Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
473/12.9TVLSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
CONTA DE CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FALTA DE PAGAMENTO
DESENTRANHAMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DAS PARTES ( ATOS DAS PARTES ) / PAGAMENTO DE TAXA DE JUSTIÇA.
CUSTAS PROCESSUAIS - TAXA DE JUSTIÇA - CONTA DE CUSTAS.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, I, 4.ª ed., 206.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 145.º, N.º 3, 570.º, 642.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 2.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 6.º, N.º 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14 DE FEVEREIRO DE 2017, PROCESSO N.º 1105/13.3T2SNT.L1.S1.
Sumário :
I - Tendo a parte arguido uma nulidade processual e não tendo pago - depois de notificada pela secretaria para pagar a taxa omitida e a correspondente multa - a respetiva taxa de justiça, impõe-se o desentranhamento do requerimento (nos termos dos art.s 145º, nº 3 e 642º do CPCivil), não havendo lugar a qualquer convite adicional do juiz (nos termos do art. 570º, nº 5 do CPCivil), para pagar.

II - A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efetuada a conta final.

III - A lei, assim interpretada, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

IV - Só assim não será quando se esteja perante uma flagrante ou gritante desproporcionalidade entre o montante da taxa de justiça imputada à parte e o serviço de justiça que lhe foi prestado.

V - A taxa de justiça remanescente que pode ser dispensada de pagamento é aquela que é devida ao sistema judiciário pelos serviços prestados à própria parte a quem é imputada de acordo com a condenação nas custas, e não também a taxa de justiça imputada à outra parte, ainda que esta tenha direito a ser reembolsada, a título de custas de parte, do que efetivamente despendeu.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA, Lda., demandou oportunamente (28 de Fevereiro de 2012), pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa e em autos de ação declarativa na forma ordinária, BB, S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €1.050.000,00 (montante do sinal em dobro) ou, subsidiariamente, no pagamento do montante do sinal em singelo, e, em qualquer caso e cumulativamente, no pagamento de indemnização não inferior a €1.320.325,31 a título de responsabilidade civil pré-contratual.

Alegou para o efeito, muito em síntese, ter celebrado (em 15 de Outubro de 2010) um contrato-promessa com a Ré, mediante o qual esta se comprometera a vender à Autora, que por sua vez se obrigara a comprar, uma parcela de terreno situada na Zona de Intervenção da Expo 98, em Lisboa, mas sucede que a Ré incumpriu definitiva e culposamente a promessa, além de que se pautou, na formação do contrato, de forma incompatível com a boa-fé, estando assim vinculada a pagar à Autora as aludidas quantias.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Mais deduziu reconvenção, pedindo que fosse declarado resolvido o dito contrato-promessa por incumprimento da Autora, fazendo a Ré seu o sinal entregue.

Seguindo o processo seus devidos termos, veio a ser fixado à causa o valor de €2.370.325,31, aliás o valor indicado pela Autora na sua petição inicial (o valor da reconvenção não foi feito acrescer ao da ação, por se ter considerado que o pedido reconvencional não constituía um pedido autónomo).

A final foi proferida sentença (em 6 de Novembro de 2013), que julgou parcialmente procedente a ação, sendo a Ré condenada a pagar á Autora a quantia de €1.050.000,00 (dobro do sinal prestado). A reconvenção foi julgada improcedente.

A Ré apelou, tendo a Relação de Lisboa (em 15 de Maio de 2014) concedido parcial provimento à apelação, condenando a Ré a pagar à Autora o sinal recebido mas em singelo.

Ambas as partes recorreram (a Ré por via subordinada) para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 15 de Janeiro de 2015, julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.

Transitado em julgado o acórdão do Supremo, foi elaborada conta de custas, relativamente a cada uma das partes, imputando-se à Autora uma taxa de justiça no montante total de €42.381,00, do qual estavam ainda por pagar €38.301,00 (remanescente da taxa de justiça em função do valor da causa na parte excedente a €275.000,00), e à Ré uma taxa de justiça no montante total de €40.035,00, do qual estavam ainda por pagar (idem) €38.326,50.

Notificada (notificação expedida a 26 de Junho de 2015) da conta e para pagar, apresentou então (em 14 de Julho de 2015) a Autora requerimento, onde pediu - invocando o disposto no n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) - a dispensa do pagamento da aludida taxa remanescente de €38.301,00.

Sobre tal pretensão foi proferido despacho (em 10 de Setembro de 2015) de indeferimento. Entendeu-se, a propósito, que o requerimento da parte interessada ou a atuação oficiosa do juiz ao abrigo de tal norma teriam que ter lugar, e tal não aconteceu no caso, “até à notificação da conta final, sob pena de se estar a praticar um acto inútil (elaboração da conta), o que a lei proíbe”.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Abril de 2016, julgou a apelação improcedente e manteve o despacho recorrido.

Ainda inconformada, interpôs a Autora (27 de Maio de 2016) recurso de revista (doravante, denominada primeira revista) e, subsidiariamente, requereu a admissão do recurso como revista excecional. Apresentou, a propósito, certidão do acórdão de 3 de Dezembro de 2013 da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 1586/08.7TCLRS, transitado em julgado, que decidiu de forma manifestamente oposta (“nada obsta a que só após a elaboração da conta possa ser requerida a dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça”) à decidida no acórdão recorrido quanto à mesma questão fundamental de direito.

Mais arguiu (em 25 de Maio de 2016), na sequência da notificação do acórdão da Relação, aquilo a que chamou “nulidade insanável do incidente de reclamação da conta por falta de intervenção do Ministério Público”, por isso que, segundo o seu ponto de vista, esta entidade havia de ter sido ouvida sobre o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente previamente à prolação do despacho contra que se apelou, e a verdade é que não foi ouvida.

Não mostrou a Autora, porém, ter pago a taxa de justiça devida por esse incidente da arguição da nulidade, razão pela qual foi notificada pela secretaria (notificação expedida a 15 de Julho de 2016) para, no prazo de 10 dias, pagar a taxa de justiça omitida e a correspondente multa de 1 UC.

Na sequência, a Autora pagou a multa liquidada, mas manteve-se omissa quanto ao pagamento da taxa de justiça.

Por esse motivo o Exmo. Relator proferiu despacho (em 27 de Setembro de 2016) a ordenar o desentranhamento do requerimento em causa dos autos. Após reclamação para a conferência, foi proferido acórdão (12 de Janeiro de 2017) a rejeitar a reclamação e a manter a decisão reclamada.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora (9 de Fevereiro de 2017) novo recurso de revista (doravante, denominada segunda revista).

Com a sua alegação, juntou documento comprovativo de ter entretanto (em 25 de Outubro de 2016) pago a taxa de justiça cujo pagamento omitira.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, entendeu o relator, no seu exame preliminar, que a primeira revista era admissível como revista “normal”, entendimento que aqui se subscreve, razão pela qual nada obsta ao conhecimento do recurso.

Também a segunda revista não pode deixar de ser havida como admissível, pelo que importa conhecer do seu objeto.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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III – QUANTO À SEGUNDA REVISTA

Dado o seu carácter prejudicial sobre o conhecimento da primeira revista, interessa começar por apreciar a segunda revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

1. A Recorrente interpôs recurso de apelação dirigido ao Tribunal a quo da decisão de 1ª instância, que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, condenando-a a um encargo total de custas com o processo de €105.985,65.

2. Por Acórdão notificado à Recorrente em 05.05.2016, o Tribunal a quo julgou a apelação improcedente, sendo que na respetiva motivação, o requerimento da ora Recorrente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi formalmente qualificado como um incidente de reclamação da conta.

