Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
949/16.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. No caso dos autos, em resultado da aplicação dos parâmetros constantes do n.º 2. do AUJ n.º 8/2022, é de concluir que o intermediário desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.

II. Perante a fundamentação do acórdão recorrido considera-se que o significado do enunciado fáctico segundo o qual «Os AA. subscreveram os produtos em causa (...) por lhe ter sido garantido pelos funcionários do [réu] que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco», permite dar como preenchida a previsão do n.º 4 do AUJ n.º 8/2022, que, procurando interpretar a norma do art. 563.º do CC, determina que «incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir»; concluindo-se pelo preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano sofrido pelos investidores.

III. Tendo sido alegado e provado que, se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, os autores não teriam subscrito os produtos financeiros em causa, à luz dos princípios gerais da obrigação de indemnização consagrados nos arts. 562.º e 563.º do CC, é admissível que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto e tivessem antes subscrito um depósito a prazo; mas já não que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se, tendo subscrito tal produto, as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

IV. O que implica, em primeiro lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor actual das obrigações adquiridas; e, em segundo lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação do R. a restituir aos AA. a quantia de €362.409,93 (trezentos e sessenta e dois mil quatrocentos e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre €350.000,00, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Alegaram para tanto, e em síntese, que ambos os AA. são emigrantes há mais de 50 anos; são de humilde condição social e apenas possuem o ensino primário; vivendo das suas reformas e poupanças.

Sendo clientes do banco R., onde tinham um depósito a prazo, o gerente do mesmo R. disse ao A. que tinha uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e rentabilidade assegurada, bem sabendo o gerente que o A. é por natureza avesso a qualquer instrumento de risco a nível financeiro.

Todavia, a aplicação foi feita em obrigações subordinadas “SLN 2004” sem que ao A. tenha sido dada a nota informativa do produto.

Nos mesmos termos e com as garantias anteriormente prestadas, os AA. também adquiriram obrigações subordinadas “SLN 2006” e ainda obrigações subordinadas perpétuas “BPN 2008”. 

Mais referem que os juros remuneratórios lhes foram sendo pagos até determinado momento, mas, na data do vencimento das obrigações, nada lhes foi pago, acrescentando que os AA. nunca pretenderam adquirir obrigações perpétuas.

O R. contestou invocando a ineptidão da petição inicial e a excepção de prescrição do direito invocado; no mais, impugnou os factos alegados.

Em relação ao pedido de juros, alegou que o contrato de depósito é um contrato civil, pelo que, a serem devidos juros, será antes aplicável a taxa relativa aos créditos civis.

Concluiu, por fim, pela improcedência da acção.

2. Em sede de despacho saneador foi indeferida a ineptidão da petição inicial e relegado para conhecimento final a excepção de prescrição.

3. Foi proferida sentença pela qual, considerando-se improcedente a excepção de prescrição, se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condenar o R. a pagar aos AA. o valor de €250.000,00, acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo o R. do demais peticionado.

4. Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Veio a ser proferido acórdão que julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

5. Veio o R. interpor recurso de revista, por via excepcional, o qual foi admitido por acórdão da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

6. Por despacho da relatora de 05.03.2020 foi, além do mais, exarado o seguinte:

«3. Verifica-se que a decisão de condenação vem fundada na responsabilidade civil do R. enquanto intermediário financeiro e que as questões objecto do recurso respeitam ao alegado preenchimento dos pressupostos dessa responsabilidade, em particular ao pressuposto da ilicitude e ao pressuposto do nexo de causalidade.

Assim sendo, e considerando que:

(i) Por decisão de 29 de Março de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actua como intermediário financeiro e sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores;

(ii) Por decisão de 2 de Abril de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores;

(iii) Por decisão de 7 de Maio de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 2406/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actua como intermediário financeiro e sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores;

(iv) Por decisão de 30 de Julho de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 2547/16.8T8LRA.C2.S1, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actua como intermediário financeiro, sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores e ainda sobre o pressuposto do dano indemnizável;

Entende-se que a apreciação do objecto do presente recurso está dependente da decisão ou decisões que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir nos supra indicados recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência pelo que, nos termos do art. 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, se suspende a instância até que tais recursos sejam julgados.». [negrito nosso]

7. Entretanto, no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, transitado em julgado em 19.09.2022, e publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022, pelo qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.». [negritos nossos]

8. Em 25.10.2022 foi proferido despacho da relatora que manteve a suspensão da instância até que o recurso para uniformização de jurisprudência admitido nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A fosse julgado.

9. No Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A foi recentemente proferido Acórdão do Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal, que transitou em julgado em 01.06.2023, e pelo qual se decidiu:

«Termos em que, confirmando o teor da decisão singular do Juiz Conselheiro relator proferida em 2 de janeiro de 2023, decidem em conferência, ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil, por impossibilidade e/ou inutilidade superveniente da lide recursória, julgar extinta a instância e ordenar o oportuno arquivamento dos autos».

10. Declarada cessada a suspensão da instância, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista, tendo em conta as conclusões recursórias formuladas pelo R. Recorrente:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«10) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

11) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

12) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

13) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores tenham agido com culpa, e muito menos culpa grave!

14) Insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

15) A garantia oferecida pelo Banco mais não era do que o conforto da relação de domínio entre a entidade emitente e o Banco, pela qual (i) o Banco enquanto activo da SLN respondia pelas responsabilidades desta, e bem assim (ii) a própria SLN estava sujeita à supervisão prudencial do Banco de Portugal, nos termos do RGICSF.

