Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2975/12.8TBSTS.P1.S3
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO
IMPOSSIBILIDADE TEMPORÁRIA
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
SINAL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / CONDIÇÃO E TERMO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DA SOBRIGAÇÕES / CONTRATOS / SINAL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
Doutrina:
- Carlos Alberto Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, p. 337;
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, p. 294 e ss.;
- Eduardo dos Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, p. 188 e ss. e 191;
- Evaristo Mendes e Fernando Sá, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, p. 534 a 536;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, p. 482 e ss.;
- Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, p. 357;
- Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, p. 208;
- Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 222 e 317 ; Volume II, 4.ª Edição, p. 45 ; Direito das Obrigações, 6.ª Edições, p. 357;
- Vaz Serra, RLJ 100, p. 253 e 255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, 270.º, 442.º, N.º 2, 799.º E 801.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-10-1989, IN BMJ 390, P. 404;
- DE 13-11-1997, IN CJ STJ V, TOMO III, P. 135;
- DE 25-10-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-06-2012, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-07-2012, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2015, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-10-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-05-2018, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A estipulação, em contrato-promessa de compra e venda, de que a aprovação e o licenciamento pelas entidades administrativas do projecto apresentado pela ré, sem reservas ou condicionantes, era condição essencial para a celebração do contrato definitivo, configura uma condição suspensiva – art. 270.º do CC.

II - A interpretação sistemática da condição estipulada, segundo as regras enunciadas nos arts. 236.º e 238.º ambos do CC, e a consideração de que o objecto do contrato eram duas unidades comerciais de considerável dimensão, conduzem ao sentido de que não seriam quaisquer reservas ou condicionantes que poderiam comprometer ou ser impeditivas da aprovação dos projectos nos termos pretendidos pela ré.

III - A exigência, para aprovação dos projectos, de construção de um posto de transformação de energia eléctrica e de uma ETAR, infra-estruturas cuja realização e preço a ré tinha conhecimento, não constituem uma condicionante da aprovação do projecto.

IV - O facto de os projectos apresentados terem tido uma aprovação inicial com reservas ou condicionantes, sem demonstração de que as mesmas comprometiam ou impediam a respectiva aprovação nos termos pretendidos pela ré, suporta a conclusão de que, objectivamente, não existe certeza de que a condição não pudesse vir ainda a verificar-se.

V - Por consequência, o pedido reconvencional – a declaração de ineficácia ou, em alternativa, de resolução do contrato-promessa, por não verificação da condição ou pela certeza da sua não verificação – deve improceder.

VI - Ocorre impossibilidade temporária de cumprimento do contrato-promessa, a não celebração do contrato prometido por não ter sido obtida pela ré, como lhe competia, a aprovação dos projectos – art. 799.º do CC.

VII - A impossibilidade temporária deve ser equiparada à impossibilidade definitiva quando seja muito provável que ela não venha a cessar.

VIII - O decurso do prazo de dois anos e meio até à propositura da acção e de mais quatro anos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, durante os quais a ré não satisfez aquela condição para poder cumprir, e o pedido formulado em reconvenção, de declaração da ineficácia do contrato-promessa, ou, em alternativa, de reconhecimento do direito de a ré resolver o contrato, tornam remota e improvável a possibilidade de a ré vir a cumprir a obrigação a que se vinculou, tornando desnecessária a fixação de um termo para o cumprimento dessa obrigação.

IX - A situação descrita configura impossibilidade definitiva de cumprimento imputável à ré, devendo esta responder como se houvesse faltado culposamente ao cumprimento da obrigação e conferindo à autora o direito a resolver o contrato e de haver para si o sinal prestado – arts. 801.º e 442.º, n.º 2, ambos do CC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA veio propor esta acção declarativa contra BB - CONSTRUÇÕES, SA.

Pediu que:

a) Seja reconhecido à autora o direito à resolução do contrato-promessa identificado nesta petição, que celebrou com a ré, declarando-se assim o mesmo contrato resolvido.

b) Seja reconhecido à autora o direito de haver para si o sinal prestado pela ré ao abrigo do mesmo contrato, no montante de € 700.000,00, a título de indemnização, ou, quando assim se não entenda, seja a ré condenada a pagar à autora uma quantia não inferior a € 700.000,00 como indemnização pela inobservância dos deveres acessórios da boa-fé e pelos prejuízos que lhe causou.

c) Seja declarado que a autora fica desonerada e desobrigada de cumprir para com a ré o citado contrato-promessa.

Como fundamento, alegou que prometeu vender à ré, que prometeu comprar, determinado bem imóvel (que identifica), ficando a realização do contrato prometido aprazada até Março de 2009 e, além do mais, condicionada à aprovação “sem reservas ou condicionantes” de projecto de duas construções que a ré havia apresentado para o local. Porém, foram ultrapassados os prazos para a realização do contrato prometido, não tendo a ré diligenciado, como deveria, pela referida aprovação, protelando a realização da escritura pública de compra e venda.

 

A ré contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pela autora e alegando que, como do contrato consta, era para si condição essencial a aprovação do projecto que pretendia para o local, sem reservas ou condicionantes, o que não se veio a verificar, sendo impostas condicionantes que não poderia aceitar.

Assim, concluiu pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediu que:

a) Seja reconhecida a não verificação da condição essencial prevista contratualmente;

b) (Caso assim não se entenda) seja considerado como certo que a condição não se verificará, o que equivale à sua não verificação;

c) O contrato seja considerado ineficaz em relação às partes;

d) (Em alternativa) seja reconhecido à Ré/Reconvinte o direito a resolver o contrato promessa em discussão nestes autos, com base no não preenchimento da condição essencial;

e) A Autora/Reconvinda seja condenada a restituir à Ré/Reconvinte o montante já recebido a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja, 700.000€, acrescida de juros de mora, comerciais, desde a data da notificação da reconvenção até integral e completo reembolso.

A autora respondeu à contestação, mantendo o que alegou na p.i. e impugnando a versão da ré, concluindo pela sua absolvição do pedido reconvencional.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou improcedentes quer a acção quer a reconvenção e, em consequência, absolveu a ré e a autora dos respectivos pedidos.

Discordando desta decisão, a autora e a ré interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação julgado improcedente o recurso da autora e procedente o recurso da ré, tendo revogado a sentença recorrida e, em consequência, condenado a autora a restituir à ré o montante de 700.000€, acrescida de juros de mora, à taxa dos juros comerciais, desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento.

Inconformada, a autora veio pedir revista, que foi concedida, tendo sido revogado o acórdão recorrido, ordenando-se a baixa do processo à Relação para que, se possível, com o mesmo Colectivo, se profira novo Acórdão apreciando a impugnação da matéria de facto nos termos supra descritos, conhecendo a respectiva questão de direito em conformidade.

Regressado o processo à Relação, foi proferido novo acórdão em que se decidiu:

- Julgar improcedente a apelação da autora; e

- Julgar improcedente a apelação da ré quanto à impugnação da matéria de facto da sentença de primeira instância, mas procedente quanto à questão de direito, ou seja a resolução contratual e condenação da autora, AA- Sociedade Imobiliária, SA, na devolução da quantia de € 700,000,00, que a ré lhe entregou a título de sinal e seu reforço, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais em vigor para as empresas comerciais, desde a notificação à autora da contestação/reconvenção da ré e até integral pagamento, termos em que, na procedência do pedido reconvencional da ré, a autora vai condenada.