3. A Recorrente apresentou recurso de revista do Acórdão, mas apresentou também um requerimento autónomo, suscitando a nulidade insanável do incidente de reclamação de conta por o mesmo não ter cumprido um único dos trâmites e intervenções processuais no artigo 31°, n.º 4, do RCP: nem o funcionário judicial que efetuou a conta foi chamado a pronunciar-se; nem o Ministério Público foi chamado a dar o seu parecer.

4. A Recorrente foi notificada do despacho do Venerando Desembargador Relator, o qual admitiu o recurso e determinou o desentranhamento do referido requerimento, em virtude de apenas ter sido liquidada a multa, tendo ficado em falta, por lapso, o pagamento da taxa de justiça devida.

5. A Recorrente, não se conformando com tal despacho, reclamou para a Conferência, ao abrigo do disposto no art° 652° nº 3 do CPC, que confirmou o referido despacho.

6. É a todos os títulos evidente que, ao invés do sustentado no aludido Despacho, o requerimento de nulidade apresentado pelo Recorrente deve ser admitido;

7. Em primeiro lugar, porque a ora Recorrente efetuou o pagamento de €102,00 a título de multa, ou seja, quatro vezes mais do que a taxa de justiça (€25,50), e a referida quantia não lhe foi devolvida, não se podendo configurar a atuação da Recorrente, portanto, como uma falta de pagamento (cfr. número 2 do artigo 145.° do CPC);

8. Em segundo lugar, porque o Despacho se baseia em norma inaplicável (o artigo 642.° do CPC), visto que não está em causa qualquer requerimento de recurso, não tendo aplicado o artigo 570.° do CPC, norma aplicável de acordo com a Lei (art. 145°, n.º 3, do CPC) e com a Jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores.

9. Em terceiro lugar, porque ainda que se entendesse que a norma aplicável ao caso concreto seria a do artigo 642.° do CPC, a sua previsão nem sequer se encontraria preenchida, pelo que nunca poderia ter sido ordenado o desentranhamento da reclamação apresentada.

10. Depois de ter sido notificada para o pagamento da taxa de justiça e respetiva multa, em 16.07.2016, a Recorrente efetuou o pagamento de €102,00, apenas relativo à multa, não tendo pago o valor da taxa de justiça (€25,50) por manifesto lapso.

11. Face ao pagamento efetuado é por demais evidente o seu interesse em ver julgado o incidente de nulidade insanável da reclamação de conta.

12. Em aplicação do artigo 145.°, n.º 2 do CPC, os Tribunais têm entendido que caso o obrigado liquide taxa de justiça em quantia inferior à devida, e a quantia paga não seja devolvida ao depositante, não se pode considerar ter havido omissão do pagamento. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.06.2005, proc. n.º 0553153, relatado pelo Desembargador ORLANDO NASCIMENTO, disponível em www.dgsi.pt).

13. Atendendo a que a Recorrente depositou €102,00, ficou apenas em falta o pagamento de €25,50, sendo a quantia total devida de €127,50, pelo que, tendo a referida quantia (de €102,00) sido retida, deve entender-se que não houve falta de pagamento, devendo ter sido a Recorrente convidada a pagar os €25,50 restantes.

14. Ainda que se considerasse que o pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido, sem que tenha havido devolução do montante pago, equivaleria à falta de junção desse documento - o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder - a falta de junção deste documento comprovativo não implicaria a recusa da peça processual, exceto se estivéssemos perante uma petição inicial (cfr. número 3 do artigo 145º do CPC) ou um requerimento de recurso, que não é manifestamente o caso.

15. Não há dúvidas que o requerimento a suscitar a nulidade insanável do incidente de reclamação da conta de custas não constitui qualquer petição inicial, consequentemente ao referido requerimento são aplicáveis, as regras processuais referentes à omissão de pagamento da taxa de justiça relativa às restantes peças processuais, ou seja, às peças processuais que não sejam a petição inicial - é o que decorre claramente do artigo 145°, n.º 3, do CPC.

16. Uma vez que o requerimento em causa não constitui uma petição inicial, nem constitui um requerimento de recurso, caso em que se aplicariam as cominações previstas no artigo 642°, só lhe podem ser aplicáveis as cominações previstas no artigo 570° do CPC.

17. No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa determinou o desentranhamento do requerimento de nulidade por entender que estaria em causa um requerimento de recurso ou que seria aplicável ao caso o regime previsto no artigo 642°, para os requerimentos de recurso.

18. É evidente que o requerimento em causa não constitui um requerimento de recurso, nem lhe deve ser aplicado o regime previsto para os recursos:

19. Em primeiro lugar, no referido requerimento, a Recorrente não pediu qualquer revisão de uma anterior decisão, tendo apenas suscitado a nulidade insanável do incidente de reclamação de conta por falta da intervenção legalmente exigida do Ministério Público;

20. Em segundo lugar, a questão foi justamente suscitada pelo facto de o Acórdão da Relação ter formalmente qualificado o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça como um incidente de reclamação de conta: não pode este incidente tramitar na primeira instância em total incumprimento das disposições legais, nomeadamente, sem a intervenção de uma das partes no incidente.

21. Do próprio texto do Despacho do Relator decorre que não estamos perante um recurso, afirmando-se expressamente o seguinte: “Por estar em causa incidente anómalo, sujeito a tributação (art. 7º n.ºs 4 e 8 do RCP), a recorrente deveria ter demonstrado concomitantemente o pagamento da respectiva taxa de justiça (artigos 6º n° 1 e 7º n° 1 do RCP)”.

22. O Despacho reclamado enquadra o requerimento em causa no artigo 7°, nºs 4 e 8, do RCP e não no artigo 7°, nº 2 do RCP, relativo aos recursos.

23. Portanto, não se percebe como pode o Tribunal recorrido entender, ao mesmo tempo, que não estamos perante um recurso para efeito de tributação, mas que já estaríamos perante um recurso para aplicação do regime da omissão do pagamento da taxa de justiça.

24. Face ao valor da taxa de justiça notificado à Recorrente, também a secretaria do Venerando Tribunal a quo entendeu que não estamos perante qualquer recurso.

25. É, pois, totalmente inadmissível configurar o requerimento de nulidade como um requerimento de interposição de recurso, sujeito ao disposto no artigo 642º do CPC.

26. Em face do teor claro do artigo 145°, n.º 3, também a Jurisprudência distingue um regime específico de omissão de pagamento da taxa de justiça, quando estiver em causa uma petição inicial e um outro regime distinto, aplicável às restantes peças processuais.

27. Nas situações processuais em que não esteja em causa uma petição inicial, ao abrigo do disposto no número 3 do artigo 145.° do CPC, a parte obrigada deverá proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, e, se não o fizer, por iniciativa própria, nesse prazo de 10 dias, ficará sujeita à aplicação da cominação prevista no artigo 570.º do CPC.

28. É opinião dominante da nossa Jurisprudência, que a todas as situações não enquadráveis no âmbito de uma petição inicial (onde se inclui o requerimento a suscitar a nulidade, em causa nos presentes autos), haverá que aplicar o regime previsto para a contestação, que consta do artigo 570.° do CPC. (vidé, Ac. do TRL, de 21.12.2009 proc. n.º 542/08.0TBVFX-A.LI-6; Ac. do TRG, de 09.04.2013, proc. n.º 2010/12.6TBGMR-A.G1; Ac. do TRL, de 14.09.2010, Proc. n° 4054/09.6TCLRS¬A.L1-1; Ac. do TRL, de 26.11.2013, Proc. n° 89609112.5YPRT.LI-7; Ac. do TRL, de 30.11.2011, Proc. n° 164110.5 TTCLD.LI-4; Ac. do TRG, de 15.03.2016, Proc. n° 2185115.2T8GMR-D.G).

