Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1161/14.7T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
PRAZO DE CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
DIREITO A REPARAÇÃO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
DEFEITOS
DENÚNCIA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, V, 141.
- Aníbal de Castro, A Caducidade, 23, 28.
- Antunes Varela, Manual, 671.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 279.º, AL. C), 331.º, N.º 2, 333.º, 342.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 259.º, 576.º, N.º 3, 615.º, N.º L, ALÍNEA C).
D.L. N.º 67/2003, DE 08-04: - ARTIGOS 1.º-A, N.º 2, 4.º, N.º 1, 5.º-A, N.ºS 2 E 3.
LEI N.º 24/96, DE 31-07 (LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR), ALTERADA PELO DEC. LEI N.º 67/2003, DE 08-04.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/10/1988, B.M.J., 380.º, 444.
-DE 19/01/2012, WWW.DGSI.PT .
-DE 07/02/2013, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A caducidade (do direito ou da ação) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente (v.g. a morte), faz desencadear a extinção do direito.

II - A prescrição, gizada em proveito do devedor ou do sujeito passivo da relação jurídica e destinada a censurar o desleixo do seu titular, tolhe o direito e embaraça a que o credor possa abrir mão da ação creditória; a caducidade porque tem a sua substancial razão no interesse público da segurança do direito e no interesse da presteza das relações jurídicas, derriba quer a ação creditória, quer a retenção a título de cumprimento (a “soluti retentio”).

III - A caducidade do prazo é interrompida com a entrada da petição na secretaria, a prescrição é com a citação que se interrompe; a prescrição não opera ipso jure e a caducidade, reportando-se a direitos subtraídos à disponibilidade das partes, extingue o direito e opera ipso jure, competindo ao réu o ónus da prova da inobservância do prazo prefixo de exercício do direito (arts. 333.º e 342.º do CC).

IV - Estando em causa um direito disponível, o reconhecimento do direito antes do decurso do prazo de caducidade tem eficácia impeditiva da sua verificação (art. 331.º, n.º 2, do CC); a circunstância jurídico-factual de tal prerrogativa ter sido reconhecida pelo beneficiário da caducidade faz com que se apague, de modo definitivo, todo o tempo que a caducidade integra, produzindo o renascimento e a efetivação do direito como se nunca se tivesse verificado tal exceção perentória.

V - O reconhecimento do direito em causa haverá, contudo, de ser indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece.

VI - No âmbito de um contrato de empreitada de reparação de um veículo automóvel – apesar de entre a data da denúncia dos defeitos e a instauração da acção ter decorrido o prazo de caducidade de dois anos a que se refere o art. 5.º-A, do DL n.º 67/2003, de 08-04 – resultando do contexto jurídico-factual que a ré, oficina de automóveis, sempre se prontificou, clara e inequivocamente, a ressarcir o autor pelos danos verificados no motor do veículo por si reparado, é de concluir ter assumido a responsabilidade pela reparação do veículo, o que faz com que, por força do disposto no n.º 2 do art. 331.º do CC, a caducidade não possa ter operado. 

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, solteiro, residente na .............., F...., Troviscal, intentou a presente acção, sob a forma de processo comum, contra:

  1. BB, S.A., com sede na ............, Lote ..., ... e ... Lisboa; e

   2. CC, S.A., com sede na Zona Industrial de ......., Loulé, pedindo a condenação destas a pagarem-lhe:

a) 71,65 €, a título de quantia liquidada pelo A. pelo serviço de pronto socorro;

b) 10.800,00 €, a título de despesas de parqueamento calculadas até à presente data;

c) 172,20 €, a título de serviço de desmontagem e verificação de peças danificadas;

d) 307,50 €, liquidados pelo A. com a peritagem do veículo;

e) 4.659,24 €, despendidos pelo A. no aluguer de viaturas de substituição;

f) a proceder à reparação da viatura 00-00-00 ou, subsidiariamente, a liquidar a quantia de  6.347,69 € necessária para reparar a viatura;

g) 1.197,38 €, a título de danos provocados pela longa imobilização da viatura;

h) 32.400,00 €, a título de privação de uso;

i) todas as quantias que se vierem a apurar no decurso da presente acção, nomeadamente as relativas ao parqueamento e à privação do uso.


     Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

No início do mês de Junho de 2011, decidiu contratar uma oficina “B............”, atentas as garantias prestadas pela 1ª ré na qualidade do serviço da rede de oficinas que ostentam essa sua marca. E, no dia 21/6/2011, deixou a sua viatura automóvel Volkswagen, modelo Transporter, matrícula 00-00-00, aos cuidados dos mecânicos da oficina “B............” de Aveiro, explorada pela 2.ª Ré, a fim de ser substituído o sistema de distribuição e a bomba de água, a qual foi levantada, depois de ter sido avisado que estava pronta, tendo liquidado o valor de 411,08 €.

Deslocou-se da oficina para a sua residência, não tendo voltado a utilizar o veículo até 28/06/2011, data em que o seu motor produziu um forte estrondo e parou imediatamente, quando circulava na A29, sentido Estarreja - Porto.

Nesse mesmo dia, transportou a viatura para as instalações da 2.ª ré e, perante a informação de que a avaria se devia a uma intervenção anterior, fez transportá-la para a oficina da Norauto, onde a mesma tinha ocorrido. Posteriormente, face à negação da assunção de responsabilidades, transportou-a para a oficina DD, em Malhapão, Oiã.