Ainda inconformada, a autora veio pedir revista, que foi concedida, decidindo-se anular o acórdão recorrido e determinando-se que o processo baixe à Relação, para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada pela Recorrente autora – da factualidade considerada não provada (com a limitação apontada quanto aos factos indicados de natureza conclusiva) e, bem assim, da factualidade julgada provada, suprindo-se, deste modo, a nulidade do acórdão anterior por omissão de pronúncia.

Na Relação foi proferido novo acórdão com este dispositivo:

Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da autora AA-Sociedade Imobiliária SA, quanto à questão de facto, mas totalmente improcedente quanto às questões de Direito, confirmando, nesta parte, a sentença recorrida;

 E em julgar improcedente a apelação da ré BB Construções, SA, quanto à impugnação da matéria de facto da sentença de primeira instância, mas procedente quanto à questão de direito, ou seja a resolução contratual e condenação da autora, AA- Sociedade Imobiliária, SA, na devolução da quantia de € 700,000,00, que a ré lhe entregou a título de sinal e seu reforço, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais em vigor para as empresas comerciais, desde a notificação à autora da contestação/reconvenção da ré e até integral pagamento, termos em que, na procedência do pedido reconvencional da ré, se condena a autora, nessa parte se revogando a mesma sentença.

Discordando também desta decisão, a autora interpôs recurso de revista, tendo apresentado, mais uma vez, extensas conclusões, em que, no essencial, coloca estas questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação;

- O pedido reconvencional deve improceder, uma vez que se concluiu (mal) que a condição suspensiva não se verificou por culpa da autora, não havendo certeza de que a mesma não possa ainda verificar-se;

- Ainda que se considere que a condição suspensiva não se verificou, nem se pode verificar, essa não verificação apenas é imputável à ré, devendo reconhecer-se à autora o direito de resolução do contrato, com as consequências previstas no art. 442º do CC;

- A ré não usou de boa fé, violando deveres acessórios de conduta (protecção, esclarecimento, lealdade e cooperação), o que também confere à autora o direito de resolução do contrato e o direito de haver para si o sinal prestado pela ré.

A ré, recorrida, contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Suscita, todavia, estas questões prévias:

- Inadmissibilidade do recurso por violação do art. 639º do CPC;

- Existência de dupla conforme, no que respeita à improcedência do pedido formulado pela autora, de resolução do contrato-promessa por incumprimento definitivo da ré.  

Em acórdão complementar proferido pelo Tribunal recorrido concluiu-se pela inexistência da nulidade do acórdão recorrido invocada pela recorrente.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

III.

A) A factualidade provada, com as alterações introduzidas pela Relação (adiante em itálico), é a seguinte:

1. Em 17 de Outubro de 2008, a autora celebrou com a ré o contrato promessa de compra e venda, integrado por um anexo que dele faz parte integrante, cujas cópias se mostram juntas de fls. 32 a 39 e se dão por integralmente reproduzidas;

2. Flui desse contrato que a autora prometeu vender à ré e esta prometeu comprar àquela o prédio assinalado na planta que constitui o Anexo I;

3. Tal como resulta do ponto 1º dos pressupostos introdutórios do contrato, este prédio está delimitado pelo tracejado a cor vermelha na planta anexa e que faz parte integrante do referido contrato (Anexo I), do prédio rústico denominado ..., que confronta do norte com caminho público, a sul com a estrada nacional, a nascente com CC, e a poente com caminho público, sito na freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com o número …, freguesia de ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º …º, com a área de 102 m2 e com o valor patrimonial de €138,81, e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o art.º …º, com a área de 30.400m2, com uma área total de 30.502 m2;

4. Também ficou consignado no contrato promessa que a aqui autora declarava saber ser condição essencial para a concretização de tal contrato, a aprovação no prédio descrito no pressuposto número um desse contrato “sem reservas ou condicionantes em relação ao projecto que foi apresentado à Camara Municipal de ..., de duas construções destinadas à instalação de duas UNIDADES COMERCIAIS (supermercados …. e …), nos termos previstos na legislação em vigor, designadamente nos termos do disposto na Lei 12/2004 de 30 de Março, por parte de todos e cada um dos órgãos e/ou entidades da Administração Publica Nacional e local que sobre o mesmo devem emitir parecer/autorização/licença, nomeadamente todas as entidades referidas no artigo 7º no citado Diploma Legal, constante a competência respectiva que resulta do enquadramento legal do projecto a apresentar”;

5. No contrato ficou reconhecido pelas partes que a área real da parcela objecto do mesmo era a de 28.927 m2 (pressuposto 3º);

6. Finalmente, enquanto condição essencial para celebrar o contrato, foi reconhecido também pelas partes que fosse aprovado e licenciado o projecto referido no pressuposto segundo (pressuposto 4º do contrato);

7. Desta forma a autora, como se referiu, prometeu vender à ré e esta prometeu comprar àquela o prédio com a área de 28.927 m2, com os limites e áreas expressas no levantamento topográfico constante do falado Anexo I ao contrato, que no mesmo incorporaram;

8. Convencionaram que o preço a pagar pela ré seria o de € 2.500.000,00 – dois milhões e quinhentos mil euros, da seguinte forma:

a) – A título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 500.000,00 – quinhentos mil euros;

b) – No acto da escritura de compra e venda a quantia de € 2.000.000,00 - dois milhões de euros (Cláusula segunda do contrato);

9. Autora e ré, quando celebraram o contrato, previram que no caso de a escritura pública do contrato definitivo não ser realizada até Março de 2009 haveria um reforço de sinal no valor de 200.000,00 euros (Cláusula 2ª, Ponto 3);

10. Na Cláusula Terceira autora e ré escolheram a disciplina para a designação da data da celebração da escritura definitiva;

11. Ficando a ré incumbida de a designar, já que lhe competia apresentar, promover, e obter os projectos e licenciamentos dos imóveis a implantar no terreno objecto do contrato;

12. Ao outorgarem o contrato promessa, autora e ré estavam convencidas que ambas adoptariam um comportamento expedito e diligente com vista à posterior realização do contrato prometido;

13. Na verdade, quatro de cinco partes, ou seja, 80% do preço convencionado, seria apenas recebido pela autora na data da escritura;

14. Ficou convencionado no contrato que “todos e quaisquer procedimentos administrativos necessários à autorização/licenciamento para construção, serão da única e exclusiva responsabilidade da segunda contraente”, ou seja da ré;

15. A autora e a ré ao escreverem no contrato “todos e quaisquer procedimentos administrativos necessários à autorização/licenciamento para a construção” não excluíram nenhum procedimento;

16. Convencionando no contrato que a autora facultava à ré ou aos seus representantes o livre acesso ás parcelas prometidas vender, a fim de procederem a todos os estudos; se pontificava a praticar, mediante solicitação da ré, a assinar toda a documentação que se mostrasse necessária ao aludido licenciamento, sendo as despesas daí decorrentes da responsabilidade da ré; autorizava a ré a requerer junto da Camara Municipal de ..., ou junto de qualquer entidade oficial o necessário licenciamento de construção de obras particulares, com vista à execução do empreendimento a instalar nas parcelas dos imóveis do contrato (Cláusula Sexta);

17. Quando as partes celebraram o contrato sabiam já que a Camara Municipal de ... tinha certificado que, ao abrigo do disposto no regulamento do Plano Director Municipal, era do interesse público municipal a proposta de um grande conjunto comercial para a parcela de terreno objecto do contrato em alusão e que a desafectação desta parcela para tal efeito, havia sido aceite pela Comissão Regional da Reserva Agrícola em 17 de Novembro de 2006, conforme consta do documento de fls. 40, que se dá por reproduzido (doc. nº 2 junto com a p.i.);