29. Assim, consubstanciando o requerimento a suscitar a nulidade apresentado uma realidade totalmente distinta de uma petição inicial e de um recurso, não se poderá pugnar pela aplicação do disposto no artigo 552.° e na alínea f) do artigo 558.° ou no artigo 642.°, todos do CPC, mas sim do artigo 570.° do CPC.

30. Com efeito, só depois de esgotadas as três notificações previstas no artigo 570.°, do CPC, sem que tenha sido efetuada a comprovação do pagamento da taxa de justiça e da multa, é que o tribunal poderá ordenar o desentranhamento da contestação (ou, na verdade, de qualquer peça processual que se lhe equivalha) - cfr. número 6 do artigo 570.° do CPC.

31. Em face do exposto, caso a Recorrente não tivesse pago qualquer taxa de justiça, a secretaria deveria ter notificado, uma vez mais, a ora Recorrente, para efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta - o que não sucedeu no caso concreto.

32. Acresce que a nulidade suscitada é de conhecimento oficioso, sendo de um formalismo insuportável que o Tribunal se recuse, de forma definitiva, a conhecer de factos que pode e deve conhecer oficiosamente, com o argumento de que não foi pago um quinto da tributação devida, sem sequer dar a possibilidade à Recorrente de corrigir um lapso evidente.

33. Mesmo que a disposição legal aplicável não fosse a do artigo 570.° do CPC, mas a prevista no artigo 642.° do mesmo Diploma - o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder -, ainda assim o disposto no número 2 do artigo 642.° o CPC não se encontraria preenchido, pelo que nunca haveria fundamento para ordenar o desentranhamento da reclamação apresentada;

34. Na verdade, a mencionada norma aplica-se à falta de pagamento da taxa de justiça devida, e, cumulativamente, da multa aplicada; e, conforme ficou demonstrado, a ora Recorrente procedeu ao pagamento da multa no prazo indicado para tal, não tendo apenas pago a taxa de justiça devida, pelo que nunca estaria verificada a previsão do nº 2 do artigo 642.° do CPC.

Termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se ao tribunal recorrido que tome conhecimento da arguida nulidade.

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Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

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É questão a conhecer:

- Ilegalidade do acórdão recorrido por ter determinado o desentranhamento do requerimento de arguição de nulidade.

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Plano Factual

Dão-se aqui por reproduzidas, na parte interessante ao recurso, as incidências fáctico-processuais acima descritas.

Plano Jurídico-conclusivo

Tendo a Autora suscitado junto do Tribunal ora recorrido (Relação de Lisboa) o incidente de arguição de nulidade processual (falta de intervenção do Ministério Público), havia sem dúvida lugar ao pagamento da competente taxa de justiça (entre outros, v. art.s 530º, nº 1 do CPCivil e 7º, nº 3 do RCP), a fazer até ao momento da prática do ato (nº 1 do art. 14º do RCP; nº 1 do art. 145º do CPCivil). Pagamento esse que a Autora não fez, e daqui que também não procedeu, nomeadamente dentro dos 10 dias subsequentes à prática do ato, à junção do respetivo documento comprovativo. De resto, nada disto é controverso ou posto em causa pela Recorrente.

Assim, ficou a Autora incursa na cominação, remissivamente aplicável, por força do nº 3 do art. 145º do CPCivil.

O tribunal recorrido fez aplicar ao caso o disposto no art. 642º do CPCivil.

E como a Autora, apesar de notificada para tanto, não efetuou, no prazo legal de 10 dias, o pagamento omitido (ainda que tenha pago a multa acrescida), o tribunal determinou o desentranhamento do requerimento de arguição da nulidade.

A Recorrente sustenta que, ao invés, havia de ter sido aplicado o art. 570º do CPCivil, e daqui que ainda devia ter sido convidada (e não foi) pelo juiz a proceder ao pagamento em falta, e somente no caso de não o fazer é que poderia haver lugar ao desentranhamento do requerimento.

Na nossa perspetiva carece de razão.

É certo que não estamos perante um caso de falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de alegação de recurso, e daqui que o art. 642º não seria diretamente aplicável. Mas também não estamos perante um caso de falta de pagamento da taxa de justiça devida pela falta de contestação, e daqui que, de igual forma, o art. 570º do CPCivil não seria diretamente aplicável. Porém, como é óbvio, do que se trata é da aplicação destas normas por via remissiva do nº 3 do art. 145º. Qual delas se aplica?

A aplicação do nº 5 do art. 570º do CPCivil ao caso vertente teria lógica se estivéssemos perante um incidente fundado na apresentação de um articulado propriamente dito (por exemplo, um articulado no contexto de uma intervenção principal). Mas não estamos. Naquela hipótese, que se reporta à introdução ou renovação nos autos de uma pretensão de mérito ou de uma oposição a essa pretensão, compreender-se-ia, dada a sua natureza de verdadeiro articulado, o convite do juiz previsto em tal norma, à semelhança do que sucede com o articulado contestação. Prevalecem aí basicamente as mesmas razões. Já num caso como o vertente, do que se trata é de uma simples arguição de nulidade processual, relativamente à qual o reforço da oportunidade (que seria a terceira oportunidade) para pagar a taxa de justiça não pode ser tida como apresentando a mesma relevância. Vistas as coisas assim, como nos parece que devem ser vistas, então é a disciplina (repete-se: por remissão) do art. 642º que deve ser adotada, não se justificando que depois de ter sido já notificada pela secretaria para pagar a taxa de justiça, a Autora ainda tenha que beneficiar de um convite adicional do juiz para a mesma finalidade. Aliás, mal se compreenderia que a solução da lei para a falta persistente (após notificação da secretaria) de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da alegação de recurso seja o desentranhamento da alegação (nº 2 do art. 642º), e no caso de um simples requerimento tendente a arguir uma nulidade processual devesse haver lugar a um convite adicional do juiz.

Donde, nada há a censurar à decisão recorrida ao ter determinado o desentranhamento do requerimento em causa.

Resta dizer que, contrariamente ao que sugere a Recorrente, quer a circunstância da taxa de justiça ter deixado de ser paga devido a lapso da Autora (e não duvidamos que assim foi, visto que pagou a multa), quer a circunstância da taxa ser de baixo valor (e efetivamente é de baixo valor), quer a circunstância da multa não lhe ter sido devolvida e representar certa de quatro vezes mais que o valor da taxa de justiça (neste concreto particular confessamos que não logramos inteligir a lógica da argumentação), ou ainda a circunstância de, posteriormente, ter sido paga a taxa (e está comprovado que tal pagamento aconteceu), nada disto tudo contende com a bondade da decisão recorrida. Pois que o que é certo é que o pagamento omitido (e o pagamento omitido era o da taxa de justiça, constituindo a multa simplesmente um acréscimo que vale como penalização) havia de ter sido feito dentro do prazo de 10 dias após notificação para tanto, e não foi. A partir daqui o tribunal só tinha que aplicar a lei, e esta, como se julga ter demonstrado, obrigava ao desentranhamento do requerimento.

Termos em que improcede o recurso sob apreciação.

IV - QUANTO À PRIMEIRA REVISTA

São as seguintes as conclusões que a Recorrente extrai da sua alegação  (transcrevem-se apenas a que têm interesse para o presente recurso; as conclusões I a XIV referem-se aos fundamentos da admissibilidade do recurso, assunto que está ultrapassado pela positiva):

XV. Em face da qualificação do pedido de dispensa de remanescente como um incidente de reclamação de conta, verifica-se a nulidade processual prevista no artigo 194° do C.P.C. (“Falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória”), a qual é de conhecimento oficioso e pode ser arguida em qualquer estado do processo (artigos 196° e 200°, n.º 1, do C.P.C.).

