Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
484/15.2T8BGC.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: JUSTA CAUSA
FALTAS
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR / FALTAS / DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA.
Doutrina:
- JORGE LEITE E COUTINHO DE ALMEIDA, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, 249.
- LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, 493.
- MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito de Trabalho, 1991, 822.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, vol. I, 8.ª edição, 461; Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, 553-554.
- MOTTA VEIGA, Direito do Trabalho, II, 128.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 128.º, N.º 1, AL. B), 248.º, N.º 1, 351.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA G), 396.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/2/1995, CJS, 279/1; DE 30/09/2009, PROCESSO N.º 623/09 – 4.ª SECÇÃO, DE 15/10/2014, PROCESSO Nº 1547/10.6TTLSB.L3.S1, ESTES ÚLTIMOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
-DE 13/10/2010, PROCESSO N.º 142/06.9TTLRS.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 28/09/2011, PROCESSO N.º 673/03.2TTBRR.L1.S2, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1- Integra justa causa de despedimento do trabalhador ter este faltado injustificadamente ao serviço 22 dias seguidos, situação agravada pelo facto de ter ignorado uma comunicação do empregador que o informava de que estava a faltar sem qualquer justificação e que isto o fazia incorrer em faltas injustificadas, podendo por isso ser alvo de actuação disciplinar.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

         AA intentou uma acção com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo, promovido pela sua entidade empregadora

BB, S.A., apresentando para tanto o respectivo formulário.

        Realizada, sem conciliação, a audiência de partes, foi a empregadora notificada para apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar, o que fez, pugnando pela improcedência da acção e pela manutenção da decisão de despedimento com justa causa em virtude do autor ter faltado injustificadamente ao serviço durante 22 dias consecutivos. E tendo retomado o serviço, voltou a ausentar-se injustificadamente por mais um período de 3 dias.

Mais alegou que com tal comportamento violou o dever de assiduidade, e de justificação das ausências, revelou desinteresse pela prestação do trabalho, tornando irremediavelmente abalada a relação trabalho e impossível a sua subsistência.

        O trabalhador contestou suscitando a questão prévia da caducidade do procedimento disciplinar e do direito de aplicar a sanção que lhe foi aplicada. E por impugnação, negou ter faltado injustificadamente ao trabalho, já que as suas ausências se ficaram a dever ao facto de ter estado incapaz de prestar trabalho por ter estado doente, concluindo pela ilicitude do seu despedimento.

Por fim formulou ainda pedido reconvencional no âmbito do qual reclamou a condenação do empregador na reintegração no seu posto de trabalho, ou se esta vier a ser a sua opção, pediu a condenação do R na indemnização prevista no artigo 391º do C.T. e no pagamento das retribuições desde a data do despedimento, que ascendem ao montante de € 4.662,42, e nas retribuições que deixou de receber desde 1 de Julho de 2015 até ao trânsito em julgado da decisão desta acção, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal.

       O empregador veio responder concluindo pela improcedência das excepções deduzidas e pela sua absolvição do pedido reconvencional.

         Oficiosamente foi suscitada a questão da competência territorial do Tribunal da Comarca de Bragança para conhecer da presente acção, e tendo a mesma sido julgada procedente, determinou-se a remessa dos autos ao Tribunal da Comarca de Vila Real, Instância Central, Secção do Trabalho, por ser o territorialmente competente.

        Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, que fixou o objecto do litígio e os temas de prova.

E realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provada, considerando-se lícito o despedimento/sanção aplicado ao A. e em consequência absolve-se o R. dos pedidos formulados pelo A.

                Fixa-se aos autos o valor de € 30.001,00.

                Custas pelo A.

                Registe e notifique.”

Inconformado, apelou o trabalhador, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida:

a) Declarou que o despedimento do Autor AA é ilícito, condenando o R. BB, S.A. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho com todos os seus direitos incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade;

b) Condenou o R BB, S.A. a pagar ao A. AA as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, às quais deverão ser deduzidas as eventuais retribuições mencionadas no nº 2, als. a) e c), do art. 390º do Código do Trabalho, acrescidas dos respectivos juros moratórios, à taxa legal, devendo a liquidação das mesmas ser feita em incidente de liquidação de sentença.

