Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
647/20.9T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. É sanável a falta de indicação do valor do recurso.

II. O n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil impõe que o recorrente indique na alegação as razões que justificam a necessidade de apreciação da questão “para uma melhor interpretação do direito” ou pelas quais “os interesses são de particular relevância social”, “sob pena de rejeição”.

III. Deve ser rejeitado um recurso de revista, mesmo que interposto por via excepcional, quando a construção de facto que suporta a invocação de se tratar de um recurso no qual estão em causa questões de excepcional relevo jurídico e social não retrata a que vem definitivamente assente.

Decisão Texto Integral:

Reclamantes: AA e mulher, BB, CC, DD e EE.

Reclamados: FF e GG

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e mulher, BB, CC, DD e EE vieram reclamar para a conferência da decisão de julgar findo o recurso de revista que interpuseram, cujo teor foi o seguinte:

«1. FF e GG instauraram contra AA e mulher, BB, e Herdeiros de HH, “a saber”, CC, DD e EE, uma acção na qual pediram a sua condenação:

“1. (…) a reconhecerem os créditos dos AA. FF e GG, respectivamente, no valor de € 94.709,07 e no valor de € 63.769,15;

1. (…) a restituírem, solidariamente, as referidas quantias aos AA, acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;

2. Sempre e em qualquer caso e subsidiariamente, por mor do disposto nos artigos 473.º e ss. do CC, (…) a restituir, solidariamente, aos AA as quantias referidas em 1, acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento”;

3. (…) no pagamento das custas e em tudo o mais que for legal”.

Para o efeito, e em síntese, alegaram ter pago uma dívida hipotecária de uma sociedade de que eram sócios e representantes AA e HH, ficando prometido, por documento escrito, em troca, «uma participação de 50% no capital da sociedade (…), de modo à sociedade ficar com 4 sócios e cada um deles com 25% do capital e gerentes», ficando o prédio que havia sido dado em hipoteca integrado no património da sociedade; e pagaram ainda diversas despesas. Sucede que a promessa nunca foi cumprida, que a sociedade veio a ser extinta após dissolução voluntária, que o prédio foi colocado à venda à revelia dos autores, não obstante ter-lhes sido prometido que seria vendido em temos acordados entre todos e que os autores seriam pagos pelo produto da venda; que têm direito à restituição das quantias que pagaram; que, de qualquer modo, ocorreu uma deslocação patrimonial dos autores com o correspectiva valorização dos património dos réus, na exacta proporção daquele empobrecimento, devendo os réu ser condenados a restituir a quantia com que se locupletaram, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 473.º do Código Civil, com os devidos juros de mora.

Na contestação, os réus reconheceram vários dos factos alegados pelos autores, mas negaram dever-lhes qualquer quantia, apresentando uma versão diferente de factos decisivos; nomeadamente, alegando que, com o pagamento da quantia em execução, a sociedade passou a ser efectivamente detida pelos quatro sócios, que acompanharam a sua gestão, e que os quatro sócios passaram a exercer os mesmo direitos e deveres sobre o prédio, pertença da sociedade; que os autores nunca marcaram a escritura de cessão de quotas; que o processo de dissolução da sociedade foi acompanhado pelos autores, que nunca manifestaram qualquer oposição; que o acordado foi que o produto da venda do prédio seria aplicado no pagamento de créditos dos quatro sócios.

Alegram ainda que o comportamento dos autores consubstancia abuso de direito; e que não se verificam os requisitos do enriquecimento sem causa.

A acção foi julgada parcialmente procedente, sendo os réus condenados a pagar ao autor FF a quantia de € 64 742,07, com juros desde a citação no procedimento cautelar apenso, e ao autor GG a quantia de € 62 768,25, igualmente com juros.

Os réus foram absolvidos do restante.

Para assim decidir, a sentença considerou, em síntese:

– ter sido celebrado um contrato promessa, que não foi cumprido, cujo conteúdo, devidamente interpretado, era o de que «o contrato em apreço estipulou que o valor pago pelos Autores ao Banco (e só esse), como consta das cláusulas terceira e quinta, constituía a contrapartida, já paga pela cessão de quotas de 25% da sociedade M..., Lda. a cada um dos aqui Autores. Resulta claramente do referido contrato que o seu cumprimento se consubstanciaria na aquisição do imóvel pela sociedade e de quotas da mesma pelos aqui Autores – cfr. “constituindo a prometida sociedade com o património e nas condições supra enunciadas ficam saldadas as contas entre todos”. Ou seja, apenas a celebração do contrato prometido constituiria, enquanto contraprestação do “preço” já pago pelos Autores, forma de extinção das obrigações dos ali primeiro e segundo outorgantes»;

– que o tempo decorrido (“os autores deixaram decorrer 17 anos até a dissolução da sociedade” não impede os autores de “exigirem agora a restituição da contraprestação que pagaram antecipadamente”;

– que, tendo sido dissolvida a sociedade e vendido o imóvel, se tornou impossível o cumprimento do “contrato prometido”. Os autores podem pedir a restituição do que prestaram (€ 56 633,42 a cada um), com juros (contados desde a citação para o procedimento cautelar apenso a esta acção);

– que dos mútuos que ficaram provados resulta que “procede a pretensão dos autores” de lhes serem restituídas as quantias de € 1568,83 a cada autor, € 6 539,82 a FF, € 4 566,00 a GG, com juros desde a citação no procedimento cautelar;

– que não pode proceder o pedido de restituição a título de enriquecimento sem causa.