18. Efectivamente, a ré tinha solicitado à Camara Municipal de ... a emissão de uma certidão da qual constasse ser de interesse público a ocupação de solos agrícolas na Comissão da Reserva Agrícola Nacional, de um terreno no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., destinado à construção de edifícios destinados ao comércio;

19. Para o efeito a ré juntou logo a esse requerimento que em Maio de 2008 apresentou na Camara Municipal de ..., plantas e memória descritiva, conforme documento de fls. 41;

20. Ou seja, a ré, antes de celebrar o contrato com a autora, definiu perante a Camara Municipal e a Comissão de Reserva Agrícola a configuração e implantação das referidas unidades a construir na parcela de terreno;

21. Do que então deu conhecimento à autora, referindo-lhe serem essas e não outras as que queria ali implantadas;

22. Tudo com vista a preparar a celebração do contrato promessa em causa;

23. Assim, antes de celebrar o contrato, a autora e ré sabiam que os edifícios pretendidos pela ré e a implantar eram os que resultavam da planta junta sob o doc. de fls. 39 e, por isso anexaram no contrato uma cópia da mesma em tamanho reduzido;

24. Face à certificação da Câmara Municipal, as partes, quando celebraram o contrato, tinham a expectativa de que os licenciamentos seriam céleres, com vista à posterior celebração do contrato definitivo, esperando ambas que no cumprimento do contratado houvesse um comportamento de boa fé, com observância dos deveres de protecção, de esclarecimento, de lealdade e cooperação;

25. Em Março de 2009 a ré reforçou o sinal pagando à autora mais € 200.000,00;

26. A autora dispõe em seu poder de € 700.000,00 a título de sinal, entregues pela ré, nos termos e ao abrigo do contrato;

27. A ré apresentou junto da Câmara Municipal de ... três processos para aprovação dos projectos em causa, com os nº 4/09, 31/09 e 845/09, tendo os dois primeiros sido encerrados e o terceiro deles estando ainda pendente e aguardando movimentação;

28. Durante o tempo que entretanto ia decorrendo houve contactos entre autora e ré, perguntando a primeira pelo desenrolar do processo de aprovação e respondendo a segunda que aguardava desenvolvimentos administrativos;

29. Vendo o tempo decorrer, sem que a ré designasse a data, hora e local para celebrar a escritura, a autora através do seu advogado endereçou-lhe a carta que se mostra junta de fls. 42 e 43, que se dá por reproduzida, designando o dia 23 de Janeiro de 2012 pelas 15 horas no Cartório Notarial de Barcelos do Dr. DD, para a celebração da escritura;

30. Em resposta, a ré enviou à autora a carta de que se mostra junta cópia a fls. 46 e 47, que se dá por reproduzida, referindo, além do mais, que “tanto quanto nos é dado a conhecer os projectos apresentados não foram integralmente aprovados, na sua forma original, nem se encontra deferido o licenciamento comercial nem se encontram emitidas as licenças de construção, condições necessárias para a celebração da escritura do contrato prometido, o mesmo sucedendo relativamente às acessibilidades”;

31. “Efectivamente”, continua a escrever-se nessa resposta da ré, “tanto quanto nos é dado a conhecer, somente se encontra licenciada uma unidade comercial e não duas, conforme previsto no projecto inicial e no próprio contrato promessa, e com diversas condicionantes que desvirtuarão o projecto inicial e oneram o mesmo, o que tudo poderá provocar a perda do real interesse de prosseguir com o negócio”;

32. E ainda "dessa forma reservamo-nos ao direito de analisar os efectivos contornos e condicionalismos do licenciamento aprovado de forma a verificar se o mesmo respeita quer o previsto como condição essencial no contrato promessa, quer o próprio projecto inicialmente apresentado”;

33. A resposta da ré data de 20.01.2012, e até à data de entrada deste processo em tribunal, a ré nada mais comunicou à autora, nem lhe solicitou a sua colaboração para a obtenção dos licenciamentos;

34. Nem lhe comunicou o resultado da sua prometida análise sobre “os efectivos contornos e condicionantes do licenciamento aprovado de forma a verificar se o mesmo respeita quer o previsto como condição essencial no contrato promessa, quer o próprio projecto inicialmente apresentado”;

34a. Nos termos do contrato promessa, só à ré cabia designar dia para a realização da escritura;

35. A ré é uma Sociedade promotora imobiliária e construtora, com experiência do mercado imobiliário e no específico sector em que se inserem os edifícios a implantar no prédio objecto do contrato;

36. A ré conhece as exigências administrativas para licenciamentos desta natureza, e tanto assim que tratou de se assegurar antes do contrato da sua viabilidade, cujos contornos e exactos termos logo tomou conhecimento;

37. A ré é conhecedora do progressivo e previsível crescimento e agravamento da crise económica actual e das consequências daí inerentes para o sector imobiliário;

38. A autora é uma sociedade imobiliária, tendo como objecto a compra e venda de imóveis;

39. A desafectação da RAN do imóvel em causa e declaração de interesse público municipal do projecto que a ré pretende para o local, criaram um valor acrescentado ao terreno da autora;

40. Em inícios de 2008 a insígnia EE, que havia iniciado as negociações, iniciou também negociações para a sua venda, tendo sido o Grupo FF o adquirente;

41. O que levou a que o projecto da ré tivesse de ser sujeito a uma apreciação pelos responsáveis do Grupo FF que acabaram por aceitar manterem-se no projecto, certos das informações que lhes foram prestadas;

42. Tendo sido decidido, pela FF – Distribuição, SGPS, S.A., que a insígnia que iria avançar com o projecto seria a do GG;

43. O projecto da ré englobava, de forma sumária, os seguintes elementos: dois edifícios, um destinado especificadamente à insígnia GG (ou seja a própria instalação do supermercado GG era uma condição essencial) e outro destinado a um ... com a denominação IN ...; arruamentos: nos quais se incluem duas rotundas, uma das quais passaria a fazer parte integrante da estrada nacional 105 (esta rotunda em concreto, para além de constar do projecto, é referida no próprio contrato nos pontos 3 e 4 da Cláusula Quinta); espaços verdes e de lazer; zonas de Estacionamento;

44. Esse projecto global, por uma questão de facilidade de análise pelas entidades competentes não só para a emissão dos pareceres legalmente exigíveis mas também competentes para a emissão dos licenciamentos necessários, foi, até por sugestão dos técnicos camarários, decomposto em dois, a saber: um para a Parcela A (GG), e outro para a Parcela B (... In ...);

45. Aliás, essa decomposição era algo já inicialmente previsível tanto o mais que o próprio projecto (anexo ao contrato) já referia, expressamente, um edifício como Parcela A e outro edifício como Parcela B, sendo que essa divisão era efectuada através de uma linha traçada na perpendicular da estrada nacional e que atravessava todo o terreno, conforme é perceptível dos projectos juntos pela autora (docs. 1 e 3 da p.i., já acima referidos);

46. Projectos esses que deram entrada na CMST e a que correspondem os números de processo acima referidos;

47. No decurso desses processos de licenciamento vieram a realizar-se reuniões entre técnicos da Câmara Municipal de ... e representantes da ré no sentido de compatibilizar as pretensões da ré e as exigências administrativas, dado haver pareceres favoráveis à ré, ora desfavoráveis, ora ainda favoráveis mas com condicionantes emitidos por entidades que intervêm nesses processos, sugerindo alterações ou apresentação de novos projectos de especialidade;

48. A ligação das águas pluviais e das infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento às redes públicas próximas ficam distantes do local, o que importa um custo acrescido do investimento em questão;

49. Face ao acima referido e dificuldades encontradas, a FF Distribuição, SGPS, S.A., decidiu suspender o processo e ficar a aguardar pela clarificação de todas as questões ainda duvidosas sem, contudo, ter comunicado à ré de forma formal a perda de interesse na instalação do seu supermercado GG;

50. Até porque a ré apresentou projectos distintos para as duas parcelas, tendo ainda esperança que, na apreciação do projecto referente à Parcela B que posteriormente teria de ser enquadrado com o da Parcela A, estas questões, nomeadamente condicionantes, fossem clarificadas e resolvidas de modo a que o licenciamento final respeitasse o projecto inicial que fazia parte integrante do contrato-promessa;

51. Relativamente à apreciação do projecto para a Parcela B foram emitidos pareceres administrativos também com condicionantes e/ou sugestões, ficando a ré e a autarquia a aguardar que a outra parte impulsionasse o processo;

52. Porque, como já acima referido, o empreendimento pretendido pela ré era também considerado pela Câmara como de interesse municipal, a CMST, por intermédio dos seus serviços técnicos manifestou sempre à ré disponibilidade para ultrapassar e ajudar a ultrapassar dificuldades que pudessem, porventura, condicionar o licenciamento final;

53. A ré, por virtude das suas pesquisas e negociações para a localização do empreendimento, conhecia o local do empreendimento, as infra-estruturas do local onde se situa o prédio, quer relativas a água, esgotos, saneamento, energia, viárias, níveis e desníveis do prédio e as suas implicações para a implantação das obras que pretendia realizar;

54. Para alimentar uma unidade da dimensão do Hipermercado a instalar na Parcela A, ou para alimentar as unidades do ..., torna-se necessário implantar e construir um Posto de Transformação de Energia Eléctrica (P.T.), e uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), para tratar os efluentes respectivos;

55. O que era do conhecimento da ré, pela sua própria actividade, bem como dos respectivos custos.

B) E foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Que o prazo que mediava entre a data da celebração do contrato promessa, em Outubro de 2008 e até Março de 2009, tivesse sido um prazo que as partes reputassem como razoável para que a ré diligenciasse pela obtenção de todos os licenciamentos necessários para a implementação do seu projecto;

b) Que, desde a outorga do contrato promessa e até à interposição desta acção a ré não tivesse promovido diligências com vista à obtenção dos licenciamentos para a implantação das duas unidades comerciais referidas no contrato junto da Camara Municipal nem junto de outras e quaisquer entidades administrativas, com intenção de impedir que se reunissem as condições de que ela sabia que o contrato fazia depender para que se pudesse celebrar a escritura, não obstante os persistentes contactos da autora, por si ou através do seu Advogado, com vista compelir a ré a outorgar e assinar a respectiva escritura;

c) Que a autora estivesse convencida de que a ré tinha já obtido todos os actos necessários para que pudesse ser realizada a escritura pública, jamais a ré lhe tendo comunicado que existissem condicionantes ao nível do licenciamento que pudessem comprometer o interesse em contratar;

d) Que a autora tivesse diversos interessados na compra da parcela que prometeu vender à ré, pelo mesmo preço, bem como que lhe tivessem aparecido interessados em adquiri-la já após a celebração do contrato e nos dois anos que se lhe seguiram, os quais entretanto se desinteressaram por terem realizado outros investimentos noutros locais;

e) Eliminado;

f) Que a autora não tenha agora quem lhe adquira as parcelas pelo mesmo valor contratado com a ré;

g) Que ao acordarem o preço do contrato a autora estivesse convencida de que o contrato prometido fosse realizado no prazo máximo de um ano;

h) Que a autora, com o tempo decorrido, a falta de respostas e acções da ré, e a sua recusa em celebrar a escritura e pagar-lhe o que lhe deve, a persistente violação dos deveres acessórios da boa-fé que a ré praticou, bem como a persistente violação dos próprios deveres impostos à ré pelo contrato, deixou e perdeu interesse no seu cumprimento pela ré;

i) Que a não realização do contrato prometido tenha causado à autora um prejuízo equivalente pelo menos a 800.000,00€, correspondente ao valor que a autora teria ganho nos últimos dois anos e meio se tivesse investido o montante do contrato nos mercados imobiliários de países emergentes como ..., ... ou ..., para os quais a autora projectava deslocar-se;

j) Que com a carta junta como doc. nº 5 da petição inicial a ré demonstre desdenhar as suas obrigações e a protecção dos interesses da autora ou mesmo a realização do fim do contrato prometido;

l) Que tivesse sido essencial para a vontade da ré em contratar a construção de uma ponte entre a freguesia de ... e ... que iria reestruturar a rede viária e que iria desembocar exactamente no terreno em questão, bem como que tivesse sido a eventual construção de tal ponte que tivesse levado os responsáveis do Grupo FF a manterem-se no projecto;

m) Que o então Presidente da Câmara Municipal de ... tivesse garantido que tal ponte iria ser efectivamente construída e que tenha sido perante tal garantia que a ré celebrou o contrato promessa com a autora;

n) Que seja certo que a construção da rotunda não irá ser licenciada e que a sua exacta localização seja essencial para o projecto da ré;

o) Que a ré desconhecesse que a zona não se encontrava servida nomeadamente da rede de saneamento e da rede de fornecimento de enérgica eléctrica;

p) Que fosse convicção da ré de que a área se encontrava servida de tais redes infra-estruturantes, não contemplando no projecto qualquer área quer para a instalação de um PT (posto de transformação) quer para a criação de uma eventual ETAR.

IV.

Cumpre apreciar as questões acima enunciadas, começando-se naturalmente pelos pontos prévios invocados pela Recorrida; depois a nulidade formal alegada pela Recorrente; por fim, as questões relativas ao mérito.

1. Defende a Recorrida – renovando questão idêntica colocada no anterior recurso de revista interposto nestes autos – a inadmissibilidade do recurso, por violação do art. 639º do CPC, uma vez que as conclusões apresentadas são mera reprodução do conteúdo das alegações. Não há, assim, qualquer operação de síntese, o que traduz falta de conclusões, devendo o recurso ser rejeitado.

Tal como se reconheceu no acórdão do STJ 20.06.2017, anteriormente proferido neste processo, a recorrida tem razão num ponto: a excessiva extensão das conclusões, sendo evidente que estas não satisfazem o requisito de síntese previsto no art. 639º, nº 1.

Formalmente, porém, foram apresentadas conclusões, pelo que a decisão de inadmissibilidade do recurso, por esse motivo, seria, parece-nos, inteiramente desproporcionada e desajustada.

A questão que poderia pôr-se era a da necessidade de se convidar a Recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas, como se prevê no nº 3 do aludido artigo.

Neste caso, todavia, como se referiu também anteriormente, já se procedeu à triagem das questões que são efectivamente relevantes e que importará aqui apreciar; a Recorrida, porventura com mais dificuldade, contra-alegou, sem aparente perturbação ou sacrifício do contraditório; será ainda de notar que já ocorreram duas anulações de anteriores acórdãos da Relação.

Neste contexto, razões de justiça, de celeridade e de eficácia sobrelevam as razões de natureza formal, não se justificando a formulação do aludido convite[2].

2. A recorrida invoca também a existência de dupla conforme, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, referindo que o teor do acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª instância em relação ao pedido da recorrente, suportando a sua convicção em fundamentação essencialmente coincidente com aquela sentença e sem qualquer voto de vencido.

Sem razão, parece-nos.