16) Neste mesmo sentido decidiu já o STJ no acórdão recentemente proferido no âmbito do processo nº 1616/17.17T8LRA.C1.S1

17) Nos termos de tal aresto, e bem, temos que as declarações feitas aos investidores além de deverem ser interpretadas em face do contexto das sociedade envolvidas, devem também ser objecto de uma interpretação tendo em conta o tempo em que foram produzidas – ou seja, à data o Banco garantia efectivamente, como principal activo da SLN, o bom cumprimento das emissões obrigacionistas, e apenas o deixou fazer em virtude do acto de nacionalização do seu capital social.

18) Vale isto por dizer que explicado de forma mais ou menos expressiva, as informações transmitidas aos clientes, aqui AA., correspondiam efectivamente à verdade, não tendo o Banco-R. incorrido em qualquer acto ilícito.

De facto,

19) Dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquelas obrigações SLN.

20) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

21) Aliás, neste mesmo sentido, o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de recente acórdão proferido no âmbito do processo nº 25119/17.5T8LSB.L1, afirmou que: “É verdade que resultou provado que a funcionária do banco declarou que o capital era garantido pela emitente e pelo BPN, porquanto a emitente era a dona do BPN. Este facto tem, no entanto, de ser interpretado no contexto em que a SLN entidade que emitia as obrigações era a empresa que detinha o capital social do Banco, não se fazendo por isso, em regra, uma efetiva distinção entre as duas entidades, sendo que até o Presidente das duas instituições era o mesmo.

Por outro lado ainda,

22) A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

23) No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

24) Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

25) E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

26) Qualquer extensão do âmbito da presunção de culpa do devedor na responsabilidade contratual ao nexo causal sempre não poderia deixar de ser CONTRA LEGEM!

27) Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

28) Efectivamente, este automatismo entre a verificação de um incumprimento e o dano não é capaz de explicar casos, como o dos autos, em que o incumprimento não é da prestação principal do contrato, mas sim de uma prestação acessória.

29) Neste sentido, pronuncia-se de resto o douto Parecer exactamente do Prof. Menezes Cordeiro adiante junto e que esclarece exactamente este concreto ponto, concluindo pela inaplicabilidade da dita presunção no caso de incumprimento de deveres acessórios do contrato

De facto,

30) Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

31) A prestação de informação só por si não determinaria nunca a existência de um serviço de recepção e transmissão de ordens, exactamente por não ser uma prestação típica. Todavia, a recepção e transmissão de ordens, sem prestação de informação (que, de resto, nem sequer é sempre obrigatória), não deixa de constituir o núcleo central daquele contrato de execução de intermediação financeira – o contrato existe, mal cumprido, mas existe!

32) Ou seja, a prestação de informação, no âmbito deste contrato, é um quid adicional ao núcleo típico do contrato, e que apenas existe a fim de garantir que o cumprimento se adequa à finalidade social ou prática pretendida pelas partes com o recurso a um contrato.

33) Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante na economia do contrato, que será qualificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

34) A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

35) Sendo uma obrigação acessória, a falta de prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada extensão da presunção de culpa à causalidade.

Por outro lado,

36) Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira entre o Recorrido e Recorrentes, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato, entre os Recorrentes e a respectiva entidade emitente.

37) Ora, a falta de “resultado normativamente prefigurado” a que alude o Prof. Menezes Cordeiro refere-se, no caso ao dano – ou seja, refere-se aos efeitos no âmbito da emissão obrigacionista e seu não reembolso.

38) Ao contrário, o contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse mesmo momento.

39) É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato, que foi há muito cumprido?

40) Note-se que a determinação da causalidade será sempre possível. Apenas não é legítimo que seja presumida – mesmo seguindo a fundamentação de quem defende uma tal extensão de presunção de culpa à causalidade!

41) O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões!

42) A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

43) No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

44) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta deficiente explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

45) Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

46) Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

47) E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

48) E nada disto foi feito!

49) A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Em suma,

50) Com a decisão proferida, o Tribunal a quo violou, por errada interpretação ou aplicação, o disposto nos art.ºs 312º do CdVM na redacção anterior a Dezembro de 2007, e bem assim os art.ºs 236 nº 1, 344º, 563º e 799º do Código Civil.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a absolvição do R. do pedido.

11. Os Recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

«A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que pretende o Banco recorrente, e como bem entendeu o tribunal a quo, no caso dos autos o que está em causa é uma responsabilidade civil pré contratual, derivada do facto de o Banco réu ter seduzido a autora recorrendo á mentira e ao embuste sobre as características do produto financeiro que pretendia impingir-lhe.

C. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

D. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

E. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

F. O que na realidade não era verdade e, como da simples leitura do mesmo se retira, o douto acórdão recorrido assim também o considerou.

G. Ficou plenamente demonstrado e provado nos autos que ao autor marido foi dito que os produtos financeiros SLN Rendimento Mais 2004, SLN 2006 e BPN 2008 eram semelhantes a um depósito a prazo.

H. Foi enganosa a informação prestada pelo BIC ao autor marido acerca das características dos produtos financeiros SLN Rendimento Mais 2004, SLN 2006 e BPN 2008.

I. Do mail junto como Doc. 9 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

J. O mail junto como Doc. 8 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

K. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

L. O Banco devia ter informado o autor marido que se tratava de obrigações subordinadas, explicando em que consistia a subordinação, que o Banco se limitava a colocá-las no mercado e que os produtos em causa em nada eram semelhantes a um depósito a prazo e não eram sequer adequados ao seu perfil de investidor.

M. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior e que, como tal se integra na lei interpretada.

N. Os factos vertidos nos pontos 13; 20; 21; 24; 25; 27; 29; 30; 31 e 32 dos factos provados demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermedio dos seus funcionários, levou o autor marido a subscrever três obrigações SLN Rendimento Mais 2004, duas obrigações SLN 2006 e duas obrigações BPN 2008, que hoje não têm qualquer valor transacionável e nunca foram reembolsadas.

O. O dano dos recorridos é evidente e ostensivo.

P. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Q. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

R. O Banco réu não logrou provar que informou o autor marido, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, SLN 2006 e BPN 2008.

S. Dos documentos n.º 6, n.º 7, n.º 8, n.º 9 e n.º 13 petição inicial e da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

T. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes

legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

U. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

V. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que os autores reclamam salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (produtos semelhantes a um depósito a prazo), que o autor marido acabou por adquirir três obrigações SLN Rendimento Mais 2004, duas obrigações SLN 2006 e duas obrigações BPN 2008.

W. Se tivessem sido previamente explicadas ao autor marido as características das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, SLN 2006 e BPN 2008 que este veio a subscrever, ou se lhe tivessem sido mostradas as notas informativas dos produtos, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, que as obrigações eram apenas assumidas pela SLN e que, no caso de insolvência da SLN, o pagamento do capital investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, como se infere das aludidas notas informativas sob as epígrafes “Reembolso Antecipado” e “Garantias e Subordinação”, o autor marido nunca teria aceitado tais subscrições.

X. O contrato de conta bancária constitui o contrato bancário primogénito; é ele que inaugura, através da celebração de um contrato de abertura de conta, a relação obrigacional que é a relação jurídica bancária.

Y. O contrato de abertura de conta está na origem de uma relação obrigacional complexa, consubstanciada na existência de um conjunto de direitos subjetivos (em sentido amplo) e os deveres jurídicos ou de sujeições que advêm de um mesmo facto jurídico.

Z. Emerge daquele contrato-quadro um feixe de deveres de proteção, a cargo do intermediário financeiro, que se desdobram e autonomizam dos deveres acessórios de conduta e que têm por finalidade conservar a atual situação jurídica dos bens de ambos os sujeitos da relação obrigacional complexa, tutelando-os contra ingerências externas lesivas na sua pessoa, na sua propriedade ou no seu património.

AA. O dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, relativamente aos deveres de informação.

BB. Tal princípio baseia-se na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores, com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade.

CC. Havendo uma ligação especial entre o intermediário financeiro e a prossecução dos referidos deveres de proteção, formam-se por causa disso os denominados círculos de diligência devida.

DD. No âmbito da responsabilidade o intermediário financeiro, cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte daquele demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

EE. Os autores, para além de serem investidores não qualificados, eram clientes conservadores, não dispostos a apostar em produtos de risco e que confiavam no seu gerente de conta relativamente aos produtos que lhes eram fornecidos e às informações que este lhes prestava.

FF. Sendo os autores investidores não qualificados, as informações a prestar sobre os produtos que lhes estavam a ser apresentados, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

GG. O Banco réu não só prestou informações falsas e omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produto em causa, como desvalorizou por completo a informação de que o mesmo seria um produto reembolsável a 10 anos, dando a entender ao autor marido que este poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, o que, como ora se sabe, não correspondia, de todo, à verdade.

HH. O autor marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro em aplicações seguras e com as características de um depósito a prazo, em produtos com risco exclusivamente Banco.

II. Quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor; de igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor.

JJ. O escopo do n.º 1 do artigo 304º-A do CVM é a recuperação normativa da tutela do cliente – materializada, na fixação de deveres específicos no quadro da conduta devida e consagrada na fase da responsabilidade civil do prestador do serviço financeiro perante o cliente.

KK. O n.º 1 do artigo 314.º do CVM encerra uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro, pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – princípio geral de ressarcibilidade dos danos – abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

LL. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor. Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso. A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

MM. No domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos contratuais, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

NN. A conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida.

OO. Quanto à culpa do intermediário financeiro, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

PP. A presunção de culpa do intermediário financeiro projeta implicações ao nível da relação de causalidade.

QQ. O Banco recorrente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia e os factos dados como provados deixam demonstrada a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações prestadas ao autor marido.

RR. O Banco recorrente, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de angariação de investidores, numa atividade de canibalização de depósitos.

SS. Tratou-se de técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência dos clientes a determinados produtos de risco que nunca subscreveriam se tivessem conhecimento de todas as caraterísticas dos produtos.

TT. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

UU. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

VV. Tais informações são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do produto financeiro onde iam ser investidas as poupanças dosa autores e são dadas de modo a induzi-los em erro, ao insistirem na equiparação das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, SLN 2006 e BPN 2008 a simples depósitos a prazo, sem os alertarem para as respetivas diferenças.

WW. O dever de informar torna-se muito mais operacional quando tenha estrutura obrigacional, devido à tutela da confiança.

XX. As consequências advenientes da proteção da confiança tanto podem consistir na preservação da posição nela alicerçada como num dever de indemnizar.

YY. O Direito português exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real.

ZZ. O dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

AAA. Para efeito de imputação dos danos, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM contém igualmente uma presunção de culpa e de causalidade.

BBB. Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

CCC. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor, sob pena de se alimentar uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios, situação que o legislador de todo não visou, neste segmento económico de forte regulação do mercado.

DDD. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

EEE. O princípio da boa-fé, tal como está consagrado no instituto da culpa in contrahendo, faz deste o instrumento ideal para operar a proteção do contraente mais débil, uma vez que irá vincular mais fortemente o contraente mais forte.

FFF. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido pelos autores.

GGG. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor marido foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.

HHH. A atividade profissional é um ponto de conexão idóneo para a imputação de danos enquanto preenche critérios gerais a atender no juízo de distribuição dos riscos relevantes como o da introdução ou controlabilidade de um risco, o da capacidade para a sua absorção ou repercussão e o do saber quem tira o primordial proveito da fonte do perigo.

III. Em casos como a da responsabilidade do intermediário financeiro por informação incompleta ou enganosa, a responsabilidade pela confiança representa o único modo de enquadrar dogmaticamente concretas soluções e regimes previstos, uma vez que a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade.

JJJ. Há imposições tão fortes da Justiça que não as acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quendo não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.

KKK. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria dada a natureza dos produtos), bem como nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do C. Civil.

LLL. Os autores foram desapossados da quantia de 350.000,00€ em troca de três produtos financeiros que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro.

MMM. Ficou demonstrado nos autos que o Banco réu estava obrigado a prestar informação respeitante ao instrumento financeiro em causa, de forma completa, verdadeira, atual, clara e objetiva (art.º 7.º, n.º 1 do CVM), e não o fez; estava obrigado a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, e não o fez (art.º 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM); tinha o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão por parte do autor marido esclarecida e fundamentada, sobretudo por estar perante um investidor não qualificado, nomeadamente as relativas aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art.º 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM), e também não o fez.

NNN. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (que não carece de alegação nem de prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.

OOO. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de, tanto já em 2004, como em 2006 e 2008, a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

PPP. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações como a dos autos.

QQQ. Se uma norma de proteção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de proteção e o prejuízo.

RRR. Todos estes princípios, derivados do princípio fundamental da boa-fé, levaram não só a doutrina a defender a responsabilidade civil dos Bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais, como o próprio legislador (artigos 304.º; 312.º e 314.º do CVM).

SSS. Pelo que terá o Banco Réu que responder pela violação dos deveres de informação previstos no artigo 312.º do CVM.

TTT. A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal tem também perfilhado esta posição, nomeadamente, entre outros, nos Acórdãos de 17.03.2016, (Maria Clara Sottomayor), de 10.04.2018, (Fonseca Ramos), de 18/09/2018, (Salreta Pereira), de 18/09/2018, (Maria Olinda Garcia), de 25.10.2018, (José Manuel Bernardo Domingos) e de 26.03.2019 (Alexandre Reis).

UUU. Quanto à causalidade, ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar, a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.

VVV. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações de que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei certeza quanto á sua ocorrência.

WWW. Para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que a autora não teria subscrito aquela aplicação financeira se o dever de informar tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita.

XXX. No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.

YYY. O douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de 25/10/2018 é demonstrativo de que, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, não podem ter aplicação as regras gerais do artigo 563.º do Código Civil, sob pena de incorrermos em prova diabólica.

ZZZ. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

AAAA. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, uma vez que o BPN e a SLN tinham por Presidente do Conselho de Administração CC.

BBBB. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

CCCC. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

DDDD. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.».

II – Fundamentação de facto

Factos dados como provados (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão da Relação):

1. Os AA. são reformados e vivem dos montantes das suas reformas e dos rendimentos proporcionados pelo trabalho realizado durante a sua vida;

2. Os AA. são clientes do Banco R. há mais de 15 anos:

3. Até Novembro de 2008, o “BPN - Banco Português de Negócios, SA” era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro em instrumentos financeiros.

4. Até Novembro de 2008, a totalidade do capital social do “BPN - Banco Português de Negócios, SA” era detida pela sociedade “BPN, SGPS, SA”, a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA”.

5. O A. apôs a sua assinatura no documento cuja cópia consta de fls 275, datado de 08/11/2006, a seguir à inscrição “O cliente” e do qual consta: “(...) Pelo presente, solicitamos: A compra de 100.000€ em obrigações Caixa SLN 2006 nesta data, em 08-112006 (...)"

6. O A. apôs a sua assinatura no documento cuja cópia consta de fls 276, datado de 24/10/2008, a seguir à inscrição “O cliente” e do qual consta: “(...) Pelo presente, solicitamos: A aquisição de 100.000€ em Obrigações Perpétuas BPN 2008, correspondente a duas obrigações(...)”.

7. Encontram-se depositados na carteira de títulos dos AA. junto do “Banco BIC, SA”, três obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, duas obrigações “SLN 2006” e duas obrigações Subordinadas Perpétuas BPN 2008”

8. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA” pagou os juros referentes às obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” até Abril de 2015 e os referentes às obrigações “SLN 2006” até Setembro de 2015;

9. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SA”, actualmente denominada “Galilei, SGPS, SA” apresentou no Tribunal da Comarca de Lisboa, um processo especial revitalização, o qual corre termos pela 1a Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4..., tendo sido proferida sentença, declarando o encerrado o processo negociai, sem aprovação do Plano de Recuperação, o que determinou o encerramento do processo.

10. A “Galilei, SGPS, S.A." foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1a Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0... (facto que advém de outros processos Por. Ex. Proc. nº 18720/16.6..., que corre neste juiz 9 - sendo de considerar nos termos do artº 5º nº 2 alínea c) do CPC);

11. Os AA. residem habitualmente em ..., onde estão emigrados há de 50 anos;

12. Os AA. têm como habilitações literárias a 4ª classe;

13. Os AA. eram simples aforradores que tinham no “BPN, S.A.” depósitos a prazo; 

14. Em Setembro de 2004, Pela “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, foi decidido emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas “SLN -Rendimento Mais 2004”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de 50.000€, por dez anos, em 25/10/2014, sendo que nos termos da nota interna cuja cópia foi junta a fls. 136 a 140 cujo teor se reproduz, se refere que se destina à rede comercial e que a “total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o grupo”;

15. Nos termos da nota interna referida refere-se quanto a juros dos 1°s ao 10 cupões 4,5%, sendo o seu pagamento semestral e postecipadamente, e a nível de capital garantido consta “100% do capital investido”, e em relação à subordinação consta que «as receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas SLN, mas estarão subordinados aos restantes credores», consta ainda o «prospecto da emissão, que enviamos em anexo, deverá estar disponível para consulta e ser entregue a todos os clientes que o solicitem»;