2. Os réus interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que lhe negou provimento, por unanimidade. E do correspondente acórdão interpuseram recurso de revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentaram, formularam as conclusões seguintes:

«1 - Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nestes autos pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que decide julgar improcedente o recurso de apelação e confirma na integra a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

2 - Conforme se alega atrás para fundamentar a admissibilidade do presente recurso de revista nos termos do disposto no artº 672º nº 1 al. a) e b) do C.P. Civil está em causa a apreciação, pela sua relevância jurídica e clara necessidade para uma melhor aplicação do direito, das seguintes questões, com elevada complexidade jurídica e de verificação escassa : i) da impossibilidade definitiva de contrato promessa, ii) da culpa; iii) afastamento da culpa e as obrigações que ainda são suscetíveis de cumprir e/ou de exigir o seu cumprimento, iv) A relevância da falta de marcação dos contratos definitivos e/ou a interpelação para o cumprimento do contrato para efeitos de restituição do que foi entregue; v) bem assim, o facto da dissolução da sociedade não determinar, no caso concreto, a impossibilidade definitiva e total do cumprimento das obrigações; vi) requisitos ou pressupostos legais para a restituição do que foi entregue no âmbito do contrato promessa, perante a impossibilidade parcial do contrato; vii) Está assim em causa a interpretação e aplicação do disposto nos artºs 790º, 801º, 802º e 803 do Código Civil.

3 - A relevância jurídica das questões suscitadas, revela-se no elevado grau de complexidade que apresentam, pela controvérsia que gera na doutrina e na jurisprudência e reveste ineditismo ou novidade que aconselham a respetiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

4 – O facto de não ter sido efetuada qualquer interpelação para o cumprimento do contrato promessa de sociedade impossibilita que se entenda, como ocorre na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância e confirmado pelo Tribunal da Relação a resolução do contrato com fundamento em incumprimento.

5 – Não se podendo deixar de sublinhar ainda que os recorridos não só não declararam perda de interesse na celebração do contrato, designadamente no que respeita à propriedade do imóvel identificado em 1. dos factos provados, como atuaram como se de facto fossem verdadeiros proprietários.

6 – O mesmo não pode deixar de ser considerado relativamente á sociedade, uma vez que, os alegados pagamentos de despesas desta ocorreu após a celebração do contrato promessa e naturalmente quendo, de facto, atuavam como se sócios fossem.

7 - A pretensão formulada pelos recorridos nestes autos assenta num alegado empréstimo efetuado ao recorrente AA e ao falecido HH e não na impossibilidade absoluta do cumprimento do contrato promessa de sociedade celebrado entre as referidas partes.

8 – Contudo a decisão proferida e objeto de impugnação fundamenta a procedência parcial da pretensão dos recorridos na impossibilidade de cumprimento do aludido contrato promessa de sociedade, por esta se encontrar dissolvida. Facto que por si só não pode determinar o incumprimento definitivo e total do contrato.

9 – Olvida-se assim na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação do Porto que emergente daquele contrato surge a obrigação de cessão de quotas, de forma que o capital social da sociedade “M..., Lda.” seja distribuído pelos quatro sócios na proporção de 25% a cada um e na transferência da propriedade do prédio identificado no ponto 1. dos factos provados para aquela sociedade.

10 – Não sendo possível a cessão de quotas, com fundamento na dissolução da sociedade, é ainda possível a transmissão dos direitos sobre o imóvel.

11 - Aliás, dos factos provados nomeadamente nos pontos 10., 11., 12., 14., 15., 16., 19.; 20., 21.; resulta que os recorridos atuaram como verdadeiros proprietários do imóvel, pagaram impostos e participaram na sua colocação em venda.

12 – Assim, não se verifica a impossibilidade definitiva total de cumprimento de contrato promessa;

13 – Apesar de constar do contrato promessa que a celebração das escrituras de divisão e cessão de quotas e transmissão da propriedade do imóvel para a sociedade é da responsabilidade dos recorridos, estes nunca diligenciaram pela celebração dos contratos definitivos, conforme consta do ponto 22. dos factos provados.

14 – Não pode assim ser imputada culpa pela impossibilidade definitiva da cessão de quotas aos recorrentes.

15 – O facto dos recorridos nunca terem diligenciado pela celebração dos contratos definitivos afasta a culpa do recorrente AA e do falecido HH na impossibilidade superveniente de celebração do contrato de cessão de quotas.