XVI. Resulta dos autos que o M.P. não teve qualquer intervenção, não tendo sido “tido nem achado”, no incidente de reclamação, em clara violação do artigo 31°, nº 4, do RCP.

XVII. Nos termos dos artigos 194° e 196° do C.P.C., “a falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parle acessória” constitui uma nulidade, de que “pode o tribunal conhecer oficiosamente”, e não há dúvida de que a intervenção obrigatória do M.P. no incidente de reclamação de custas (art. 31° do RCP) consubstancia uma intervenção acessória.

XVIII. Do confronto entre os poderes do M.P. no incidente de reclamação da conta de custas (art. 31° do RCP) e a norma do CPC que dispõe sobre a intervenção acessória do M.P. (art. 325°) resulta sem margem para dúvidas, que a Lei prevê a intervenção do MP., no incidente de reclamação da conta de custas, como interveniente acessório, na qual se insere o poder do MP de emitir parecer sobre a reclamação.

XIX. A referida nulidade não foi até hoje sanada: até hoje, o M.P. não se pronunciou sobre o requerimento da Recorrente de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça - sobre a “reclamação da conta de custas”.

XX. Esta nulidade também nunca poderia ser sanada após a decisão do incidente de conta pela Mmª Juiz de 1ª instância, visto que a intervenção do M.P. prevista no artigo 31°, n° 4, visa justamente enformar e conformar essa decisão e só por absurdo se poderia considerar que o M.P. poderia agora enformar e conformar decisões passadas.

XXI. Além de ser de conhecimento oficioso (artigo 196° do CPC), a referida nulidade pode ser arguida em qualquer estado do processo (artigo 200°, n.º 1, do CPC), arguição que a Recorrida desde já efetua.

XXII. A nulidade alegada não se refere ao incumprimento de uma mera formalidade, antes pode ter tido influência decisiva, na decisão da Mmª Juiz da 1ª instância de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

XXIII. No seu Parecer, o M.P. poderia ter defendido que se justificaria a dispensa do remanescente ou uma redução proporcional (como, aliás, se reconhece na pág. 16, início do 2° parágrafo do acórdão recorrido) e que o Tribunal mantinha todos os poderes para assim decidir, o que seria tanto mais possível e até provável, quando, como se reconhece no douto acórdão recorrido (início da pág. 12), nesse caso, o M.P. se limitaria a adotar e seguir inúmera jurisprudência da Relação de Lisboa e de outras Relações.

XXIV. Muito provavelmente, um tal Parecer seria acolhido pela Mmª Juiz de 1ª instância.

XXV. Até pelo valor exorbitante que está em causa, a Recorrente tem direito a que esse incidente siga a tramitação legal, nomeadamente, tem o direito a ver a sua reclamação apreciada pelo M.P., conforme exigido pela Lei.

XXVI. A nulidade arguida assume relevo material e efetivo e decorre de forma evidente da Lei (artigos 31°, n.º 4, do RCP, 194°, n.º 1, 196° e 200°, n.º 1, do C.P.C).

XXVII. Deve, assim, o Tribunal conhecer e dar como verificada a nulidade por falta de intervenção do M.P. no incidente de reclamação da conta de custas, nos termos dos arts. 31°, n.º 4, do RCP, 194°, n.º 1, 196° e 200°, n.º 1, do C.P.C., e, com base nos artigos 194°, n° 2, e 195°, n.º 2, do CPC anular todo o incidente a partir do momento em que devia ter sido dada vista ou facultado o exame ao M.P., de modo a permitir que o “representante do (…) verdadeiro interessado em contradizer.” (STJ) seja chamado a intervir no incidente de reclamação de conta.

XXVIII. Não é minimamente aceitável que a propositura de uma ação declarativa simples, com uma audiência de julgamento que durou menos de dia e meio (7h 30m, mais precisamente), determine a condenação da Recorrente, no pagamento de custas processuais que ascendem a 105 985,65 € ?(!)

XXIX. O Acórdão recorrido reconhece expressamente que a Justiça exigiria a dispensa ou pelo menos a redução das taxas de justiça remanescentes, mas amarrado a um conceitualismo e formalismo gritantes, conclui que “a associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes” impõe à Recorrente encargos com custas judiciais totais de 105.985,25€, num processo em que o sistema judicial seguramente ocupou bem menos de 100 horas (?!).

XXX. O acórdão recorrido sofre de uma nulidade por omissão de pronúncia, por não ter apreciado nem se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade do artigo 6°, nº 7, do RCP, por violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça, na interpretação de que o tribunal não pode nem deve apreciar a dispensa do remanescente após a notificação da conta, alegada na conclusão X do recurso de apelação.

XXXI. O artigo 6°, n.º 7, do RCP não tem qualquer elemento literal que permita concluir, com um mínimo de segurança, que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça alegadamente teria de ser efetuado antes do trânsito em julgado da decisão final e, portanto, o mais tardar, em sede de reforma da decisão final quanto a custas.

XXXII. A sentença ou acórdão finais só se pronunciam (só têm de se pronunciar) sobre a responsabilidade e repartição das custas entre as partes e só nessa medida formam caso julgado (art. 613°, nº 1, do CPC), não se pronunciam sobre o concreto montante das custas a suportar nem sobre a eventual dispensa (total ou parcial) do remanescente da taxa de justiça, conforme tem sido decidido em inúmeros acórdãos de tribunais superiores.

XXXIII. É só depois de concluída a lide, ou seja, depois do trânsito em julgado da decisão final, que haverá condições para decidir sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o pedido de reforma do acórdão quanto a custas pressupõe que o mesmo ainda não tenha transitado em julgado, enquanto o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça pressupõe o trânsito em julgado desse mesmo acórdão, conforme nota o Supremo Tribunal Administrativo.

XXXIV. Nos termos do acórdão fundamento e muitos outros acórdãos da Relação de Lisboa e de outras Relações, a única solução consentânea com o objetivo visado pelo n.º 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais de evitar a desproporcionalidade entre a taxa de justiça devida e a atividade jurisdicional concretamente desenvolvida no processo é a de permitir a apresentação do pedido e/ou a apreciação oficiosa da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça até ao termo do prazo para a reclamação da conta de custas.

XXXV. O entendimento vertido no acórdão recorrido transforma em atos verdadeiramente inúteis, atos que o legislador prevê para a salvaguarda do direito fundamental de acesso à justiça, restringindo a utilidade da reforma ou reclamação da conta à discussão de uns “tostões” de custas judiciais, não podendo estes mecanismos ser utilizados quando estão em causa mais de uma centena de milhares de € (sic) relativos ao remanescente da taxa de justiça.

XXXVI. Num processo em que se pede à Recorrente que pague cerca de 1 000 € por cada hora de trabalho do sistema de justiça, é evidente que não constitui sacrifício intolerável da economia processual, a reformulação da conta (em meia hora de trabalho), com a dispensa ou redução proporcional do remanescente da taxa de justiça.

XXXVII. O próprio acórdão recorrido reconhece que “o actual dispositivo legal aparenta falta de clareza” (1° parágrafo da pág. 15 do acórdão), visto que o artigo 6°, n° 7 não prevê qualquer prazo e muito menos um prazo preclusivo, e a insegurança jurídica sobre esta questão é total e grassa de Norte a Sul do País conforme resulta da citação de acórdãos de todos os Tribunais da Relação portugueses que decidiram em sentido contrário ao acórdão recorrido, pelo que o argumento da segurança jurídica com que aí se defende a decisão é pura e simplesmente um argumento vazio.