Durante o mês de Julho de 2011, foi contactado pelos responsáveis da 2.ª ré no sentido de ser efectuada uma peritagem à viatura, tendo esta sugerido que fosse feita pela “D.......... - Peritagem Automóvel, S.A”., e tendo-se comprometido a reconhecer a responsabilidade pelo sucedido, caso o respectivo relatório atribuísse a responsabilidade da avaria à reparação efectuada nas suas oficinas. A D.......... concluiu, no seu relatório, que os danos verificados no motor estão relacionados com a intervenção efectuada aos 130.490 kms., ao nível do sistema de distribuição.

No entanto, todas as propostas feitas não reparavam integralmente os danos, os quais continuam a verificar-se e que se traduzem nos valores pedidos.

   Separadamente, ambas as rés contestaram, mas.

A 1.ª ré negou qualquer responsabilidade quer porque nenhuma intervenção teve na viatura quer porque ela não lhe advém da sua posição de gestora da rede B............, onde as oficinas são independentes, actuando no mercado por sua conta e risco e não obtendo ela qualquer percentagem da sua facturação ou lucros provenientes da actividade das mesmas. Impugnou os factos articulados pela autora e concluiu pela improcedência da acção.

A 2.ª ré contestou por excepção e por impugnação. Excepcionou a caducidade do direito de acção, visto esta ter sido instaurada em 16/6/2014, depois de decorridos dois anos sobre a entrega do veículo, que ocorreu em 21/6/2011. Acrescentou que nunca reconheceu, nem reconhece, que tenha efectuado deficiente substituição do sistema de distribuição e bomba de água e que a sua intervenção fosse causal de danos sofridos no motor. Contudo, para não ser prejudicado o seu prestígio comercial, para não criar descontentamento no A. e evitar o litígio judicial, escreveu a este, em 14/02/2012, solicitando-lhe que entregasse o veículo na sua oficina, em Aveiro, a fim de resolver a reclamação. O A. não entregou aí o veículo nem nunca mais comunicou consigo. O veículo 00-00-00 tem o valor comercial de cerca de 1.500,00 €. Concluiu pela improcedência da acção.

O autor respondeu impugnando os novos factos alegados.

No início da audiência prévia realizada, o autor pronunciou-se pela improcedência da excepção de caducidade.

Foi proferido despacho saneador que relegou o conhecimento dessa excepção para a sentença.

Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

Após, em 11/2/2016, foi lavrada sentença, onde foi decidido:

A) Julgar a acção parcialmente procedente quanto à 2.ª ré e, por via disso, condená-la a:

  a) proceder à reparação da viatura 00-00-00 com a colocação de motor novo;

 b) pagar ao A. € 71,65 pelo reboque do veículo;

 c) pagar ao A. € 3.003,73 pelo aluguer de viaturas;

 d) indemnizar o A. pelo dano da privação do uso do veículo 00-00-00 no montante que se vier a apurar em liquidação de sentença no período entre 28/06/2011 e 31/10/2011.

B) Absolver a 2.ª Ré dos restantes pedidos.

C) Absolver a 1.ª Ré de todos os pedidos, na sequência da improcedência total da acção quanto a ela.


Inconformado com o assim decidido, desta sentença apelou o autor AA.

  Nas suas contra-alegações a ré “CC, S.A.”, interpôs recurso subordinado da mesma sentença.


A Relação do Porto, apreciando ambos os recursos, por acórdão de 11.10.2016 (cfr. fls. 441 a 459), decidiu assim:

   A) Julgar a apelação principal improcedente;

   B) Julgar o recurso subordinado procedente e revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a ré CC, SA, que se absolve de todos os pedidos.

 

     Desagradado, recorre agora para este Supremo Tribunal o autor AA, que alegou e concluiu pelo modo seguinte:

   A) O Douto Acórdão recorrido, ao decidir pela procedência da excepção de caducidade, não toma em consideração a matéria provada, ou seja, decide em desconformidade com os factos assentes;

   B) Na verdade, dos factos assentes em 14, 15, 16, 17, 20 e 21 da fundamentação da douta sentença proferida em primeira instância, resulta que a recorrida CC assumiu perante o recorrente, o defeito da reparação efectuada e o dever de reparar e indemnizar, caso uma entidade independente o determinasse;

   C) A entidade independente sugerida pela própria CC concluiu que, tendo em conta os danos verificados no motor, os mesmos estão relacionados com a intervenção efectuada aos 130.490 kms, ao nível do sistema de distribuição (cfr. 20 dos factos assentes);

   D) Assim sendo, o Douto Acórdão recorrido comete a nulidade a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, alínea c) - a fundamentação está em oposição com a decisão;

   E) Por outro lado, tendo a ré/recorrida reconhecido a deficiência da reparação que lhe foi oportunamente denunciada pelo autor/recorrente e a responsabilidade pela reparação e demais danos emergentes, ocorre causa impeditiva de caducidade;

   F) Com efeito, nos termos do n.º 2 do art.º 331.º do Cód. Civil, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido;

  G) O recorrente denunciou o defeito de reparação em 28.06.2011 e o recorrido, antes de decorrido o prazo de dois anos, reconheceu o defeito dos serviços prestados e o dever de reparação de todos os danos, pelo que se nos afigura sem fundamento declarar a caducidade pelo simples facto de que a presente acção foi intentada em 16 de junho de 2014.

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido, e seja julgada improcedente a excepção de caducidade.


  Contra-alegou a recorrida “CC, S.A.” pedindo a manutenção do julgado.