É agora a empregadora que, inconformada, nos traz revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

… …

5. Salvo o devido respeito, que é muito, não se aceita a decisão encontrada no acórdão proferido pela Relação de Guimarães, porque o juízo que a presidiu visou unicamente acautelar o princípio constitucional da segurança do emprego, previsto no artigo 53º da CRP, sobrepondo--se a toda a factualidade provada que naturalmente tinha de concluir pela confirmação que o despedimento do trabalhador, Recorrido, é lícito porque feito com justa causa, e seguidamente continuar a absolver o Recorrente no demais peticionado.

6. Com efeito, a douta decisão depois de elencar a fls. 34 e 35 do acórdão os factos provados, que para sua apreciação entendeu necessários, e que aqui se consideram completamente reproduzidos para todos os feitos legais, afirma-se que "Não temos dúvidas em afirmar que este factualismo evidencia uma conduta censurável do Recorrente, revelador do desinteresse pela entidade empregadora e pelo cumprimento dos seus deveres profissionais (nomeadamente o de comparecer ao serviço com assiduidade e o de cumprir as ordens e instruções do empregador).

7. Continuando a oração a dizer "mas não é concludente no sentido de uma impossibilidade de manutenção da relação laboral, pressuposto da decisão de despedimento,”

8. Para depois dizer que o Recorrente tinha de estabelecer um prazo para a apresentação dos comprovativos da ausência, num claro e objectivo propósito de atenuar o comportamento do trabalhador retirando-lhe a culpa.

9. Porque, nas palavras da Exma. Senhora Relatora, a conjugação patológica dos problemas respiratórios com os problemas do foro psiquiátrico, não só levaram o trabalhador, Recorrido, ao esquecimento como justificam o seu desleixo e desinteresse para o cumprimento dos seus deveres profissionais, designadamente, o de comparecer ao serviço com assiduidade e de cumprir ordens.

10. Quando este juízo conclusivo da Exma. Senhora Relatora, só foi por si retirada, porque nem o médico, Dr. CC, que prestou o seu depoimento concluiu ou tão pouco contribuiu que na 1ª instância se formasse tal "certeza".

Mais. A apneia do sono nunca incapacitou ninguém.

11. Salvo o devido respeito, mas não se aceita de modo algum esta fundamentação, porque claramente visou, e visa, não retirar qualquer consequência do comportamento e actuação do trabalhador, Recorrido, contrariando o conforto da matéria de facto provada, porque em primeiro lugar se visava garantir a segurança do emprego, em detrimento das circunstâncias e gravidade da actuação do trabalhador, Recorrido.

12. Não se aceita, porque na nossa humilde opinião houve errada aplicação do direito, na medida em que se é verdade que a simples materialidade das faltas injustificadas não são suficientes para se concluir pela impossibilidade da manutenção da relação de trabalho,

13. Também, não é menos verdade que as faltas injustificadas violam o dever de assiduidade e o de lealdade a que o trabalhador está cometido, além de representar uma clara violação de proceder com boa-fé no exercício e cumprimento da obrigação que se vinculou com o contrato de trabalho, como decorre do disposto no artigo 126º do CT e artigo 762º do CC.

14. Como tal, se na fundamentação se diz que "Não temos dúvidas em afirmar que este factualismo evidencia uma conduta censurável do Recorrente, revelador do desinteresse pela entidade empregadora e pelo cumprimento dos seus deveres profissionais (nomeadamente o de comparecer ao serviço com assiduidade e o de cumprir as ordens e instruções do empregador)",

15. Não podemos doutro passo dizer que "não é concludente no sentido de uma impossibilidade de manutenção da relação laboral, pressuposto da decisão de despedimento.”

16. A este propósito Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13^ ed., Almedina, Pág. 232, disse que entende-se, com efeito, que a exigência geral de boa-fé na execução dos contratos - e que se exprime pela necessidade de obviar a que as prestações neles deduzidas sejam funcionalmente desvirtuadas pelo comportamento dos prestadores, isto é, de impedir que o fim visado pelo credor (ou credores) seja anulado ou compensado por um prejuízo resultante do modo e do animus do cumprimento - assume particular acentuação no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza também pelo carácter duradouro e pessoal das relações emergentes.

17. Por isso, a conduta censurável do trabalhador, Recorrido, revelador do seu desinteresse no cumprimento dos deveres profissionais tinham de ter uma consequência, que não dizer-se que agiu sem culpa e como tal considerar ilícito o seu despedimento.

18. Quando com os factos provados a decisão só podia ser de confirmar o despedimento.

19. Sábios Conselheiros, na parte que interessa para a apreciação da presente revista ficou provado que:

•   " O A. faltou ao serviço de 01/09/2014 a 22/09/2014 e de 12/11/2014 a 17/11/2014, data em que se apresentou no seu posto de trabalho."

•          "Em 12/09/2014, o R. remeteu ao A. uma comunicação, que a recebeu, onde o informava de que estava a faltar ao serviço sem qualquer justificação desde 01/09/2014 e que isto o fazia incorrer em faltas injustificadas, podendo o R. agir disciplinarmente contra o mesmo -cfr. doc. de fls. 33 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido."

•          "O A. ao ser confrontado com o desconto de 25 dias de faltas consideradas injustificadas pelo R. na sua retribuição remeteu ao demandado a missiva constante do doe. de fls. 39 (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido), acompanhado dos documentos de fls. 40 a 46 como justificativos da sua ausência (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido)."

•          "O A. não remeteu ao R. qualquer comprovativo médico a justificar a sua ausência relativa ao período de 01/09/2014 a 22/09/2014."

•           "O A. remeteu os atestados médicos, de forma a justificar a sua ausência, em 02/12/2014 -cfr. documentos de fls. 39 a 46, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido."

20.      Ressalta dos factos que mesmo depois de instado pelo Recorrente, por comunicação de 12/09/2014 (fls. 33 dos autos), o trabalhador, Recorrido, manteve-se serenamente sem nada fazer, num claro desrespeito da ordem recebida.

21.      Tanto assim é que, mesmo não tendo apresentado qualquer justificação para o período de 01/09/2014 a 22/09/2014, faltou de 12/11/2014 a 17/11/2014, sem apresentar qualquer comprovativo para a ausência, continuando a faltar injustificadamente.

22.      Ora, contrariamente à fundamentação da Exma. Senhora Relatora, a comunicação do Recorrente ao trabalhador, Recorrido, não tinha de ter qualquer prazo para apresentação dos documentos justificativos da ausência.

23.      Porque o trabalhador sabia o que tinha de fazer logo que possível - artigo 253º, nº 2 (in fine).

24.       E nada fez.

25.      Mesmo sabendo que tinha na sua posse os documentos desde 09/09/2014, 17/09/2014, 19/09/2014 e 14/11/2014 - docs. a fls. 40 a 46 dos autos - e não os enviou ao Recorrente como era sua obrigação e dever.

26.      A não se admitir esta clara factualidade, será o equivalente a admitir que um trabalhador pode ficar indefinidamente a faltar sem apresentar qualquer justificação enquanto não lhe for fixado um prazo pelo empregador.

27.       Não se aceita, porque viola o dever de comunicação que pende sobre o trabalhador, e não sobre o empregador.

28.       Diga-se que o trabalhador, Recorrido, só reagiu em 02/12/2014 depois de lhe ter sido descontado 25 dias de faltas injustificadas no seu vencimento de Novembro/2014. Ou seja, mais de dois meses depois do primeiro período de faltas injustificadas.

29.       E, não como se sumariou no acórdão, quando se diz que - (...), não os apresentou ao empregador, só o vindo a fazer depois deste ter considerado as faltas injustificadas.

30.       Aliás, como bem se disse na decisão da 1ª instância, a fls., "o comportamento do A. traduzido no facto de mesmo após ter recebido a comunicação de 12/09/2014 alertando-o no sentido de que deveria apresentar a justificação da sua ausência sob pena do R. "... vir a proceder disciplinarmente contra si por esse efeito.", nada ter dito ou remetido à sua empregadora, tendo apenas reagido após ter tido conhecimento de que os dias em que faltou lhe haviam sido subtraídos no seu vencimento, o que revela ou total desprezo pelas instruções que lhe eram endereçadas ou uma total irresponsabilidade quanto ao cumprimento das obrigações decorrente do exercício das suas funções enquanto trabalhador, violando em qualquer das hipóteses o poder disciplinar do seu empregador."

31.      Razão pela qual que, não se diga, como fez a Exma. Senhora Relatora que o culpado foi a conjugação das patologias do trabalhador, Recorrido, para tamanho desleixo e desinteresse, porque só no seu julgamento tal é possível.

32.      Nunca foi diagnosticado ao trabalhador, Recorrido, doença/patologia incapacitante.

33.      De tudo se retira, que um trabalhador que age como fez o Recorrido só pode ter agido com culpa, porque o desleixo e desinteresse demonstrados nunca resultaram de qualquer combinação de patologias.

34.      Além de que, nunca veio o Recorrido alegar qualquer doença impossibilitante. Porque não existia e nunca lhe foi diagnosticado.

35.      O Recorrido teve o comportamento que quis ter, porque qualquer trabalhador colocado nas suas circunstâncias tinha sem margem para dúvidas comportamento diferente.

36.      Por isso, que o seu despedimento é lícito, porque com justa causa.

37.      A justa causa de despedimento pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral.

38.      A impossibilidade de subsistência do vínculo deve ser reconduzida à ideia de "inexigibilidade" da sua manutenção, mais se exigindo uma impossibilidade prática, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e imediata, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato de trabalho.

39.      Para integrar este elemento, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela contém, ou não, a aptidão e a idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida.

40.       No âmbito das relações de trabalho, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança, salientando-se, para o efeito, a sua forte componente fiduciária, para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, suja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.

41.       Visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, as faltas sucessivas integram um cumprimento defeituoso do vínculo, susceptível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.

42.      As faltas, sendo injustificadas, integram um comportamento ilícito, presumindo-se a culpa do trabalhador, como decorre do artigo 799º, nº 1 do CC.

43.       Tendo o trabalhador, Recorrido, incumprido, de forma reiterada, o seu dever de assiduidade, o que redundou no cometimento de 25 faltas injustificadas - está irremediavelmente comprometida a relação de confiança do Recorrente quanto ao seu futuro comportamento, tornando-se-lhe inexigível que mantenha a relação laboral.

44.       Ficaram demonstrados factos suficientes para que legitimamente se invocasse justa causa de despedimento, quanto às faltas cometidas após e entre os dias 01/09/2014 e 22/09/2014, as quais não foram justificadas e são em número superior ao referido no artigo 351º, nº 2, alínea g) do CT, pelo que dispensam a demonstração do prejuízo ou risco que determinaram à actividade do Recorrente, aliás, como também se deixou a fls. 33, in fine, do douto acórdão.

45.       Os 19 anos de antiguidade, não podiam permitir ao trabalhador, Recorrido, que ignorasse as advertências do Recorrente, antes pelo contrário, impor-lhe um comportamento precisamente contrário e em linha com os deveres que o tempo se encarregou de lhe inculcar na sua conduta e comportamento, designadamente, o conhecimento das regras quanto à justificação das ausências e o perfeito e cabal conhecimento da comunicação que recebeu da sua entidade patronal, de 12/09/2014, e que voluntariamente ignorou.

46.      Deste modo, a conduta do Recorrido, com a sua ausência injustificada e o seu comportamento demonstraram por um lado o desvalor da sua relação de trabalho, e a impossibilidade de se manter o vínculo laboral, por outro, justificando-se sem margem para dúvidas a sanção de despedimento que lhe foi aplicada.

Pede assim que se revogue o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão proferida na lª instância que julgou lícito o despedimento com a consequente absolvição do Recorrente de tudo o peticionado.

O trabalhador também alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

        Subidos os autos, emitiu o Senhor Procurador Geral Adjunto judicioso parecer no sentido da concessão da revista, a que nenhuma das partes respondeu.

É assim altura de decidir.

2---

Para tanto, as instâncias apuraram a seguinte matéria de facto:

· O A. foi admitido ao serviço do R em 24/07/1995, para trabalhar no Balcão de ..., tendo sido integrado no Grupo I, nível 14, passando a exercer funções administrativas próprias das instituições de crédito, tendo-lhe sido atribuída a qualificação profissional de “administrativo”.

· Em 19/04/1999, o A. passou a prestar serviço na Direcção Regional de …, no departamento especial de crédito à habitação.

· Ultimamente, antes da instauração do presente procedimento disciplinar, o A. estava integrado no Grupo I, nível 8, exercendo as funções de assistente de vendas, auferindo a título de vencimento a quantia mensal ilíquida de € 1.554,14.

· O A. faltou ao serviço de 01/09/2014 a 22/09/2014 e de 12/11/2014 a 17/11/2014, data em que se apresentou no seu posto de trabalho.

· Em 02/09/2014, o A. enviou um SMS a DD, gerente do Balcão de ..., com o teor constante do art. 4º da nota de culpa (cfr. doc. de fls. 51, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido).

· Em 08/09/2014, o A. remeteu novo SMS ao mesmo gerente, com o teor constante do art. 5º da nota de culpa (cfr. doc. de fls. 51, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido).

· Em 12/09/20414, o R. remeteu ao A. uma comunicação, que a recebeu, onde o informava de que estava a faltar ao serviço sem qualquer justificação desde 01/09/2014 e que isto o fazia incorrer em faltas injustificadas, podendo o R. agir disciplinarmente contra o mesmo – cfr. doc. de fls. 33 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido).

· Em 16/09/2014, o A. remeteu nova mensagem de SMS ao gerente DD com o teor constante do art. 10º da nota de culpa (cfr. doc. de fls. 51, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido).

· O A. ao ser confrontado com o desconto de 25 dias de faltas consideradas injustificadas pelo R. na sua retribuição remeteu ao demandado a missiva constante do doc. de fls. 39 (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido), acompanhado dos documentos de fls. 40 a 46 como justificativos da sua ausência (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido).

· Em 2/12/2014, o Autor remeteu ao R. comprovativo médico a justificar a sua ausência relativa ao período de 1/09/2014 a 22/09/2014 (alteração efectuada pela Relação).

· O A. remeteu os atestados médicos, de forma a justificar a sua ausência, em 02/12/2014 – cfr. documentos de fls. 39 a 46, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

· Também para o período de 12/11/2014 a 17/11/2014, o A. remeteu comprovativo médico a justificar a sua ausência em 2/12/2014 (alteração efectuada pela Relação).

· O A. padece de problemas do foro respiratório – apneia do sono. (alteração efectuada pela Relação).

· O A. remeteu mensagens por SMS ao gerente da agência bancária onde exercia as suas funções, tal como consta dos documentos de fls. 26 a 30, cujo** teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

· O A. nunca havia sido alvo de qualquer sanção disciplinar anterior aplicada pelo R.

3---

        Como se constata das conclusões da alegação do recorrente, a única questão a decidir prende-se com a justa causa de despedimento do trabalhador, a que as instâncias deram resposta oposta, pois enquanto a 1ª instância considerou lícita a cessação do contrato de trabalho invocada pelo empregador, a Relação concluiu pela ilicitude da sanção aplicada ao recorrido.

        É contra tal juízo que reage o recorrente, pugnando pela sua licitude face à gravidade da conduta do trabalhador.

         Vejamos então se tem razão.
3.1---
          Apesar da nossa lei fundamental consagrar a proibição dos despedimentos sem justa causa, conforme resulta do artigo 53º da CRP, o que constitui o corolário do princípio constitucional da “segurança no emprego”, daqui não advém uma proibição absoluta do despedimento do trabalhador, dado que perante situações de crise contratual resultantes duma actuação deste, a lei admite que a empresa o possa despedir com justa causa.
          No entanto, este despedimento tem que fundar-se num comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conforme resulta do nº 1 do artigo 351º do Código do Trabalho/2009, constando do seu número 2, de forma exemplificativa, várias situações que poderão preencher aquele conceito.
          Trata-se duma noção que já vem das leis laborais anteriores, conforme se colhia do artigo 9º do DL nº 64-A/89 de 27/2, conceito que transitou, sem alterações significativas, para o artigo 396º do CT/2003.
          Assim sendo, continua válida a doutrina que se foi firmando ao abrigo desta legislação, exigindo-se para a justa causa de despedimento dum trabalhador que exista uma violação culposa dos seus deveres contratuais; que esta violação seja grave em si mesma e nas suas consequências; e que por via dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível manter-se o contrato, sendo de apreciar esta impossibilidade no campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço dos interesses em presença, por forma a que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, conforme é orientação corrente deste Supremo Tribunal, vendo-se neste sentido, e dentre muitos outros, os acórdãos de 22/2/95, CJS, 279/1; de 30/9/2009, recurso nº 623/09-4ª secção, e mais recentemente o aresto de 15 de Outubro de 2014, Processo nº 1547/10.6TTLSB.L3.S1, estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt.
          Esta posição é também secundada por Lobo Xavier que conclui pela justa causa de despedimento quando seja chocante, intolerável e inaceitável a imposição da manutenção do vínculo laboral ao empregador, apesar dos obstáculos postos pela lei à desvinculação patronal da relação de trabalho - Curso de Direito do Trabalho, 493.
          Igualmente Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, vol. I, pág. 461 da 8ª edição, sustenta que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade patronal a manutenção do vínculo laboral em virtude da permanência do contrato constituir uma insuportável e injusta imposição ao empregador, doutrina igualmente sufragada por Menezes Cordeiro, em "Manual do Direito de Trabalho", 1991, págs. 822; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, págs. 249; e Motta Veiga, em "Direito do Trabalho", II, págs. 128.
           Por isso podemos afirmar que, para a verificação da justa causa, não basta a mera existência dum dos comportamentos tipificados no nº 2 do referido artigo 351º, pois será sempre necessário que, para além disso, se possa concluir que a conduta do trabalhador provocou a ruptura do contrato por se ter tornado impossível manter a relação laboral, impondo-se que a ruptura seja irremediável em virtude de não haver outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador.
          E assim, verificar-se-á a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança do empregador, por o comportamento do trabalhador ser susceptível de criar no espírito daquele a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato.
          Efectivamente, como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justificará o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, de acordo com o principio da proporcionalidade, constituindo portanto o despedimento, uma saída de recurso para as mais graves crises contratuais, o que implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis, no dizer de MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 553-554.
          Donde ser de concluir que sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave, só deve ser aplicada nos casos em que o comportamento do trabalhador seja de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada a adopção de uma sanção correctiva ou conservatória da relação laboral, sendo portanto necessário que nenhum outro procedimento sancionatório se revele adequado a sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador.
          Atentas estas considerações, vejamos então se face à materialidade apurada podemos concluir pela justa causa.

