Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2308/11.0TBACB.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO
BENS DE TERCEIRO
EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO
VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
TRÂNSITO EM JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - A. XXII - T. III/2014 - P. 99-101
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR -EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS PROCESSUAIS - ADMINISTRAÇÃO E LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE / PROVIDÊNCIAS CONSERVATÓRIAS / APREENSÃO DOS BENS.
DIREITO TRIBUTÁRIO - EFEITOS DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA E DE FALÊNCIA NA EXECUÇÃO FISCAL / EXTINÇÃO DO PROCESSO POR PAGAMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 85.º, N.º2, 88.º, N.º1, 149.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT): - ARTIGOS 176.º, AL. A), 180.º.
Sumário :
I - Da conjugação entre o disposto no art. 88.º, n.º 1, no art. 149.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CIRE, e no art. 180.º do CPPT, extrai-se que, declarada a insolvência, ficam sustados todos os processos executivos pendentes, sendo vedada, aos credores da insolvência, a possibilidade de instauração de novas acções executivas.

II - Tendo transitado em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de execução fiscal que correu termos contra os insolventes, ficou determinada a forma pela qual o produto da venda do prédio penhora seria repartido pelos credores.

III - Assim, cabendo apenas ao competente serviço de finanças – na qualidade de fiel depositário do preço –, proceder à entrega material dos respectivos montantes, deve aquele processo considerar-se extinto e não pendente para efeitos de apreensão dos bens prevista no art. 85.º, n.º 2, do CIRE.

III - Carece de correspondência com o espírito da lei; coloca em causa a unidade sistémica dos diplomas em presença e atinge o caso julgado a interpretação meramente literal do disposto no art. 176.º, al. a) do CPPT que defende que a execução fiscal apenas se extingue com a realização dos pagamentos.

IV - Vendido o imóvel e transitada em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos, não podem as quantias provenientes da venda ser tidas ainda como património dos executados, devendo antes ser consideradas como propriedade dos credores que viram os créditos por si reclamados ali graduados e reconhecidos, pelo que, nesta situação, não pode ocorrer a apreensão para o processo de insolvência da quantia referente ao produto da venda, nos termos do art. 85.º, n.º 2, do CIRE.

Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça:



A) Relatório:


Pelo 3º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça corre processo de insolvência em que são insolventes AA e BB, identificados nos autos.

O administrador da insolvência veio requerer a notificação do Serviço de Finanças de Alcobaça para lhe entregarem a quantia depositada de € 125.100,00 – provenientes da venda de um imóvel, pertencente aos insolventes, no âmbito de um processo de execução fiscal que correm termos pelo Serviço de Finanças de Alcobaça, em que é exequente a Fazenda Nacional e executados os ora insolventes – com vista ao seu depósito na conta da massa insolvente e pagamento aos credores após a sentença de verificação e graduação de créditos e rateio a efectuar.

Referiu que foi proferida decisão de verificação e graduação de créditos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, mas ainda não foram pagos os credores, pelo que o produto da venda do referido imóvel constitui produto da massa insolvente.

Ouvido, o M.P. opôs-se, tendo em conta os fundamentos constantes do Acórdão da Relação de Coimbra de 3/03/20092, segundo os quais “efectuada a venda e transitada em julgado a verificação e graduação de créditos, deverá ser entendido que o depósito não pertence ao executado;

Decretada a insolvência do executado na fase pós-venda, a “captura” do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência e não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85°, nº 2 do CIRE.” e que “esta mesma razão — não pertença do produto da venda ao executado na fase pós-venda — exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88° do CIRE”.

Sobre o requerido, recaiu o seguinte despacho, que se transcreve:

“Requereu o Sr. Administrador de Insolvência a entrega e depósito do preço da venda de imóvel ocorrida nos autos de execução fiscal nº ….

Requer o Ministério Público seja indeferida tal pretensão, nos termos e pelos fundamentos constantes de fls. 195 e 196.

Resulta dos autos que, a 10.12.2010, nos autos de verificação e graduação de créditos nº 330/09.6BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi proferida sentença, já transitada em julgado.

Conforme bem salienta o Ministério Público no requerimento que antecede, Nos termos constantes do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.03.2009 (publicado in www.dgsi.pt), “ (…) efectuada a venda e transitada em julgado a verificação e graduação de créditos, deverá ser entendido que o depósito não pertence ao executado.

Assim, decretada a insolvência do Executado na fase pós-venda, a “captura” do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência, não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85º, nº 2 do CIRE.