   Em conferência, datada 24.01.2017 (cfr. fls. 491/492), a Relação pronunciou-se no sentido de que o acórdão em revista não cometeu a nulidade prescrita no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.Civil (oposição da fundamentação com a decisão).


     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

   Na sentença apelada foram dados como provados os seguintes factos:

 1 - A 1ª Ré BB, S.A., tem por objeto o comércio de artigos de eletromecânica e mecânica de precisão, podendo, todavia, exercer qualquer outra actividade afim, congénere e complementar, ainda que industrial, quer diretamente, quer associando-se a outras empresas, e a prestação de serviços nas áreas da informática, tesouraria e gestão, bem como a prestação de serviços de consultoria económica e contabilidade a outras sociedades pertencentes ao mesmo grupo económico em Portugal – fls. 202/209 (A).

2 - A 2ª Ré CC, S.A., dedica-se à reparação de veículos automóveis e, no âmbito desta atividade, é uma das oficinas que ostenta a marca “B............” (B).

3 - A 1ª Ré publicita que: “O B............ é um conceito completo de manutenção e reparação automóvel multimarca, assente em três áreas fundamentais de atuação: produtos, know how e orientação para o cliente” – fls. 23 (C).

4 - O A. constatou que existia uma oficina da rede “B............”, em Aveiro, a da ora 2ª Ré, e deslocou-se à mesma, a 21/06/2011, a fim de ser substituído o sistema de distribuição e a bomba de água da carrinha de marca Volkswagen, modelo Transporter, matrícula 00-00-00, de acordo com as recomendações de manutenção do fabricante (D).

5 – Esta carrinha era propriedade do A. por lhe ter sido dada pelo irmão EE.

6 - O A. deixou a carrinha, à data com 130.490 kms., aos cuidados dos mecânicos da oficina “B............”, explorada pela 2ª Ré (E).

7 - No mesmo dia 21/06/2011, o A. foi informado telefonicamente que a carrinha já estava pronta e podia ser levantada (F).

8 - O A. levantou o veículo das instalações da 2ª Ré, tendo liquidado o valor facturado pela realização dos trabalhos efetuados, no valor de € 411,08 (IVA incluído), conforme fatura nº 11/50473 emitida pela 2ª Ré – fls. 24 (G).

9 - No dia 28/06/2011, a carrinha deu entrada nas instalações da 2ª Ré, transportada por reboque, com 130.614 kms. – fls. 25 (H).

10 - A 2ª Ré informou “causa provável para partir bloco, motor gripou, possível lubrificação deficiente” – fls. 25 (I).

11 - Perante esta informação, o A. fez deslocar a viatura para a oficina da Norauto, local onde havia realizado a última revisão da viatura (J).

12 - Após vistoria dos mecânicos desta oficina, o A. foi informado que não existia qualquer falha na lubrificação do motor da viatura, tendo pelos responsáveis da oficina da Norauto sido emitido o “Relatório de Intervenção Técnica” de fls. 26 do qual consta o seguinte:

“A viatura com a matrícula 00-00-00, modelo VW Transporter Caravelle, deu entrada nas nossas instalações para ser efetuado um diagnóstico, visto que o motor se encontrava imobilizado (partido). Da parte técnica foi desmontado o cárter a tampa das válvulas bem como a distribuição visto ter sido trocada há pouco tempo. Nenhuma peça foi trocada ou mexida para um diagnóstico apurado, foi então visto que: não existiu falta de óleo. Os bronzes estão bons. Não existe sinal do motor ter sido colado. Não houve falta de lubrificação. Não há destempero das peças metálicas dentro do motor. Existe uma viela que está partida. O bloco está partido. O cárter está partido. Existe um piston partido. Todo o material partido encontra-se do lado da distribuição (1º Cilindro). Conclusão: teve de existir uma pancada de cima para baixo para partir o piston e por sua vez partir a viela. Não houve falta de lubrificação do motor. Este diagnóstico foi executado por 3 (três) técnicos diferentes” (K).

13 - Os responsáveis da 2ª Ré deslocaram-se às instalações de DD a fim de inspecionarem o veículo, e no final a 2ª Ré emitiu a declaração junta a fls. 27, datada de 12/07/2011, da qual consta: “após deslocação ao local onde se encontra a viatura verificamos: - o sucedido apenas danificou o 1º cilindro, se a origem do problema fosse o estar mal comandado, todos os cilindros/pistões, deveriam estar marcados pelas válvulas, o que não se verifica. Apenas o 1º cilindro tem o chapéu de válvula partido, não havendo qualquer dano nos outros cilindros. – Se a viatura saísse da oficina descomandada na distribuição, a mesma teria dificuldade a pegar, iria fazer muito fumo e iria ter o relanti incerto, tal não se verificava. A viatura após ter sido substituída a distribuição saiu das nossas instalações dia 21/06/2011 a pegar bem, relanti estável e não fazia fumo” (L).

14 - O A. iniciou procedimento para resolução extrajudicial da questão através de apresentação de reclamação à DECO e, diretamente, junto da 1ª Ré (M).

15 - Durante o mês de Julho de 2011, o A. foi contactado pelos responsáveis da 2ª Ré no sentido de ser efetuada uma peritagem à viatura, a realizar por uma entidade independente, tendo esta sugerido que tal serviço fosse prestado pela “D.......... – Peritagem Automóvel, S.A.” (N).

16 - Os responsáveis da 2ª Ré comprometeram-se a reconhecer a responsabilidade pelo sucedido, caso o relatório da D.......... atribuísse a responsabilidade da avaria à reparação efetuada nas suas oficinas (O).