3.2 ---

O A. foi admitido ao serviço do R em 24/07/1995, para trabalhar no balcão de ..., tendo transitado, em 19/04/1999, para a Direcção Regional de …, onde passou a exercer funções como assistente de vendas no departamento especial de crédito à habitação, estando ultimamente integrado no Grupo I, nível 8, e auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 1.554,14.

E foi despedido por ter faltado ao serviço um total de 25 dias, entre 01/09/2014 e 22/09/2014, e entre 12/11/2014 e 17/11/2014, ausências que foram consideradas pelas instâncias como faltas injustificadas, tendo a Relação argumentado para tanto que:

“Em relação a esses dias que faltou, apenas enviou um SMS no dia 2/09 a informar que estava com uma faringite, em 8/09 enviou nova SMS, a comunicar que no dia seguinte teria uma consulta no médico de família e em 16/09 envia novo SMS ao gerente do banco a informar que no dia seguinte iria ter com o médico de família para levantar baixa, para se poder apresentar ao serviço. Importa ainda reter que em 12/09/2014 o Banco remeteu-lhe uma comunicação onde o informava do facto de estar a faltar ao serviço sem qualquer justificação, desde 1/09, o que fazia incorrer em faltas injustificadas, podendo o banco vir a proceder disciplinarmente contra ele.

Apesar disso, e depois do Banco já ter considerado as faltas de injustificadas e procedido aos respectivos descontos na retribuição do trabalhador, é que este em 2/12/2014, remeteu ao empregador os documentos comprovativos da sua impossibilidade de comparência para trabalhar nos referidos períodos de tempo.

… … … …

Nesta conformidade, verifica-se que no ano de 2014 o trabalhador teve um total de 25 dias de ausências ao trabalho, sem apresentar justificação atendível, pois apesar de no primeiro período de ausência ter inicialmente informado que estava com uma faringite, o certo é que notificado para juntar documento justificativo, não o fez em prazo razoável, pois quando apresentou decorridos mais de três meses sobre o início do primeiro período de faltas, já o empregador as tinha considerado de injustificadas e já tinha procedido ao respectivo desconto no seu vencimento.

Podemos por isso afirmar que a ausência do trabalhador ao trabalho, no caso concreto consubstancia faltas injustificadas.

Não tendo o recorrido reagido contra este entendimento, quando o poderia ter feito ao abrigo do nº 1 do artigo 636º do CPC, ficou definitivamente adquirido que tais faltas são injustificadas.

Assim sendo, resta apreciar se esta conduta integra justa causa.
                                   