16. Mais se refere na mesma nota que a atribuição de prémios em Dezembro encontra-se dependente do “Grau de realização dos objectivos (GRO) deste produto”;

17. Na mesma nota consta ainda que «d) Caso o Subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o BPN assumirá uma atitude pró-activa, tentando identificar potenciais compradores no universo de clientes BPN. Contudo, o BPN não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004»;

18. A nível interno existia quanto ao produto em causa a nota informativa, com data de Outubro de 2004, e cuja cópia se encontra junta a fls. 141 a 174 cujo teor se reproduz;

19. Em Outubro de 2004, os autores tinham no BPN, S.A., um depósito a prazo no montante de € 150.000,00;

20. O A. marido, em Outubro de 2004, recebeu um telefonema de um funcionário do “BPN, SA” dizendo-lhe que o banco tinha um novo produto, com capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

21. Foi na sequência dessas informações que o A. aceitou subscrever 3 obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00 cada uma;

22. Em Abril de 2006 [...], “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, decidiu emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas “SLN -2006”, nos mesmos moldes das anteriormente referidas, existindo quanto a estas a nota informativa cuja cópia se encontra junta a fls. 184 a 217, cujo teor se reproduz e ainda a nota interna junta a fls. 218 a 227;

23. Em Abril de 2006, os autores tinham no BPN, S.A., um depósito a prazo no montante de € 100.000,00;

24. O A. marido, em Abril de 2006, recebeu um telefonema de um funcionário do “BPN, SA” dizendo-lhe que o banco tinha um produto semelhante ao anterior, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

25. Na sequência de tal informação foi subscrito pelos autores, 2 obrigações SLN 2006, no valor de € 50.000,00 cada uma, nos termos constantes do ponto 5. dos factos provados;

26. No início de 2008, o conselho de administração do “BPN, S.A.”, emitiu 2.000 obrigações subordinadas, sob a forma escriturai e ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00 cada, obrigações essas perpétuas, nos termos constantes da informação junta a fls. 227 a 255 cujo teor se reproduz;

27. O A. marido, em Março de 2008, recebeu um telefonema de um funcionário do “BPN, SA” dizendo-lhe que o banco tinha um novo produto, com capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

28. Os autores subscreveram, 2 obrigações Subordinadas Perpétuas, no valor de € 50.000,00 cada uma, nos termos constantes do ponto 6. dos factos provados;

29. Os AA. subscreveram os produtos em causa e referido em 21, 25 e 28, por lhe ter sido garantido pelos funcionários do “BPN, SA” que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco;

30. Os AA. aceitaram subscrever tais produtos e foram informados, não obstante se tratar de obrigações a dez anos e perpétuas, que poderiam transmitir as mesmas por endosso;

31. Os funcionários do BPN, S.A. que lidavam com os AA. tinham conhecimento que estes nunca tinham investido na Bolsa de Valores, que nunca tinham adquirido a qualquer banco produto diverso de depósitos a prazo e que nunca tinham comprado ou vendido obrigações;

32. Os funcionários do balcão onde os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores;

33. Os AA., após a subscrição das obrigações sempre receberam um extracto mensal, onde se encontrava a expressa menção das obrigações como integrando a sua carteira de títulos e nunca efectuaram qualquer reclamação;

34. Desde a subscrição das obrigações, os AA. vêm recebendo semestralmente a remuneração dos cupões da obrigação que subscreveu, com a indicação que os juros dizem respeito à referida obrigação;

35. Antes da subscrição das obrigações foi explicado ao A. o prazo pelo qual as obrigações eram emitidas e que não era permitido o reembolso antecipado das mesmas por iniciativa dos obrigacionistas; 

36. Antes da subscrição das obrigações foi explicado ao A. que a única forma do investidor obter liquidez antes da data estabelecida para o respectivo reembolso seria transmitindo as obrigações a um terceiro interessado.

37. O A. AA nasceu no dia ... de ... de 1941.

38. A A. BB nasceu no dia ... de ... de 1941.

Factos dados como não provados:

a) Que os AA. não tinham realizado no BPN, SA, operações de volume significativo de valores mobiliários, com frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres (provado o que consta dos pontos 11., 12. e 13);

b) Que os AA. não tinham no BPN, SA uma carteira de valores mobiliários de montantes superior a € 500.000,00 (provado o que consta dos pontos 11, 12 e 13);

c) Que os AA. não tinham prestado funções, pelo menos durante um ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários (provado o que consta dos pontos 11., 12. e 13);

d) Que na data aludida em 14. e para concretização do ali referido, a administração do BPN, S.A. deu instruções aos respectivos funcionários para não entregarem, nem mostrarem, aos clientes, potenciais e efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa que constitui o documento de fls. 141 a 174 dos autos;

e) Que os funcionários do BPN, S.A. não informaram os AA. que os mesmos só poderiam ser reembolsados a partir de Outubro de 2014;

f) Que na data aludida em 22 e para concretização do ali referido, a administração do BPN, S.A. deu instruções aos respectivos funcionários para não entregarem, nem mostrarem, aos clientes, potenciais e efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa que constitui o documento de fls. 184 a 216 dos autos;

g) Que os funcionários do BPN, S.A. não informaram os AA. que os mesmos só poderiam ser reembolsados a partir de 08.05.2016;

h) Na data aludida em 26. e para concretização do ali referido, a administração do BPN, S.A. deu instruções aos respectivos funcionários para não entregarem, nem mostrarem,aos clientes, potenciais e efectivos subscritores das obrigações, o panfleto que constitui o documento de fls. 227 a 255 dos autos;

i) Que os autores só tiveram acesso e conhecimento dos documentos de fls. 141 a 174, 184 a 255 aquando da nacionalização do BPN, SA;

j) Os funcionários do BPN, S.A. receberam instruções para convidarem os clientes a aderir aos produtos referidos, como se se tratassem de simples sucedâneos de um depósito a prazo (provado o que consta dos pontos 20 a 28);

k) Que os AA., em Novembro de 2008, declararam ao R. que pretendiam o reembolso da quantia de € 350.000,00, tendo-lhes sido dito pelos funcionários do banco que deveriam aguardar e que em breve teriam o seu dinheiro de volta.

III – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

O presente recurso tem como objecto a seguinte questão:

• Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro réu: ilicitude (por violação de deveres de informação), culpa, nexo de causalidade e dano.

IV – Fundamentação de direito

1. Antes de mais, importa ter em conta que o A. subscreveu três grupos de Obrigações SLN (cfr. factos provados 5 a 7, 19 a 25, 27 e 28), a saber:

• Três Obrigações Subordinadas SLN 2004 – subscritas em Outubro de 2004;

• Duas Obrigações Subordinadas SLN 2006 – subscritas em Abril de 2006;

• Duas Obrigações Perpétuas SLN 2008 – subscritas em Março de 2008.

Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pelo A. dos produtos financeiros em causa é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Ainda que, na presente acção, tenha sido peticionada a restituição do valor aplicado nos três conjuntos de obrigações, constata-se que a sentença julgou procedente os pedidos relativos aos dois primeiros grupos de obrigações (Obrigações Subordinadas SLN 2004 e Obrigações Subordinadas SLN 2006) e improcedente o pedido relativo ao terceiro grupo de obrigações (Obrigações Perpétuas SLN 2008).

Verificando-se que os AA. se conformaram com a decisão de improcedência proferida a respeito destas últimas obrigações, e diversamente do aventado no despacho supra referido, no ponto I, 8. do presente acórdão, o regime jurídico aplicável à questão objecto do presente recurso é apenas o regime do Código dos Valores Mobiliários na redacção anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

Feito este esclarecimento, passemos a conhecer do objecto recursório.

2. Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição – que lhe foram transmitidas pelo Autor – das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

3. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

4. Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito (não cumprimento do dever de informação) e o dano –, se tem como assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever de informação e o dano.

Estas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».

5. Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação deve ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

11. Os AA. residem habitualmente em ..., onde estão emigrados há de 50 anos;

12. Os AA. têm como habilitações literárias a 4ª classe;

13. Os AA. eram simples aforradores que tinham no “BPN, S.A.” depósitos a prazo; 

19. Em Outubro de 2004, os autores tinham no BPN, S.A., um depósito a prazo no montante de € 150.000,00;

20. O A. marido, em Outubro de 2004, recebeu um telefonema de um funcionário do “BPN, SA” dizendo-lhe que o banco tinha um novo produto, com capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

21. Foi na sequência dessas informações que o A. aceitou subscrever 3 obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00 cada uma;

23. Em Abril de 2006, os autores tinham no BPN, S.A., um depósito a prazo no montante de € 100.000,00;

24. O A. marido, em Abril de 2006, recebeu um telefonema de um funcionário do “BPN, SA” dizendo-lhe que o banco tinha um produto semelhante ao anterior, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

25. Na sequência de tal informação foi subscrito pelos autores, 2 obrigações SLN 2006, no valor de € 50.000,00 cada uma, nos termos constantes do ponto 5. dos factos provados;

29. Os AA. subscreveram os produtos em causa e referido em 21, 25 e 28, por lhe ter sido garantido pelos funcionários do “BPN, SA” que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco;

30. Os AA. aceitaram subscrever tais produtos e foram informados, não obstante se tratar de obrigações a dez anos e perpétuas, que poderiam transmitir as mesmas por endosso;

31. Os funcionários do BPN, S.A. que lidavam com os AA. tinham conhecimento que estes nunca tinham investido na Bolsa de Valores, que nunca tinham adquirido a qualquer banco produto diverso de depósitos a prazo e que nunca tinham comprado ou vendido obrigações;

35. Antes da subscrição das obrigações foi explicado ao A. o prazo pelo qual as obrigações eram emitidas e que não era permitido o reembolso antecipado das mesmas por iniciativa dos obrigacionistas; 

36. Antes da subscrição das obrigações foi explicado ao A. que a única forma do investidor obter liquidez antes da data estabelecida para o respectivo reembolso seria transmitindo as obrigações a um terceiro interessado.

37. O A. AA nasceu no dia ... de ... de 1941.

38. A A. BB nasceu no dia ... de ... de 1941.

Perante a factualidade dada como provada, e em resultado da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 2. do AUJ n.º 8/2022, conclui-se que, no caso dos autos – sobretudo, pela incompletude das informações prestadas – o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.

6. As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios pelos quais deve ser aferido o nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro foram resolvidas pelo AUJ n.º 8/2022 da seguinte forma:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.». [negrito nosso]

No caso dos autos apenas foi dado como provado o seguinte facto:

29. Os AA. subscreveram os produtos em causa e referido em 21, 25 e 28, por lhe ter sido garantido pelos funcionários do “BPN, SA” que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco.

Saber se a prova deste facto é suficiente para dar como respeitada a interpretação normativa do art. 563.º do Código Civil, tal como realizada pela decisão uniformizadora do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça («incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir»), não é tarefa isenta de dúvidas.

Com efeito, na jurisprudência deste Supremo Tribunal relativa a acções de responsabilidade civil do intermediário financeiro idênticas à dos presentes autos (tanto pela identidade dos produtos financeiros subscritos como pela identidade das entidades financeiras envolvidas), a adopção de formulações fácticas próximas do enunciado neste ponto da matéria de facto tem conduzido a resultados interpretativos diferentes, não obstante as decisões em causa coincidirem na tese da não admissão de uma presunção normativa de causalidade. No sentido da insuficiência de enunciado fáctico idêntico ao do ponto 29 dos presentes autos, ver, por exemplo, o acórdão de 14.03.2019 (proc. n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1), disponível em www.dgsi.pt; no sentido da suficiência, ver, por exemplo, o acórdão de 25.05.2023 (proc. n.º 3611/18.4T8FAR.E1.S1), consultável em www.dgsi.pt.

Afigura-se, por isso, que a compreensão do significado do dito ponto 29 da matéria de facto («Os AA. subscreveram os produtos em causa e referido em 21, 25 e 28, por lhe ter sido garantido pelos funcionários do “BPN, SA” que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco») implica a consideração dos termos em que as instâncias fundamentaram as respectivas decisões relativas à matéria de facto.

Vejamos.

Da motivação da decisão de facto pela sentença da 1.ª instância, consta o seguinte a respeito da prova do facto 29:

«Já a testemunha DD, supra aludida, o mesmo foi peremptório em afirmar que neste caso não existiu diferenciação na venda, ou seja sempre foi dito aos AA: que o capital seria garantido pelo banco daí a resposta ao ponto 29. Tal foi corroborado pela testemunha EE, funcionário que procedeu à venda aos AA., explicando a maturidade (daí a resposta negativa das alíneas e) e g)), rentabilidade, possibilidade de cedência caso necessitasse de liquidez (ou seja o endosso) e ainda que era similar a um depósito a prazo. A testemunha confirmou ainda que o A. tinha uma relação privilegiada com a testemunha FF e que muito provavelmente as informações colhidas seriam também através do próprio.».

Sendo que, em sede de fundamentação de direito, se afirma o seguinte:

«Assim, no caso concreto, os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital feito com o cliente, verificam-se: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital; a culpa, a qual se presume nos termos do art. 314º nº 2 do CVM, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano.

Na verdade quanto a este último o dano ocorre com a falta de restituição do capital investido, e essa falta de restituição tem como nexo de causalidade a falta de informação sobre a entidade emitente, ou seja é a omissão ou impossibilidade de restituição pela SLN que determina a existência do dano.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação.». [negrito nosso]

Entretanto, tendo o facto 29 sido impugnado na apelação do Banco réu, o acórdão da Relação apreciou tal impugnação nos seguintes termos:

«Quanto ao facto assente em 29., resulta o mesmo igualmente da ponderação das declarações prestadas pelas testemunhas, cuja credibilidade não se mostra, como referido, posta em causa, quando se referem ao carácter dos AA., ao seu perfil conservador, como referido pela testemunha FF; tal como é também referido pela testemunha EE e ao reconhecimento, feito por esta testemunha, que o A. acolhia com confiança as sugestões dos funcionários do banco; que se avisasse o A. do que podia acontecer no pior cenário, “é evidente que nenhum cliente aceitaria”. 

E é coerente e de acordo com regras de experiência e senso comum que assim sucedesse, com pessoas que viviam do seu trabalho e esforço, e que eram simples aforradores que tinham no BPN, S.A. depósitos a prazo - facto 13; bem sabendo os funcionários do BPN, S.A. que lidavam com os AA. que estes nunca tinham investido na Bolsa de Valores, que nunca tinham adquirido a qualquer banco produto diverso de depósitos a prazo e que nunca tinham comprado ou vendido obrigações - facto 31.

Do que se tem vindo a referir resulta que não se vê fundamento para alterar a matéria de facto constante da sentença em apreço como pretende o recorrente, sendo de manter os factos 20.; 27. e 29.».

Para posteriormente, na fundamentação de direito, afirmar o seguinte:

«Deste modo, atenta a factualidade provada e nos termos da fundamentação supra, demostrado que os AA. apenas subscreveram os produtos em causa, por iniciativa do Banco e por terem sido levados a crer que se tratavam de produtos idênticos a depósitos a prazo, sendo que pelas suas características e perfil conservador se demonstra que, caso tivessem sido alertados para as características das obrigações e condições relativas a estas (que careciam de ser explicadas atendendo ao seu grau de conhecimento destas matérias) não os teriam subscrito, verificado se mostra o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a actuação do R.». [negrito nosso]

Perante os elementos recolhidos – e não obstante subsistirem no acórdão recorrido alguns dados dissonantes (como seja o conteúdo das extensas transcrições jurisprudenciais e doutrinais aí realizado sem tomar posição clara acerca das teses propugnadas em matéria de nexo de causalidade) –, considera-se que o significado do enunciado fáctico do ponto 29 («Os AA. subscreveram os produtos em causa e referido em 21, 25 e 28, por lhe ter sido garantido pelos funcionários do “BPN, SA” que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo banco») permite dar como preenchida a previsão do n.º 4 do AUJ n.º 8/2022, que, procurando interpretar a norma do art. 563.º do Código Civil, determina que «incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

Aqui chegados, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito (a violação dos deveres de informação) e o dano sofrido pelos investidores.

7. Assente que existe violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação e que esta violação foi condição sine qua non da celebração do contrato, há que averiguar se esta mesma celebração do contrato foi causa de um dano patrimonial de valor correspondente ao fixado pelo acórdão recorrido.

Aí se afirma o seguinte:

«Quanto ao valor do dano é o equivalente ao capital investido – 250.000,00 euros – valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco, acrescido dos juros moratórios, mas estes apenas devidos desde a citação, pois os AA. nem sequer alegam em que data interpelaram o banco réu, nomeadamente se foi ou não logo na data de vencimento das obrigações, em Abril de 2016. Assim, ao valor assim encontrado acrescem os juros de mora, à taxa legal (e não comercial, por ser um contrato civil), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento – artº 805º e 559º do CC.».