A fundamentar esta sua questão, a recorrida reproduz excertos da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido, que convergem no entendimento de que a recusa da recorrida em outorgar a escritura na data marcada pela recorrente foi justificada, uma vez que não competia a esta tal marcação e não estava preenchida a condição estipulada pelas partes – ter sido obtida licença de construção do empreendimento.

Repare-se, porém, que, na sentença se concluiu que tal condição não se tinha ainda verificado, mas acrescentou-se que não se mostravam esgotadas as possibilidades de tal vir a acontecer, com a aprovação dos projectos nos precisos termos pretendidos pela ré.

Por outro lado, entendeu-se que não havia incumprimento definitivo da ré; mesmo a considerar-se que esta tinha incorrido em mora – na obtenção do licenciamento e aprovação dos projectos – essa mora não teria sido convertida, por qualquer forma, em incumprimento definitivo.

Daí que se tenha concluído na sentença pela improcedência da reconvenção (assente na não verificação da condição) e da acção (resolução do contrato por incumprimento definitivo da ré).

No acórdão recorrido considerou-se não verificada a aludida condição suspensiva e que essa não verificação apenas é imputável à autora. Acrescentou-se que está comprovado o incumprimento do contrato por banda apenas da autora, o que confere à ré o direito de resolução do contrato e restituição da prestação que realizou; afirmou-se ainda que improcede a pretendida resolução contratual pedida pela autora.

A fundamentação do acórdão, tem de reconhecer-se, é, com o devido respeito, muito sintética e pouco clara e, se bem a entendemos, difere essencialmente da adoptada na sentença da 1ª instância, quer quanto à verificação da condição, quer quanto ao incumprimento do correspondente dever secundário acessório (aprovação do projecto) que incumbia apenas à ré, quer quanto ao pedido de resolução formulado pela autora.

Não se verifica, por conseguinte, a nosso ver, a invocada situação de dupla conformidade.

3. A recorrente, por seu turno, sustenta que o acórdão recorrido é nulo, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – art. 615º, nº 1, al. b), do CPC.

No acórdão complementar proferido na Relação concluiu-se pela inexistência da nulidade invocada, afirmando-se que só a ausência (absoluta) de fundamentos de facto e de direito gera essa nulidade. Citando-se Alberto dos Reis, acrescentou-se que a fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada no recurso, mas não produz nulidade.

Também assim entendemos.

Ora, após a reapreciação da prova efectuada na Relação, nada parece poder apontar-se – nem é efectivamente apontado – à correspondente decisão de facto, mostrando-se devidamente especificados todos os factos provados e não provados (cfr. art. 607º, nº 3, do CPC).

No que toca à fundamentação jurídica, reconhece-se que, como já notámos, que ela poderia ser mais completa, clara e intrinsecamente coerente, conforme adiante melhor se explicará.

Mas não será nula por isso.

4. Estão assentes nos autos os seguintes factos:

- Entre autora e ré foi celebrado um contrato-promessa, em que a primeira prometeu vender à segunda e esta prometeu comprar àquela, o prédio aí identificado (pontos 2 e 3 dos factos provados);

- Foi estipulado pelas partes que seria condição essencial, para a concretização desse contrato, a aprovação sem reservas ou condicionantes do projecto, apresentado na CM de ..., de duas construções destinadas à instalação de duas unidades comerciais (Supermercado GG e ...), por todos e cada um dos órgãos e/ou entidades da Administração Pública que sobre os mesmos devessem pronunciar-se (4º);

- A ré ficou incumbida de marcar a escritura (11º), tendo sido convencionado que todos e quaisquer procedimentos administrativos necessários à autorização/licenciamento para construção serão da única e exclusiva responsabilidade da ré (14º);

- A ré requereu junto da CM de ... a aprovação dos projectos em causa, dando origem a três processos, tendo sido encerrados dois e estando o terceiro a aguardar movimentação (27º);

- No decurso desses processos vieram a realizar-se reuniões entre técnicos da CM de ... e representantes da ré no sentido de compatibilizar as pretensões da ré e as exigências administrativas, por existirem pareceres desfavoráveis à ré ou favoráveis mas com condicionantes (47º);

- Relativamente à apreciação do projecto para a Parcela B foram emitidos pareceres administrativos também com condicionantes e/ou sugestões, ficando a ré e a autarquia a aguardar que a outra parte impulsionasse o processo (51º).

Ponderando esta factualidade, foi entendido nas várias decisões proferidas nestes autos, com a concordância, agora, de ambas as partes, que o contrato-promessa celebrado entre estas foi sujeito a uma condição, qualificada como suspensiva.

Nos termos do art. 270º do CC as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

Como refere Pais de Vasconcelos, "é característico da condição, como cláusula típica, que o seu conteúdo corresponda à sujeição da eficácia do negócio, ou de parte dele, à verificação ou à não verificação de um facto e que esse facto, o facto condicionante, seja na condição tido como facto futuro e como facto incerto"[3].

No caso, foi expressamente estipulado no aludido contrato que era condição essencial para a celebração do contrato definitivo a aprovação e licenciamento pelas entidades administrativas do projecto apresentado pela ré, sem reservas ou condicionantes.

Assim, as partes quiseram sujeitar a concretização do futuro contrato de compra e venda – o efeito principal visado pelo contrato-promessa – à verificação desse facto futuro e incerto, tido como essencial: a aprovação sem reservas ou condicionantes do aludido projecto.

Nada a opor, portanto, à qualificação jurídica até agora seguida e aceite pelas partes.

5. A partir daqui as posições divergem.

É indiscutível, face ao que se provou, que a referida condição ainda não se verificou, uma vez que os projectos apresentados pela ré não foram definitivamente aprovados, tendo sido emitidos pareceres com condicionantes e sugestões de alterações a esses projectos.

A questão que se coloca é a de saber se a referida condição, que (ainda) não se verificou, pode (ainda) vir a verificar-se, sendo de notar que, segundo dispõe o art. 275º, nº 1, do CC, a certeza de que a condição não se pode verificar equivale à sua não verificação.

O problema é, assim, num primeiro momento, essencialmente de interpretação, sobre o sentido a atribuir à estipulação das partes: ser condição essencial para a concretização do contrato definitivo a aprovação do projecto sem reservas ou condicionantes.

Na sentença da 1ª instância, que é secundada pela recorrente, este problema não foi afrontado directamente, acolhendo-se, todavia, como parece evidente, um sentido que não se atém ao elemento literal da estipulação das partes: a condição ainda não se verificou, mas não pode afirmar-se com a necessária certeza e segurança que não poderá já verificar-se, ou seja, que se tenha por não verificada, nada demonstrando que as alterações propostas ao projecto apresentado não possam ser ultrapassadas através de negociações, não estando esgotadas as possibilidades de aprovação do projecto nos termos pretendidos pela ré.

No acórdão recorrido parece acolher-se implicitamente uma interpretação literal da aludida estipulação das partes, entendendo-se que a condição não se verificou (muito embora não se esclareça devidamente a razão por que se imputou à autora a não verificação da condição).

É esta a posição defendida pela recorrida: era aquele projecto que a ré pretendia ver aprovado e não outro; daí o cuidado de fazer constar do contrato a expressa referência de que o mesmo tinha de ser aprovado sem reservas ou condicionantes. Ora, tendo sido opostas condicionantes pelas entidades que apreciaram os projectos e não tendo sido provado que a ré tenha impedido, contra as regras da boa fé, a verificação da condição, tem de concluir-se que a condição não se verificou.

Sobre esta questão da interpretação da declaração negocial importa ter em atenção o que se dispõe no art. 236º do CC:

1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

E, bem assim, o preceituado no art. 238º do mesmo diploma:

1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

Nessa primeira disposição legal consagra-se a doutrina da impressão do destinatário: releva o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real e conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias.

"Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo"[4].

O sentido assim apurado sofre, contudo, nos negócios formais, de uma limitação de índole objectiva: esse sentido não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do documento.

Nos negócios formais, a letra do negócio constitui o primeiro elemento com que o interprete se confronta. Esse elemento literal, porém, não é mais do que a base ou ponto de partida da interpretação. Por mais claros ou unívocos que pareçam, os termos utilizados não dispensam essa tarefa de interpretação, por forma a confirmar ou contrariar essa aparência, considerando outros elementos ou circunstâncias atendíveis, como o comportamento das partes, anterior ou posterior ao negócio, as precedentes relações negociais entre as mesmas partes, o próprio tipo negocial, os termos do negócio e os interesses que nele estão em jogo e a finalidade prática prosseguida pelas partes[5].

Por outro lado, o intérprete não deve quedar-se na sua apreciação por expressões ou cláusulas isoladas, mas antes estender a sua análise, atentando no conjunto ou na totalidade da declaração, numa "interpretação complexiva" dessas expressões e cláusulas[6].

Invoca-se, a este propósito, o princípio da interpretação sistemática e contextual, segundo o qual o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas. Ou seja, "a cláusula negocial deve ser interpretada no seu contexto, à luz do micro-sistema regulatório que o negócio constitui, levando em consideração outras circunstâncias relevantes, e tendo em conta o fim prosseguido"[7].

No caso, não temos dúvidas que os termos utilizados nos pressupostos 2º e 4º do contrato-promessa – ser condição essencial para a concretização do contrato, a aprovação sem reservas ou condicionantes dos projectos apresentados – na sua literalidade, favorecem a interpretação subjacente à decisão do acórdão recorrido, que a recorrida defende abertamente.

Afigura-se-nos, porém, que a questão não deve ser resolvida com essa aparente simplicidade, desde logo, tendo em atenção a envergadura do empreendimento, com a construção de duas unidades comerciais de considerável dimensão. Tratava-se, justamente, de um "grande conjunto comercial", que, por isso, foi até considerado de interesse público municipal.

Perante essa dimensão e complexidade inerente dificilmente se concebe que não surgissem reservas, condicionantes ou sugestões de alterações aos projectos apresentados, por pouco significativas que fossem.

E, realmente, a factualidade provada demonstra que não seriam quaisquer reservas ou condicionantes que poderiam comprometer ou ser impeditivas da aprovação dos projectos nos termos pretendidos pela ré.

Disso é exemplo a resposta da ré à marcação pela autora da data para a celebração da escritura do contrato definitivo, ao referir que se reservava o direito de "analisar os efectivos contornos e condicionantes do licenciamento aprovado de forma a verificar se o mesmo respeita quer o previsto como condição essencial no contrato promessa quer o próprio projecto inicialmente apresentado".

Isto dito em carta de Janeiro de 2012, depois de conhecer as "condicionantes" comunicadas pela Câmara Municipal aquando da aprovação do projecto de arquitectura, no início de 2010. De todo o modo, daí decorre que, carecendo da referida análise e ponderação, nem todas as condicionantes seriam impeditivas da aludida aprovação.

Repare-se também que, no decurso dos processos de licenciamento foram realizadas várias reuniões entre técnicos da Câmara Municipal e representantes da ré no sentido de compatibilizar as pretensões desta e as exigências administrativas, por terem sido emitidos pareceres desfavoráveis ou favoráveis com condicionantes (facto 47º).

Portanto, apesar de existirem essas "condicionantes", não foi afastada liminarmente a possibilidade de as mesmas poderem ser supridas, harmonizando-se as posições da ré com as exigências administrativas.

Facto que, como o anterior, aponta para o carácter relativo do termo "condicionantes".

Quer dizer, para além da dimensão do empreendimento e da complexidade dos projectos a implementar, o comportamento contemporâneo e posterior da ré inculca claramente a ideia de que a condição essencial que previram para a concretização do negócio não tinha a ver com quaisquer reservas ou condicionantes, mas tão somente com aquelas que assumissem algum relevo, desvirtuando ou onerando significativamente os projectos apresentados e com que as partes não pudessem ou não devessem contar.

Não bastaria, pois, a mera existência de quaisquer condicionantes para impedir a verificação da aludida condição, não devendo a interpretação quedar-se por este sentido estritamente literal.

 A respeito da referida maior onerosidade, resultante das "condicionantes", será de notar que a ré não podia pretender que a Câmara Municipal, apesar do empenho que manifestou na concretização do empreendimento, deixasse de exercer as suas competências, fazendo cumprir as exigências legais aplicáveis ao caso e que, por sinal, eram do conhecimento da ré.

É o que se passa com duas questões que sobressaem da argumentação da ré: a construção de um posto de transformação de energia eléctrica e de uma ETAR, infra-estruturas que a ré sabia serem necessárias, conhecendo também o respectivo custo (v. factos 35, 36, 53, 54 e 55).

Conhecendo essas exigências legais, a ré não poderia dizer-se surpreendida com a sua imposição e a necessidade de as satisfazer, não podendo constituir uma "condicionante" no sentido em que este termo deve ser entendido, como acima se referiu.

Em suma, importa salientar, neste ponto preliminar, que as condicionantes e reservas a que se alude no contrato não devem ter um sentido absoluto e estritamente literal, que está subjacente à decisão do acórdão recorrido e é preconizado pela recorrida, não se identificando com quaisquer reservas ou condicionantes, mas, como se referiu, com condicionantes ou reservas que não pudessem ser removidas sem desvirtuar ou onerar significativamente os projectos apresentados e com que as partes não devessem contar.

Seria este, parece-nos, o sentido que um declaratário normal, com as qualidades acima apontadas, atribuiria à referida declaração negocial, tendo em conta o contexto e as circunstâncias em que foi estipulada, os termos do negócio, os interesses em jogo e a finalidade prosseguida pelas partes. Parece-nos também que esse sentido se conforma com o texto da declaração.

6. Visto o sentido que, a nosso ver, deve ser atribuído à declaração negocial sobre a condição de que dependia a concretização do contrato definitivo, é altura de nos debruçarmos sobre as demais questões, relativas ao mérito, colocadas pela recorrente.

Neste âmbito, a fundamentação do acórdão recorrido é deste teor:

"(…)

Vamos, então, ao caso que temos em mãos.   

Nos termos da cláusula segunda do contrato promessa celebrado entre autora e ré, em 17.10.2008, o preço acordado para o contrato prometido foi de € 2.500.000, tendo a ré pago à autora, a título de sinal e seu reforço, que, aliás, se presumiria- artº 441º CC- a quantia de € 700.000 (€ 500.000 + € 200.000).

Declarou a ora autora no contrato escrito de compra e venda celebrado com a ré, que “sabia ser condição essencial para a concretização do presente contrato, a aprovação no prédio descrito no pressuposto número um, sem reservas ou condicionantes em relação ao projecto que foi apresentado à Câmara de ..., de duas construções destinadas à instalação de duas UNIDADES COMERCIAIS (supermercado GG e ...), nos termos previstos na legislação em vigor…”.

Mais ficou estabelecido, no pressuposto 4º do contrato escrito de fls 32 a 39, que “reconhecem as outorgantes que é condição essencial para a celebração do presente contrato a aprovação e licenciamento do projecto referido no pressuposto segundo”.

