, que determinam que as partes na fase negocial devem evitar qualquer actuação susceptível de causar danos à outra parte, sejam eles pessoais ou patrimoniais (…)

- deveres de informação, em especial quanto às circunstâncias que possam ser relevantes para a formação do consenso da outra parte (…)

- deveres de lealdade, por forma evitar comportamentos que se traduzam numa deslealdade para com a outra parte (…)

A propósito do último destes deveres Menezes Cordeiro[6] afirma “há deveres de lealdade: as partes não podem, in contrahendo, adotar comportamentos que se desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Os deveres de lealdade distinguem-se dos de informação; pode considerar-se que, neles, não há, apenas, uma questão de comunicação; antes se joga também, um problema de conduta.

São três as situações abrangidas pela culpa in contrahendo – designada por alguma doutrina como terceira via da responsabilidade civil -:

1) a interrupção ou ruptura das negociações, levando a que o contrato não se venha a celebrar;

2) a celebração do contrato, em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou ineficácia;

3) a celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi celebrado gere danos para uma das partes.”[7]

O facto de o réu Município ter omitido aos autores a alteração ao projeto de construção do edifício, entretanto ocorrida, constituirá a violação das regras da boa fé que os autores lhe imputam, vindo estes a celebrar o contrato promessa sem saberem que o espaço que receberiam pela permuta prometida não teria as caraterísticas combinadas na fase que precedeu a sua outorga, com a inerente desvalorização e consequente prejuízo para os autores.

A atuação atribuída ao réu pelos autores pode, pois, caraterizar a violação, por este, dos deveres de informação e lealdade presentes nas negociações preliminares do contrato promessa que veio a ser celebrado, mas com alegados danos para os autores.

Da exceção de prescrição do direito à indemnização:

Na sentença julgou-se procedente a exceção de prescrição do direito à indemnização invocando-se para tanto, essencialmente, a data da propositura da ação – 2015 – e o que estabelece o nº 2 do art. 227º.

O acórdão recorrido inverteu o sentido desta decisão, julgando a exceção improcedente, dele constando a este propósito o seguinte:

O exercício dos direitos do comprador perante a venda de coisa defeituosa não está sujeito a qualquer prazo de prescrição especial, valendo aqui o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no art.º 309º do C. Civil. Relativamente a tais direitos estão antes previstos prazos de caducidade - artigos 916º e 917º do C. Civil - que, no caso não se aplicam, uma vez que, não se tendo alegado que tenha ocorrido entrega do bem prometido permutar ao transmissário, nenhum desses prazos ainda se iniciou.”

Afirmou-se a inexistência de prescrição do direito de indemnização, por se haver elegido e feito prevalecer causa de pedir diversa da que, como vimos, vem invocada pelos autores, sendo por referência ao instituto da responsabilidade pré contratual que deve aferir-se a existência dessa exceção.

Assim, rege sobre a matéria o nº 2 do art. 227º, nos termos do qual tal responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º, em cujo nº 1 se fixa em três anos o prazo de prescrição, iniciando-se a sua contagem a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe cabe, ainda que com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Embora na doutrina seja controvertida a qualificação da responsabilidade pela culpa in contrahendo como responsabilidade aquiliana[8] ou contratual[9] ou ainda como uma terceira via da responsabilidade civil[10], o certo é que quanto à prescrição existe norma expressa a mandar que se lhe aplique a regra do art. 498º, própria da responsabilidade delitual, isto independentemente de as negociações preliminares, em que ocorreu a violação das regras da boa fé, terem culminado, ou não, com a outorga do contrato.

Não se vê, em face disto, que seja de acolher o entendimento proposto pelos recorridos na conclusão 1ª das suas contra-alegações, devendo ainda dizer-se que lida a doutrina por eles invocada em seu apoio[11] se não encontrou passagem onde se avente a ideia segundo a qual não havendo rutura contratual a regra do nº e do art. 227 é de banir, devendo antes aplicar-se o prazo prescricional geral de 20 anos.

Por força do que dispõe o nº 2 do art. 227º, é aplicável, pois, o estabelecido no art. 498º, visto estar em causa a violação da boa fé nas negociações preliminares da outorga da promessa de permuta, e não a violação de obrigações que nesse contrato hajam sido assumidas.

Ora, segundo o alegado nos arts. 27º a 33º da petição inicial, só no início do ano de 2011, por mero acaso, tomaram  conhecimento de alteração, em 2007, ao projeto de construção que o réu deles escondeu e  mercê da qual:

 - foram eliminadas as escadas exteriores e o elevador, ambos de acesso exclusivo ao 1º piso;

- é constituído por uma única fração o espaço que no 1º piso é destinado aos autores e nem todo ele está virado para a Av. …;

- tudo isto contrariando o combinado pelas partes em sede das negociações preliminares que antecederam a outorga da promessa de permuta, com significativa desvalorização do espaço que constituiria o objeto da permuta prometida.