Esta mesma razão – não pertença do produto da venda ao executado na fase pós-venda – exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88º do CIRE.”

Nestes termos, e porque carecido de fundamento legal, indefere-se o requerimento apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 174 e 175 dos autos.

Notifique.”

Inconformado com tal decisão, apelou a massa insolvente de AA e BB, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar a apelação procedente, deferir o requerido pelo administrador da insolvência a fls. 174 e 175 dos autos e ordenar a notificação do Serviço de Finanças de Alcobaça para proceder à entrega da quantia de 125.100,00 € que tem na sua posse, resultado da venda do prédio urbano, acima identificado, que aquele Serviço de Finanças efectuou no âmbito da Execução Fiscal n.º ….

Deste acórdão recorre para o STJ o Digno Magistrado do Ministério Público alegando, em conclusão, o seguinte:

1 - O douto aresto, ora recorrido, perfilha, no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito, entendimento contrário ao expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3/3/2009 publicado em www.dgsi.pt-Proc.n.º93/03.9TBFCR.Cl/cujo sumário é do seguinte teor:

"I - Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva.

II - A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento! Traduzindo-se este - em sede de venda executiva - no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador.

III - O depósito do preço pelo comprador à ordem do tribunal gera, na fase pós-venda, uma relação creditícia autónoma entre o banco e o tribunal, nascida no processo executivo, em função dos fins deste.

IV - O tribunal actua nesta relação, decorrente do depósito do preço, por referência aos fins próprios do processo executivo, dando pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução.

V - O preço respeitante à venda não pertence ao executado, excepção feita a uma eventual parte sobrante deste, após o pagamento do crédito exequendo e a satisfação das custas da execução.

VI - Assim, decretada a insolvência do executado na fase pós-venda, a "captura" do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência e não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85°, nº 2 do CIRE.

VII - Esta mesma razão - não pertença do produto da venda ao executado na fase pós- venda - exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88° do CIRE."

Encontram-se, assim, verificados os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de revista, não se mostrando, por outro lado, fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça,

2 - O MºPº, em representação do Estado - Fazenda Nacional, discorda do defendido no aresto recorrido, por entender que na data em que foi declarada a Insolvência de AA e BB, ou seja, em 17/11/2011 (cfr. fls. 63 a 68), já havia sido proferida sentença, com trânsito em julgado, no processo de Verificação e Graduação de Créditos n.º 330/09.6BELRA, que correu termos na 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 10/12/2010, na qual se determinou a quem pertencia o produto da venda do respectivo prédio.

3 - E o trânsito em julgado de uma sentença de mérito traz associados os valores da certeza e da segurança jurídica que qualquer sistema deve buscar e proteger, impedindo que os seus efeitos sejam desrespeitados.

4 - Efectivamente, tendo sido proferida sentença de Verificação e Graduação de Créditos, com trânsito em julgado, o Serviço de Finanças competente passa a ser um fiel depositário do preço da venda de imóvel ocorrida nos referidos autos de execução fiscal nº …, visto que o processo está juridicamente findo.

5 - E conforme resulta dos autos, o produto da venda, na data da declaração de insolvência, já havia sido repartido, por isso não pode ser apreendido, tendo em consideração o observado no art.149°nº2, última parte, do CIRE.

6 - Assim, o Serviço de Finanças como fiel depositário apenas tem de praticar o acto material de entregar, como deveria ter feito, as quantias a quem as mesmas pertencem e já repartidas.

7 - Decretada a insolvência do executado na fase pós-venda, a "captura" do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência, não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85°, nº 2 do CIRE.

8 - Assim sendo, a quantia de 125.100,00€ depositada à ordem dos autos de execução fiscal em causa, produto da venda do prédio urbano, já não era dos Insolventes/ mas sim dos seus Credores que reclamaram o seu crédito naqueles autos, os quais foram reconhecidos e graduados, por sentença que já havia, como se disse, transitado em julgado, à data em que foi decretada a Insolvência, ou seja, já haviam sido repartidos, mas não entregues.

9 - Violou/ pois, o douto acórdão recorrido o disposto nos arts. 671°nº1, do CPC, e 149°nº2, última parte, do CIRE.

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao recurso/ revogando-se o douto acórdão recorrido/ mantendo-se a decisão da 1ª instância

JUSTIÇA

Da mesma forma interpõe recurso para o STJ CC, Ldª alegando, em conclusão, o seguinte:

a) Em síntese, consideraram os Venerandos Juízes Desembargadores daquele Tribunal da Relação que nos termos do n." 1 do art.149.° do CIRE, "proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for ou cedidos aos credores, nos termos dos art. 831 e segs. do CC - o n." 2 do art. 149 do CIRE estabelece expressamente: "Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido";

b) Entendendo que tal preceito legal é subsumível ao caso concreto, uma vez que "0 bem foi vendido mas o produto da venda ainda não foi pago aos credores ou entre eles repartido, pese embora tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos". "Ou seja: para todos os efeitos, o produto da venda continua a pertencer ao executado até serem feitos os pagamentos, ocorrendo uma sub-rogação real do bem vendido pelo preço";

c) Concluindo que "Assim, deve o processo de execução fiscal, ainda pendente, ser sustado nos termos do art.180º do CPPT, o que significa que a quantia depositada à ordem da execução fiscal não pode ser distribuída pelo exequente e pelos credores";

d) Porém, a Recorrente não pode conformar-se com esse veredicto, isto porque, conforme resulta da matéria de facto assente no douto Acórdão, na data em que foi declara a Insolvência em causa, 17/11/2011, já havia sido proferida sentença, com transito em julgado, no processo de Verificação e Graduação de Créditos nº 330/09.6BELRA, que correu termos na 4.3 Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 10/12/2010, na qual se determinou a quem pertencia o produto da venda do respectivo prédio (cfr. pontos 2 e 4 da matéria de facto assente);

e) Logo, a referida sentença proferida no processo de Verificação e Graduação de Créditos, já tinha transitado em julgado, na data em que os executados foram declarados Insolventes, encontrando-se, por isso, o processo juridicamente findo, não se percebendo que diligências deveriam ser suspensas, visto que, com o devido respeito, a sentença proferida que determinou a quem pertencia o preço do imóvel vendido pelo Serviço de Finanças de Alcobaça, o qual nem sequer estava depositado nesse tribunal mas no referido Serviço de Finanças, como mero fiel depositário desse valor e que devia ter emitido os respectivos cheques de pagamento às entidades, cujo crédito foi reconhecido e graduado pelo referido tribunal, não se percebendo, aliás, porque o não fez, com o transito em julgado da referida sentença;

t) Com efeito, estando aquele processo juridicamente findo, faltando apenas ao referido Serviço de Finanças praticar o acto material de entregar, como deveria ter feito, as quantias a quem as mesmas pertencem, não se compreende que sentido faria sustar um processo que não estava já em curso, mas juridicamente findo, verificando-se aqui, com o devido respeito, urna errada interpretação dos referidos artigos, ao confundir-se a sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, ou seja, uma situação de caso julgado, juridicamente inalterável com uma mera detenção de facto da entrega do produto da venda a quem ele pertence, por parte do seu detentor

u) Na verdade, em face do transito em julgado daquela sentença, como bem considerou o Meritíssimo Juiz de primeira instância e o Ministério Público no despacho recorrido, nos termos do invocado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/03/2009, proferido no Processo n.º93/03.9TBFCR.Cl, disponível em www.dgsi.pt, "efectuada a venda e transitada em julgado a verificação e graduação de créditos, deverá ser entendido que o depósito não pertence ao executado" - sublinhado nosso;

v) Explica-se ainda naquele Acórdão que, "Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o Tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva".

A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento, traduzindo-se este - em sede de venda executiva - no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador" -sublinhado nosso;

i) "O depósito do preço pelo comprador à ordem do tribunal gera, na fase pós-venda, uma relação creditícia autónoma entre o banco e o tribunal, nascida no processo executivo, em função dos fins deste. O tribunal actua nesta relação, decorrente do depósito do preço, por referência aos fins próprios do processo executivo, dando pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução";

j) Logo, "O preço respeitante à venda não pertence ao executado, excepção feita a uma eventual parte sobrante deste, após o pagamento do crédito exequendo e a satisfação das custas da execução". "Esta mesma razão - não pertença do produto da venda ao executado na fase pós-venda - exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88.0 do CIRE" -sublinhado nosso;

k) Posto isto, a quantia de 125.100,00€ depositada à ordem dos autos de execução fiscal em causa, produto da venda do prédio urbano, na altura propriedade de AA e mulher BB, sito em Carris, denominado "…", freguesia de Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça, composto de casa de rés-do-chão, para habitação, com garagem e logradouro, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o art. … e descrito na respectiva Conservatória sob o n." …/Évora, já não era dos Insolventes, mas sim dos seus Credores que reclamaram o seu crédito no referido processo, os quais foram reconhecidos e graduados, por sentença que já havia transitado em julgado, à data em que foi decretada a presente Insolvência;

l) Pelo que, bem andou o Meritíssimo Juiz de Primeira Instância, no douto despacho proferido, ao indeferir o requerido pelo Senhor Administrador de Insolvência, pois, caso contrário, estaria a ser apreendido património que não era já dos Insolventes, à data do decretamento da sua Insolvência e, assim, insusceptível de integrar a massa insolvente, aí sim, se isso acontecesse, em clara violação das citadas normas legais;  

m) Devendo ainda ter-se em conta, a contrario, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/0312010, Processo n," 1700/08.2TBPBL-C.Cl, pág. 6, disponível em www.dgsi.pt, "Esse valor ainda não foi repartido pelos credores, nem foi afecto ao pagamento do seu crédito: como reconhece o próprio apelante, no processo tributário ainda não foi proferida decisão de verificação e graduação de créditos, condição necessária à efectivação dos pagamentos ou repartição entre eles do produto da venda", ao contrário do que sucedeu nos presentes autos;

n) Logo, sendo a "decisão de verificação e graduação de créditos, condição necessária à efectivação dos pagamentos ou repartição entre eles do produto da venda" e estando, no referido processo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, tal decisão proferida, com transito em julgado, deve considerar-se que o produto daquela venda é pertença aos credores dos Executados nesse processo e não aos Insolventes, não sendo passível de apreensão, nos termos do n.º 2 do art. 149.° do CIRE;

o) Para além disso, o Acórdão agora em crise viola também o conceito de caso julgado, o qual, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26/04/2012, proferido no processo n.º 104/08.1TBVLN.G2, disponível em www.dgsi.pt, "tem uma dupla função: vale como excepção peremptória através da qual se alcança o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção e ainda, como autoridade, pela qual se alcança o seu efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior";

p) Ora, sendo cumprido o preceituado no Acórdão ora Recorrido, ao invés da sentença proferida, transitada em julgado, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, permitir-se-á que seja contrariada na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior, violando-se a enunciada função do caso julgado, o que não é juridicamente compreensível;

q) Pelo exposto, o Acórdão proferido está em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/03/2009, proferido no Processo n.º 93/03.9TBFCR.C1, disponível em www.dgsi.pt, no domínio da mesma legislação, que decidiu de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, não havendo jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, quanto a essa questão, encontrando-se preenchido o requisito especial de recorribilidade do Acórdão em causa, exigido pelo n.º 1 do art. 14.° do CIRE, verificando-se igualmente preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade, exigidos pelo n.º 1 do art. 678.° e n.ºs 1 e 2 do art. 721.° do C.P.C., devendo o presente Recurso interposto para esse Supremo Tribunal deve ser aceite;

r) Assim, deve concluir-se que o preço da venda do referido prédio não faz parte da massa insolvente, devendo ser dado cumprimento à referida sentença proferida no Processo de Verificação e Graduação de Créditos n.º 330/09.6BELRA, que correu termos na 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sendo paga não só a quantia exequenda, mas também as demais quantias reclamadas nesse processo, entre as quais, se encontra a da aqui contra-alegante, no valor de 44.477,45€, por violação do art. 870.° do CPC, n.º 1 do art. 180.° do CPPT, n.º 2 do art. 85.°,88.° e n.º 2 do art. 149.° do CIRE, com o que se fará inteira

JUSTIÇA.

Contra-alegou a Massa Insolvente pugnando pela confirmação do acórdão da Relação


***

Tudo visto,

Cumpre decidir:

B) Os Factos:

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1) Nos autos de Processo de Execução Fiscal N.°… e Apensos, que correm termos pelo Serviço de Finanças de Alcobaça, em que é exequente a Fazenda Nacional e executados os ora insolventes, procedeu aquele serviço de finanças à venda, pelo preço de € 125.100,00 (cento e vinte e cinco mil e cem euros), do seguinte imóvel, propriedade do insolventes, a saber: “Venda do imóvel (Prédio urbano sito em Carris, denominado “…” freguesia de Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça, composto de casa de rés-do- chão, para habitação, com garagem e logradouro, inscrito na matriz predial da referida freguesia no artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, no nº …/Évora) ”;

2) O referido bem imóvel, que era propriedade dos ora insolventes, encontrava-se onerado com hipoteca e diversas penhoras, a favor de diversos credores, tendo sido proferida, em 10.12.2010, sentença de verificação e graduação de créditos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (nos Autos de Verificação e Graduação de Créditos n° 330/09.6BELRA), transitada em julgado, mas ainda não foram pagos os credores;

3) Em 26 de Setembro de 2011 foi efectuada a conta nos Autos identificados em 2 e, com o trânsito em julgado, foram os Autos remetidos ao Serviço de Finanças de Alcobaça, em 30 de Novembro de 2011;

4) Por sentença proferida no dia 17 de Novembro de 2011, transitada e julgado, foi decretada a insolvência de AA e BB.

C) O Direito:

Recurso de ambos os recorrentes:

Entende o Ministério Público haver oposição de julgados entre o acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Coimbra e o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal de 3/3/2009,-Proc. n.º 93/03.9TBFCR.Cl.

Entende o acórdão recorrido: I – Na sequência do art.149º nº1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for ou cedidos aos credores, nos termos do art.831º e segs. do Código Civil (CC); II – O nº2 do citado art.149º estabelece que se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda caso este não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido; III – O produto da venda continua a pertencer ao executado até serem feitos os pagamentos, ocorrendo uma sub-rogação real do bem vendido pelo preço; IV – Pese embora tenha sido proferida sentença de verificação de créditos, não tendo ocorrido quaisquer pagamentos ainda se encontra pendente a execução fiscal; V – Deve, como tal, ser sustado e a quantia depositada à ordem da execução fiscal não podendo a mesma ser distribuída pelo exequente e pelos credores.

Diz o acórdão fundamento: "I - Traduz a venda efectuada num processo executivo (a venda em execução) uma compra e venda na qual o executado funciona como vendedor, sendo ele o sujeito material do negócio, desempenhando o tribunal o papel de sujeito formal, actuando este no exercício do seu poder de jurisdição executiva; II - A relação obrigacional decorrente desta compra e venda extingue-se com o cumprimento! Traduzindo-se este - em sede de venda executiva - no pagamento do preço pelo comprador (no depósito deste à ordem do tribunal) e na entrega do bem (pelo tribunal, enquanto sujeito formal da venda) ao comprador; III - O depósito do preço pelo comprador à ordem do tribunal gera, na fase pós-venda, uma relação creditícia autónoma entre o banco e o tribunal, nascida no processo executivo, em função dos fins deste; IV - O tribunal actua nesta relação, decorrente do depósito do preço, por referência aos fins próprios do processo executivo, dando pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução; V - O preço respeitante à venda não pertence ao executado, excepção feita a uma eventual parte sobrante deste, após o pagamento do crédito exequendo e a satisfação das custas da execução; VI - Assim, decretada a insolvência do executado na fase pós-venda, a "captura" do produto da venda pela execução não configura um acto de apreensão ou de detenção de um bem compreendido na massa insolvente, não determinando a remessa da execução ao processo de insolvência e não preenchendo o fundamento de remessa previsto no artigo 85°, nº 2 do CIRE; VII - Esta mesma razão - não pertença do produto da venda ao executado na fase pós- venda - exclui a remessa da execução à insolvência, nos termos do artigo 88° do CIRE."

Da matéria de facto retira-se:

Que nos autos de Processo de Execução Fiscal N.°… e Apensos, que correm termos pelo Serviço de Finanças de Alcobaça, em que é exequente a Fazenda Nacional e executados os ora insolventes, se procedeu à venda, pelo preço de € 125.100,00 (cento e vinte e cinco mil e cem euros), do imóvel, propriedade do insolventes, com a denominação de prédio urbano sito em Carris, denominado “…” freguesia de Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça, composto de casa de rés-do- chão, para habitação, com garagem e logradouro, inscrito na matriz predial da referida freguesia no artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, no nº …/Évora) ”;

Que o referido bem imóvel, que era propriedade dos ora insolventes, encontrava-se onerado com hipoteca e diversas penhoras, a favor de diversos credores, tendo sido proferida, em 10.12.2010, sentença de verificação e graduação de créditos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (nos Autos de Verificação e Graduação de Créditos n° 330/09.6BELRA), transitada em julgado, não tendo ainda sido pagos os credores;

Que em 26 de Setembro de 2011 foi efectuada a conta nos autos identificados imediatamente supra e, com o trânsito em julgado, foram os autos remetidos ao Serviço de Finanças de Alcobaça, em 30 de Novembro de 2011;

Que por sentença proferida no dia 17 de Novembro de 2011, transitada e julgado, foi decretada a insolvência de AA e BB.