16 – O contrato promessa não se encontra extinto e mantém direitos em vigor, pelo menos, no que respeita ao direito de propriedade do imóvel melhor identificado em 1. dos factos provados.

17 - A mera impossibilidade relativa da prestação (a difficultas praestandi) não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue.

18 - Qualquer cessação do contrato, e salvo determinadas exceções legais, acarreta a extinção das obrigações dele emergentes, o mais das vezes complexas, como é a que a dos presentes autos

19- A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroativa de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroativa por operar desde o início do contrato - artº 433º do Código Civil. Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.

20 - Este esquema é meramente tendencial: a própria lei introduz algumas variantes, sendo certo que as partes, dentro de certos limites, podem também incluir adaptações. Assim, por exemplo, a resolução pode ser não retroativa - artº 434 nº 2 do Código Civil. É o que sucede nos contratos de execução continuada e com trato sucessivo – v.g., os contratos de locação, de fornecimento e de seguro – em que a resolução não afeta as prestações já efetuadas, a não ser que a sua interligação com a causa resolutiva legitime uma resolução plena.

21 - A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei - artº 432 nº 1 do Código Civil.

22 - O caso mais nítido de resolução com base legal é o que ocorre perante o incumprimento definitivo do contrato: quando uma das partes não cumpra um contrato bivinculante – ou na expressão da lei, bilateral – tem a outra direito à resolução.

23 - O Código Civil fala na resolução por incumprimento a propósito da impossibilidade culposa imputável ao devedor - artº 801 1 do Código Civil. A ideia é a de que perante o incumprimento definitivo, o interesse do credor desvanece-se e o contrato é, juridicamente, impossível. Em qualquer caso, dúvida não resta que a lei visa, com aquela disposição, permitir a um contraente livrar-se de um contrato que o outro incumpriu. O que não se verifica no caso sob apreciação.

24 - A resolução por incumprimento implica o chamado incumprimento definitivo - artº 801 1 do Código Civil. O não cumprimento simples apenas levaria à mora; só quando fosse ultrapassado o prazo razoavelmente fixado pelo credor ou, quando objetivamente, desaparecesse o interesse deste na prestação, se poderiam transcender as consequências da mora. O credor poderia, então, resolver o contrato, entre outras medidas, com relevo para a indemnização.

25 - Há mora do devedor quando, por ato ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado - artº 804 nº 2 do Código Civil. A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido.

26 - Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efetuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efetivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor - artº 799 nº 1 do Código Civil. Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor artº 804 nº 1 do Código Civil.

27 - A mera impossibilidade relativa da prestação (a difficultas praestandi) não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue.

28 – Está demonstrado que encontrando-se dissolvida a sociedade comercial “M..., Lda.”, é possível concretizar, pelo menos parte, do contrato promessa celebrado entre o recorrente AA, o falecido HH e os recorridos.

29 – Sendo certo que, face à factualidade provada os recorridos nunca revelaram perda de interesse no cumprimento do contrato relativamente aos direitos emergentes sobre o imóvel que, de facto só podem ser exercidos por todos os contraentes assim estarem de acordo.

30 – Deve assim interpretar-se e aplicar-se ao caso sob apreciação o disposto nos artºs 790º, 801º, 802º e 803 do Código Civil, no sentido que não se verifica incumprimento contratual quando, pelo menos, uma das obrigações emergentes do contrato é possível cumprir, como é a obrigação de transferência da propriedade e não foi o contrato resolvido pelo credor;

31 – Tendo sido dissolvida a sociedade, os direitos que a esta pertenciam transferem-se para os seus sócios nos termos do disposto no artº 164º do Código das Sociedades Comerciais que, tal como foi acordado e está provado, incluem, os recorridos.

32- Assim sendo, os recorrentes e recorridos devem promover conjuntamente a venda do imóvel e repartir entre si a respetiva realização.

33 – O que contraria o decido pelo Tribunal de primeira instância confirmado pelo Tribunal da Relação na medida em que considerou o incumprimento do contrato e a restituição do que foi emprestado e não do que entraram para o capital da sociedade.

34 – Insiste-se, sendo possível o cumprimento pelos recorridos, pelo menos de parte das obrigações assumidas no contrato promessa, não se verificando a sua resolução, nunca os recorridos interpelaram os recorrentes para a celebração do contrato promessa, nem declarado a perda de interesse na celebração do contrato definitivo, tendo mesmo manifestado comportamentos próprios de verdadeiros proprietários do prédio identificado em 1 dos factos provados, não se encontra fundamento para a restituição aos recorridos do que entregaram no âmbito daquele contrato promessa.

35 – Por conseguinte, a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância e a confirmação do Tribunal da Relação assentam numa interpretação dos artºs 790º, 801º, 802º e 803 do Código Civil em desconformidade com o que vem sendo a jurisprudência e a doutrina dominante acerca do incumprimento dos contratos, da resolução e da obrigação de indemnizar o lesado.

Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido, julgado procedente, por provado e consequentemente revogado o Acórdão recorrido, substituindo-o por decisão que julgue a presente ação totalmente improcedente, por não provada como é de inteira J U S T I Ç A

Os autores contra-alegaram, concluindo a suas alegações da seguinte forma:

«1. Os Réus/Recorrentes vêm interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o que fazem nos termos do artigo 671.º, n.º 1 e 3 do CPC.

2. Para tanto, procederam ao pagamento de uma taxa de justiça de €510,00, quando na verdade e salvo melhor entendimento, a taxa de justiça devida é de €612,00. Com efeito, não tendo os Réus/Recorrentes indicado valor diferente no requerimento de interposição do recurso, prevalece o valor da ação de €158.478,22, nos termos do artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, o que se invoca com o consequente desentranhamento das alegações em caso de comprovada omissão do pagamento devido, o que, desde já, se requer nos termos do artigo 642.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

3. Os Réus/Recorrentes fundamentam, porém, a admissibilidade do presente recurso no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, que prevê a revista excecional, invocando que em causa estão questões cuja apreciação pelo STJ, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito e que em causa estão também interesses de relevância social.

4. Acontece que, atenta a densificação que a jurisprudência e a doutrina têm vindo a fazer dos conceitos de “relevância jurídica” e de “interesses de particular relevância social” das als. a) e b) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, não se vislumbra em que medida é que o caso sub judice e as questões submetidas a apreciação pelos Réus/Recorrentes possam preenchem tais conceitos, como pretendem os Réus/Recorrentes demonstrar, embora sem êxito.

5. Na verdade, o caso em apreço não tem a relevância jurídica que a al. a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil exige para fundamentar a admissibilidade do recurso, porquanto, desde logo, não se apresenta complexo, sequer controverso, muito menos inédito.

6. Além disso, em causa está uma situação patrimonial privada e um litígio gerado, até, em contexto familiar, não mediático e insuscetível de interessar ou de produzir quaisquer efeitos ou repercussões no público em geral, pelo que também não se encontra preenchido o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC.

7. Por outro lado, os Réus/Recorrentes limitam-se a apelidar que as questões que pretendem submeter à apreciação do STJ de questões têm relevância jurídica e relevância social, mas depois não demonstram, nem concretizam ou especificam em que medida é que essa relevância jurídica e social se revela.

8. Os Réus/Recorrentes não indicam, pois, as razões pelas quais entendem que a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nem indicam as razões pelas quais os interesses em causa são de particular relevância social.

9. Os Réus/Recorrentes não cumprem, assim, o ónus de alegar as razões de admissibilidade do recurso de revisar excecional, em violação do artigo 672.º, n.º 1, al. a) e b) e n.º 2 do CPC.

10. Pelo que, o presente recurso deverá ser rejeitado.

11. Caso assim se não entenda, sempre se diga que as alegações dos Réus/Recorrentes carecem de fundamento jurídico, apresentam-se ilógicas e incoerentes do ponto de vista do enquadramento jurídico que os Réus/Recorrentes pretendem suscitar, além de estarem em evidente contradição com a prova produzida na 1.ª instância e confirmada na íntegra pela Relação.

12. Aliás, os Réus/Recorrentes suscitam à apreciação do STJ uma série de questões alheando-se completamente da prova produzida nos autos.

13. Com efeito, os Réus/Recorrentes, ao longo das suas alegações, fazem tábua rasa dos factos dados como provados na 1.ª instância e insistem em interpretar e suscitar a questão sub judice de um ponto de vista eventual ou hipotético de um alegado incumprimento parcial do contrato promessa, o que extravasa o objeto do presente recurso.

14. Motivos pelos quais, o Recurso interposto dos Réus/Recorrentes não merece qualquer acolhimento, devendo decair na íntegra por infundado e, em consequência, ser o presente Recurso julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão e o Acórdão recorrido.

TERMOS EM QUE,

Devem os Réus/Recorrentes ser notificados para pagar a taxa de justiça devida de €612,00, sendo que, em caso de omissão no comprovado pagamento, devem as alegações ser desentranhadas, nos termos do artigo 642.º, n.º 2 do CPC.

Deve o Recurso apresentado pelos Réus/Recorrentes ser rejeitado por incumprimento do ónus dos artigos 672.º, n.º 1, a) e b) e n.º 2 do CPC.

Ou, caso assim se não entenda, deve o Recurso ser considerado totalmente improcedente. Assim se fazendo a tão acostumada Justiça.»

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido, corresponde, aliás, à matéria dada como provada e não provada em 1.ª instância, porque não obteve provimento a impugnação dos pontos de facto a que os autores procederem, no recurso de apelação):

“1. O Réu AA e o falecido HH eram, em 1999, os sócios e representantes da sociedade comercial M..., Lda., pessoa coletiva n.º .......49, que explorava um estabelecimento comercial de discoteca e bar.

2. A exploração do referido estabelecimento era feita no prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1699 (anterior artigo nº 515 urbano, da extinta freguesia ...), hoje sito no lugar de ..., concelho de ..., freguesia da União das freguesias de ..., ...e ... e descrito na CRP de ... sob o nº 223 da ....

3. O prédio identificado em 2) encontra-se inscrito na respetiva matriz predial 3 e na Conservatória do Registo Predial a favor do Réu AA e mulher desde 09-06-1994.

4. Sobre o prédio identificado em 2) foi constituída, em 1994, uma hipoteca a favor da UBP - União de Bancos Portugueses, S.A., pelo Réu AA e mulher BB, para garantia de um empréstimo contraído junto daquele banco pela sociedade comercial identificada em 01), no montante de 20.000.000$00.

5. Os Autores, a pedido do Réu AA e do falecido HH procederam à entrega ao banco credor do valor de quantia em execução nos autos com o número 24/1998 do 1º juízo cível deste tribunal, que, em abril de 1999 era de 22.710.000$00 (€ 113.266,83), o correspondente, a cada um deles, a 11.355.000$00 (onze milhões, trezentos e cinquenta e cinco mil escudos) (€ 56.633,42 - cinquenta e seis mil, seiscentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos), para pagamento da quantia exequenda.

6. Tendo prometido aos Autores, em troca, em documento que todos outorgaram em 29-04-1999 cujo teor é o do documento número 9 junto com a petição inicial e aqui se dá por integralmente reproduzido, uma participação de 50% no capital da sociedade identificada em 3), de modo à sociedade ficar com 4 sócios e gerentes e cada um deles com 25% do capital.

7. Em 1999, os Autores, o Réu AA e o falecido HH avaliaram a sociedade em 37.000.000$00 (trinta e sete milhões de escudos), sendo que nessa altura acordaram em que os 25% do capital supra referidos equivaliam a 9.250.000$00 (nove milhões, duzentos e cinquenta mil escudos, equivalente 46.134,66 €)

8. No âmbito do referido em 6), os Autores entregaram ainda ao Réu AA e ao falecido HH a quantia adicional total de 629.099$00 (seiscentos e vinte e nove mil, noventa e nove escudos - o equivalente hoje a € 3.137,66 (três mil, cento e trinta e sete euros e sessenta e seis cêntimos), ou seja, cada um deles entregou 314.550$00 (trezentos e catorze mil, quinhentos e cinquenta escudos - o equivalente, hoje, a € 1.568,83 - mil quinhentos e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), para pagamento das despesas judiciais com o processo que foram liquidadas em 06 de Maio de 1999.

9. Após o pagamento referido em 7) e com a promessa de participação no Capital social da sociedade e da integração no património desta do prédio urbano identificado em 2), o Autor FF entregou, entre 1999 e 2000, a pedido de HH e AA para pagamento de outras dívidas da sociedade:

a) Para pagamento a J..., Lda 1.020.293$00, equivalente a € 5.088,74 em 04-11-1999.

b) Com as custas devidas nos autos executivos em que foi exequente J..., Lda e executada a Sociedade M..., Lda.”- 104.000$00 (cento e quatro mil escudos) - [(61.000$00 + 43.000$00, sessenta e um mil escudos + quarenta e três mil escudos)] - equivalente a € 518,70 (quinhentos e dezoito euros e setenta cêntimos) em 23 e 29-11-1999, respetivamente;

c) Com o pagamento de material elétrico, dívida da discoteca C... a II, 750.000$00 (setecentos e cinquenta mil escudos) - equivalente a € 3.740,65 (três mil, setecentos e quarenta euros e sessenta e cinco cêntimos) em 30-01-2000;

d)Com o pagamento de fornecimentos de aço, dívida da discoteca C... a II -1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos) - equivalente a € 6.483,79 (seis mil, quatrocentos e oitenta e três euros e setenta e nove cêntimos) entre 31-01 e 30-03 de 2000;

e) Com o pagamento de dívida da Sociedade M..., Lda. a Caves..., S.A. 1.722.226$00 (um milhão, setecentos e vinte e dois mil, duzentos e vinte e seis escudos) - correspondente a € 8.589,66 (oito mil, quinhentos e oitenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), entre 30-01 e 30-12-2000;

10) Os Autores acordaram, pelo menos a partir de fevereiro de 2003 com o Réu AA e o falecido HH que o valor global do IMI do imóvel acima identificado, seria suportado pelos quatro;

11) O Autor FF, pagou, de 2003 a 2019, um quarto do valor daquele IMI, ou seja, pagou €6.539,82

12) O Autor GG, por sua vez, pagou, de 2003 a 2011, um quarto do valor daquele IMI, ou seja, pagou, €4.566.

13) A sociedade identificada em 1) foi dissolvida em 30-12-2016, por “dissolução voluntária”, conforme Insc. 3AP.27/20161230 publicada no Portal da Justiça.

14) O Réu AA e o falecido HH sempre asseguraram aos Autores que, em última instância, as quantias por estes entregues e supra descritas em 5 e 8 e 10 a 12, ser-lhes-iam devolvidas pelo produto da venda do imóvel, o que, contudo, nunca sucedeu.