Sendo essencialmente estes os factos em que os autores fundam a sua pretensão indemnizatória e deles tendo tomado conhecimento no início de 2011 – bem como do direito que deles emergirá - e considerando ainda que a ação foi proposta em 27.09.2015, tem de concluir-se pela prescrição do direito à indemnização que peticionam.

Contra o que defendem os autores não houve renúncia, por parte do réu, a essa prescrição, não podendo considerar-se como tal o facto deste se ter disponibilizado para realização do contato prometido, primeiramente marcando data para a outorga da escritura do contrato definitivo - ato que não chegou a realizar-se por falta de comparência dos autores – e, mais tarde, em sede desta ação, pedindo e tendo obtido a sua execução especifica.

É atuação que revela tão só a sua intenção de cumprir o convencionado no contrato promessa celebrado pelas partes, não envolvendo qualquer reconhecimento da falta de lisura ou de boa fé que os autores lhe atribuem nas negociações que precederam a sua outorga e com base nas quais formulam o seu pedido de indemnização.

De tudo isto resulta a improcedência do pedido principal deduzido pelos autores, nesta parte procedendo a revista, e a consequente necessidade de conhecimento do pedido subsidiário que a Relação definitivamente considerou formulado em termos regulares.

Esse conhecimento – em cujo âmbito é de considerar a existência de decisão já transitada em julgado que decretou a execução específica do contrato-promessa – será feito pelo Tribunal da Relação, caso entenda que dispõe dos elementos para o efeito necessários – art. 655º, nº 2 do CPC -, pois a regra estabelecida nas disposições combinadas dos arts. 679º e 665º, nº 2 do mesmo diploma exclui da competência deste tribunal a apreciação dessa matéria.

IV – Pelo exposto:

1. a) Por não ser de conhecer do respetivo objeto, dada a sua inadmissibilidade, julga-se findo o recurso interposto contra a decisão constante do acórdão da Relação que teve como regularmente deduzido o pedido subsidiário dos autores;

b) Julga-se procedente o recurso interposto contra o acórdão na parte em que julgou improcedente a exceção perentória de prescrição do direito invocado pelos autores e, revogando-o, julga-se verificada essa mesma exceção, repristinando-se, nessa medida, o que a propósito se decidira na 1ª instância.

2. Ordena-se que no Tribunal da Relação de Coimbra, se possível com intervenção dos mesmos Juízes Desembargadores, seja proferido acórdão onde se conheça do pedido subsidiário deduzido pelos autores, nesse âmbito sendo de considerar a eventual repercussão do já decidido, com trânsito em julgado, quanto à pedida execução específica do contrato promessa de permuta; inexistindo elementos bastantes para o efeito, determinar-se-á o que se tiver por conveniente.

As custas da presente revista são suportadas na proporção de 1/3 pelo réu – atinente à parte em que se julgou findo o recurso que interpusera contra uma das decisões constantes do acórdão recorrido – e pelos autores na proporção de 2/3.

Lisboa, 12.09.2019

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

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[1] Proc. nº 21852/15.4T8PRT.S1, relator Conselheiro Tomé Gomes, acessível em www.dgsi.pt
[2] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência
[3] Sinal e Contrato-Promessa”, 8ª edição, pág. 15
[4] Sinal e Contrato-Promessa citado, pág. 24 
[5] Direito das Obrigações, volume I, 13ª edição, pág. 323-324 
[6] Tratado de Direito Civil, II, 4ª edição, pág. 219
[7] Menezes Leitão, obra citada, pág. 324
[8] Neste sentido Mário Júlio de Almeida Costa, “Responsabilidade Civil Por Rutura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, RLJ, Ano 116, pág. 84-90, 101-105, 146-152, 172-179, 204-210, 251-256, 276-279.
[9] No sentido desta qualificação Menezes Cordeiro, em Tratado, II, 4ª edição, págs. 247- 248, 277-278; ainda os demais Autores aí citados, na nota de rodapé 917: Mota Pinto, Ribeiro de Faria, Galvão Telles e Mariana Fontes da Costa, nas obras também aí indicadas. Nesta linha, cfr., também, a jurisprudência citada pelo mesmo autor e obra, ainda na pág. 278.
[10] Optam por esta qualificação, por exemplo, Menezes Leitão, obra citada, pág. 326, Nuno Pinto Oliveira, “Princípios de Direito dos Contratos”, pág. 212-213 e Dário Moura Vicente “Culpa na Formação dos Contratos”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1997, vol. III, pá. 265 e segs..
[11] Dizem, com efeito, na parte arrazoada das suas contra-alegações “Assim raciocinou já, v.g, Mário Júlio Almeida Costa, in a Responsabilidade Pré-Contratual pela Rutura das Negociações Preparatórias de um Contrato, RLJ, ano 116 (1983/1984), n° 3713, pág. 253; Mário Moura Vicente, Da Responsabilidade Pré-contratual, pág. 273/274 e Sónia Moreira da Silva, Da Responsabilidade Pré-contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág. 64, citando …”