Comecemos pelo art.88º do CIRE. Diz este preceito legal no seu nº 1 que “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência…”

Em consequência da declaração de insolvência, os credores da insolvência perdem a possibilidade de executar os bens compreendidos na massa insolvente, pelo que são suspensas as diligências executivas ou providências requeridas que atinjam esses bens e é vedada a instauração de acções executivas, devendo ser suspensas as que já estejam instauradas, admitindo-se unicamente a sua prossecução contra outros executados.

Relançando, agora, um olhar ao art.149º nº 1 do CIRE retém-se do nº 1 do artigo que “proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for ou cedidos aos credores, nos termos do art.831º e segs. do CC; e do seu nº2 que “que se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda caso este não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido”.´

De ambos os artigos citados se conclui que decretada a insolvência ficam suspensas as execuções (ou diligências executivas) pendentes bem como a possibilidade de instauração de outra qualquer acção executiva.

No caso vertente estamos em presença de um processo de execução fiscal ao qual é inaplicável o art.870º do Código do Processo Civil (CPC) (na versão de 2007 aqui aplicável) existindo norma própria no Código do Processo Tributário no art.180º que reza “proferido despacho judicial do prosseguimento da acção de recuperação de empresa ou declarada a falência (in casu insolvência) serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa (aqui insolventes), logo após a sua instauração”.

Em todos estes preceitos existe um elemento comum: declarada a insolvência ficam sustados todos os processos executivos pendentes e vedada, aos credores da insolvência, a possibilidade de instauração de novas acções executivas.

A questão está em saber se no caso em apreço estava ou não finda a acção executiva fiscal referida em sede de facto.

O acórdão recorrido parte do disposto no art.176º a) do CPPT que diz que o processo de execução fiscal se extingue por pagamento da quantia exequenda e do acrescido para concluir que embora tenha sido proferida sentença de verificação de créditos não ocorreram, contudo, quaisquer pagamentos, significando isso que a execução fiscal ainda se encontra pendente, havendo lugar à apreensão dos bens prevista no art.85º nº2 do CIRE.

Não se nos afigura ter razão o acórdão recorrido.

Na data em que foi declarada a Insolvência de AA e BB, ou seja, em 17/11/2011 já havia sido proferida sentença, com trânsito em julgado, no processo de Verificação e Graduação de Créditos n.º 330/09.6BELRA, que correu termos na 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 10/12/2010, na qual se determinou a quem pertencia o produto da venda do respectivo prédio.

Tendo sido proferida sentença de Verificação e Graduação de Créditos, com trânsito em julgado, determinou-se a repartição do produto da venda pelos credores encontrando-se, assim, finda a execução fiscal.

O Serviço de Finanças competente, como fiel depositário do preço da venda de imóvel, mais não tem que proceder à entrega material do produto dessa venda aos respectivos credores já graduados cumprindo, desta forma, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

Nem se diga que o produto da venda até ao efectivo pagamento constitui património dos executados.

Vendido o imóvel e feita a verificação e graduação de créditos com trânsito em julgado, em data anterior à da declaração de insolvência, não podem as quantias resultantes da venda considerarem-se ainda património dos executados susceptível de ser “capturado” em favor da massa insolvente.

A interpretação do Tribunal recorrido, partindo de uma análise meramente literal do art.176º a) do CPPT, conduziria a uma violação do caso julgado operado no processo de verificação e graduação de créditos e não tem correspondência com o espírito da lei, pondo em causa a unidade sistémica dos diplomas em presença.

Assim, porque a quantia de 125.100,00 €, depositada à ordem dos autos de execução fiscal em causa, produto da venda do prédio urbano, já não propriedade dos insolventes mas sim dos credores que reclamaram o seu crédito naqueles autos, tendo aqueles sido reconhecidos e graduados, por sentença, como se disse, transitada em julgado, à data em que foi decretada a insolvência, ou seja, já haviam sido repartidos, ainda que não entregues (acto meramente material a levar a efeito pelo Serviço de Finanças competente, não pode ocorrer a apreensão de bens prevista no art.85º nº 2 do CIRE.

Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder revista a ambos os recursos revogando-se o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014

Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

Granja da Fonseca