A questão do montante do dano encontra-se suscitada pelo recorrente, nas conclusões recursórias ao alegar que «O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta deficiente explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético); Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.; Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.; E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.; E nada disto foi feito».

Vejamos.

Os arts. 562.º e 563.º do Código Civil consagram os princípios gerais relativos à obrigação de indemnização, determinando que «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» e ainda que «[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

De acordo com a prova feita (ver facto 29 e respectivo significado, tal como explicitado no ponto anterior do presente acórdão), se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, os AA. não teriam subscrito o produto financeiro em causa.

É, pois, admissível que os AA. pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto e tivessem antes subscrito um depósito a prazo. Já não seria admissível que pretendessem que fosse reconstituída a situação que existiria se tivessem subscrito o dito produto e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

Neste sentido, ver os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 05.06.2018, no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1, e em 02.02.2023, nos processos n.º 438/19.0T8LRA.C1.S1, n.º 2992/18.4T8STR.E1.S1, n.º 5050/17.5T8LRA.C2.S1, 4081/17.0T8VIS.C1-A.S2, n.º 30290/16.0T8LSB.L1.S1, n.º 3196/16.6T8LRA.L1.S2 e n.º 2208/16.8T8STR.E1.S2.

O sumário dos últimos acórdãos indicados sintetiza o essencial do que vimos afirmando:

«Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado».

Ora, a aplicação da regra do art. 562.º do CC, da qual resulta que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido subscritas as Obrigações SLN, implica, em primeiro lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor actual das obrigações adquiridas; e, em segundo lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo.

8. Em conformidade, foi exarado despacho da relatora do seguinte teor:

«Admitindo-se que, no caso dos autos, venham a ser dados como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro réu, admite-se também que, da aplicação do regime dos arts. 562.º e segs. do Código Civil, resulte a necessidade de ao valor do capital investido ser deduzido: em primeiro lugar o valor actual das obrigações adquiridas; e, em segundo lugar, o valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo.

Ao abrigo do princípio ínsito no n.º 3 do art. 3.º do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo, no prazo único de dez dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de se proceder às referidas deduções.».

Vieram os AA. pronunciar-se nos seguintes termos:

«(...) o douto despacho agora prolatado (...) faz tábua rasa dos princípios estabelecidos nos artigos 573.º e 609.º, n.º 1 do CPC. Os autores, ora recorridos, no seu pedido, apenas pediram os “juros contados (…) desde a citação e até efetivo e integral pagamento”.

Quanto à sugestão de se aquilatar do atual valor das obrigações subordinadas SLN, a mesma, salvo o devido respeito, é completamente irrazoável, pois ressalta à evidência para o comum dos mortais que o valor de tais obrigações é igual a zero!

Pois, quanto vale uma obrigação subordinada emitida por uma sociedade insolvente dissolvida e liquidada?

Em todo o caso, quando entendimento deste alto tribunal seja outro, os recorridos não se opõem a que as obrigações dos autos sejam objeto de avaliação (perícia) a realizar por um revisor oficial de contas, o profissional que, na sua perspetiva, mais competente será para levar a cabo tal tarefa.».

Vejamos.

A alegação dos AA. de que «o douto despacho agora prolatado (...) faz tábua rasa dos princípios estabelecidos nos artigos 573.º e 609.º, n.º 1 do CPC», atendendo a que os AA. «apenas pediram os “juros contados (…) desde a citação e até efetivo e integral pagamento”» é, neste contexto, incompreensível. Com efeito, uma vez que aquilo que está em discussão não é o pedido relativo aos juros de mora, mas o pedido relativo à restituição do capital investido em produto financeiro, que, de acordo com o alegado e provado pelos AA., se estes tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, não teriam subscrito.

Assim sendo, reitera-se que, de acordo com os princípios normativos que regem a obrigação de indemnizar, constantes do art. 562.º («[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação») e do art. 563.º, ambos do Código Civil, («[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»), no caso dos autos, a fixação da indemnização devida implica que se deduza ao valor do capital investido tanto o valor actual das obrigações adquiridas como o valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo. Só assim se reconstituirá a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto e tivessem antes subscrito um depósito a prazo, prevenindo-se o risco de uma situação de enriquecimento sem causa dos lesados.

Quanto ao alegado a respeito do valor actual das obrigações subscritas pelos AA. – e não sendo facto público e notório que esse valor seja nulo – torna-se necessário remeter igualmente para incidente de liquidação a referida dedução; é, pois, nessa sede que caberá apurar tal valor, admitindo-se a possibilidade de que o mesmo seja igual a zero e ressalvando-se a possibilidade de o Banco réu exercer a faculdade prevista no art. 568.º do Código Civil, requerendo a cedência das obrigações.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e condenando-se o réu Banco BIC Português, S.A. a pagar aos autores uma indemnização no valor a liquidar, devendo ter-se em consideração:

a. Que os autores têm direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao valor do capital investido que foi reconhecido pelas instâncias (€ 250.000,00), deduzido do valor actual das obrigações (se superior a zero) - sem prejuízo da possibilidade de o Banco réu exercer a faculdade prevista no art. 568.º do Código Civil, requerendo a cedência das obrigações -, bem como do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;

b. Que o valor resultante da aplicação dos critérios enunciados em a) deve ser acrescido de juros à taxa legal a contar do momento em que o réu tenha sido citado para a presente acção até integral pagamento.

Custas a final, na proporção do decaimento


Lisboa, 14 de Setembro de 2023


Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira