Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3196/16.6T8LRA.L1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. Em 20 de Outubro de 2016, AA e esposa, BB, intentaram no Tribunal da Comarca de Leiria contra Banco BIC Português, SA, acção declarativa de condenação, em processo comum, pedindo:

I. — que o contrato de aquisição de uma obrigação da entidade emitente Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., subscrita pelos AA. junto do R., seja anulado;

e, consequentemente,

II. — seja o R. condenado:

a. — a restituir a totalidade do capital mobilizado, no montante de €50.000,00, acrescido dos juros de mora devidos à taxa legal civil, calculados desde 25 de Outubro de 2014, e até efectivo e integral pagamento [que, até 20/10/2016, ascendem ao montante de €3.978,00], por violação do interesse contratual positivo];

b. — a pagar o montante de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Subsidiariamente,

IV. — seja o R. condenado

a. — a indemnizar os AA. a título de responsabilidade civil, no montante de €50.000,00, acrescido dos juros de mora devidos à taxa legal civil, calculados desde 25/10/2014, e até efectivo e integral pagamento [que, até 20/10/2016, ascendem ao montante de €3.978,00], por violação do interesse contratual positivo;

b. — a pagar o montante de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.


2. O Réu Banco BIC Português, SA, contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção:

I. — deduziu as excepções dilatórias de incompetência em rezão do território e de ilegitimidade;

II. — deduziu a excepção peremptória de prescrição do direito alegado pelos Autores AA e BB.


3. Os Autores AA e BB responderam ás excepções, pugnando pela sua improcedência.


4. Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência territorial e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.


5. Foi proferido despacho saneador:

I. — que julgou o Réu parte ilegítima quanto aos pedidos.

a. — de anulação do contrato de aquisição de obrigação da entidade emitente Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.;

b. — de condenação do Réu a restituir a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros;

II. — que julgou o Réu parte legítima quanto aos pedidos de indemnização.


6. O Tribunal de 1.ª instância julgou a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 25 de Outubro de 2014.


7. O Réu Banco BIC Português, SA, interpôs recurso de apelação.


8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O Recorrente entende que deveriam ter sido dados como provados outros factos que foram perfeitamente demonstrados em sede de audiência de discussão e julgamento e não provados, ou com redacção diferente, os factos dados como provados.

2. A resposta não pode deixar de considerar o dito senso comum, ou um critério de normalidade que preside a todas as relações interpessoais, sendo este um critério geral a ponderar na apreciação da prova.

3. Quanto ao facto 9 dos factos provados:

3.1. A motivação para considerar este facto como provado repousou exclusivamente nas declarações de parte do Apelado.

3.2. O facto em causa foi alegado pelo próprio Apelado na Petição inicial, cabendo-lhe o ónus da respectiva prova, não concebendo o Apelante que por via das declarações de parte seja permitido à mesma parte que tinha de provar, sem mais, inverter o ónus que lhe cabia.

3.3. Tendo o apelado estado presente e vivenciado todos os factos por si alegados deveria poder identificar, recaindo sobre si esse ónus, com quem falou e a quem deu ordem para subscrever a Obrigação em discussão nos autos.

3.4. De todo o modo, não pode é o Banco-apelante ser penalizado por não ter ele logrado identificar o seu colaborador que tenha tido tal conversa com o Apelado.

3.5. As declarações de parte são úteis na ponderação da prova, mas quando suportadas ou reforçadas por outros que o confirmem, ou pelo menos que as não contrariem.

3.6. Ora foram duas as testemunhas a desdizer aquela informação, ainda que depondo apenas quanto à informação que era geralmente dada a todos os clientes - CC (a tempo 00:03:16) e DD (a 04:50).

3.7. Seria normal que a Juiz a quo ponderasse as palavras do Apelado exactamente à luz da simplicidade que lhe reconheceu, não devendo interpretar “à letra”, como parece ter feito, a expressão “levantar dinheiro”. E esta não se refere necessariamente à possibilidade de levantar mesmo o dinheiro, mas sim à possibilidade de mobilizar o investimento feito.

3.8. O facto deveria ter sido considerado não provado ou alterada a sua redacção para incluir a ressalva de que a liquidez do produto poderia ser obtida por endosso ou cedência de posição a outro cliente.

4. Quanto ao facto 1 dos factos não provados:

4.1. o próprio argumentário de venda usado por todos os comerciais distinguia a SLN e identificava-a como entidade emitente das Obrigações - vide documento junto aos autos.

5. Quanto ao facto 2 dos factos não provados:

5.1. O próprio Apelado admite que recebia os ditos extractos periódicos, como admite que deles constava em seu nome uma “carteira”, (vide aos 16:40min)

5.2. Simplesmente, o Apelado desinteressou-se sempre por tal correspondência.

5.3. Todavia, sabia, porque discriminados os produtos que havia depósitos a prazo e uma carteira, de onde constava a obrigação subscrita.

5.4. Este facto sempre teria assim de ser considerado como provado!

Sem prescindir,

E sem prejuízo do alegado,

6. Sobrou por demonstrar a causalidade entre esta concreta violação do dever de informar e os concretos danos sofrido pelos Apelados;

7. Seria preciso demonstrar que este concreto incumprimento é apto à produção causal daquele dano, ou de outra forma, seria necessário demonstrar que acaso os Apelados tivessem sido devidamente informados sobre a forma de obter liquidez do seu investimento, através da cedência de posição não teriam por isso investido o seu dinheiro no mesmo instrumento financeiro.

8. O incumprimento do reembolso das emissões obrigacionistas corresponde a um incidente no fim da vida do instrumento financeiro, ao passo que a informação que teria sido distorcida corresponderia a todo o período de vigência do mesmo.

9. Ou seja, não se concebe que uma informação distinta pudesse ter acautelado os Apelados para um risco eventual de não virem a receber o capital investido.


9. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


10. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou o recurso de apelação improcedente.


11. Inconformado, o Réu Banco BIC Português, SA, interpõs recurso de revista.


12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Do elenco de factos provados de qualquer dos acórdãos em confronto não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

2. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

3. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

4. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

5. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

6. Qualquer extensão do âmbito da presunção de culpa do devedor na responsabilidade contratual ao nexo causal sempre não poderia deixar de ser CONTRA LEGEM!

7. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

8. Efectivamente, este automatismo entre a verificação de um incumprimento e o dano não é capaz de explicar casos, como o dos autos, em que o incumprimento não é da prestação principal do contrato, mas sim de uma prestação acessória.

9. Neste sentido, pronuncia-se de resto o douto Parecer exactamente do Prof. Menezes Cordeiro junto aos autos e que esclarece exactamente este concreto ponto, concluindo pela inaplicabilidade da dita presunção no caso de incumprimento de deveres acessórios do contrato

De facto,

10. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

11. A prestação de informação só por si não determinaria nunca a existência de um serviço de recepção e transmissão de ordens, exactamente por não ser uma prestação típica. Todavia, a recepção e transmissão de ordens, sem prestação de informação (que, de resto, nem sequer é sempre obrigatória), não deixa de constituir o núcleo central daquele contrato de execução de intermediação financeira – o contrato existe, mal cumprido, mas existe!

12. Ou seja, a prestação de informação, no âmbito deste contrato, é um quid adicional ao núcleo típico do contrato, e que apenas existe a fim de garantir que o cumprimento se adequa à finalidade social ou prática pretendida pelas partes com o recurso a um contrato.

13. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante na economia do contrato, que será qualificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

14. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

15. Sendo uma obrigação acessória, a falta de prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada extensão da presunção de culpa à causalidade.

Por outro lado,

16. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si:
por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira entre o Recorrido e Recorrentes, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato, entre os Recorrentes e a respectiva entidade emitente!

17. Ora, a falta de “resultado normativamente prefigurado” a que alude o Prof. Menezes Cordeiro refere-se, no caso ao dano – ou seja, refere-se aos efeitos no âmbito da emissão obrigacionista e seu não reembolso.

18. Ao contrário, o contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse mesmo momento.

19. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato, que foi há muito cumprido?

20. Note-se que a determinação da causalidade será sempre possível. Apenas não é legítimo que seja presumida – mesmo seguindo a fundamentação de quem defende uma tal extensão de presunção de culpa à causalidade!

21. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões!

22. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

23. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

24. E nem se diga que a prova da causalidade seria uma prova diabólica para os AA…

25. Pelo contrário, a inversão do ónus da prova obedece normalmente critérios de equilíbrio na possibilidade de demonstração dos factos em causa.

26. Ora, no caso, o nexo causal a demonstrar tem a ver com a disponibilidade ou vontade dos próprios AA. de contratar independentemente do cumprimento de todas as prestações contratuais.

27. Tratando-se de factos pessoais dos AA., não se vê como não possam eles fazer a necessária prova! Aliás, a prova não seria senão facilitada exactamente por essa circunstância, escapando por completo à esfera de conhecimento ou disponibilidade do intermediário financeiro!

28. Ou seja, a prova do dito nexo causal, nos termos que passaremos a expor, é tudo menos diabólica!

29. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

30. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

31. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

32. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

33. E nada disto foi feito!

34. A origem do dano dos AA. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

35. O Tribunal a quo violou, nos termos supra expostos, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos art.ºs 342º, 344º, 563 e 799º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso e pela sua procedência, e em consequência pela revogação do douto acórdão recorrido e sua substituição por outro que absolva o Recorrente do pedido,

Assim se fazendo JUSTIÇA!


13. Os Autores AA e BB contra-alegaram, pugnando pela inadmissibidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.


14. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I. A Revista, ao abrigo do nº3 do art. 671º do CPC, pressupõe que ambas as decisões tenham fundamentação essencialmente distinta, no sentido em que a aplicação do direito aos factos por parte de ambas as instâncias seja diametralmente oposta, não obstante atinjam o mesmo resultado final. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2015, in www.dgsi.pt)

II. No caso em apreço, a única diferença patente entre ambas as decisões respeita aos factos que as instâncias consideraram como violadores do dever de informação: enquanto a 1ª instância considerou que apenas a indicação, pelo réu, de que o capital podia ser mobilizado a todo o tempo viola tal dever, a Relação considerou que também a indicação, pelo réu, de que o capital se encontrava garantido pela emitente constituiu violação desse dever.

III. Não existe, pois, qualquer fundamentação essencialmente diferente entre ambas as decisões que permita admitir a revista ordinária sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do nº3 do art. 671º do CPC.

IV. Salvo melhor entendimento, o douto Acórdão recorrido não assentou a sua decisão em qualquer presunção da existência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, tendo, pelo contrário, considerado que, face aos factos provados, esse nexo causal se encontrava demonstrado.

V. Quando muito, poder-se-ia admitir que a Relação efectuou, em face da prova produzida, um juízo de razoável probabilidade de que o dano foi originado por aquele facto, o que o próprio Recorrente aceita como admissível nas suas alegações de recurso (vd. Pág. 14)

VI. Pelo que, no âmbito do Acórdão recorrido, não se verifica a existência de questão em discussão que sirva de fundamento para a admissão de um recurso de revista excepcional, ao abrigo da a) do nº1 do art. 672º do CPC.

VII. Nos termos da alínea c) do nº2 do art. 672º do CPC, o Recorrente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, e juntar cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

VIII. O Recorrente não alega  os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, desconhecendo-se sobre que factualidade em concreto se teriam debruçado os eventuais Acórdãos contraditórios, e em que ponto contradizem o Acórdão recorrido,

IX. Para além disso, o Recorrente não promove a junção aos autos de cópia do, eventual, acórdão-fundamento, não alega e faz prova do seu trânsito em julgado em momento anterior à prolação do Acórdão recorrido, nem, sequer, indica onde os Acórdãos mencionados podem ser consultados, fisicamente ou on-line, nem os identifica de forma completa.

X. A falta desses elementos, ao abrigo da supra citada norma, é fundamento para a rejeição da revista excepcional. (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2019, de 21/10/2014 e de 15/03/2018, in www.dgsi.pt)

XI. Na falta da junção de cópia do acórdão-fundamento, ou, pelo menos, da sua completa identificação e indicação de onde pode ser consultado, a revista excepcional por contradição de decisões transitadas em julgado só pode ser rejeitada, por força da alínea c), nº2, do art. 672º do CPC.

XII. Ainda que  assim  não  se  entendesse,  o  Acórdão  recorrido  não  levou  a  cabo nenhuma presunção de causalidade ou procedeu à inversão do ónus da prova quanto a esse requisito da responsabilidade civil, tendo considerado que o nexo de causalidade se encontra provado por força dos pontos 6 a 9 da matéria de facto provada.

XIII. Pelo que, não existe qualquer oposição entre o Acórdão recorrido e os eventuais acórdãos-fundamento, que se teriam debruçado sobre a problemática da alegação e ónus da prova do nexo causal, e da sua presunção.

XIV. Não se verificam, assim, os fundamentos para a admissibilidade da revista excepcional por contradição de decisões transitadas em julgado.

XV. Se assim não se entender, o Acórdão recorrido não leva a cabo qualquer presunção de causalidade, nem defendeu que se operava uma inversão do ónus da prova quanto a esse requisito da responsabilidade civil.

XVI. Pelo contrário, o Tribunal recorrido, bem como a 1ª  Instância,  consideraram que os Autores fizeram prova de factos demonstrativos da existência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, mormente os que se encontram contidos nos pontos 6 a 9 da matéria de facto dada como assente.

XVII. Nenhum facto foi dado como provado por via da inversão do respectivo ónus da prova, designadamente os factos atinentes ao nexo de causalidade.

XVIII. A decisão recorrida não levou a cabo qualquer presunção de causalidade por extensão do art. 799º do CC, ou com qualquer outro fundamento jurídico ou normativo.

XIX. Quando muito, a Relação poderia ter levado a cabo um juízo de razoável probabilidade de verificação do nexo causal face àqueles factos dados como provados, que, como supra se referiu, o próprio Recorrente reconhece como legal e juridicamente admissível.

XX. Apenas a título complementar, veio a Relação referir que esse nexo de causalidade sempre se presumiria, ao abrigo do mencionado art. 799º do CC.

XXI. No que se concorda plenamente, na medida em que o art. 799º do CC, assim como o art. 304º, nº2, do CVM, na sua redacção inicial, têm implícita uma presunção de causalidade. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2018, in www.dgsi.pt)

XXII. Sendo que essa presunção sempre seria aplicável à violação do dever de informação ínsito no CVM, na medida em que esse dever integra, claramente, o quadro das obrigações principais do contrato de intermediação financeira,

XXIII. Pois o intermediário financeiro não é, apenas, um mero mensageiro, mas um informador e um conselheiro do cliente, no âmbito da intermediação financeira.

XXIV. Também, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, não se verificou qualquer inversão no ónus da prova do nexo causal com fundamento na prova diabólica.

XXV. De acordo com o Tribunal recorrido, os Recorridos provaram todos os requisitos da responsabilidade civil, a saber, o facto ilícito, a culpa (que se presume), o nexo causal e o dano.

XXVI. Assim, de tudo o que se expôs, facilmente se conclui que a presente revista e as  suas conclusões são manifestamente  infundadas, pelo que devem improceder

Assim, não se concedendo provimento ao recurso, que o não merece, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!!


15. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu a revista excepcional.


16. Em 23 de Setembro de 2019, foi proferido pela anterior relatora despacho determinando a suspensão da instãncia até ao trânsito em julgado do acórdão de uniformização de jurisprudência a proferir no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


17. Em 6 de Dezembro de 2021, foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


18. Tendo transitado em julgado do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foram os presentes autos conclusos ao actual relator.


19. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação;

II. — se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato;

III. — se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


20. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1 - A R., à data denominada Banco Português de Negócios, S.A., foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

2 - A SLN, até à nacionalização do BPN, era detentora da totalidade do capital social do BPN.

3 - O BPN estava registado na CMVM como intermediário financeiro.

4 - O BPN comercializou o produto denominado “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”.

5 - Os AA. são titulares de uma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... da R., conta que foi aberta quando a R. ainda se denominava BPN.

6 - O A. AA aceitou investir o montante de € 50.000,00 no produto referido no ponto 4, na sequência do que a importância de € 50.000,00 foi transferida da conta à ordem titulada pelos AA. e aplicada na subscrição daquele produto.

7 - O A. AA é uma pessoa humilde, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças, que aplica as suas poupanças em produtos financeiros seguros.

8 - O funcionário do BPN informou o A. AA que o produto era um investimento seguro, com pagamento de juros remuneratórios à taxa Euribor a 6 meses, acrescido de 1,75%, com prazo de vencimento de 10 anos.

9 - O funcionário do BPN informou ainda o A. AA que o capital era garantido e que podia levantar o dinheiro quando quisesse como até então.

10 - Na nota interna emitida pela Direcção de Comunicação Institucional e Marketing, dirigida à rede comercial da R., consta, que “capital garantido: 100% do capital investido” e que “o SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos”.

11 - No dia 25 de Outubro de 2014, data de vencimento da obrigação, esta não foi paga aos AA.

12 - O A. AA anda ansioso quanto ao resultado desta acção e angustiado com o receio de perder o dinheiro.


21. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

1 - O funcionário do BPN informou o A. AA que se tratava de obrigações que representavam a dívida da sociedade-mãe do banco; e que a obtenção de liquidez era possível pela via do endosso.

2 - Pelos extratos mensais periódicos, os AA. sabiam que tinham subscrito obrigações SLN, que tinham adquirido produto diferente do depósito a prazo.


  O DIREITO

 

22. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].


23. A primeira questão suscitada consiste em averiguar se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


24. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil — I. — com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e — II. — com as regras dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].

a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que “[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.


O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e o art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].


b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevãncia dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].

Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16].

Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de eslcarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.  O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.  O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17]. Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não represantar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


c) O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Os factores referidos no n.º 2 do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 correspondem à descrição de um caso exemplar de violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — em lugar de requisitos cumulativos, de cujo preenchimento depende a conclusão de que foi infringido ou violado um dever pré-contratual, devem interpretar-se como factores relevantes para a decisão.

O intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”. Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas [18] e os riscos da sua subscrição [19]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente [20]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios” [21]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [22]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.


25. Face aos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e aos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, como interpretados no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, há uma violação de deveres pré-contratuals de esclarecimento e de informação imputável ao Réu, agora Recorrente.

Em primeiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos foi sugerida pelo intermediário financeiro, agora Réu, ao cliente, agora Autor, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 6 [23]; em segundo lugar, o cliente, agora Autor, não tinha conhecimentos ou experiência para avaliar o risco daquele produto financeiro e, em terceiro lugar, não tinha a intenção de aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 7 [24]; em quarto lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro, agora Réu, com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou com uma informação equivalente, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 9 [25].

Embora não conste dos factos provados que a subscrição de obrigações subordinadas tinha sido sugerida pelo intermediário financeiro, agora Réu, sem a explicação do que eram obrigações subordinadas, consta dos factos não provados que “[o] funcionário do BPN informou o A. AA que se tratava de obrigações que representavam a dívida da sociedade-mãe do banco; e que a obtenção de liquidez era possível pela via do endosso”.


26. Entendendo, como entendemos, que está provada a violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação, deve esclarecer-se se a violação ilícita é, ou não, imputável ao Réu, agora Recorrente e, caso afirmativo, se lhe imputável a título de culpa grave ou de culpa leve

O art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, consagrava a presunção de culpa do intermediário financeiro [26]; como a presunção de culpa do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários era e é, tão-só, uma presunção de culpa leve, o problema está em averiguar se os factos dados como provados no acórdão recorrido são suficientes para ilidir a presunção, no sentido de qualificar a culpa como grave.

A responsabilidade do intermediário financeiro deve apreciar-se de acordo com um padrão especialmente elevado, determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras. Em tal contexto — no contexto de tal padrão — será mais fácil sustentar-se que a culpa do intermediário financeiro é uma culpa grave: não será necessário que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada da medida normal de cuidado; no sentido de se tratar “[d]aquela [negligência] em que só cai um homem extraordinariamente desleixado” [27]; será suficiente que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada de uma medida elevada, e especialmente elevada, de cuidado.

Ora o padrão especialmente elevado determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras tem como consequência que a apresentação a “uma pessoa humilde, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças”, de uma obrigação subordinada como um produto “[cujo] capital era garantido” e/ou como uma aplicação financeira “[de] que [o Autor, agora Recorrido] podia levantar o dinheiro quando quisesse como até então” [28] deva coordenar-se ao conceito de dolo ou, no mínimo, de culpa grave.

Em termos em tudo semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 e de 10 de Abril de 2018 pronunciaram-se no sentido de que “actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” [29] e, sobretudo, de que,

“[a]tento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave” [30].


27. Estabelecidas a tipicidade, i.e., a violação de deveres de esclarecimento e de informação, a ilicitude e a culpa do Réu, agora Recorrente, põe-se duas questões de causalidade: a primeiro consiste em averiguar se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato e a segunda, em averiguar se a conclusão do contrato foi condição sine qua non de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores, agora Recorridos.

a) O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Ora nem os factos dados como provados nem os factos dados como não provados nos dizem nada sobre se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi ou não foi condição sine qua non da conclusão do contrato — logo, da decisão de investir.

O acórdão recorrido deu como provado o preenchimento do requisito da causalidade deduzindo dois argumentos: em primeiro lugar, deduziu o argumento de que a relação de condicionalidade entre a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação e a decisão de investir resultava da matéria de facto provada [31] e, em segundo lugar, subsidiariamente, deduziu o argumento de que, ainda que a relação de condicionalidade entre a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação e a decisão de investir não resultasse da matéria de facto provada, sempre resultaria de uma presunção [32]

Embora o segundo argumento (subsidiário) conflitue com o critério que, por maioria, foi adoptado nos n.ºs 3 e 4 do segmento uniformizador do acórdão de uniformização de jurisprudência, o primeiro argumento foi e é o argumento principal — logo, decisivo.

Os termos em que o acórdão recorrido se exprime correspondem a uma presunção judicial. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “[a]s presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base da presunção) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), nos termos do artigo 349.º do Código Civil” [33]. O acórdão do STJ de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 56/14.9T8VNF.G1.S1 — define-as, em alternativa, como “meios lógicos ou mentais de descoberta de factos” ou como “operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência, e permitem ao julgador extrair conclusões de factos conhecidos e provados para firmar factos desconhecidos”. Entre os factos que são quase sempre provados com recurso a presunções judiciais estão os processos psíquicos.: como se diz, em termos paradigmáticos, no acórdão do STJ de 29 de Janeiro de 2019 — processo n.º 376/10.1TBLNH.L1.S1 —, “As presunções judiciais constituem um instrumento idóneo para provar certos factos – os factos de natureza psicológica que, por esta sua natureza, é especialmente difícil serem provados por outros meios […]”.


In casu, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou adequado distinguir formalmente o elenco dos factos dados como provados e como não provados, de onde constam todos os factos probatórios, e a indução reconstrutiva [34] de que decorre o facto probando — de que decorre que a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação do intermediário foi causa [no sentido de condição sine qua non] da decisão de investir.

Entre as características da prova por presunções judiciais está a sua complexidade. “depois de adquirido o facto probatório, incumbe ao juiz determinar a relação entre este facto probatório […] e o facto probando […]” [35]. O Tribunal da Relação aplicou “[as] máximas de experiência, []os juízos correntes de probabilidade, […] ou []os próprios dados da intuição humana” [36] para concluir que a apresentação de informação “deturpada” a um cliente-investidor “[com] pouca escolaridade, e poucos ou nenhuns conhecimentos na área da economia e finanças” é condição sine qua non da decisão de investir — o facto de o ter feito depois de encerrada a secção intitulada Fundamentação de facto e de aberta a secção intitulada Fundamentação de direito em nada altera a natureza da operação probatória

Entendemos, por isso, que está provado que a prestação de uma informação adequada, completa e correcta, pelo intermediário financeiro, agora Recorrente, determinaria o cliente-investidor, agora Recorrido, a não tomar a decisão de investir.

b) Esclarecido que a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato, deverá averiguar-se se a conclusão do contrato como causa de um dano patrimonial, de valor correspondente ao capital investido.

O Réu, agora Recorrente, Banco BIC Português suscita a questão nas alegações de recurso:

29. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

30. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

31. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

32. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

33. E nada disto foi feito!


Ora o art. 562.º do Código Civil consagra o princípio geral sobre a obrigação de indemnização, determinando que “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Os Autores, agora Recorridos, alegaram que, desde que tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, não teriam subscrito o produto financeiro em causa: podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivessem subscrito; não podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivessem subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

Quando se diz que podem pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivessem subscrito, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual negativo é compatível com a sua alegação. Quando se diz que não podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivessem subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual positivo é incompatível com a sua alegação.

Está a dizer-se que não podem pretender uma indemnização que os coloque na situação em que estariam se o contrato tivesse sido cumprido — em que estariam  se um contrato, que alegadamente não teriam celebrado, tivesse sido cumprido [37].  

O princípio de que a indemnização há-de colocar os Autores, agora Recorridos, na situação em que estariam se não tivessem subscrito as obrigações subordinadas SLN exige em todo o caso um esclarecimento. em primeiro lugar, o valor do capital investido deverá ser sempre deduzido do valor actual das obrigações da emitente adquiridas pelos Autores e, em segundo lugar, o valor do capital investido deve ser sempre deduzido do valor dos juros pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos pela entidade emitente como remuneração de um depósito a prazo [38].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condenando a Ré / Recorrente Banco BIC Português, S.A., a pagar a quantia que se vier a liquidar em execução, a qual deverá ter em consideração:

I. — que os Autores / Recorridos têm direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao capital investido (50 000 euros);

II. — que o capital investido deve ser deduzido:

a. — do valor actual da obrigação;

b. — do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN — Sociedade Lusa de Negócios, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;

III. — que a quantia resultante da aplicação dos critérios enunciados em I e II deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o Réu haja sido citado para a presente acção.


Custas pelo Recorrente e pelos Recorridos, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; Fátima Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de Fátima Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >.

[4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.

[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos.

[7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”.

[13] Cf. designdamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[19] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[20] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[21] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente: “Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[22] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.

[23] Cujo teor é o seguinte: “O A. AA aceitou investir o montante de € 50.000,00 no produto referido no ponto 4, na sequência do que a importância de € 50.000,00 foi transferida da conta à ordem titulada pelos AA. e aplicada na subscrição daquele produto”.

[24] Cujo teor é o seguinte: “O A. AA é uma pessoa humilde, com poucos ou nenhuns conhecimentos nas áreas da economia e finanças, que aplica as suas poupanças em produtos financeiros seguros”.

[25] Cujo teor é o seguinte: “O funcionário do BPN informou ainda o A. AA que o capital era garantido e que podia levantar o dinheiro quando quisesse como até então”.

[26] O texto do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários é o seguinte: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

[27] Expressão de Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pág. 342.

[28] Cf. facto dado como provado sob o n.º 9.

[29] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 — processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1.

[30] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1.

[31] Diz-se na fundamentação de direito do acórdão recorrido: “[c]onforme resulta da factualidade provada, foi com base nas informações que lhe foram dadas pelos funcionários do R. e, atenta a sua pouca escolaridade, e poucos ou nenhuns conhecimentos na área da economia e finanças,  que o A. aceitou subscrever as obrigações em causa, ou dito de outra maneira, a forma ‘deturpada’ como o produto lhe foi apresentado pelos funcionários do R. fizeram-no acreditar que produto financeiro oferecido detinha qualidades que o mesmo, afinal, não possuía, assim o convencendo a subscrever esse produto financeiro, vindo a ficar privado do capital que nele investiu, verificando-se, assim, o referido nexo causal, correspondendo o dano ao capital investido que a intermediária financeira assegurou que não estava em risco, acrescido dos juros peticionados”.

[32] Diz-se, em seguida, na fundamentação de direito do acórdão recorrido: “No Ac. do STJ de 17.03.2016 a que supra se fez referência, entende-se mesmo que o próprio nexo de causalidade entre o facto ilícito /culposo (a ausência de cumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte da intermediária financeira) e o dano dever-se-á considerar abrangido pela presunção ínsita no artigo 799º, nº 1, do Código Civil)”.

[33] Cf. designadamente acórdãos do STJ de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 286/10.2TBLSB.P1.S1 —, de 19 de Janeiro de 2017 — processo n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1 —, de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 8531/14.9T8LSB.L1.S1 —, ou de 22 de Abril de 2021 — processo n.º 24140/16.5T8PRT.P1.S1.

[34] Expressão do acórdão do STJ de 9 de Março de 2021 — processo n.º 9726/17.9T8CBR.C1.S1: “A estrutura lógica das presunções judiciais é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico”.

[35] Cf. João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 525.

[36] Expressão do acórdão do STJ de 22 de Abril de 2021 — processo n.º 24140/16.5T8PRT.P1.S1.

[37] O resultado corresponde àquele a que se chegou no direito italiano, de que a indemnização deve conter-se dentro dos limites do interesse contratual negativo (cf. Valentino Lenoci, “Responsabilità dell’intermediario finanziario e tutela del risparmiatore”, cit., pág. 2089]. 

[38] Cf. acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018 — processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 —: “Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido”.