3.2---
           Conforme resulta do artigo 128.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, dever que está relacionado com a situação de disponibilidade em que se coloca perante o empregador ao celebrar o contrato de trabalho, sendo no cumprimento deste dever que tem que comparecer para trabalhar de acordo com o horário que vigorar.
           E se o não fizer incorre numa situação de faltas, pois conforme prescreve o n.º 1 do artigo 248.º do mesmo compêndio legal, considera-se “falta” a ausência de trabalhador do local de trabalho em que devia desempenhar a sua actividade durante o período normal de trabalho diário.
           O dever de assiduidade constitui assim um dos principais deveres para o trabalhador, pois faltando injustificadamente ao serviço, para além da perda da retribuição respectiva pode incorrer em infracção disciplinar.
          É nesta linha que se compreende a alínea g) do número 2 do artigo 351º do CT, donde resulta que as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, constituem justa causa de despedimento.
          Mas também quando o seu número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente do prejuízo ou risco que tenham causado, estaremos perante uma situação susceptível de integrar justa causa de despedimento.
           São por isso duas as situações em que o legislador configura as faltas ao trabalho como passíveis de integrar justa causa de resolução do contrato pelo empregador.
           Assim, se determinarem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, poderão constituir justa causa qualquer que seja o seu número.
           Mas poderão também integrar justa causa, se atingirem, em cada ano civil, o número de cinco seguidas ou 10 interpoladas, mesmo que delas não advenha qualquer prejuízo ou risco para a empresa.
          Nesta linha, refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, processo n.º 142/06.9TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que tratando-se de cinco ou mais faltas injustificadas seguidas, no mesmo ano, a lei dispensa, na apreciação da gravidade das consequências dos factos, a prova de quaisquer prejuízos reais ou potenciais, podendo, pois, afirmar-se que a lei os presume.
          E em sentido próximo, afirmou-se também no acórdão deste Supremo Tribunal de 28-009-2011, processo n.º 673/03.2TTBRR.L1.S2, disponível em www.stj.pt, que a partir das cinco faltas injustificadas seguidas, o próprio legislador considera que essa violação do dever de assiduidade constitui um comportamento grave do trabalhador, considerando que existe justa causa mesmo que a entidade empregadora não prove prejuízos ou riscos graves para o trabalho que as mesmas tenham causado.

Revertendo ao caso presente, tendo o trabalhador faltado injustificadamente um total de 25 dias, sendo 22 deles consecutivos, situados entre 01/09/2014 e 22/09/2014, e os restantes entre 12/11/2014 e 17/11/2014, temos de considerar que estamos perante uma violação grave do dever de assiduidade, atento o número elevado de faltas.

E tal gravidade ainda se acentua mais quando o trabalhador desconsiderou totalmente a comunicação do R de 12/09/2014, que o informava de que estava a faltar ao serviço sem qualquer justificação desde 01/09/2014 e que isto o fazia incorrer em faltas injustificadas, podendo por isso ser alvo de actuação disciplinar do empregador.

Por outro lado, esta justificação era importante para este, pois contendo a previsível duração das faltas, permitir-lhe-ia uma reorganização do serviço de modo a atenuar os efeitos destas ausências do trabalhador.

Por isso, faltando ao serviço sem ter apresentado uma justificação oportuna, para além de incorrer numa situação de faltas injustificadas, o trabalhador deixou a sua empregadora sem qualquer informação sobre a sua previsível duração, o que revela uma violação grave do dever de assiduidade e um total desinteresse perante as consequências que as mesmas poderiam causar ao serviço.
Temos assim de concluir que esta conduta do trabalhador integra justa causa de resolução do contrato pelo empregador, acarretando a impossibilidade da subsistência do contrato, por ser, só por si, susceptível de criar no seu espírito a dúvida sobre a idoneidade futura do recorrido, e conduzindo por isso, à quebra irreparável da confiança nele depositada e que é indispensável à sua manutenção.

Donde termos de concluir pela existência de justa causa do despedimento do trabalhador, pois seria absolutamente intolerável e inaceitável impor à R. que mantivesse o trabalhador ao seu serviço perante uma violação tão grave do dever de assiduidade e perante o total desinteresse pelas consequências que tais faltas poderiam estar a causar ao serviço, mesmo quando notificado para as justificar.
        Sendo assim, impõe-se revogar o acórdão recorrido, sendo de repristinar a decisão da 1ª instância que considerou existir justa causa de resolução do contrato pelo empregador.

4----

Termos em que se acorda em conceder a revista, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, se repristina a decisão da 1ª instância que absolveu o R de todos os pedidos deduzidos pelo trabalhador.

As custas da revista e nas instâncias são a cargo deste.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 30 de Março de 2017.

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes