Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
772/10.4TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ALIMENTOS
MORTE
REQUISITOS
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
REGIME APLICÁVEL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACÓRDÃO DAS SECÇÕES CÍVEIS REUNIDAS
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, Nº 10, 15.01.2013, P. 182 - 191
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :

“A alteração que a Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime.”

Decisão Texto Integral:

Acordam no Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça:

I - AA

instaurou contra o

INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, I.P.,

ao abrigo do disposto na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, acção destinada ao reconhecimento da titularidade do direito a obter prestações sociais por óbito de BB, ocorrido em 6 de Agosto de 2008, beneficiário da Segurança Social, com quem vivia em união de facto desde 1997.

O R. contestou e concluiu pela improcedência do pedido.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente com fundamento na falta de prova da situação de necessidade de alimentos e da impossibilidade de a Autora os obter de terceiros. Nela se considerou ainda que era inaplicável o novo regime legal instituído pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, que alterou o que constava da redacção original da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.

A Autora apelou mas, com um voto de vencido, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença com os mesmos fundamentos.

Interpôs a Autora recurso de revista no qual concluiu essencialmente que:
a) Depois da Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, que alterou a Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, deixou de ser exigida a necessidade de alimentos do companheiro sobrevivo para beneficiar da protecção social, tendo a Autora direito às prestações sociais por morte do beneficiário da Segurança Social com quem vivia em união de facto.
b) A protecção social prevista na al. e) do art. 3.° e no art. 6.° da Lei n.° 7/01, de 11 de Maio, na redacção introduzida pela Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, tem lugar também relativamente ao que já era membro sobrevivo da união de facto ao tempo da entrada em vigor desta.
c) A Lei n.° 23/2010 tem natureza interpretativa, pelo que se integra na lei interpretada, tendo, pois, efeitos retroactivos. E mesmo que assim se não entendesse, seria pelo menos aplicável, nos termos do art. 12.°, n.° 2, 2ª parte, do Código Civil, às situações semelhantes à do recorrido, em que o beneficiário da Segurança Social faleceu antes da entrada em vigor da Lei n.º 23/2010, dado que esta lei veio dispor directamente sobre o conteúdo da relação/situação jurídica em causa, abstraindo do facto que lhe deu origem.
d) No acórdão recorrido foram violadas as normas legais supra referidas pela recorrente, tendo o acórdão feito uma errónea interpretação e aplicação da lei pertinente aos factos provados, bem como desrespeitou as normas e os princípios constitucionais relativos à igualdade dos cidadãos, à protecção da família e à segurança social, previstos, nomeadamente, nos arts. 13.°, 36.°, 63.° e 67.° da CRP.

Nas suas contra-alegações a entidade recorrida defendeu simplesmente a manutenção do acórdão recorrido.

Ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 732º-A do CPC, foi determinado pelo Exmº Presidente do Supremo Tribunal de Justiça o julgamento ampliado da revista.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal de Justiça emitiu Parecer no qual suscitou a incompetência material do Supremo Tribunal de Justiça, concluindo que, “no quadro de aplicação do novo regime de protecção das uniões de facto, instituído pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto, são os tribunais judiciais incompetentes, em razão da matéria, para conhecer de qualquer pedido de tutela jurisdicional, designadamente nos casos em que o pedido fora inicialmente destinado à atribuição de pensão de sobrevivência, ao abrigo do disposto nos arts. 8º do Dec. Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, e 6º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, na redacção originária, bem como no art. 3º do Decreto Regulamentar 1/94”.

Quanto à questão da uniformização de jurisprudência, concluiu que, “a querer, porventura, conhecer-se do pedido, deverá, então, conceder-se a revista, revogando-se o segundo segmento decisório da Relação e, a final, uniformizada jurisprudência neste outro sentido:

«O novo regime de protecção das uniões de facto, instituído pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto, designadamente no que respeita aos direitos e prestações previstos nos arts. 8º do DL 322/90, de 18 de Outubro e 6º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, na nova redacção, aplica-se às situações em que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início de vigência daquela mesma lei»”.

Foram processados os vistos.

Cumpre decidir.

II – Questão prévia:

Ainda que a intervenção do Ministério Público nos recursos de revista submetidos a julgamento ampliado, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC, tenha fundamentalmente por objectivo obter Parecer sobre a questão de direito “que origina a necessidade de uniformização de jurisprudência” (nº 1 do art. 732º-B), foi preliminarmente suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto a excepção de incompetência material deste Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta o novo regime legal decorrente da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto.

Centrados na necessidade de uniformizar o entendimento jurisprudencial relativamente à questão da aplicabilidade da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, a situações emergentes de óbitos ocorridos antes da sua entrada em vigor, não pode negar-se a possibilidade de, através daquela especial forma de julgamento, se concretizar tal desiderato.

A questão cuja resposta se pretende uniformizar surgiu em momento ulterior ao da propositura da acção, mais precisamente com a prolação da sentença de 1ª instância, depois de ter sido realizado julgamento que incidiu sobre factos que a Autora alegara como fundamento da sua pretensão deduzida no âmbito da acção declarativa (a decorrer “perante os tribunais cíveis”) proposta ao abrigo da redacção original do art. 6º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio. Até então, o objecto do litígio, através do qual essencialmente se define a competência material, esteve unicamente centrado na apreciação dos pressupostos do reconhecimento do direito à atribuição de pensão por morte do beneficiário da Segurança Social, pedido esse que, a ser satisfeito, nos termos em que foi formulado pela Autora, não ficaria sujeito à restrição temporal imposta pelo art. 6º da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto.

Ao invés do que o douto Parecer do Ministério Público deixa transparecer, não se verifica a referida excepção dilatória de incompetência material.

A delimitação das esferas de competências entre os Tribunais Judiciais e os Tribunais Administrativos tem sido discutida em diversos campos, sendo o conceito de relação jurídico-administrativa invocado no douto Parecer do Ministério Público, como base fundamental da distinção de competências entre as jurisdições comum e administrativa, interpretado com ampla margem de maleabilidade e de flexibilidade, sem estabelecimento de uma fronteira rígida e dogmática.