17 - O mesmo compromisso foi assumido pela 2ª Ré perante a DECO, em e-mail remetido a 23/08/2011, e que aquela associação reencaminhou para o A., e do qual resulta expressamente que “… se a conclusão dessa peritagem atribuísse a responsabilidade à CC, esta assumiria todos os custos” – fls. 33/34 (P).

18 - O A. contratou os serviços da D.......... (Q).

19 - No dia 12/08/2011, os serviços de peritagem da D.......... realizaram a inspeção à viatura, tendo elaborado relatório técnico, com levantamento fotográfico, datado de 18/08/2011, cujo conteúdo foi prontamente comunicado ao A. e RR. (R).

20 - Do referido relatório, junto a fls. 35 a 57, constam a seguintes conclusões:

“A análise efetuada aos materiais do motor da viatura revelou danos ao nível da cabeça do motor e respetivas válvulas, primeiro cilindro, correspondente pistão e biela. Esta situação foi provocada pelo embate entre as referidas válvulas e os respetivos pistões, fora do seu tempo normal, vindo a provocar os danos visíveis.

Analisadas as fixações entre as molas de retorno e as válvulas, constata-se que as mesmas não apresentam danos ou deficiências, apesar do impacto que as válvulas de escape foram sujeitas. A quebra da válvula de escape do primeiro cilindro, devido ao embate sofrido entre a mesma e o respetivo pistão, originou sucessivos entalamentos da mesma entre a cabeça do motor e a coroa do pistão, danificando a cabeça e o pistão. O entalamento da porção da válvula danificada no primeiro cilindro, originou a quebra da biela, devido ao bloqueio do movimento ascendente do conjunto pistão/biela, danificando posteriormente o bloco do motor. As restantes válvulas de escape, e pistões, também apresentam marcas de embate das válvulas na coroa dos pistões.

Na nossa análise verificámos o carreto da correia de distribuição da cambota, não sendo visíveis quaisquer danos no mesmo, ou indícios de uma folga excessiva do escatel que efetua o travamento do carreto de distribuição da cambota. O tensor da correia de distribuição também não apresenta quaisquer danos ou prisões, tendo sido substituído recentemente. A correia de distribuição não apresenta desgaste, ou indícios, de ter sofrido uma passagem de dentes pelo dessincronismo do motor.

No prosseguimento da nossa análise não detetámos indícios de deficiente lubrificação ao nível do motor, ou de excesso de temperatura, que pudessem ter originado os danos verificados. Também não foram identificados indícios de uma utilização incorreta do veículo por parte do seu utilizador.

Em nosso parecer, e tendo em conta os danos verificados no motor, os mesmos estão relacionados com a intervenção efetuada aos 130.490 kms., ao nível do sistema de distribuição.

A conclusão final da D.......... é que as avarias que o motor da viatura apresenta resultaram do seu funcionamento fora do seu ponto de sincronismo, originando os danos verificados nos seus componentes (S).

21 - O A. pagou o preço da perícia referida em S), no valor de € 307,50 (T).

22 - A 2ª Ré enviou ao A. a carta junta a fls. 61, datada de 14/02/2012, na qual lhe solicita que entregue o veículo na oficina em Aveiro “para que possamos resolver a reclamação, como é postura usual desta empresa”. E acrescenta “lembramos que o valor pago pela reparação foi de € 411,08 e que, por lei, a reposição da conformidade não pode ser desproporcionalmente onerosa para o fornecedor, neste caso a CC, S.A.” (U).

23 – O A. recebeu, no início de Junho de 2011, um e-mail da Associação de Defesa dos Consumidores (DECO), no qual lhe era comunicado a existência de um protocolo celebrado entre esta associação e a “B............”, através do qual os associados da DECO poderiam usufruir de um desconto de 10% na revisão das viaturas automóveis realizadas num Centro B.............

24 - E decidiu contratar uma oficina “B............” não só pelo desconto oferecido, mas pela confiança que lhe merecia a marca “B............”.

25 – No dia 21/06/2011, o A. deslocou-se da oficina para a sua residência, não tendo voltado a utilizar o veículo até ao dia 28/06/2011.

26 - No dia 28/06/2011, o A. circulava na A29, sentido Estarreja – Porto, na companhia de sua mãe, quando o motor da carrinha produziu um forte estrondo e parou imediatamente de trabalhar, tendo o A. conseguido imobilizá-la na berma da auto-estrada.

27 - No dia 28/06/2011, a viatura foi inspecionada na oficina da 2ª Ré pelo mecânico de serviço, tendo o mesmo referido que os problemas verificados no motor pareciam dever-se a falta de lubrificação.

28 - Na posse do relatório referido em K), o A. contactou novamente a oficina da 2ª Ré, expondo as conclusões do mesmo e solicitando a assunção de responsabilidades da oficina, uma vez que tudo indicava que os problemas na viatura seriam da deficiente substituição do KIT de distribuição efetuada dias antes naquela oficina.

29 - O A. não obteve resposta imediata ao pedido de assunção de responsabilidades, pelo que fez deslocar a viatura para a oficina DD, sita em Malhapão, Oiã, onde ficou imobilizada.

30 - Os danos verificados no motor resultaram da intervenção efetuada aos 130.490 kms. ao nível do sistema de distribuição.