15) No ano de 2019, os Autores tomaram a iniciativa de promover reuniões com os Réus, para reaverem o seu dinheiro, tendo sido apresentado como solução colocar o imóvel à venda.

16) Nessa sequência, no dia 10-12-2019, Autores e JJ, KK, LL, EE, AA e DD - reconhecendo estes a dívida de algumas quantias àqueles - acordaram em vender o prédio tendo nessa reunião acordado ainda que se voltariam a reunir.

17) Posteriormente os Réus, colocaram em causa a dívida correspondente aos pagamentos adicionais referidos em 9);

18) O documento 12 junto com o a petição inicial foi resultado de reuniões entre os Autores e JJ, KK, LL, EE, AA e DD, que o subscreveram.

19)E visava a colocação à venda do imóvel e a distribuição do valor em quatro partes iguais sendo ainda que por via do preço recebido seriam pagos os valores devidos aos Autores.

20) Uma vez que o prédio urbano identificado no contrato referido em 6 não se encontrava inscrito a favor da sociedade, ficou acordado entre os ali outorgantes, pelo menos a partir de fevereiro de 2003, que os Autores passariam a deter igual direito sobre o mesmo.

21) Passaram, então, os Autores a participar na gestão do imóvel, nomeadamente no que respeita à sua colocação no mercado imobiliário;

22) Nunca nenhum dos outorgantes do contrato referido em 6 manifestou aos co-contratantes vontade de celebração do contrato ali prometido.

23) Todas as importâncias referidas em 9, destinaram-se à sociedade e foram aplicadas no pagamento de despesas desta;

24) BB, CC, DD e EE são os únicos e universais herdeiros de HH, falecido em ...-...-2012.”

Quanto aos factos não provados:

a) No momento referido em 6 os outorgantes naquele contrato acordaram que as despesas adicionais que se viessem a realizar e a pagar pelos Autores além do valor em dívida não pago pela quota, constituiriam um crédito destes para com os Réus.

b) Os outorgantes do documento referido em 6 acordaram que a partir daquela data todas as despesas que viessem a ser pagas por qualquer dos sócios relativas à sociedade M..., Lda., seriam dívida exclusivamente desta.

c) Desde a data em que os Autores celebraram o referido acordo com o Réu AA e o falecido HH agiram sempre como sócios e gerentes da sociedade;

d)Tendo os Autores participado em todas as decisões de gestão da sociedade, ou, pelo menos, em todas que tiveram maior relevância.

e) Após o acordo referido em 7 os Autores agiram sempre como se com a celebração do contrato promessa tivesse extinguido qualquer dívida até àquela data;

f) Após o mesmo cada um passou a agir, de facto, por si mesmo ou através de representantes, como se detivesse a proporção de 25% do capital social.

g) Na mesma proporção foram repartidos os rendimentos gerados pela exploração do objeto social e do imóvel referido em 2;

h) O Autor FF pagou, além dos valores descritos em 9, as seguintes dívidas da sociedade M..., Lda.: consumo de eletricidade e prémio de seguro da referida sociedade M..., Lda. : € 2.792,61 (dois mil, setecentos e noventa e dois euros e sessenta e um cêntimos); e € 1.300,00 para limpeza exterior:

i) Ambos os autores pagaram 1000 € para reparação da piscina da discoteca da referida sociedade.

j) O Réu AA e o falecido HH sempre asseguraram aos Autores que, em o pagamento de juros devidos pelos seus débitos a estes bem como dos valores descritos em 9 seriam pagos pelo produto da venda do imóvel.

k) Sempre, ao longo dos anos, os Autores criaram a convicção aos Réus que as suas pretensões eram de que o produto da venda do imóvel seria destinado a solver as dívidas da sociedade para com os sócios e o remanescente repartido em partes iguais.

l) A propriedade do imóvel nunca se transmitiu formalmente aos quatro, porque todos incluindo os Autores entenderam que não se justificava terem de suportar os encargos com tal transação, nomeadamente SISA ou IMT, escritura pública e registos prediais.

m) A formalização da cessão de quotas aos autores nunca se fez porque os Autores nunca o quiseram fazer.

n) Os Autores concordaram expressamente com a dissolução e liquidação da sociedade M..., Lda..

o) Os subscritores do documento referido em 18 pretendiam com a subscrição do referido documento, vir a constituir hipoteca sobre o imóvel referido no contrato dado por provado na alínea 6.»

4. Sobre a questão prévia suscitada pelos recorridos foi proferido despacho convidando “os recorrentes a indicar, justificando, o valor do recurso de revista que interpuseram, e os recorridos a pronunciarem-se sobre a resposta que eventualmente venha a ser apresentada.”

Responderam recorrentes e recorridos. Os primeiros vieram esclarecer que o valor do recurso era de €127.510,32, sustentando que, “embora não tenham indicado expressamente o valor atribuído ao recurso, indicaram a decisão de que pretendiam recorrer, tendo esta um valor preciso e autónomo do valor da causa que dúvidas não poderia suscitar aos recorridos quanto ao valor do recurso para fins tributário.”