Com efeito, a norma do art. 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, não determina a automática atribuição à jurisdição administrativa de reserva absoluta de competência para todos os litígios referentes a relações jurídicas de que seja sujeito uma entidade pública, regidas por normas administrativas e conexionadas com a prossecução directa do interesse público da Administração. Ao invés, vem sendo reiteradamente entendido pelo Tribunal Constitucional que a referida norma não obsta a que a lei possa também atribuir aos Tribunais Judiciais o poder de julgar determinados litígios de natureza estrutural e prioritariamente administrativa, de que são exemplos paradigmáticos a atribuição de indemnização ao expropriado, o contencioso das contra-ordenações e a impugnação pelo Supremo Tribunal de Justiça dos actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura (ver, por todos, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 211/07, de 21 de Março de 2007).

Embora a relação jurídica invocada para a atribuição de pensão por óbito do beneficiário da Segurança Social tenha, em muitos aspectos, natureza administrativa, tem também uma essencial vertente conexionada com o direito civil, mais precisamente com o Direito da Família, matéria tradicionalmente cometida à jurisdição civil.

Nos termos da legislação anterior, o direito do elemento sobrevivo da união de facto a prestações sociais por óbito de beneficiário da Segurança Social dependia não apenas da prova dessa relação como ainda da prova da necessidade de alimentos e da impossibilidade de os obter de outros familiares previstos no art. 2009º, nº 1, alíneas a) a d), do Código Civil. Já o novo regime se basta com a verificação de uma situação de união de facto que tenha perdurado, pelo menos, dois anos.

Ora, apesar da alteração legal que ocorreu em matéria de protecção das situações de união de facto, a ligação funcional da matéria à jurisdição comum continua a aflorar na admissibilidade de instauração de uma acção por iniciativa da Segurança Social nos casos em que esta entidade pretenda demonstrar a inexistência do pressuposto essencial da união de facto. Por isso, mesmo nos quadros do actual art. 6º, nº 2, da Lei nº 7/2001, relativo à atribuição do direito a prestações sociais, a apreciação da (in)existência da situação de união de facto não se encontra afastada em absoluto da esfera de competência residual dos tribunais judiciais.

A circunstância de, relativamente aos procedimentos novos, ter sido estabelecido um iter diverso, iniciando-se perante a Administração e incumbindo ao interessado impugnar a decisão administrativa perante o contencioso administrativo (que, todavia, continua a não se poder pronunciar sobre a existência do pressuposto básico da união de facto), não colide com a manutenção da competência dos Tribunais Judiciais para interpretar e aplicar lei nova, prevalecendo naturalmente a sua decisão, por força do nº 2 do art. 205º da Constituição, sobre qualquer eventual apreciação administrativa.

Confirma-se, pois, o pressuposto da competência material que, ainda que genericamente, foi afirmado no despacho saneador, não tendo sido questionado posteriormente por qualquer das partes processuais nas sucessivas intervenções processuais.

III – Quanto ao objecto do recurso:

1. O pedido formulado pela Autora de reconhecimento do direito a prestações sociais da Segurança Social tem subjacente o óbito de BB, beneficiário da Segurança Social, com quem a A. viveu em união de facto, óbito ocorrido antes da entrada em vigor do novo regime legal.

Enquanto no regime anterior o reconhecimento de tal direito dependia da prova da existência de uma situação de necessidade de alimentos e da impossibilidade de os obter de familiares referidos no art. 2009.º, nº 1, als. a) a d), do Código Civil, com a nova redacção do art. 6.º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, introduzida pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, ficou expressamente consignado que tal direito é reconhecido ao “membro sobrevivo da união de factoindependentemente da necessidade de alimentos”.

Em face da matéria de facto apurada, as instâncias concluíram, sem que tal tenha sido questionado, que a Autora, conquanto tenha vivido em situação de união de facto, não conseguiu fazer prova nem da necessidade de alimentos, nem da impossibilidade de os obter de outros familiares.

Por isso, o resultado do presente recurso de revista depende unicamente da resposta que for dada à questão suscitada em redor da aplicabilidade ao caso do novo regime jurídico de protecção das uniões de facto.

2. A questão enunciada ainda não foi objecto de uniformização jurisprudencial, nem pela via dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC (julgamento ampliado da revista), nem do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, segundo os trâmites previstos nos arts. 763º e segs. do CPC.

Mas, decorrido cerca de um ano desde que foi apresentada pela primeira vez a este Supremo Tribunal, impressiona o significativo número de arestos que sobre a mesma já incidiram, tornando-se imperioso definir uma resposta uniformizadora.

Ao nível das instâncias e, com menor acuidade, neste Supremo Tribunal, formaram-se duas linhas decisórias distintas:

a) A primeira, no sentido de se restringir a aplicação do novo regime aos casos despoletados a partir de óbitos posteriores à data da entrada em vigor da Lei nº 23/2010.

A mesma encontrou eco nos seguintes arestos proferidos neste Supremo Tribunal até esta data:

Ac. STJ, de 24-2-11
GRANJA da FONSECA
7ª Secção
(www.dgsi.pt e CJSTJ, tomo I)
Ac. STJ, de 19-1-12
GRANJA da FONSECA
7ª Secção
(www.dgsi.pt)

b) A segunda, sujeitando ao novo regime também as situações emergentes de óbitos ocorridos em data anterior ao início de vigência da Lei n.º 23/2010, embora com efeitos diferidos a partir de 1 de Janeiro de 2011, data em que entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado de 2011 aprovado pela Lei nº 55-A/10, de 31 de Dezembro, foi assumida nos seguintes acórdãos alinhados por ordem cronológica:

Data
Conselheiro Relator
Secção
Fonte
Ac. STJ, de 7-6-2011SALAZAR CASANOVA6ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 16-6-2011
SÉRGIO POÇAS
7ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 6-7-2011
SALRETA PEREIRA
6ª Secção
(proc. 53/10.3TBSRP.E1.S1)
Ac. STJ, de 6-7-2011
PIRES da ROSA
7ª Secção
(www.dgsi.pt e CJSTJ, tomo II)
Ac. STJ, de 12-7-2011
MOREIRA ALVES
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 6-9-2011
AZEVEDO RAMOS
6ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 13-9-2011
HÉLDER ROQUE
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 22-9-2011
SILVA GONÇALVES
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 4-10-2011
JOÃO CAMILO
6ª Secção
(proc. 93/09.5TVLSB.L1.S1)
Ac. STJ de 27-10-2011
JOÃO BERNARDO
2ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ de 23-11-2011
TAVARES de PAIVA
2ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 10-1-2012
MOREIRA ALVES
1ª Secção
(proc. 1938/08.2TBCTB.C1.S1)
Ac. STJ, de 31-1-2012
TÁVORA VÍTOR
7ª Secção
(proc. 6014/09.8TBVLSB.L1.S1)
Ac. STJ, de 23-2-2012
SÉRGIO POÇAS
7ª Secção
(proc. 4249/08.0TBMAI.P1.S1

A quantidade de acórdãos, em tão curto período de tempo, com multiplicidade de relatores, dispersos pelas diversas secções cíveis, revela que foram ponderadas todos os argumentos em redor da referida questão de direito, e permite asseverar que relativamente à mesma questão, de natureza transitória, existe o que pode apelidar-se de jurisprudência constante ou reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça (cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., págs. 320 e segs.).
Ora, sem embargo de outros aspectos, cumpre evidenciar as vantagens da uniformização jurisprudencial quando, como ocorre no caso presente, nos confrontamos com uma solução que, de forma persistente, vem sendo sustentada, fazendo jus ao princípio da igualdade no tratamento das questões de idêntica natureza (sobre o relevo da elaboração jurisprudencial do direito e sobre os critérios de decisão jurisdicional, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., págs. 320 e 321).