Ora, interpretando o contrato de acordo com as regras da interpretação da declaração negocial previstas nos artºs 236º e 238º, CC, que consagram a teoria da impressão do declaratário, assente num critério objectivista da interpretação, “temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”- ver Pires de Lima, Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 222, considerando a própria natureza do contrato promessa celebrado e o facto de, aquando da outorga do contrato promessa (17.10.2008), nenhum processo de licenciamento da obra a realizar no prédio prometido vender tinha sido apresentado pela ré na Câmara Municipal de ..., conforme acima se refere na fundamentação de facto deste acórdão quanto à impugnação da recorrente/autora dos factos dados como não provados na sentença de primeira instância, evidentemente que naquele considerando contratual a condição suspensiva a que ficou sujeito é referente ao prometido futuro contrato de compra e venda.

Assim, sendo, a questão de direito essencial a decidir consiste em apurar a qual das contratantes (ou às duas) é imputável o não cumprimento do item contratual, pelo seu comportamento activo ou omisso ou por falta de cumprimento dos deveres acessórios de colaboração e da boa fé.

Não há para nós dúvida alguma, pela matéria de facto que resultou provada e não provada conforme o atrás exposto, que apenas à autora é imputável a não verificação da condição suspensiva contratual em apreço, nos termos dos artºs 270º, 272º e 275º, nº 2, segunda parte, do Código Civil.

É irrelevante para o caso, a marcação pela autora de data e local para a escritura pública de compra e venda e sua comunicação à ré, através da carta de 16.02.2012 (fls 42 e 43), dado que, resulta da devida interpretação do teor dos itens da cláusula terceira do documento escrito particular que titula o contrato promessa (fls 34) que, a quem cabia marcar a escritura era à ré, após a obtenção da licença de construção do empreendimento comercial a construir, tendo a ré respondido a tal carta da autora expondo as razões pelas quais não iria comparecer, razões essas que resultaram comprovadas face à matéria provado na primeira instância e corrigida/alterada por este acórdão, nos termos supra expostos.

Assim sendo, está comprovado o incumprimento do negócio (contrato promessa de compra e venda) por banda apenas da autora, o que confere à ré o direito de resolução do contrato e restituição da prestação que realizou, ou seja o sinal e seu reforço- artºs 801, nºs 1 e 2, 432º, nº 1, 433º  e 434º, nº 1, CC- resolução essa que a ré exerceu por via reconvencional nesta acção, nos termos do artº 436º, nº 1, CC.

Por sua vez, improcede a pretendida resolução contratual pedida pela autora por via desta acção e respectivas consequências legais.

Em conclusão, obedecendo ao douto acórdão do STJ de 26.11.2015 (fls 619 a 643), improcede a apelação da ré BB Construções, SA, quanto à impugnação da matéria de facto da sentença de primeira instância, mas procede quanto à questão de direito, ou seja a resolução contratual e condenação da autora, AA- Sociedade Imobiliária, SA, na devolução da quantia de € 700,000,00, que a ré lhe entregou a título de sinal e seu reforço, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais em vigor para as empresas comerciais, desde a notificação à autora da contestação/reconvenção da ré e até integral pagamento;

Improcede totalmente a apelação da autora".

Como já acima se afirmou, esta fundamentação, com o devido respeito, não nos parece clara e coerente, não explicando devidamente a razão por que se entendeu que "apenas à autora é imputável a não verificação da condição suspensiva contratual em apreço" e, bem assim, a razão por que se considerou "comprovado o incumprimento do negócio por banda apenas da autora, o que confere à ré o direito de resolução do contrato (…), resolução essa que a ré vem exercer por via reconvencional nesta acção".

Dir-se-á, simplesmente, sem necessidade de nos alongarmos neste ponto, que nunca esteve em causa nestes autos que a (assim afirmada) não verificação da condição fosse imputável à autora; nunca a ré o afirmou também. Por outro lado, o que a ré pediu em reconvenção foi que se considerasse ineficaz o contrato-promessa por (objectiva) "não verificação da condição essencial prevista contratualmente" – als. a), b) e c) do pedido indicado supra; a resolução do contrato-promessa, que também pediu em alternativa – al. d) do pedido – tinha a ver igualmente com a não verificação da aludida condição (cfr. art. 202º da contestação/reconvenção), não com qualquer incumprimento da autora que, em lado algum, foi alegado pela ré.

Tendo em conta a conclusão a que acima se chegou, sobre o sentido a atribuir à aludida declaração negocial – de ser condição essencial para a concretização do contrato a aprovação do projecto sem reservas ou condicionantes – é legítima, parecendo-nos clara, esta ilação: não se pode considerar não verificada essa condição suspensiva só pelo facto de os projectos apresentados terem obtido uma aprovação inicial com reservas ou condicionantes. Na verdade, como se referiu, não seriam quaisquer reservas ou condicionantes que obstariam à verificação da condição; e, em concreto, não ficou realmente demonstrada a existência de condicionantes que tivessem necessariamente este efeito.

Repare-se que, para além das infra-estruturas que acima referimos – o posto de transformação de energia eléctrica e a ETAR – que a ré sabia que teriam de ser realizadas, resulta dos autos a discussão sobre a construção de uma ponte, que ligaria ... a ..., e de uma rotunda, a integrar a EN 105, junto do empreendimento.

Porém, não se provou que a Câmara Municipal de ... tivesse garantido que essa ponte iria ser construída e que, de qualquer modo, essa construção tivesse sido essencial para a ré se determinar a contratar – al. l).

Por outro lado, também não se provou que a rotunda não venha a ser licenciada e que a sua exacta localização fosse essencial para o projecto da ré – al. n).

De todo o modo, como decorre da informação técnica de 04.12.2009 (fls. 109 e 110), comunicada à ré aquando da aprovação inicial do projecto de arquitectura, a infra-estruturação rodoviária, porque articulada com outros estudos de autoria municipal, deveria ser mais detalhadamente desenvolvida e pormenorizada; as restantes questões seriam supríveis na fase subsequente do processo, aquando da entrega dos projectos das especialidades, para o que a ré foi notificada (fls. 108) e a que, como decorre do que se apurou, não veio a dar qualquer sequência (cfr. facto 27).

Assim, tendo em atenção a factualidade provada, pode afirmar-se que, objectivamente, não existia certeza de que a condição – que, manifestamente, ainda não se verificou – não pudesse vir ainda a verificar-se. Não houve, na verdade, uma rejeição absoluta e definitiva do projecto pela Câmara Municipal, que estava, aliás, interessada na sua implementação, nem há elementos para concluir, com a necessária segurança, que esse projecto nunca viria a ser aprovado (sem prejuízo do que adiante será dito a propósito de incumprimento).

Daí decorre que o pedido reconvencional – a declaração de ineficácia ou, em alternativa, de resolução do contrato-promessa, por não verificação da condição ou pela certeza da sua não verificação – deva improceder.

7. Sustenta também a recorrente que a não verificação da condição apenas é imputável à ré, devendo reconhecer-se à autora o direito de resolução do contrato, com as consequências previstas no art. 442º do CC.

O pedido formulado pela autora de resolução do contrato por incumprimento da ré foi julgado improcedente na 1ª instância, no essencial, por, mesmo admitindo a mora da ré no cumprimento da obrigação derivada do contrato-promessa, essa mora não se teria convertido em incumprimento definitivo: a prestação da ré continuava a ser possível e não foi efectuada a interpelação admonitória, a que alude o art. 808º do CC; nem se verificariam os requisitos para que qualquer das partes pudesse invocar a perda de interesse na celebração do contrato definitivo, perda de interesse que teria de ser analisada objectivamente.

Acrescentou-se ainda que não ficou demonstrado que as partes tenham considerado um prazo máximo para o cumprimento do contrato, não estando ainda verificada a condição suspensiva; nem se apurou qualquer comportamento das partes que exprima inequivocamente uma vontade de não cumprir.

Numa primeira análise, esta fundamentação parece lógica e irrepreensível. No entanto, teria por consequência a subsistência de um contrato que estará, aparentemente, "morto", o que, aliás, não deixou de ser notado na sentença, ao alvitrar-se que a ré terá "deixado cair" o projecto, face ao tempo entretanto decorrido e à concorrência instalada na zona.

Decorre da factualidade provada que era condição essencial para a concretização do contrato prometido a aprovação do projecto sem reservas ou condicionantes.

À ré competia designar a data para a celebração da escritura do contrato definitivo, incumbindo-lhe também apresentar, promover e obter os projectos e licenciamento dos imóveis a implantar no terreno prometido vender.

A aprovação dos projectos representava, assim, para a ré o cumprimento de um dever secundário acessório da prestação principal (exclusivamente dirigido à realização do interesse do cumprimento)[8], por constituir condição necessária à celebração do contrato prometido.

É certo, como se diz na sentença, que não foi fixado um prazo máximo para a ré cumprir esse dever.

Todavia, as partes estavam convencidas de que seria adoptado por ambas um comportamento expedito e diligente e tinham a expectativa de que os licenciamentos seriam céleres, com vista à posterior celebração do contrato definitivo (factos 12 e 24).

E, na verdade, a ré assim procedeu inicialmente, requerendo a aprovação dos projectos, separadamente, para as parcelas A (GG) e B (...); no entanto, dos três processos iniciados, os dois primeiros foram encerrados e o terceiro aguarda movimentação.

Ou seja, os processos estão parados: os primeiros arquivados e o último sem movimentação.

No que respeita ao primeiro processo, referente ao edifício da parcela A (GG), a ré não deu assim sequência ao procedimento e à notificação que lhe foi feita, no início de 2010, para apresentar os projectos das especialidades, fase em que, como a própria Câmara Municipal admitiu, poderiam ser supridas algumas questões anteriormente suscitadas.

Essa falta de apresentação dos projectos das especialidades, como a ré sabia (fls. 108), implicaria, decorridos seis meses, a caducidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura e o arquivamento do processo, como veio a verificar-se.

Daí decorre que, em relação ao primeiro projecto, a ré nada mais fez para conseguir a aprovação deste, que não havia sido inviabilizada. O processo administrativo foi arquivado. Entretanto, até à propositura da presente acção decorreram cerca de dois anos e meio (e mais de quatro anos até ao encerramento da discussão em 1ª instância), prazo que se afigura perfeitamente razoável para o aludido efeito, pelo que não seria de exigir à autora que continuasse a esperar indefinidamente pelo cumprimento da ré, pelo menos sem vislumbrar que esta desenvolvia esforços úteis nesse sentido.

Nestas circunstâncias e na perspectiva do cumprimento do contrato-promessa, dir-se-ia que estaríamos face a uma impossibilidade temporária de cumprimento, uma vez que a celebração do contrato prometido não foi, e ainda não seria possível, por não ter sido obtida pela ré, como lhe competia, a aprovação dos projectos, o que constituía condição para a celebração do contrato definitivo.

Impossibilidade temporária que seria imputável à ré (como se presume – art. 799º do CC) e a responsabilizaria, por não ter usado "a diligência que um homem normal empregaria, nas circunstâncias do caso, para a evitar"[9].

A questão que, todavia, pode colocar-se é se essa situação será mesmo, apenas, de impossibilidade temporária.

Com efeito, é pacífico o entendimento de que a impossibilidade temporária deve ser equiparada à impossibilidade definitiva quando seja muito improvável que ela venha a cessar[10].

Como afirma Galvão Telles[11] o impedimento deve considerar-se definitivo e, portanto, também definitiva a impossibilidade dele resultante, se a sua cessação se apresentar como puramente eventual, ou seja, como efeito de algum facto extraordinário e imprevisível.

É esta, cremos, a situação que se nos depara nos autos, uma vez, no circunstancialismo descrito, a cessação da causa que impede o cumprimento é meramente eventual.

Com efeito, a possibilidade de cumprir dependeria do facto de a ré obter a aprovação dos projectos apresentados na Câmara Municipal, preenchendo, assim, a condição prevista no contrato.

Ora se, no substancial lapso de tempo entretanto decorrido até à propositura da acção (e até depois), a ré não satisfez aquela condição para poder cumprir – não demonstrando ter feito o que estava ao seu alcance para lograr esse objectivo, sendo certo que dispôs de tempo suficiente para o efeito, se agisse de boa fé e com normal diligência – é manifestamente improvável que ainda o venha a fazer.

Acresce que, nesta acção, a ré veio pedir, em reconvenção, que se declarasse a ineficácia do contrato-promessa, por não se ter verificado a condição estipulada pelas partes ou por ser certo que essa condição não se verificará; em alternativa, pediu que se lhe reconhecesse o direito de resolver o contrato-promessa com o mesmo fundamento.

Esta postura demonstra claramente, pelo menos[12], quão remota e improvável é a possibilidade de a ré vir a cumprir a obrigação a que se vinculou – aprovação do projecto, como condição para a celebração do contrato definitivo –, tornando desnecessária a fixação de um termo para o cumprimento dessa obrigação[13].

A situação é, assim, de impossibilidade definitiva de cumprimento, imputável à ré, devendo esta responder como se houvesse faltado culposamente ao cumprimento da obrigação (art. 801º do CC), conferindo à autora o direito de resolver o contrato e de haver para si o sinal prestado (art. 442º, nº 2, do CC).

Chegados a esta conclusão, fica prejudicada a última questão suscitada pela recorrente.

V.

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência:

- Julga-se improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré;

- Julga-se procedente o pedido formulado pela autora, declarando-se resolvido o contrato-promessa que celebrou com a ré, reconhecendo-se o direito da autora de haver para si o sinal prestado pela ré.

Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da ré.

Lisboa, 23 de outubro de 2018

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

_________________________
[1] Proc. nº 2975/12.8TBSTS.P1.S3
F. Pinto de Almeida (R. 260)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Cfr,, entre outros, os Acórdãos do STJ de 09.07.2015 e de 13.10.2016, em www.dgsi.pt.
[3] Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 357.
[4] P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208.
[5] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 482 e segs; E. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, 188 e segs; Evaristo Mendes/Fernando Sá, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 534 e segs; C. Ferreira de Almeida, Contratos IV, 294 e segs. Entre outros, os Acórdãos do STJ de 25.10.2011, de 12.06.2012 e de 05.07.2012, em www.dgsi.pt.
[6] E. Santos Júnior, Ob. Cit., 191.
[7] Evaristo Mendes/Fernando Sá, Ob. Cit., 536.
[8] C. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 337.
[9] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., 357.
[10] Entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, II, 4ª ed., 45; Vaz Serra, RLJ 100-253; Acórdãos do STJ de 26.10.89, BMJ 390-404, de 13.11.97, CJ STJ V, 3, 135.
[11] Ob. Cit., 317.
[12] Poder-se-ia realmente entender, mesmo na perspectiva mais moderada do Acórdão do STJ de 22.05.2018 (relatado pelo, aqui, Exmo 1º Adjunto, acessível, em www,dgsi.pt), que a declaração de resolução da ré, infundada, seria apta, por si, a extinguir o contrato-promessa, maxime neste caso, que tem subjacente o propósito da ré de não cumprir a obrigação que lhe competia e que constituía condição necessária para a celebração do contrato definitivo.
[13] Neste sentido, Vaz Serra, Ob. Cit., 255.