31 – Após a peritagem feita pela D.........., a 2ª Ré assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo e decorreram negociações entre esta e o A. (sempre mediadas pela 1ª Ré) nos termos das quais:

 a) a 2ª Ré começou por propor a reparação da viatura usando um motor retificado, com dois anos de garantia;

 b) o A. exigiu que o motor fosse novo, e, a 30/08/2012, a 2ª Ré aceitou colocar um motor novo no veículo;

 c) o A. disse, então, que não confiava na 2ª Ré nem em qualquer das oficinas da B............;

 d) a 2ª Ré concordou, a 05/06/2013, pagar-lhe € 5.377,00, de despesas, e pagar a reparação da viatura numa oficina escolhida pelo A. até ao valor máximo de € 7.500,00;

 e) o A. disse, então, que já não tinha interesse na reparação da carrinha e que queria ser indemnizado em dinheiro;

 f) a 17/07/2013, foi-lhe proposta uma compensação monetária no valor de € 9.000,00, que foi recusada pelo A.;

 g) a 22/11/2013, foi-lhe feita uma última proposta de pagamento de € 13.500,00, que foi recusada pelo A..

32 – A cada nova proposta que lhe era apresentada, o A. pedia sempre uma indemnização maior, pelo que as RR. entenderam que estava a haver má fé por parte do A. e deixaram de apresentar propostas de acordo.

33 – As propostas apresentadas tinham a finalidade de evitar o recurso a Tribunal e manter o bom nome da 2ª Ré.

34 – A carrinha continua aparcada nas instalações de DD, no parque exterior desta.

35 - O A. despendeu € 71,65 no transporte da viatura, na sequência do rebentamento do motor na A29 no dia 28/06/2011.

36 – O A. mora numa moradia com terreno à volta, com lugar para parquear a carrinha.

37 – Foram alugadas as seguintes viaturas equivalentes à carrinha:

 a) uma Ford Transit, matrícula 00-00-00, entre os dias 29/08/2011 e 19/09/2011, tendo para o efeito liquidado € 1.958,31;

 b) uma Mercedes Benz MB Vito, entre os dias 30/08/2012 e 04/09/2012, tendo para o efeito liquidado € 1.045,42;

 c) uma Mercedes Benz MB Vito, matrícula 00-00-00, entre os dias 04/09/2012 e 03/10/2012, tendo para o efeito liquidado € 1.655,51.

 38 – Estas viaturas foram utilizadas pelo irmão do A. e pela família deste, que residem habitualmente no estrangeiro, nos períodos em que estiveram de férias em Portugal.

39 – O A. é proprietário de uma viatura ligeira de passageiros de marca Audi.

40 – O A. não informou a 2ª Ré que tinha solicitado à D.......... a realização da perícia referida em R) e S), nem a informou do dia e hora em que a mesma ia ser realizada.

41 – A carrinha já fazia um pequeno barulho antes da intervenção referida em 6 a 8 dos Factos Provados.

42 - Cerca de meia hora depois de ter saído da oficina, a 21/06/2011, o A. regressou à oficina dizendo que o motor estava a fazer um barulho intenso.

43 - Os responsáveis da oficina disseram ao A. que parecia ser um problema nas “tuches”, que podia continuar andar com o carro.

44 - E propuseram-lhe, ainda, ao A. que deixasse a viatura para reparação, tendo-lhe sido dito que o levavam a casa.

45 - No dia 28/06/2011 o A. não permitiu que a 2ª Ré desmontasse o motor.

46 - A 2ª Ré propôs-lhe efetuar a desarmação do motor e receber a viatura.

47 - A partir de finais de Julho de 2011, o A. deixou de contactar diretamente a 2ª Ré, passando os contactos a ser feitos através da 1ª Ré.

48 - A 2ª Ré marcou reuniões com o A. para os dias 13 e 15 de Dezembro de 2011. Na primeira data o A. telefonou a dizer que ia chegar atrasado e o gerente da 2ª Ré não pode esperar. Da segunda vez o A. não compareceu.

49 - No dia 15/12/2011, a 2ª Ré comunicou à 1ª Ré que assumiria a reparação do veículo sem custos para o A., informação que a 1ª Ré transmitiu de imediato ao A..

50 - O A. não entregou o veículo na oficina da 2ª Ré para reparação, mesmo após ter recebido a comunicação de 15/12/2011.

51 - O veículo 00-00-00 tem o valor comercial de cerca € 2.000,00.

52 - A “B............” constitui um conceito corporizado numa rede de oficinas independentes que atuam no mercado por sua conta e risco sob a referida imagem “B............”.

53 – A 1ª Ré não obtém qualquer percentagem da sua faturação ou lucros provenientes da atividade dessas oficinas, que mantêm a sua total autonomia.

54 - As oficinas integram a rede “B............” para obter da 1ª Ré apoio no desenvolvimento e promoção da sua atividade, a diversos níveis (acesso a bonificações de compras exclusivas), tecnológico (acesso a equipamentos), gestão de marketing, aconselhamento da relação com clientes, reclamações, recursos humanos.

55 - As oficinas “B............” são integradas num programa de monitorização da qualidade, através de auditorias realizadas por uma entidade externa, exigindo-se que cumpram elevados parâmetros qualitativos para que se mantenham integradas na referida rede.

56 - A 1ª Ré dedica-se à gestão desta rede “B............”, mas não se dedica à prestação de serviços de mecânica e revisão automóvel, não sendo proprietária de qualquer oficina ou estabelecimento de reparação automóvel, nem comercializa diretamente ao público os seus produtos de linha automóvel ou outros.


   A Relação, todavia, procedendo à reapreciação do julgamento da matéria de facto, alterou a redação do n.º 5 dos factos provados nos seguintes termos:

  “A propriedade do veículo com a matrícula 00-00-00, marca Wolkswagen, encontra-se inscrita no registo automóvel a favor do autor, desde 10/9/2015”.



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     Nesta ação pretende o autor AA que as rés “BB, S.A.” e “CC, S.A.” sejam condenadas a lhe pagarem os prejuízos que lhe advieram em consequência de serem as responsáveis pela avaria ocorrida na reparação da substituição do sistema de distribuição e da bomba de água da sua viatura automóvel Volkswagen (Transporter), matrícula 00-00-00, efectuada nas suas oficinas e relativamente à qual liquidou o valor de 411,08 €.

    

As rés negam a obrigatoriedade deste pagamento.

 A “BB, S.A.” defende-se no sentido de que nenhuma intervenção teve na viatura.

 A “CC” invoca em seu proveito a exceção de caducidade do direito de acção (a ação foi instaurada em 16/6/2014, isto é, depois de decorridos dois anos sobre a entrega do veículo, que ocorreu em 21/6/2011), acrescentando que não reconhece que efectuou deficiente substituição do sistema de distribuição e bomba de água e que a sua intervenção fosse causal de danos sofridos no motor; solicitou ao autor, em 14/02/2012, que lhe entregasse o veículo na sua oficina, em Aveiro, a fim de resolver a reclamação, mas ele não entregou aí o veículo nem nunca mais comunicou consigo, afirma a recorrida.

A 1.ª instância absolveu a ré “BB, S.A.” de todos os pedidos e condenou a ré “CC” a proceder à reparação da viatura 00-00-00 com a colocação de motor novo, a pagar ao A. € 71,65 pelo reboque do veículo, a pagar ao A. € 3.003,73 pelo aluguer de viaturas e a indemnizar o autor pelo dano da privação do uso do veículo 00-00-00 no montante que se vier a apurar em liquidação de sentença no período entre 28/06/2011 e 31/10/2011.


  A Relação, todavia, com o fundamento em que foi excedido o prazo de dois anos que o demandante tinha para exercer os seus direitos em juízo - a avaria ocorreu em 28/6/2011 (dia em que procedeu à denúncia da desconformidade) e a ação foi instaurada apenas em 16.06.2014 - considerou verificada a excepção peremptória da caducidade do exercício dos direitos invocados pelo autor (art.º 576.º, n.º 3, do CPC); e, considerando procedente o recurso subordinado interposto pela ré “CC”, julgou prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas apelações.


   É contra esta deliberação que o autor AA reage.

   Para o recorrente, ao decidir pela procedência da excepção de caducidade o acórdão recorrido não toma em consideração os factos assentes em 14, 15, 16, 17, 20 e 21 e, por isso, comete a nulidade prescrita no art.º 615.º, n.º 1, alínea c) - a fundamentação está em oposição com a decisão.

   Por outro lado, tendo a ré/recorrida “CC” reconhecido a deficiência da reparação que lhe foi oportunamente denunciada e a responsabilidade pela reparação e demais danos emergentes, ocorre causa impeditiva de caducidade, nos termos do n.º 2 do art.º 331.º do Cód. Civil.



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                               Vejamos se assiste razão ao recorrente/autor.

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   I. É nula a sentença - ou acórdão - quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão - artigo 615.º, n.º l, alínea c), do C.P.Civil.

   Opera-se este vício na sentença sempre que nela se manifeste falta de coerência na abordagem dos motivos e na resolução final da acção, dessa condução analítica se podendo inferir que a argumentação nela posta conduz a resultado diverso do expendido - esta nulidade verifica-se quando os fundamentos invocados pelo Julgador deveriam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na sentença (Prof. Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil Anot., V, pág. 141; A.Varela, Manual, pág. 671 e Ac. do S.T.J. de 21.10.1988; B.M.J.; 380.º. pág. 444).

   Citando a jurisprudência e a doutrina que sobre a temática da caducidade tratam, procura o acórdão recorrido demonstrar, clara e juridicamente convincente, por que motivo se verifica a excepção peremptória da caducidade:

No caso em apreço, a 2.ª ré limitou-se a solicitar, por carta de 14/2/2012, que lhe fosse entregue o veículo na oficina de Aveiro para que pudesse “resolver a reclamação”, lembrando, no entanto, que “o valor pago pela reparação foi de € 411,08 e que, por lei, a reposição da conformidade não pode ser desproporcionalmente onerosa para o fornecedor, neste caso a CC, S.A.”.

Daqui não resulta, nem de parte alguma dos factos provados, um reconhecimento concreto e inequívoco, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso.

Note-se, ainda, que os factos que serviram para o tribunal recorrido negar a verificação da caducidade - os constantes dos n.ºs 31, 32 e 33 da fundamentação de facto -, foram dados como não provados no âmbito do recurso interposto pelo autor!

Este recebeu a viatura que foi objecto da reparação logo no dia em que incumbiu a ré de a fazer, ou seja, em 21/6/2011. A avaria ocorreu em 28/6/2011, dia em que procedeu à denúncia da desconformidade.

Tinha dois anos, a contar dessa data, para propor a acção.

Tendo a acção sido instaurada apenas em 16 de Junho de 2014, é manifesto que se verificou a excepção peremptória da caducidade, a qual importa a absolvição total do pedido (art.º 576.º, n.º 3, do CPC).


  A fundamentação assim expressa, sobre a verificação da caducidade, aponta claramente para a decisão que o acórdão proferiu; e, porque esta determinação é consentânea com a motivação jurídica posta no acórdão recorrido, não colhe a argumentação deduzida pela recorrente no sentido de que se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º l, alínea c), do C.P.Civil.


  II. A distinção entre caducidade e prescrição nem sempre foi admitida (o Prof. Guilherme Moreira tergiversou nesta doutrinal diversificação); e mesmo agora não é fácil de se fazer - com o fundamento em que o conceito de prescrição das acções não se ajustava à estrutura da prescrição das obrigações (prevenida no Código Civil) surgiu a polémica quanto à conformidade ou desconformidade respectiva, a qual, através das vicissitudes narradas, culminou na afirmação e conclusão de que os prazos de propositura de acções, quando de caducidade, constituem uma figura diferente da prescrição, uma figura autónoma, uma figura a se.[1]


Actualmente a caducidade (do direito ou da acção) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma acção pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma natural circunstância que, naturalmente (v.g. a morte), faz desencadear a extinção do direito.

    

A prescrição, gizada em proveito do devedor ou do sujeito passivo da relação jurídica e destinada a censurar o desleixo do seu titular, tolhe o direito e embaraça a que o credor possa abrir mão da acção creditória; a caducidade porque tem a sua substancial razão no interesse público da segurança do direito e no interesse da presteza das relações jurídicas, derriba quer a acção creditória, quer retenção a título de cumprimento (a “soluti retentio”).                                                                                                                        

 A prescrição destina-se a contrariar a situação antijurídica da negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos.[2]


     O que a este propósito podemos afirmar é que a entrada da petição na Secretaria impede a caducidade do prazo, a prescrição é com a citação que se interrompe (art.º 259.º do C.P.Civil); a prescrição não opera ipso jure e a caducidade, reportando-se a direitos subtraídos à disponibilidade das partes, extingue o direito e opera ipso jure, competindo ao réu o ónus da prova da inobservância do prazo prefixo de exercício do direito (art.º 333.º e 342.º, do C.Civil).

    Nem sempre, porém, é fácil a distinção precisa entre estas duas figuras jurídicas e, por isso, deste circunstancialismo normativo teremos de estar prevenidos.

 

  III. O autor e a ré “CC, S.A.” celebraram entre si, em 21/06/2011, um contrato de empreitada, através do qual a recorrida/ré “CC” se obrigou perante o demandante/recorrente a proceder à substituição do sistema de distribuição e da bomba de água da carrinha de marca Volkswagen, modelo Transporter, matrícula 00-00-00, sua pertença e de acordo com as recomendações de manutenção do fabricante, pelo preço de € 411,08  que o seu dono pagou.

    

  Este pacto assim celebrado, porque transigido entre particularizada pessoa colectiva que exerce, com carácter profissional, uma actividade económica e consubstanciado na obtenção de benefícios prestados num bem do autor, destinado a uso não profissional, isto é, relativamente a bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços - n.º 2 do seu art. 1.º -A), do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08/04 - é-lhe também aplicável o regime legal do direito do consumo preconizado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho), alterada pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas; e neste contexto “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” (art.º 4.º, n.º 1, do Dec Lei n.º 67/2003).

  Convenhamos, porém, que, conforme o impõe o que está descrito nos n.º 2 e 3 do art.º 5.º-A do Dec Lei n.º 67/2003, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado e, caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.


  Tendo a denúncia da falta de conformidade ocorrido em 28/06/2011, isto é, quando foi constatada a avaria, o prazo durante o qual o autor poderia accionar judicialmente a ré “CC” atingiu o seu termo em 28/06/2013.

  Desta feita, por não ter sido exercido em juízo durante este período de tempo (art.º 279.º, al. c), do Código Civil), em princípio o direito do autor terá caducado, pois que a presente ação só em 16/06/2014 foi proposta.

A caducidade encontrará o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas, a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos (Aníbal de Castro; A Caducidade; pág. 28).


IV. Argúi o recorrente/autor em seu proveito que, porque a ré/recorrida reconheceu a deficiência da reparação que oportunamente lhe denunciou em 28.06.2011, por força do disposto no n.º 2 do art.º 331.º do Cód. Civil a caducidade não pôde operar.


      Vejamos se assim é.    

     Estatui o artigo 331.º do C.Civil (causas impeditivas da caducidade):

   1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.

    2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.


    Quer isto dizer que, estando nós perante um direito disponível, o reconhecimento do direito antes do decurso do prazo de caducidade tem eficácia impeditiva da sua verificação; a circunstância jurídico-factual de tal prerrogativa ter sido reconhecida pelo beneficiário da caducidade faz com que se apague, de modo definitivo, todo o tempo que a caducidade integra, produzindo o renascimento e a efectivação do direito como se nunca se tivesse verificado tal exceção peremptória.


Compreende-se que assim seja.

   Se o prazo de caducidade é estabelecido no interesse de quem está obrigado a satisfazer específica obrigação, o reconhecimento desse direito por si efectuado faz com que tudo se passe como se o ato tivesse sido praticado em devido tempo.


   O reconhecimento do direito de que ora falamos haverá, contudo, de ser indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece.


  Como repetidamente tem vindo a ajuizar este Supremo Tribunal de Justiça e disso dá conta o acórdão recorrido, o reconhecimento do direito, por banda daquele contra quem o mesmo deve ser exercido, para ter eficácia impeditiva da caducidade (art.º 331.º n.º 2 do C.C.), tem de ser concreto, preciso, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, antes de findo o prazo de caducidade -  Acórdão STJ de 07/02/2013; www.dgsi.pt.

  Como o reconhecimento tem como efeito tornar certa uma determinada situação, fazendo as vezes de uma sentença, temos que o mesmo tem que ser claro, não oferecendo quaisquer dúvidas sobre a atitude de quem reconhece - Acórdão STJ de 19/1/2012; www.dgsi.pt.


    V. Sustenta o recorrente/autor que dos factos assentes em 14, 15, 16, 17, 20 e 21 resulta que a recorrida “CC” assumiu o defeito da reparação efectuada e o dever de reparar e indemnizar o recorrente no caso de uma entidade independente o determinasse, deste modo ficando impedida a confirmação da caducidade.


  Denegando ao recorrente esta motivação, a Relação argumenta que não estão comprovados factos que apontem para o convincente reconhecimento do direito invocado pelo demandante nos termos em que o propõe o n.º 2 do art.º 331.º do C.Civil:

   Da carta (documentada a fls. 61) que a recorrida “CC” endereçou, em 14/02/2012, ao autor a solicitar-lhe que entregue o veículo na oficina em Aveiro para que possamos resolver a reclamação, como é postura usual desta empresa”, o que dela podemos depreender é que, sem assumir a responsabilidade pelo defeito da reparação efectuada e o dever de reparar e indemnizar o recorrente, estava a demandada/recorrida disposta a resolver amigavelmente o diferendo surgido entre ambas as partes (“resolver a reclamação”, diz a recorrida na carta), mas desde logo prevenindo que o valor pago pela reparação foi de € 411,08 e que, por lei, a reposição da conformidade não pode ser desproporcionalmente onerosa para o fornecedor a reposição da conformidade não pode ser desproporcionalmente onerosa para o fornecedor…


  Considerando esta missiva e o envolvimento que a rodeou, o merecimento que tal carta advém, não se caracterizando por uma clara e inequívoca declaração no sentido de aceitação da obrigação de satisfazer o direito exigido pelo autor, não é passível de se poder compreender na prescrição tipificada no n.º 2 do art.º 331.º do C.Civil, conclui a Relação.


   Observamos nós, porém, que o posicionamento da ré “CC” se não circunscreve, apenas e absolutamente, a esta restritiva facticidade.

   Neste contexto jurídico-factual, o procedimento da “CC” abrange outras aparências comportamentais que se estendem para além deste particularizado episódio e que são suscetíveis de deles se poder inferir que a ré/recorrida, indubitavelmente, reconheceu a deficiência da reparação que oportunamente lhe foi denunciada em 28.06.2011, o que faz com que, por força do disposto no n.º 2 do art.º 331.º do Cód. Civil, a caducidade não possa ter operado.

É que, rogando o autor na ação que seja ressarcido pelas importâncias referentes aos prejuízos que lhe sobrevieram em consequência do defeituoso conserto do seu veículo, também haveremos de ponderar, apreciar e ajuizar o que ficou demonstrado em 31. dos factos provados e que integram, completando-a, a atitude da “CC” no seu universalizado envolvimento negocial tido com o autor referentemente ao serviço que prestou na substituição do sistema de distribuição e a bomba de água da sua carrinha de matrícula 00-00-00:

 - Após a peritagem feita pela D.........., a 2.ª ré assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo e decorreram negociações entre esta e o A. (sempre mediadas pela 1ª Ré) nos termos das quais:

 a) A 2.ª ré começou por propor a reparação da viatura usando um motor retificado, com dois anos de garantia;

 b) O autor exigiu que o motor fosse novo, e, a 30/08/2012, a 2.ª ré aceitou colocar um motor novo no veículo;

 c) O autor disse, então, que não confiava na 2.ª ré nem em qualquer das oficinas da B............;

 d) A 2.ª ré concordou, a 05/06/2013, pagar-lhe € 5.377,00, de despesas, e pagar a reparação da viatura numa oficina escolhida pelo autor até ao valor máximo de € 7.500,00;

 e) O autor disse, então, que já não tinha interesse na reparação da carrinha e que queria ser indemnizado em dinheiro;

 f) A 17/07/2013, foi-lhe proposta uma compensação monetária no valor de € 9.000,00, que foi recusada pelo autor;

 g) A 22/11/2013, foi-lhe feita uma última proposta de pagamento de € 13.500,00, que foi recusada pelo autor.

       

   Desta descrita ocorrência factual não poderemos duvidar de que a ré “CC”, depois da concretização da peritagem feita pela D.......... ao veiculo reparado, sempre se prontificou, clara e inequivocamente - assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo - a ressarcir o autor pelos danos verificados no motor do seu veículo, o que faz impedir a verificação da caducidade nos termos e para os efeitos do estatuído no n.º 2 do art.º 331.º do C.Civil.

Ora, se é assim, porque se não confere, contrariamente ao decidido na apelação, a excepção peremptória da caducidade do exercício dos direitos invocados pelo autor (art.º 576.º, n.º 3, do CPC), a revista terá de proceder.

Nestes termos, concedemos revista ao recorrente e, em consequência, determinamos a baixa do processo à Relação do Porto para que aí proceda à apreciação das demais questões suscitadas nos recursos e cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão que foi tomada sobre o reconhecimento da caducidade e que ora revogamos.


Custas pela parte vencida a final.


Supremo Tribunal de Justiça, 06 de abril de 2017.


António da Silva Gonçalves (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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[1] Teoria della decadenza nel Diritto Civile Italiano; 1; 229, citado por Aníbal de Castro in A Caducidade; pág. 23.
[2] Aníbal de Castro; A Caducidade; pág. 28.