Os recorridos, diferentemente, manifestando discordância relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado no referido despacho, no que toca à interpretação do n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais, mantiveram o que afirmaram nas contra-alegações, acima transcritas.

Tal como se escreveu no mesmo despacho, «Perfilha-se, todavia, a interpretação do n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, definida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2019, www.dgsi.pt, segundo o qual “se no art.º 11.º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se prevenia, indubitavelmente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção (2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção), o actual diploma que estatui sobre custas judiciais, conquanto mantenha a obrigação de indicação, por parte do recorrente (Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso), assume diversa redacção, querendo significar, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a sanção cominatória, para o respectivo incumprimento (inequívoca, no anterior diploma [art.º 11º do Código das Custas Judiciais]), foi deixada cair, no actual art.º 12º do Regulamento das Custas Judiciais”.

Considera-se, assim, sanada a falta de indicação do valor da sucumbência e, portanto, não se determina o desentranhamento das alegações.

5. Os recorridos alegam ainda que os recorrentes “não cumpriram os ónus de alegar as razões de admissibilidade do recurso de revista excepcional, em violação do artigo 672.º, n.º 1, l. a) e b) e n.º 2 do Código de Processo Civil", limitando-se “a apelidar as questões que pretendem submeter a apreciação do Supremo Tribunal de juridicamente relevantes e de relevância social, mas depois não demonstram, não especificam, nem concretizam em que medida é que essa relevância jurídica e social se revela”.

Escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 9096/16.2T8PRT.P1.S1, citado pelos recorridos, e que por sua vez cita jurisprudência e doutrina no mesmo sentido: “Efectivamente, se é certo que incumbe à Formação a decisão quanto à verificação dos pressupostos do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil, certo é, também, que importa atender, previamente, se o recorrente cumpriu, sob pena de rejeição, os ónus adjectivos decorrente do nº 2 do artº 672º do Código de Processo Civil.” E esclareceu-se que só se considera cumprido tal ónus se o recorrente tiver indicado as razões que concretamente justificam que, no caso, se possa ter como verificada a relevância jurídica que justifica que a revista seja excepcionalmente admitida (só estava então em causa a al. a) do n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil), o mesmo valendo para a eventualidade de ser invocada excepcional relevância social (al. b) do n.º 2), como aqui sucedeu.

Com efeito, o n.º 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil impõe que o recorrente indique na alegação as razões que justificam a necessidade de apreciação da questão “para uma melhor interpretação do direito” ou pelas quais “os interesses são de particular relevância social”, “sob pena de rejeição”.

É exacto que os recorrentes não concretizam essas razões no requerimento de interposição de recurso (ao qual se seguem as alegações), que termina desta forma, após exposição abstracta dos requisitos de admissibilidade da interposição de revista excepcional, ao abrigo das als.) b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil:

“15 – No caso sob apreciação pretende-se submeter à apreciação questões relativas à apreciação da impossibilidade definitiva (parcial) de contrato promessa, da culpa, afastamento da culpa e as obrigações que ainda são suscetíveis de cumprir e/ou de exigir o seu cumprimento. A relevância da falta de marcação dos contratos definitivos e/ou a interpelação para o cumprimento do contrato apara efeitos de restituição do que foi entregue. Bem assim, o facto da dissolução da sociedade não determinar, no caso concreto, pela sua complexidade, a impossibilidade definitiva e total do cumprimento das obrigações. Requisito ou pressupostos legais para a restituição do que foi entregue no âmbito do contrato promessa, perante a impossibilidade parcial do contrato. Está assim em causa a interpretação e aplicação do disposto nos artºs 790º, 801º, 802º e 803 do Código Civil.”

E é também exacto – como se pode verificar na transcrição das conclusões do recurso de revista – que se exigiria uma concretização que ali não se encontra. Note-se que não basta alegar que as questões que em abstracto os recorrentes enunciam se relacionam com “valores socioeconómicos importantes”; seria necessário alegar – para justificar a possibilidade de interposição do recurso de revista excepcional – que os problemas que concretamente se suscitam na revista que interpuseram, relacionados com essas questões abstractas, se relacionam com os valores que apontam.

6. De qualquer modo, ainda que assim não fosse, e que se pudessem ter como cumpridos os ónus impostos para a interposição do recurso de revista excepcional, de modo a que se justificasse a remessa do processo à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, para que os apreciasse e decidisse se deve ou não ser julgada a revista, sempre subsistiria um outro obstáculo à admissibilidade da revista, que cabe ao relator apreciar:

No recurso de apelação, os recorrentes impugnaram parte da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto, pretendendo que fossem considerados provados os factos não provados enunciados nas alíneas c), d), e), f) e g), atrás transcritos. A impugnação foi julgada improcedente e o acórdão da Relação, aliás, observou que, não tendo sido atendida, não podia proceder a apelação. Na verdade, tratava-se de factos indispensáveis à procedência da defesa dos (então e agora) recorrentes.

Os recorrentes não incluem no objecto da revista a reapreciação desses factos – nem poderiam, como se sabe. Todavia, as suas alegações – destinadas, naturalmente, a obter a revogação do acórdão recorrido – dão como assente uma versão da matéria de facto que diverge, em pontos determinantes, do que vem definitivamente provado e não provado; nomeadamente, do que se manteve não provado na apelação.

Afirmam, por exemplo, que “resulta do conjunto da factualidade provada que os recorridos acompanharam sempre a actividade da sociedade, nomeadamente alegam ter pago dívidas desta a fornecedores”; no entanto, tal acompanhamento foi julgado não provado, apesar desses pagamentos (cfr. em especial as als. c) e seguintes dos factos não provados). Não se pode considerar assente, a partir dos pontos 20 e 21 dos factos provados, que “fica assim claro que, ainda que a sociedade tenha sido dissolvida” (vem provado que foi) “os efetivos «sócios» da sociedade entenderam.se relativamente à propriedade do imóvel”. E não vem provado que o imóvel integrava de facto o património da sociedade, nem se considerou estabelecida qualquer relação com o ponto 7. dos factos provados.

Naturalmente que não se está a entrar no julgamento da revista; o objectivo destes exemplos é, tão somente, mostrar que a construção de facto que suporta a invocação de se tratar de um recurso no qual estão em causa questões de excepcional relevo jurídico e social não retrata a que vem definitivamente assente.

7. Assim, nos termos do disposto na al. h) do n.º 1 do artigo 652.º e no artigo 679.º do Código de Processo Civil, julga-se findo o recurso.»

Fundamentaram a reclamação nestes termos:

«1-Ao contrário do aí decido, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, os recorrentes cumprem o ónus de alegar as razões de admissibilidade do recurso de revista excecional, em conformidade com o disposto no artigo 672º, nº 1, al. a) e b) e nº 2 do CPC.

2- E essas s.m.o. cumprem objetivamente com os requisitos exigidos no preceituado no artº 672º do CPC. Nas alegações de recurso concretizam os recorrentes as questões que consideram relevantes para apreciação e conhecimento do presente recurso.

3- Algo que, com todo o respeito, não se encontra considerado, atento ao teor da Decisão Singular.

4 – Acresce que, independentemente da factualidade que se encontra provada pelo Tribunal de primeira instância, confirmada pelo Tribunal da Relação no âmbito do recurso de apelação, as questões de direito suscitadas neste recurso são merecedoras de apreciação para uma melhor aplicação do direito.

5 – Os próprios recorridos admitem que, apesar do imóvel se encontrar registado em nome dos recorrentes AA e esposa, de facto este integrava o património da sociedade que veio a ser dissolvida. Bem como, admitem os recorridos ter uma participação direta na sociedade ao reclamarem a restituição de pagamentos que efetuaram de despesas e encargos desta.

6 – É entendimento dos recorrentes que todas as questões infra apresentam relevância jurídica para que se alcance maior segurança e certeza jurídica na celebração de contratos promessa em que se integram direitos que determinam grande complexidade;

- Impossibilidade definitiva ou parcial de cumprimento de contrato promessa;

- Culpa pela impossibilidade definitiva parcial do contrato;

- Afastamento da culpa;

- Obrigações que são suscetíveis de cumprir e/ou exigir ainda que o contrato seja parcialmente impossível por facto superveniente;

- A dissolução de sociedade não determina por si só a impossibilidade

do cumprimento de obrigações;

- A manutenção do negócio objeto do contrato promessa;

Termos em que, requer a V. Exª. seja submetida à conferência o presente recurso, alterando-se a decisão sumária da Exmª Srª Juiz Conselheira Relatora admitindo-se e julgando-se procedente o recurso de revista interposto pelos recorrentes contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto

E.D.»

Os reclamados responderam no sentido de a reclamação carecer de fundamento “quer de facto, quer de direito”:

3. Com efeito, no requerimento a que se responde, os Recorrentes insistem em dar como assentes factos que foram considerados como não provados na 1.ª Instância e mantidos, definitivamente, na Apelação.

4. O que fazem ao arrepio de princípios basilares do processo civil, nomeadamente, o princípio da limitação dos atos (artigo 130.º do CPC).

5. O requerimento dos Recorrentes constitui, pois, clara e manifestamente, um expediente de natureza dilatória e com vista a torpedear e provocar atraso no prosseguimento da ação e na realização da justiça, devendo improceder, o que se requer.”

2. A presente reclamação é improcedente, pelas razões constantes da decisão reclamada, que se reiteram. Com efeito, das alegações não consta a concretização dos fundamentos abstractos de revista excepcional, invocados; e não pode sustentar-se que a relevância das questões de direito suscitadas pelos reclamantes seja independente do que vem provado.

Nestes termos, indefere-se a reclamação.

Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 ucs.

Lisboa, 17 de Abril de 2024

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Fátima Gomes

Ferreira Lopes