Exige-se do legislador ordinário que trate com igualdade situações semelhantes, imposição que, sendo de natureza ontológica, é também decorrência do correspondente princípio constitucional. Uma tal imposição deve reflectir-se também no plano da aplicação judiciária das leis, mediante o máximo esforço no sentido de evitar, tanto quanto possível, que questões de idêntica natureza acabem por ser solucionadas de forma substancialmente divergente (sobre a função da jurisprudência e a tutela dos interesses da igualdade e da segurança jurídica cfr. LUCAS COELHO, Conceito e validade do direito. O direito dos juízes, BFDUC, 86º, págs. 259 e segs.).

Basta que, para o efeito, se responda ao desafio de JOHN RAWLS, para quem “a justiça consiste na equanimidade, isto é, no tratamento igual dos iguais em igualdade de circunstâncias”, ou que se pondere o que, a este respeito, refere KARL LARENZ para quem, “por detrás do critério de uniformidade da jurisprudência está o postulado da justiça que consiste em decidir o que é idêntico de modo idêntico”.
Orientação que igualmente se encontra em VAZ SERRA, quando alerta para o facto de se tornar “indispensável que o direito seja, quanto possível, certo e previsível a jurisprudência, sem o que não pode saber-se que rumo deve dar-se à vida, como deve contratar-se ou, de uma maneira geral, como devem constituir-se as relações jurídicas” (ROA, 1º, pág. 11). Subjaz igualmente ao ideal de justiça proposto por MANUEL de ANDRADE, que afirma que “o Direito deve ser tal que se possam conhecer com bastante aproximação as suas prescrições. A certeza jurídica traduz-se praticamente na uniformidade das decisões judiciais, porque o juiz é a suprema autoridade na aplicação do Direito” (BFDUC, 68º, pág. 15).


3. Servem estas considerações introdutórias para explicar que, sendo possível e legítimo alinhar argumentos em prol de qualquer das teses em confronto, como bem o demonstram as fundamentações dos diversos arestos, consideramos, nesta fase, decisivo o facto de a jurisprudência deste Supremo Tribunal, com larguíssimo apoio, tender para a aplicabilidade do novo regime a situações, como a dos autos, despoletadas a partir de óbitos ocorridos em data anterior à do início da sua vigência.

Trata-se, aliás, de uma questão com marcada transitoriedade, interferindo tão só na resolução de um limitado número de casos. E, malgrado a multiplicidade de sujeitos activos, a mesma interessa a um reduzido número de sujeitos passivos - basicamente o Instituto da Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações -, o que torna ainda menos compreensível que continue a subsistir uma duplicidade de soluções, apesar da absoluta identidade do núcleo essencial de factos.

Seguramente que a divergência jurisprudencial poderia e deveria ter sido evitada mediante a consagração de um regime transitório especificamente aplicável a casos despoletados a partir de óbitos anteriores. Cuidado que encontraria plena justificação no facto de, entre outras alterações introduzidas, o novo regime ter passado a dispensar a prova do pressuposto da necessidade de alimentos que, no âmbito do regime anterior, constituía o principal obstáculo ao reconhecimento do direito a prestações por óbito do beneficiário da segurança social.

Tendo o legislador interferido de forma sensível no regime de acesso a prestações sociais, o facto de estas serem frequentemente solicitadas por pessoas carenciadas, em situação sociologicamente equiparada à de viuvez, reclamaria uma opção legislativa que evitasse a adopção de soluções jurídicas diversas para casos materialmente idênticos, em que, no essencial, apenas varia o sujeito activo.
Não tendo sido essa a opção, a resolução da questão exposta depende do que for extraído do recurso às regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo, maxime do art. 12º do Código Civil, que tem sido a raiz das divergências jurisprudenciais.

4. Em vão se procura nos Trabalhos Preparatórios da Lei n.º 23/2010 apoio para a resolução das dúvidas.

Sendo esta Lei o resultado de três Projectos apresentados e discutidos na Assembleia da República, os respectivos relatórios, tal como o debate que ocorreu na generalidade e na especialidade (a que pode aceder-se através de www.parlamento.pt) nada acrescentam, em termos de elemento histórico, que possa servir de orientação. 

O único elemento útil que daí pode ser extraído prende-se com a comunhão de objectivos prosseguidos por qualquer dos referidos Projectos, todos orientados pela ideia de regular de forma mais ajustada certos efeitos conexos com situações de união de facto, estabelecendo uma maior aproximação ao regime emergente do casamento, no que se inclui precisamente a dispensa da prova da necessidade de alimentos por parte do elemento sobrevivo.

Porém, tal justificação, que se integra no elemento racional ou teleológico da interpretação da lei, nada adianta para a resolução da aludida questão, tendo por referência os óbitos de beneficiários ocorridos anteriormente.

Consideramos afastado qualquer argumento que pudesse fundar-se na natureza interpretativa do novo regime legal. Se em tal eventualidade se tornaria segura a sua extensão a situações emergentes de óbitos anteriores, atento o disposto no art. 13º do Código Civil, o certo é que já se encontrava consolidado o entendimento (suportado, aliás, em jurisprudência constitucional) que fazia depender o reconhecimento do direito à atribuição de prestações sociais da prova da necessidade de alimentos por parte do elemento sobrevivo da união de facto e da impossibilidade de os obter de certos familiares (ver, por todos, PEREIRA COELHO e GUILHERME de OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª ed., págs. 88 e segs., com larga ilustração doutrinal e jurisprudencial).

Circunscritos, pois, ao disposto no art. 12º do Código Civil em matéria de aplicação da lei no tempo, é legítimo asseverar que, sendo o óbito do beneficiário pressuposto essencial para a invocação, por parte do elemento sobrevivo da união de facto, do direito ao recebimento de prestações sociais, uma vez adquirido tal estatuto devem aplicar-se-lhe as novas regras definidoras do seu conteúdo, tal como se aplicariam se acaso, em lugar da união de facto, estivesse em causa a aplicação de um novo regime que beneficiasse as pessoas casadas entre si, o qual aproveitaria não apenas aos novos casamentos como ainda aos casamentos preexistentes.

É este, na verdade, o resultado que, embora com alguma diversidade de percursos ou de argumentos, emerge da larga maioria de arestos proferidos neste Supremo Tribunal e que nos parece determinante para a fixação da jurisprudência uniformizada que ponha termo à discrepância de soluções.

Solução que, sendo largamente maioritária neste Supremo Tribunal, conta também com o recente apoio doutrinário de TEIXEIRA de SOUSA, em comentário ao Ac. do STJ, de 6-7-2011 (PIRES da ROSA), em Cadernos de Direito Privado, n.º 36, págs. 50 e segs.

5. A resposta maioritária à questão sob análise é alcançada seguindo dois percursos alternativos: com recurso à regra constante do art. 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil (maioria dos arestos deste Supremo Tribunal), ou por aplicação directa da 1ª parte do seu nº 1 (TEIXEIRA de SOUSA e Ac. do STJ, de 16-6-11 - SÉRGIO POÇAS).

É comum a ambos os trajectos o reconhecimento de que o direito a prestações sociais a favor do elemento sobrevivo da união de facto assenta na invocação do respectivo estatuto de unido de facto que, de acordo com a nova lei, ficou dispensado da prova da necessidade de alimentos, assim como da prova da impossibilidade de os obter de seus familiares.

Assim, também com TEIXEIRA de SOUSA (acompanhado, neste aspecto, por diversos arestos deste Supremo Tribunal), podemos afirmar que o que exclusivamente interessa para efeitos de aplicação do novo regime é apurar se “no momento em que o membro sobrevivo pretende constituir o direito às prestações sociais, se encontra preenchido o pressuposto do qual a lei faz depender a constituição desse direito”, sendo “irrelevante o momento em que ocorreu a morte do membro da união de facto”.

Tal solução deve, no entanto, contar com a restrição resultante do art. 6º da Lei n.º 23/2010, nos termos da qual o reconhecimento do direito ao recebimento de prestações sociais por morte do beneficiário ao abrigo do novo regime apenas produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, data em que entrou em vigor a Lei n.º 55-A/10, de 31 de Dezembro, que aprovou Orçamento Geral do Estado para 2011.

6. Incidindo sobre o caso concreto:
1. No dia 6 de Agosto de 2008, faleceu BB, no estado de solteiro, o qual era beneficiário do Réu, desde Janeiro de 1985, com o nº 132050011.
2. Desde 1997, até à data da sua morte, viveu com a Autora em diferentes moradas, partilhavam a mesma cama, relacionavam-se afectiva e sexualmente, tomavam as refeições em conjunto, passeavam e saíam juntos e tinham o mesmo círculo de amigos.
3. Cada um contribuía com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis e electrodomésticos que existiam na sua habitação, cuidando-se reciprocamente quando se encontravam doentes, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia, vivendo em situação perfeitamente análoga à dos cônjuges, sendo nessa medida reconhecidos e tratados quer por todas as pessoas com quem se relacionavam, quer publicamente.
4. O agregado familiar da Autora é composto por 5 pessoas: além da própria, a sua filha maior CC e os menores DD, EE e FF, sendo estes dois últimos também filhos de BB, nascidos, respectivamente, em 31 de Outubro de 2000 e em 1 de Janeiro de 2005.
5. A Autora recebeu rendimento social de reinserção e, em 1 de Junho de 2010, esse rendimento ascendia à quantia mensal de € 492,75; mensalmente tem várias despesas, de natureza e valores não concretamente apurados.
6. A Autora nunca foi casada; a sua filha CC, embora maior, vive consigo; os seus pais já faleceram.

7. As instâncias decidiram uniformemente que, apesar de a Autora ter vivido, durante mais de dois anos, em situação de união de facto com um beneficiário da Segurança Social, ficou por provar, nos termos exigidos pela versão original da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter de outros familiares elencados no art. 2009.º, n.º 1, als. a) a d), do Código Civil.

Nos termos anteriormente referidos, é aplicável ao caso o novo regime legal, de onde resulta que a Autora ficou dispensada da prova tanto da situação de necessidade de obter alimentos, como da impossibilidade de os obter de terceiros, bastando a prova da existência de uma situação de união de facto que, na data do óbito, perdurasse há mais de dois anos (arts. 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, al. e), e 6.º, n.º 1), da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na sua actual redacção).

Verificando-se esta situação de união de facto à data do óbito do beneficiário, resta reconhecer à Autora o direito que reclama, ainda que com a restrição temporal anteriormente referida.

IV – Face ao exposto, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Julgar procedente o recurso de revista, de modo que, revogando-se o acórdão recorrido, é reconhecido à Autora AA o direito de obter do INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, I. P., as prestações sociais por óbito do beneficiário BB com quem viveu em união de facto, embora com efeitos apenas a partir de 1 de Janeiro de 2011;

b) Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

“A alteração que a Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime.”

Custas da acção e dos recursos a cargo do Réu.

Notifique.

Lisboa, 15 de Março de 2012

 

Abrantes Geraldes (revendo a posição assumida como adjunto em dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa)

Azevedo Ramos

Silva Salazar

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

Nuno Cameira

Moreira Velho

Pires da Rosa

Bettencourt de Faria

Sousa Leite

Salreta Pereira

Pereira da Silva

João Bernardo

João Camilo

Paulo Sá

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Oliveira Vasconcelos

Fonseca Ramos

Ernesto Calejo

Serra Baptista

Helder Roque

Salazar Casanova

Álvaro Rodrigues

Lopes do Rego

Orlando Afonso

Távora Victor

Sérgio Poças

Gregório da Silva Jesus

Fernandes do Vale

Granja da Fonseca, vencido com declaração de voto

Fernando Bento

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

Marques Pereira

João Trindade

Tavares de Paiva

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot, vencida nos termos da declaração de voto que junto

António Joaquim Piçarra, com declaração que junto

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Declaração de voto

O acórdão uniformizador não refuta os argumentos em que assentou a defesa da tese que defendi, isto é, a não aplicabilidade retroactiva da Lei 23/2010, de 30 de Agosto, às uniões de facto, dissolvidas por falecimento de um dos seus membros, que hajam ocorrido antes da entrada em vigor desta Lei, razão por que remeto para os fundamentos que realcei no Acórdão deste STJ de 19/01/2012, Processo 1047/10.4TBFAR E1.S.1, in www.dgsi.pt, a justificação do meu voto de vencido, oferecendo-se-me acrescentar o seguinte:

Ponto 3:

Não se afigura decisivo para a solução jurídica da questão subjacente ao acórdão uniformizador que a jurisprudência maioritária do STJ se oriente num determinado sentido, nem que se trate de questão com marcada transitoriedade, pois o que está em causa é a interpretação e aplicação das leis no tempo, a ser resolvida, na falta de disposições transitórias, à luz do regime de aplicação das leis no tempo.

Por outro lado, e contrariamente ao que parece inferir-se do penúltimo parágrafo do ponto 3, a opção legislativa não é determinada pela circunstância de as prestações serem reclamadas por pessoas carenciadas, pois estas têm necessidade de alimentos. O que sucede é que, muitas vezes, não logram fazer prova da efectiva necessidade. Nessa medida, o problema não será a carência — que até pode existir — mas as dificuldades de prova da mesma.

Pontos 4 e 5:

Assente que a solução há-de ser encontrada no âmbito do artigo 12.º CC, não resulta claro do ponto 5 se a solução deriva do n.º 1 ou do n.º 2 do mesmo artigo, pois nenhuma análise é feita destes normativos.

Diz o acórdão uniformizador que, (…) «sendo o óbito do beneficiário pressuposto essencial para a invocação por parte do elemento sobrevivo da união de facto, do direito ao recebimento de prestações sociais, uma vez adquirido tal estatuto, devem aplicar-se-lhe as novas regras definidoras do seu conteúdo, tal como se aplicariam se acaso, em lugar de unidos de facto, estivesse em causa a aplicação de um novo regime que beneficiasse as pessoas casadas entre si, o qual aproveitaria não só aos novos casamentos como ainda aos casamentos preexistentes».

A analogia com o casamento não aproveita à tese sufragada no acórdão uniformizador, sustentando, pelo contrário, a tese oposta.

Ao afirmar-se, (…), “tal como se aplicariam, se acaso, em lugar da união de facto, estivesse em causa a aplicação de um novo regime que beneficiasse pessoas casadas entre si aproveitaria não só aos novos casamentos mas também aos casamentos preexistentes”, está-se a fazer aplicação da doutrina do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, CC, que estabelece que, quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deu origem, entender-se-á que a lei abrange as relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Quando se fala no acórdão uniformizador em casamento preexistente pressupõe-se a existência do casamento, isto é, que ambos os cônjuges estão vivos.

Ora, aplicando-se a doutrina do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte às uniões de facto, a relação jurídica em causa é a união de facto, sendo pressuposto da aplicação da lei nova a subsistência da união de facto à data da entrada em vigor da nova lei.

Caso contrário, e porque em princípio a lei nova só se aplica para futuro (artigo 12.º, n.º 1, CC), aplicar-se a lei nova a uniões de facto já dissolvidas por óbito do companheiro,

equivale à sua aplicação retroactiva.

O estatuto de unido de facto pressupõe a vigência da união de facto, sendo distinto do estatuto de membro sobrevivo da união de facto que — porque já não existe união de facto por definição — não legitima a aplicação da lei nova.

Para abranger os companheiros sobrevivos de união de facto extinta antes da data da entrada em vigor da lei nova, o legislador teria de consagrar expressamente, numa norma de direito transitório, a aplicação retractiva da lei nova, e não consagrou.

Granja da Fonseca

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Declaração de voto

1.Da Lei aplicável ao caso sujeito.

Incumbe aos Tribunais no exercício das suas funções, a interpretação e aplicação da Lei, residindo a sua independência, precisamente, na autonomia da interpretação legislativa, o que afasta desde logo a sua vinculação a interpretações heterónomas quando dotadas de força geral e abstracta (veja-se a questão da inconstitucionalidade dos assentos e a não obrigatoriedade de se seguir a jurisprudência uniformizada, ibidem Gomes Canotilho e Vital Moreira, 795). Tal interpretação, porque a independência jurisdicional apenas «esbarra», soit disant, nas limitações impostas pela própria lei, nos termos do preceituado no artigo 206º do CRPortuguesa com reflexo no artigo 8º do CCivil, terá de ser efectuada de harmonia com os preceitos legais que a regem, ou seja, seguindo o que a propósito impõe o normativo inserto no artigo 9º, igualmente do CCivil.

E, este normativo predispõe:

«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados

Queremos nós dizer que a interpretação que é feita pelos Tribunais, vulgo interpretação judicial, está sujeita às regras legais sobre interpretação, não lhe cabendo, por princípio, sob a aparência da simples interpretação, o poder de criar normas, a não ser nos casos especialmente previstos em que essa criação da norma se impõe, por inexistência de caso análogo, nos termos do normativo inserto no artigo 10º, nº3 do CCivil, já que o Tribunal não se pode abster de julgar, além do mais, por falta de lei aplicável ao caso concreto, cfr artigo 8º, nº1, do mesmo diploma legal.

Se é certo que o brocardo «in claris non fit interpretatio», não contém em si uma verdade insofismável, porque por muito clara que seja a lei, é sempre necessária alguma interpretação, uma vez que a clareza pode ser enganadora, por outra banda, dizer-se que a lei clara não carece de interpretação significa, essencialmente, que um texto legislativo escorreito facilita muito a interpretação do seu sentido e alcance, embora não encerre a questão interpretativa.

A nossa actividade, enquanto julgadores, passa por fixar o sentido e o alcance que o texto legislativo deverá ter, sendo que não poderá ser um qualquer sentido de entre os possíveis (caso haja mais do que um), mas antes procurar extrair-se da lei, enquanto instrumento de conformação e ordenação da vida em sociedade, dirigida à generalidade das pessoas e abarcando uma miríade de casos, um sentido decisivo que garanta um mínimo de uniformidade de soluções, por forma a evitar-se o casuísmo e o arbítrio de cada julgador, incompatíveis com a necessária segurança jurídica, cfr Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, 176.

Vejamos então.

A Lei 7/2001, de 11 de Maio, relativa à protecção das uniões de facto, nos seus artigos 1°, n°1, e 3°, n°1, alínea e), na redacção vigente à data da propositura da acção, reconhecia às pessoas que vivessem em união de facto há mais de dois anos, entre outros, o direito a protecção, na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei.

No caso de união de facto, o direito a alimentos dependia das seguintes condições: viver o alimentando, no momento da morte do companheiro não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, em more uxorio com este há mais de dois anos; não poder o alimentando obter alimentos de outra pessoa nos termos legais, cfr artigo 2020º, nº1 do CCivil.

E, nos termos dos artigos 1º e 8º do DL 322/90, de 18 de Outubro, 1º, 2º e 3º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, beneficiaria da protecção pela aplicação do regime geral da segurança social, quem demonstrasse que vivia com o falecido, beneficiário da Segurança Social, em condições análogas às dos cônjuges, há pelo menos dois anos antes do óbito; que carecesse de alimentos; que não tivesse meios para os obter; que a herança deixada pelo falecido não lhos pudesse prestar; e que não os pudesse obter das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do nº1 do artigo 2009º do CCivil.

Assim, preceituando o apontado artigo 2009º nas suas várias  alíneas sobre as pessoas obrigadas a alimentos que:“1. Estão vinculados à prestação de alimentos pela ordem indicada: a) O cônjuge ou o ex-cônjuge; b) Os descendentes; c) Os ascendentes; d) Os irmãos;”, tal implicaria que, quando o artigo 8º do DL 322/90 supra referenciado, atribui as questionadas prestações sociais a quem estiver nas condições do artigo 2020º, estaria a condicionar o recurso a tais benefícios à alegação e prova dos requisitos que aí são mencionados.

Tendo, pois, de alegar e provar, para além de que o falecido não era casado, nem se encontrava separado de pessoas e bens, não só que com o mesmo vivia em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, mas também que está carenciado de alimentos e impossibilitado dos mesmos lhe serem prestados, quer por parte dos familiares elencados no citado artigo 2009º, alíneas a) a d), quer pela herança do de cujus.

O mesmo resultando do preceituado no artigo 6º da Lei nº 7/2001, aí se consignando expressamente sob a epígrafe “Regime de acesso às prestações por morte”: “1 – Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis. 2. Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição.”.

Podendo assim concluir-se, face ao estipulado na lei vigente naquela data, que o direito às prestações sociais por morte do beneficiário pela pessoa que com ele vivia em união de facto há mais de dois anos, depende, não só da alegação e prova de tal circunstância, mas ainda da carência de alimentos e do facto de os não poder obter, quer da herança, quer das pessoas referidas nas aludidas alíneas do artigo 2009º, sendo que cumulativos tais requisitos, cfr inter alia os Ac do STJ de 24 de Abril de 2007 (Relator Silva Salazar), , 27 de Maio de 2008 (Relator Custódio Montes), 23 de Setembro de 2008 e 19 de Março de 2009 (Relator Serra Batista), in www.dgsi.pt, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Anotada, vol I/401.

 

Daí a enunciação, embora genérica, dos apontados requisitos pela Autora/Apelante, no seu articulado inicial, cfr artigo 9º da Petição Inicial, sem que contudo tivesse traduzido a mesma na factualidade pertinente o que levou à improcedência do seu petitório no respeitante ao reconhecimento da sua qualidade de titular do direito às pensões por óbito do seu companheiro (falta de alegação dos factos consubstanciadores da sua necessidade de alimentos, da impossibilidade de os poder exigir da herança do falecido ou das pessoas elencadas nas alíneas c) e d) do artigo 2009º do CCivil).

Todavia, porque antes da propositura da acção - a acção foi intentada em 27 de Setembro de 2010 - foi publicada a Lei 23/2010 em 30 de Agosto que alterou a Lei 7/2001, nomeadamente o seu artigo 6º, passando o seu nº1 a predispor que «O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º independentemente da necessidade de alimentos.», a sentença de primeira instância pronunciou-se sobre a inaplicabilidade das alterações ocorridas ao caso dos autos, o que suscitou a impugnação da decisão por banda da Autora, a qual pugnou  pela aplicação da Lei nova e consequentemente pela procedência do seu petitório, o que veio a merecer acolhimento por banda da Relação do Porto, embora com voto de vencido.

E é em saber se as disposições decorrentes da Lei 23/2010, de 30 de Agosto se aplicam ao caso sub judice, que reside o aporema daqui, sendo que a tese que fez vencimento entende que a mesma se aplica também aos casos em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime, mas em nosso entendimento, sem razão.

Se não.

A Lei 23/2010, de 30 de Agosto veio, além do mais e como se assinalou supra, introduzir uma alteração ao preceituado no artigo 6º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, dispensando-se agora a alegação e prova dos requisitos anteriormente elencados por aquele dispositivo, na primitiva redacção, o que, no caso dos autos, a ser aplicável o preceito agora alterado, conduziria à procedência da acção não obstante a Apelante não tenha alegado nem provado a sua carência de alimentos.

A pretendida aplicação, só pode ser possível, se a apontada Lei tiver eficácia retroactiva.

No que diz respeito à aplicação da Lei no tempo, rege o disposto no artigo 12º do CCivil o qual dispõe, desde logo no seu nº1 que «A lei só dispõe para o futuro ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.».

A Lei pode determinar o momento da sua entrada em vigor, sendo que, o princípio geral quando a mesma nada determine é o que decorre daquele normativo, cfr Germano Marques da Silva, Introdução Ao Estudo Do Direito, 2ª edição, 169.

Daqui podemos retirar o primeiro corolário no que tange a esta temática: a regra geral é a de que a lei nova não é retroactiva, só dispondo em princípio para o futuro, respeitando-se todos os efeitos que no passado e no âmbito da anterior legislação se hajam produzido, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2ª edição, 48.

O segundo corolário, que resulta do nº2, daquele normativo, é o de que a Lei nova dispõe apenas para o futuro aplicando-se só aos factos novos, quando diga respeito às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, aplicando-se apenas às situações já constituídas, a Lei que dispuser sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem.

Concretizando estes princípios começamos por dizer que a Lei 23/2010, de 30 de Agosto, é omissa quanto à sua aplicação temporal de onde a mesma não ser em princípio de aplicação retroactiva, integrando-se de pleno no preceituado no nº1 do artigo 12º do CCivil.

Acresce ainda a circunstância coadjuvante do seu artigo 11º prescrever que «Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor.», o que nos inculca a ideia de que o legislador não quis, de modo algum, atribuir eficácia retroactiva à presente Lei, impondo, neste conspectu e no que à atribuição das prestações por morte diz respeito, o termo a quo do respectivo vencimento reportado à data entrada em vigor do orçamento de 2011, isto é 1 de Janeiro deste ano.

Como sabemos, no âmbito da anterior legislação, o termo a quo das prestações era o da data do óbito do beneficiário e se a Apelante propôs a presente acção no âmbito da anterior Lei e tendo ocorrido o decesso daquele em 4 de Junho de 2009, seria legitimo ao Tribunal ordenar a liquidação das aludidas prestações apenas a partir de 1 de Janeiro de 2011, quando nos termos do artigo 36º, nº3 do DL 322/90, de 18 de Outubro enquanto diploma que integra o regime geral de segurança social o início de pagamento da pensão de sobrevivência o do «(…) do mês seguinte ao da verificação do evento que o determina, sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 53º.», dispondo este que o pagamento das prestações seja efectuado após o trânsito em julgado da respectiva sentença, perguntamos nós.

É que, nesta temática não nos podemos esquecer do que preceitua o normativo inserto no artigo 15º do supra apontado DL 322/90, subordinado à epigrafe «Momento da verificação das condições de atribuição»: «As condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário.».

Ora, se o beneficiário faleceu em 6 de Agosto de 2008, apenas se poderão ser aplicáveis as disposições vigentes a essa data e que regem as condições de atribuição das prestações por via do respectivo decesso e que são elas as que decorrem da aplicação da Lei 7/2001 na sua versão anterior à entrada em vigor da Lei 23/2010, de 30 de Novembro, porque esta Lei não abstrai dos factos que deram origem à situação jurídica constituída, já que esta é uma situação jurídica complexa integrada não só pela vivência em situação de união de facto com o falecido beneficiário há mais de dois anos mas também pelo óbito deste, sendo que aquela vivência deveria existir na data do óbito, momento desencadeador das condições de atribuição do direito às prestações, estando esta fattispecie afastada do normativo inserto no artigo 12º, nº2, segunda parte do CCivil., ao contrário do que ex adverso se defende, não sendo de todo em todo “irrelevante o momento em que ocorreu a morte do membro da união de facto”.

 

Não se trata de uma situação que se prolongue no tempo, independentemente do momento em que se terá constituído, não se podendo abstrair da realidade que lhe deu origem, posto que essa realidade - o decesso do elemento da união de facto existente – é a peça indispensável à atribuição das prestações e é ela, a se, que define as condições daquela atribuição.

A não se entender assim está-se a permitir que as pessoas que tenham vivido em união de facto na vigência do regime anterior e que não tenham proposto acção, ou por não se verificarem os requisitos impostos naquela ou por eventual caducidade do seu direito (veja-se que o artigo 2020º, nº2 do CCivil previa o prazo de dois anos para a propositura da acção, contados da data do óbito do beneficiário) o possam vir a fazer agora, o que viola, em nosso entendimento, além do mais, os princípios da segurança e da previsibilidade que devem reger as acções humanas e a vida em sociedade, para além de se porem em causa os princípios constitucionais da igualdade e da confiança, apanágio do estado de direito democrático, cfr Oliveira Ascenção, O Direito Introdução E Teoria Geral, 13ª edição, 555 e Baptista Machado, ibidem, 225.

Sempre se acrescenta, ex abundanti e por mero exercício de estilo, que se se aplicasse ao limite a tese que aqui faz vencimento, e que sustenta que a Lei 23/2010 é de aplicação retroactiva, nos termos do nº2 do artigo 12º do CCivil, segunda parte, então também seriam abrangidas as situações de todos aqueles que tivessem vivido em união de facto pelo período de pelo menos dois anos com o beneficiário e tivessem deixado de fazê-lo antes do óbito deste, posto que o seu decesso, nessa teoria, não é elemento constitutivo do direito à atribuição de alimentos ou da pensão de sobrevivência, sendo apenas o facto que desencadeia a dissolução da união de facto, embora se tenha de concluir que essa circunstância, a morte, nesse momento, é indispensável para a atribuição do direito à pensão de sobrevivência.

Temos dificuldade em entender esse raciocínio, porque no nosso modesto entendimento, a vivência em união de facto por mais de dois anos com o beneficiário tem de se verificar na data do óbito deste, sendo a conjugação destas duas proposições que constituem a causa petendi do direito à protecção social prevenida no artigo 3º, nº1, alínea e) da Lei 7/2001, de 11 de Maio, quer na sua redacção originária, quer com as alterações ocorridas subsequentemente, porque tais factos, complexos embora, têm um valor constitutivo e não apenas um qualquer valor de referência para a aplicação do direito material da situação jurídica criada e por isso não podem ser considerados como meras referências «pressuponentes», cfr Baptista Machado, ibidem, 236.

Daí o concluirmos que não há lugar à aplicação retroactiva da Lei 23/2010, a não ser com o atropelo da norma que rege a aplicação da lei no tempo, criando-se uma ficção para se concluir que afinal o que importa à lei é a situação de membro sobrevivo de uma união de facto que se prolonga no tempo…É que a competência da Lei aplicável, no que à economia do recurso diz respeito, é determinada pelos factos constitutivos da situação jurídica regulada e a Lei nova não se aplica nos casos em que estes factos se verificaram antes do seu início de vigência, cfr Baptista Machado, ibidem, 235.

 

Estamos, assim, sem qualquer margem para dúvidas, face a uma Lei de cariz inovador cuja aplicação retroactiva está, consequentemente vedada, tendo em atenção os preceitos que regem quer a interpretação das normas jurídicas quer as que regulam a sua aplicação no tempo.

Fazendo uso destes princípios e aplicando os mesmos ao caso concreto que nos ocupa, não podemos deixar de concluir que a Lei 23/2010, de 30 de Agosto é uma Lei inovadora, decorrendo esta asserção quer da mens legislatoris (porque o legislador podendo ter fixado a retroactividade da lei não o fez), quer da mens legis (porque dos dispositivos legais insertos naquele diploma apontam claramente para um corte com o regime anterior), mostrando-se neste particular essencial o pensamento legislativo que ficou expresso nos vários normativos cuja alteração foi visada por aquele diploma.

A circunstância de o legislador ter optado por um crescente reconhecimento nos direitos das uniões de facto, não constitui qualquer factor de aplicação imediata da Lei nova aos processos pendentes, porque se assim fosse, aquele mesmo legislador tê-lo-ia dito no texto, o que não fez, constituindo antes um sinal de crescimento da ideia de «estatuto» em que se tem vindo a transformar a união de facto, à qual não será estranha toda a evolução social operada nas últimas décadas.

Nestes termos, não subscrevemos a decisão plasmada no AUJ.

2.Da competência material deste Supremo Tribunal.

Entendendo-se que a Lei aplicável ao caso sub judice é a decorrente da Lei 23/2010, de 30 de Agosto, deparamo-nos com um problema processual, no que tange aos pressupostos da acção, que impedem, de per si, o conhecimento de mérito da mesma, e, consequentemente, a uniformização de jurisprudência que ora se suscita.

Se não.

O Digníssimo Procurador Geral Adjunto no seu parecer, abordou esta temática da competência em razão da matéria dos Tribunais comuns como questão prévia, concluindo pelo seu afastamento no caso dos autos e propugnando uma uniformização de jurisprudência nesse sentido.

A tese que fez vencimento no AUJ, abordou a questão previamente, afastando-a por ter entendido que a circunstância de a Lei nova estabelecer um procedimento diverso a intentar perante a Administração, impondo ao interessado não só o ónus de o iniciar, como também de impugnar as decisões aí tomadas, em sede de contencioso administrativo, caso as mesmas lhe sejam desfavoráveis «não colide com a manutenção da competência dos Tribunais Judiciais para interpretar e aplicar a lei nova, prevalecendo a sua decisão, por força do nº2 do art. 205º da Constituição, sobre qualquer apreciação administrativa.».

S.d.r.o.c., sem razão, embora.

Em primeiro lugar e ao contrário do tratamento que é dado pela tese sufragada no AUJ, a questão da competência do Tribunal nunca poderia ser abordada como questão prévia, mas antes como questão subsequente, pois a sua análise e solução a dar, estaria, como está, intrinsecamente dependente da solução dada àqueloutra e não poderia ser conhecida, sequer, sem previamente se ter ouvido as partes a propósito, tendo sido violado o princípio do contraditório consagrado no normativo inserto no artigo 3º, nº3 do CPCivil.

Por outro lado, nunca uma decisão sobre a eventual incompetência dos Tribunais Judiciais conduziria ao deferimento do aventado pelo Digníssimo Procurador Geral Adjunto no seu parecer, uma vez que esta temática transcende a abordada pelos Acórdãos em oposição que dela não curaram, problemática esta que o AUJ ignorou na análise sumária que fez a respeito.

 Todavia, o problema suscitado não se esgota nestas duas questões.

A saber:

Com as alterações introduzidas à Lei 7/2001, pela Lei 23/2010, a atribuição das prestações dispensam a prova da necessidade de alimentos e esta atribuição passou a ter cariz administrativo, sendo tratada entre o interessado e a instituição, apenas se tornando necessária uma acção judicial em caso de dúvidas sobre a existência da união de facto, mas agora tal acção é proposta pela instituição contra aquele, artigos 2º-A, nº1, 2, 3 e 4 e 6º, nº1 e 2 da Lei 7/2010 de 11 de Maio, na alteração introduzida por aquela Lei, acrescendo ainda o preceituado no seu artigo 11º, no que tange ao termo «a quo» do pagamento das prestações a fixar.

Tendo em atenção que a Lei em análise estabelece um procedimento diverso no que tange à atribuição das prestações, que como se referiu, passa a ser feita a requerimento do interessado (nos mesmos termos em que se processavam e processam as prestações provindas de casamento dissolvido por óbito do cônjuge), deixou de haver prazo de caducidade para a propositura da acção, porque acção não há, pelo menos por parte daquele, pois como se deixou consignado a acção a existir será intentada pela instituição contra o interessado se houver dúvidas acerca da existência da união de facto à data do óbito do beneficiário (suscitam-nos também dúvidas sobre qual o tipo de acção a propor nestes casos, afigurando-se-nos que deverá ser uma acção de simples apreciação negativa, com vista á declaração de que o/a interessado(a) não vivia em união de facto com o falecido, mas o tempo se encarregará de dilucidar estas questões que ora se nos colocam meramente en passant).

Mas esta acção específica, no caso de se suscitarem dúvidas sobre a situação de união de facto, nada tem a ver com o procedimento administrativo, proprio sensu, para a atribuição das prestações por morte, sem embargo de o poder complementar, não se considerando, pois, correcta, sempre salvo o devido respeito, a afirmação feita na tese que fez vencimento de que aquele iter «não colide com a manutenção da competência dos Tribunais Judiciais para interpretar e aplicar a lei nova, prevalecendo a sua decisão, por força do nº2 do art. 205º da Constituição, sobre qualquer apreciação administrativa.», uma vez que tal afirmação parece conduzir a uma dualidade de competências entre a jurisdição comum e a administrativa para o conhecimento da questão, quando assim não é, como decorre inequivocamente das alterações introduzidas pela Lei 23/2010.

 Queremos nós dizer, que o Tribunal comum deixou de ter qualquer intervenção no preciso conspectu da declaração de quaisquer direitos do interessado às pensões por óbito do membro da união de facto, os quais são fixados em sede de procedimento administrativo, pelo que, o eventual futuro controlo das decisões proferidas nessa sede, são da competência dos Tribunais Administrativos, nos termos dos artigos 4º, nº1, alínea a) do ETAF e 212º, nº3 da CRPortuguesa.

A única intervenção da jurisdição comum é na dilucidação de eventuais dúvidas quanto à existência da união de facto, apenas para aferir desta união, e como elemento coadjuvante  daquele procedimento administrativo que não é anulado, nem substituído por este procedimento judicial o qual não tem por objecto a atribuição do direito às pensões por óbito do beneficiário.

E, assim sendo, sempre se teria de concluir que este Supremo Tribunal é incompetente em razão da matéria, para conhecer do objecto da presente acção, posto que esta visa o reconhecimento do direito da Autora AA a obter do Réu, Instituto da Segurança Social, IP, as prestações sociais por óbito de BB, com quem vivia em união de facto e cujo decesso ocorreu em 6 de Agosto de 2008, o que levaria à absolvição do Réu da instância, nos termos dos artigos 66º, 493º, nº1 e 2, 494º, alínea a) e 495º do CPCivil e impossibilitaria a uniformização de jurisprudência que fez vencimento.

(Ana Paula Boularot)

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António Joaquim Piçarra