XXXVIII. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente apresentado pela ora Recorrente quando ainda estava a decorrer o prazo para a reclamação da conta de custas, tendo interpretado e aplicado erradamente o artigo 6.°, n.º 7, e o artigo 31.°, n.ºs 1 a 3, todos do Regulamento das Custas Processuais.

XXXIX. O erro central do acórdão recorrido é que entende que o artigo 6°, nº 7, do RCP prevê um ónus das partes e, quando muito, um simples poder do Juiz, contrariando a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que em recente Acórdão de 12 12 2013, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego (proc. nº 1319/12) considerou que o artigo 6°, nº 7, do RCP prevê um verdadeiro poder-dever do Juiz, que deve apreciar oficiosamente a dispensa do remanescente.

XL. Estando em causa o exercício de um poder-dever do Juiz, é evidente que o Juiz não só pode como deve exercer este poder, sempre que entender que a situação concreta o justifica, pelo que é absolutamente inaceitável que o acórdão recorrido apesar de reconhecer que “se justificaria (…), se não a dispensa total, pelo menos a redução das taxas de justiça”, se exima a exercer o seu poder-dever de fazer Justiça, com o argumento de que as partes não o teriam requerido.

XLI. Prevendo o artigo 6°, nº 7, da RCP um poder-dever do Juiz, como entende o STJ, menos ainda se compreende que o acórdão recorrido justifique esta tributação exorbitante a que submete a Recorrente com a “associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes”, uma vez que a Lei não admite o incumprimento de um poder-dever do Juiz, por “inércia desatenta do lado do julgador”.

XLII. Estando em causa “o exercício do poder-dever conferido ao juiz pelo nº 7 do art. 6º do RCP (Acórdão do STJ de 12. 12.2013), é óbvio que a dispensa não carece de ser suscitada pelas partes (e muito menos, com prazo preclusivo) e que o Juiz deve conhecer a questão, em qualquer estado do processo, nomeadamente depois de a mesma lhe ter sido apresentada pela Recorrente.

XLIII. Em conformidade com a interpretação do STJ de que o artigo 6°, nº 7, prevê um “poder-dever conferido ao juiz”, deve admitir-se a possibilidade de o Tribunal apreciar e decidir a questão, após a notificação da conta de custas.

XLIV. Assim, o acórdão recorrido errou ao considerar que o artigo 6°, nº 7, do RCP prevê um ónus das partes ou um simples poder do Tribunal e não um poder-dever de apreciação oficiosa da dispensa do remanescente, tendo interpretado e aplicado erradamente o artigo 6.°, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

XLV. E seria absolutamente inaceitável se viesse agora “ficcionar-se”, contra todas as evidências e contra o afirmado no próprio acórdão recorrido, que o Juiz, na decisão final do processo, se teria pronunciado sobre a dispensa do remanescente, visto que na decisão final do processo, o Juiz decidiu apenas o seguinte em matéria de custas: “Custas pela A. Recorrente”; é evidente à luz desta decisão, que o Juiz nada decidiu nem apreciou, quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

XLVI. O Tribunal considerou que “se justificaria, se assim as partes o tivessem requerido, se não a dispensa total, pelo menos a redução das taxas de justiça incidentes sobre o valor superior a € 275 000” pelo que prevendo o artigo 6°, nº 7 um poder-dever do Juiz, este não pode justificar o não exercício desse poder-dever com o facto de a Recorrente não o ter requerido.

XLVII. Assim sendo, o acórdão recorrido sofre da nulidade prevista no artigo 615°, nº 1, alínea d), uma vez que o Tribunal deixou de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, nulidade que o Tribunal pode e deve suprir (artigo 613°, nº 2), tornando efetiva a solução que lhe parece mais justa (a decisão que “se justificaria”), conforme expressamente reconhece o acórdão recorrido (pág. 16, 2° parágrafo).

XLVIII. A omissão pela secretaria da notificação prevista no artigo 14°, nº 9, do RCP - omissão que determinou uma nulidade reconhecida pela Mmª Juiz de 1ª instância -, a qual só deve ser efetuada “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6º” levou a A. e ora Recorrente a concluir o inevitável, ou seja, que a Mmª Juiz tinha dispensado o remanescente.

XLIX. Caso tivesse verificado, pelo Citius, a ocorrência daquela notificação, a Recorrente teria de imediato pedido a dispensa de pagamento do remanescente, e tê-lo-ia feito tempestivamente, à luz do prazo estabelecido no próprio acórdão recorrido, só não o fez porque aquela notificação nunca teve lugar, o que no entendimento do próprio tribunal de 1ª instância consubstancia uma nulidade processual, que objetivamente gerou a convicção da Recorrente de que fora dispensado o remanescente.

L. Tendo sido praticada uma nulidade processual que objetivamente contribuiu para a convicção da Recorrente de que fora dispensado o remanescente e, como tal, para que não tivesse suscitado a dispensa do pagamento do remanescente antes da elaboração da conta, sempre teria de admitir-se que a Recorrente pudesse suscitar a questão, após a notificação da conta.

LI. O acórdão recorrido está viciado por várias inconstitucionalidades, incompreensíveis em face da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional que exige que as custas judiciais, enquanto taxas, tenham um mínimo de correspetividade com o serviço de justiça prestado, não podendo assumir um carácter de tal forma desproporcionado, que ponha em causa o direito de acesso à Justiça.

LII. A interpretação normativa conjugada dos artigos 6.°, nºs 1, 2 e 7, 31.°, nºs 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616°, n° 1, 149°, nº 1., 666°, nº 1, e 685° do CPC que se efetua no acórdão recorrido, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer o poder de apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas é claramente inconstitucional:

- por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.);

- por violação do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.°, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), ao permitir a criação de um imposto não previsto na Lei, e

- por violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa), visto que torna impossível uma plena consideração e ponderação das especificidades próprias de cada caso ou situação processual.

LIII. A interpretação normativa conjugada dos artigos 6.°, n.ºs 1, 2 e 7, 31.°, n.º 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616°, nº 1, 149°, nº 1., 666°, nº 1, e 685° do CPC que se efetua no acórdão recorrido, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer o poder de apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após o prazo para reforma da decisão do processo em matéria de custas é claramente inconstitucional:

- por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.);

- por violação do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.°, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), ao permitir a criação de um imposto não previsto na Lei, e

- por violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa), visto que torna impossível uma plena consideração e ponderação das especificidades próprias de cada caso ou situação processual.

LIV. A interpretação normativa conjugada dos artigos 6.°, nºs 1, 2 e 7, 31.°, nºs 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616°, nº 1,149°, nº 1., 666°, nº 1, e 685° do CPC que se efetua no acórdão recorrido, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer o poder de apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas e, portanto, após o prazo para reforma da decisão do processo em matéria de custas é claramente inconstitucional:

- por violação do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.);

- por violação do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.°, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), ao permitir a criação de um imposto não previsto na Lei, e

- por violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa), visto que torna impossível uma plena consideração e ponderação das especificidades próprias de cada caso ou situação processual.

LV. É materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.), a interpretação dos artigos 6°, nºs 1, 2 e 7, 31°, nºs 1 e 3, e Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, que se efetua no acórdão recorrido, segundo a qual numa ação de condenação por incumprimento de um contrato-promessa, sem especial complexidade, o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, com o efeito de fazer ascender a conta de custas processuais a € 105 985,25.

LVI. As custas processuais na presente ação superam os 105.000 €, quantia que se afigura inteiramente desajustada face à realidade do processo, à complexidade do mesmo e à conduta processual assumida pelas partes, constituindo um valor manifestamente excessivo para a atividade jurisdicional desenvolvida.

LVII. A “especificidade da situação”, nomeadamente, a ausência de especial “complexidade da causa” e a “conduta processual” da Recorrente (art. 530°, n° 7, CPC) justificam a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

LVIII.O que estava em causa na presente ação eram questões de facto simples, aliadas a questões elementares de direito das obrigações: o cumprimento de um (e só um) contrato-promessa de compra e venda de um lote de terreno, contrato relativamente simples, com 6 considerandos e quinze cláusulas.

LIX. A produção de prova foi muito simples, restringindo-se à prova documental e testemunhal, tendo a inquirição de testemunhas ocupado menos de 8 horas no total.

LX. Na ação figuram apenas um A. e um R., não estando em causa, portanto, uma ação com pluralidade de partes e em que o tribunal tivesse de dirimir múltiplas pretensões, de diversas partes.

LXI. O processo é relativamente pequeno, sendo composto, no total, por seis volumes apenas e os articulados são relativamente simples.

LXII. A conduta processual das partes e nomeadamente da A. ora Recorrente também justifica a dispensa de pagamento do remanescente, tendo a Recorrente na prática renunciado ao segundo pedido (de responsabilidade pré-contratual da Ré), o que encurtou substancialmente a audiência de julgamento e levou a que a Recorrente nem sequer interpusesse recurso subordinado da decisão da primeira instância, na parte em que considerou este pedido improcedente, conforme se pode constatar certidão junto aos autos.

LXIII. Resulta dos autos que a pretensão da A. era pelo menos razoável, tendo as instâncias dado respostas diferentes a essa pretensão: a primeira instância julgou a ação em sentido favorável à ora Recorrente; o Tribunal da Relação julgou a ação em sentido parcialmente favorável à ora Recorrente, tendo condenado a Ré a restituir-lhe o sinal em singelo.

LXIV. As partes sempre promoveram o andamento célere dos autos - evitando quaisquer expedientes dilatórios, designadamente, não recorrendo a quaisquer incidentes anómalos - pretendendo apenas obter uma justa composição do litígio, o que, certamente contribuiu para que o presente processo fosse definitivamente decido no curtíssimo prazo de 3 anos.

LXV. No caso concreto, estão reunidos (de forma absolutamente evidente) os pressupostos previstos no nº 7 do artigo 6.° do RCP para que seja concedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, caso assim não se entenda, pelo menos a redução proporcional da mesma.

Termina dizendo que deve este Tribunal:

- Conhecer da nulidade insanável decorrente de o incidente de reclamação da conta ter decorrido à total revelia da parte acessória M.P. e, em consequência, anular o incidente a partir do momento em que a reclamação da Recorrente devia ter sido notificada ao M.P. para este dar o seu Parecer, ou caso assim não se entenda

- Julgar procedente a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 615°, nº 1, alínea d), do CPC), ao não ter apreciado nem se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade do artigo 6°, nºs 1, 2 e 7, 31°, nºs 1 e 3, e Tabela I anexa ao RCP, na interpretação segundo a qual o tribunal não pode nem deve apreciar a dispensa do remanescente após a notificação da conta, por violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça, e decidir esta questão, julgando as referidas normas inconstitucionais e, em consequência, dispensando a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou reduzindo proporcionalmente esse pagamento; caso assim não se entenda,

- Julgar procedente a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 615°, nº 1, alínea d), do CPC), ao recusar o exercício do poder- dever previsto no art. 6°, nº 7, do RCP, não apreciando nem se pronunciando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e decidir esta questão, dispensando a Recorrente de efetuar o referido pagamento ou reduzindo proporcionalmente o montante a pagar; caso assim não se entenda,

- Julgar procedente a presente revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido e substituí-lo por decisão que dispense ou reduza proporcionalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 6°, n° 7, do RCP).

                                                           +

Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade processual por omissão de vista ao Ministério Público.

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

- Admissibilidade legal do requerimento a suscitar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente o momento em que o foi.

- Inconstitucionalidades da lei, quando interpretada no sentido adotado pelo tribunal recorrido.

Plano Factual

Dão-se aqui por reproduzidas, na parte interessante ao recurso em apreciação, as incidências fáctico-processuais acima descritas.

Mais estão provados os seguintes factos processuais, tal como descritos no acórdão recorrido:

1. A petição inicial contém 284 artigos, ocupa 64 páginas e é acompanhada por 61 documentos.

2. A contestação e a reconvenção têm 148 artigos, ocupam 51 páginas e são acompanhadas de seis documentos.

3. A réplica tem 96 artigos e 18 páginas.

4. Houve tréplica (não documentada nestes autos de recurso, mas mencionada no relatório da sentença).

5. Em 01.10.2012 realizou-se audiência preliminar, na qual, a pedido das partes, se decidiu suspender o processo por 20 dias, com vista à realização de acordo.

6. Em 11.3.2013 foi dispensada nova sessão de audiência preliminar, proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto assente (30 alíneas) e matéria de facto controvertida (40 artigos).

7. A A. reclamou da seleção da matéria de facto (não documentada nestes autos de recurso), parcialmente deferida por despacho proferido em 18.4.2013, aditando-se à matéria assente mais 4 alíneas.

8. Procedeu-se a audiência de discussão de julgamento, ao longo de sessões realizadas em 12.9.2013 (todo o dia, ouvindo-se 8 testemunhas), 26.9.2013 (da parte da tarde, durante uma hora e quarenta e cinco minutos, inquirindo-se duas testemunhas) e 10.10.2013 (para alegações, durante cerca de hora e meia).

9. Em 06.11.2013 foi proferida sentença, de 31 páginas.

10. A apelação, com 45 páginas e 14 conclusões, incluiu impugnação da decisão da matéria de facto, incidindo sobre prova testemunhal e documental, atinente a 9 factos, e ainda sobre matéria de direito.

11. As contra-alegações da A. têm 39 páginas.

12. A apelante deduziu incidente de prestação de caução, que foi deferido, a fim de ser atribuído efeito suspensivo ao recurso.

13. O acórdão da Relação de Lisboa, que se ocupou de todas as questões suscitadas na apelação, tem 41 páginas.

14. A revista da A. tem 67 páginas e 41 conclusões.

15. A revista, subordinada, da R., tem 19 páginas e 12 conclusões.

16. As contra-alegações da A. respeitantes à revista da R. têm 43 páginas.

17. A A. fez juntar aos autos, perante o STJ, um parecer de um ilustre jurisconsulto (não documentado nestes autos de recurso, mas mencionado no relatório do acórdão do STJ).

18. O acórdão do STJ, que apreciou as duas revistas, tem 25 páginas.

19. Em 05.3.2015, em acórdão que ocupa 2 páginas, o STJ, em conferência, indeferiu arguição de nulidade, requerimento de reforma do acórdão e pedido subsidiário de revogação da decisão de responsabilização da A. com a perda de sinal, formulados pela A. (requerimento que não está documentado nestes autos de recurso).

20. O processo principal tem mais de 1500 páginas.

Plano Jurídico-conclusivo

Quanto à matéria das conclusões XV a XXVII:

Nestas conclusões a Recorrente retoma o assunto da não intervenção do Ministério Público no processo como parte acessória. Segundo diz, como o processo não foi com vista ao Ministério Público para se pronunciar sobre o “incidente de reclamação da conta de custas” (como tal qualificado pelo acórdão recorrido, segundo também afirma), foi cometida uma nulidade processual (omissão da formalidade do nº 4 do art. 31º do RCP), invocável em qualquer estado do processo. Nulidade que, mais sustenta, implica a anulação dos termos processuais subsequentes à “reclamação da conta”.

Mas é óbvio que não tem razão.

É verdade que o acórdão recorrido se reporta aqui e acolá à pretensão da Autora tendente à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça como se se tratasse de uma reclamação contra a conta (“A A., notificada da conta, dela reclamou…”, “…a reclamação da conta não é o momento adequado para as partes peticionarem a dispensa do remanescente da taxa de justiça…” etc.), mas isso nada tem de relevante, não tem a virtualidade de transmudar a pretensão efetivamente deduzida numa reclamação contra a conta que pura e simplesmente não existiu. Pois que o que é verdade é que o requerimento que a Autora apresentou teve como finalidade clara, expressa e única a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente (como a Recorrente reconhece no ponto 45 do corpo da sua alegação), e não reclamar contra a conta. A reclamação da conta pressuporia a acusação de que esta estava mal feita (por estar em desacordo com as disposições legais, violar o decidido quanto a custas, ou por padecer de qualquer lapso de escrita ou de cálculo), e não foi em função de algum destes tópicos que a Autora requereu. Como se diz no acórdão de 13 de Julho de 2017 deste Supremo Tribunal (processo nº 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, relator Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt) “o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil - instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática)”.

Sendo assim, como claramente é, então carece de qualquer fundamento a afirmação de que foi violado o art. 31º, nº 4 do RCP, norma que, pois, nada tem a ver com o que se discute. E, a partir daqui, carece igualmente de fundamento ou pertinência a pretensa nulidade processual decorrente da falta de vista do Ministério Público.

O que significa que improcedem as conclusões em destaque.

Sempre se acrescentará (com o esclarecimento de que se trata de assunto que não consta das conclusões, logo não faz sequer parte do objeto do recurso, mas que poderia porventura ser visto como de conhecimento oficioso) que mesmo na perspetiva do que está efetivamente em causa - e que é o pedido de dispensa de pagamento da taxa remanescente e não qualquer reclamação da conta - nenhuma nulidade se colocaria. É que em sítio algum (nomeadamente no CPCivil, no RCP ou no Estatuto do Ministério Público) a lei exige que as decisões dos juízes em matéria de custas sejam obrigatoriamente precedidas da audição do Ministério Público, designadamente no que tange à decisão a proferir no contexto do nº 7 do art. 6º do RCP. A única exceção é a que decorre do nº 4 do art. 31º do RCP (norma que, aliás, seria inútil se acaso a audição do Ministério Público constituísse, à partida, uma obrigação legal geral). Claro que se o juiz entender ouvir o Ministério Público antes de decidir nos termos e para os efeitos do nº 7 do art. 6º do RCP (sobretudo naqueles casos em que existe um requerimento das partes tendente à dispensa do pagamento da taxa remanescente), nenhum mal daí virá ao mundo (muito pelo contrário). Mas isto é muito diferente de haver uma obrigação legal de audição. De resto, dentro da lógica do que foi decidido na 1ª instância (e mantido no tribunal ora recorrido) nenhuma audição do Ministério Público faria sentido para se pronunciar acerca do mérito da pretensão da Autora (e era para isto que a Autora queria a audição do Ministério Público: v., a propósito, o que se diz nas conclusões XXIII e XXIV), pela simples e óbvia razão de que o requerimento foi liminarmente rejeitado por ter sido havido como extemporâneo.

Quanto à matéria das conclusões XLVI e XLVII:

Nestas conclusões argui-se a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia. Isto porque, diz a Recorrente, o acórdão reconheceu que se justificaria (se tal tivesse sido requerido atempadamente) pelo menos a redução da taxa de justiça, mas omitiu o poder-dever de assim agir (reduzir a taxa).

É verdade que o acórdão recorrido não deixa de reconhecer que a taxa de justiça remanescente mereceria pelo menos uma redução, porém menos verdade não é que entendeu que essa redução pressuporia um requerimento atempado da parte, e isso não sucedeu. E foi em função deste juízo que entendeu que não havia que reduzir a taxa. Como se vê, do que se trata é de um posicionamento decisório (acertado ou não acertado, não importa) do acórdão, e não de qualquer omissão de pronunciamento. Ora, como tem sido reiteradamente afirmado na doutrina e na jurisprudência, não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento. As primeiras (error in procedendo) são vícios intrínsecos (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

Donde, improcede a alegada arguição de nulidade do acórdão recorrido.

Com o que improcedem as conclusões em destaque.

Quanto á matéria da conclusão XXX:

Nesta conclusão a Recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido, acusando-o de não se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade (suscitada na conclusão X da apelação) do nº 7 do art. 6º do RCP, quando interpretado n o sentido de que o tribunal não pode nem deve apreciar a dispensa do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta.

Mas cremos que carece de razão.

Poderá porventura entender-se que o acórdão não é particularmente explícito nesta parte, mas consegue-se perceber do seu contexto ou da sua economia que se entendeu que uma tal inconstitucionalidade não existia. Do que se mostra escrito nas respetivas páginas 14 e 15 decorre que se ajuizou que tal norma só poderia (por inconstitucionalidade) deixar de ser aplicada diretamente (sem sujeição pois a um requerimento da parte apresentado até à notificação da conta) se acaso ocorresse uma situação de “manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio (…), em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito”. Situação esta que, segundo o acórdão, não se verificava no caso vertente.

Como assim, não pode dizer-se que o acórdão recorrido deixou de emitir o seu pronunciamento sobre a questão da inconstitucionalidade. Pelo contrário, não deixou de o fazer, e no sentido da inexistência da apontada inconstitucionalidade com referência ao caso concreto. Também aqui, se tal pronunciamento é ou não acertado é assunto que exorbita a temática das nulidades de decisão.

Improcede pois a conclusão em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XXVIII, XXIX, XXXI a XLV, e XLVIII a LXV:

Nestas conclusões sustenta a Recorrente que nada impedia legalmente que o seu requerimento tendente à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente fosse apresentado no momento em que o foi, e, como tal, apreciado. Mais sustenta que outra qualquer interpretação da lei, e que leve à denegação dessa possibilidade, será inconstitucional, por violação dos vários princípios constitucionais que especifica.

Vejamos:

No que tange particularmente ao que se diz nas conclusões XLVIII, XLIX e L importa dizer que se trata de matéria (que em parte se resolve em meros subjetivismos da Recorrente) completamente irrelevante para o que se discute. Pois que, como se aponta no acórdão recorrido, a circunstância de não ter sido remetida oportunamente à Ré, vencedora na ação, a notificação prevista no nº 9 do art. 14º do RCP, não deu nem tirou direitos processuais à Autora, na certeza de que se tratava de notificação que visava salvaguardar interesses do Estado (ainda que, em última análise, seja à Autora que compete - por ser a parte condenada em custas e por via da reclamação de custas de parte por banda da Ré - arcar com o pagamento da taxa de justiça; porém, da forma como a Recorrente coloca a questão, não é isso que está aqui em causa, mas sim a “falta de alerta” que tal omissão de notificação supostamente implicou para a Autora).

No que se refere ao que se diz nas conclusões XXXI, XXXII e XXXIII, concordamos plenamente com a Recorrente (ainda que, verdade seja dita, haja quem entenda em sentido contrário: assim, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 5ª edição, p. 201 e o acórdão do STA de 20 de Outubro de 2015, proferido no processo nº 0468/15, disponível em www.dgsi.pt). Simplesmente, não foi pelas razões indicadas ali que o requerimento da Autora foi rejeitado, de sorte que não conseguimos inteligir a pertinência da temática aduzida nessas conclusões. Ainda assim, registe-se que na parte final da conclusão XXXIII a Recorrente claramente reconhece que após o trânsito em julgado da decisão final proferida no processo passou a estar em condições de requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Se assim é, certamente que podia ter requerido tempestivamente o que só extemporaneamente veio depois requerer.

Quanto ao mais versado nas conclusões em destaque:

Estabelece o art.º 6º, nº 7 do RCP, que “nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

A interpretação desta norma, no que tange especificamente ao momento até ao qual (termo final) a dispensa pode ser decidida (e requerida), não tem sido pacífica na jurisprudência das Relações. Assim, e para citar apenas dois exemplos, decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo nº 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt) que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá que ser formulada pela parte (caso o não tivesse feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas, pois que é isso que decorre da dita norma. Já para o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo nº 1586/08.7TCLRS-L2-7, disponível também em www.dgsi.pt), “o teor literal desta norma parece dar a ideia de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, salvo melhor opinião, não se veem razões para que assim seja. Na verdade, entendemos que o juiz melhor poderá decidir após a elaboração da conta, pois fica então a conhecer o valor exacto dos montantes em causa. (…). Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa”. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça cite-se o supra citado acórdão de 13 de Julho de 2017, que vai no sentido de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente não pode ser apresentado e deferido após a efetivação da conta de custas.

Ora, o teor literal do nº 7 do art. 6º do RCP aponta claramente para a bondade da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. E como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o nº 2 do art. 9º do CCivil, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”. E, de outro lado, diferente interpretação deste normativo levaria a sufragar a prática de atos (a feitura de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, até mesmo algum pagamento entretanto feito) que teriam depois que ser destruídos, logo estaríamos perante a prática de atos inúteis, quando o que é certo é que a lei os proíbe (v. art. 130º do CPCivil). Mais: outra interpretação levaria ao absurdo da dispensa do pagamento poder ser equacionada sem qualquer limitação temporal (não se argumente com o prazo para reclamar da conta, pois que não é disso que se trata, além de que o exercício da oficiosidade que existe nesta matéria sempre independeria de qualquer prazo), inclusivamente quando estivesse já a correr execução para pagamento da taxa de justiça a dispensar.

É certo, entretanto, que a aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade). Porém, o exercício de um poder-dever não significa um exercício que independa do enquadramento processual atinentemente estabelecido na lei. E a lei dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, estando apenas impedida (constitucionalmente) de estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo ou desproporcionada por via de obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma arbitrária o acesso à justiça. Tudo isto para significar que não é pela circunstância de estarmos aqui a lidar com um poder-dever, que o juiz está autorizado a determinar (mediante atuação oficiosa ou elicitado por requerimento da parte interessada) a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da feitura da conta, quando afinal a lei (nº 7 do art. 6º do RCP) mostra pretender que o exercício de tal poder-dever tenha lugar antes dessa conta. E ao juiz compete observar a lei (art. 3º, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais) e não violá-la.

De outro lado, convém desmistificar o argumento, a que se apega a Recorrente, de que somente depois da notificação da conta de custas é que pôde ter ciência de qual o remanescente a pagar e, consequentemente, somente a partir de então ficou em condições de requerer a dispensa desse pagamento. É que o montante devido a título de taxa de justiça remanescente está diretamente previsto na lei (art. 6º do RCP e Tabela I), resolvendo-se assim a sua determinação numa operação de caráter essencialmente jurídico. Donde, tratava-se de uma operação que estava à partida ao alcance imediato do juiz (para exercer o seu poder-dever de dispensa, se entendesse que a dispensa se justificava) e da Autora (para requerer o que tivesse por conveniente quanto á dispensa). É verdade que tal operação exige a feitura de umas contas elementares, mas não é por aqui que deixa de constituir uma operação essencialmente jurídica. De resto, também a determinação das taxas de justiça que a Autora pagou ao longo do processo exigiam a feitura de contas, e nem por isso esta deixou de as fazer, liquidando e pagando assim o que lhe competia liquidar e pagar. Deste modo, se a Autora entendia que devia haver lugar a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, então estava em plenas condições de requerer antes da conta final aquilo que somente depois da conta veio requerer. Da mesma forma que o juiz do processo estava em condições de saber qual era o montante da taxa remanescente, e se nada decidiu em contrário então só podemos concluir que foi porque entendeu que não se justificava a dispensa ou redução do pagamento.

Improcedem pois as conclusões em destaque (nomeadamente as conclusões XXXIV, XXXV e XXXVIII a XLV) na parte em que se reportam à admissibilidade processual de requerer e decidir sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça restante em momento posterior ao da conta final. O que é dizer, de nenhuma censura é passível o acórdão recorrido aí onde, confirmando a decisão da 1ª instância, considerou fora de oportunidade o requerimento apresentado pela Autora tendente à dispensa do pagamento ou a atuação oficiosa do juiz em igual sede.

Invoca a Recorrente (conclusões LI e seguintes), porém, várias inconstitucionalidades apontadas às diversas normas RCP que discrimina, quando interpretadas no sentido de conduzirem ao resultado sufragado pelo acórdão recorrido. Sustenta, nomeadamente, que, nessa interpretação, o nº 7 do art. 6º do RCP sempre deveria ter sido desaplicado.

Mas, a nosso ver, carece de razão.

Não suscita, por certo, dúvidas a ninguém que a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas (não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça). Também é certo - e seguindo aqui Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 183) - que a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam as pessoas de aceder à justiça, de sorte que as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio. Nesta medida, não é constitucionalmente admissível a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça. O estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumentasse diretamente e sem limite na proporção do valor da ação poderia levar ao rompimento da proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração de justiça prestado (deixando-se então de estar perante uma verdadeira taxa, para se passar para o domínio dos impostos) e consubstanciar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do art. 20º da Constituição, por inibitório do recurso dos interessados aos tribunais. Dentro desta perspetiva, pode ler-se do acórdão nº 421/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, que “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois (…) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”. Concordantemente com todo este enquadramento, e mostrando estar atento às supra aludidas exigências constitucionais, escreveu o legislador no preâmbulo do DL nº 34/2008 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais) que se impunha adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”. As cautelas emergentes de toda esta problemática foram concretamente consignadas no nº 7 do art. 6º do RCP, que estabelece precisamente que “Nas causas de valor não superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

De outro lado, e passando a seguir de novo Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 184), podemos dizer que o controlo de constitucionalidade do critério legal de determinação das custas deve igualmente tomar em consideração o princípio da igualdade. Dizem a propósito estes autores que “Assim, e embora não exista uma imposição de as custas serem de montante igual independentemente da natureza do processo, elas não podem ser arbitrariamente mais altas em determinados tipos de processos (…). [N]ão se afigura conforme ao princípio da igualdade uma solução que se consubstancie num aumento das custas judiciais pelo qual o cidadão médio fique, no mesmo tipo de acções, colocado numa posição acentuadamente desigual em relação ao acesso aos tribunais por confronto com os cidadãos de mais forte poder económico”.

Isto posto e passando agora ao concreto:

Sustenta a Recorrente (conclusões LI, LII, LIII e LIX) que a interpretação normativa conjugada dos artigos 6.°, nºs 1, 2 e 7, 31.°, nºs 1 e 3, e Tabela I Anexa do RCP, 616°, n° 1, 149°, nº 1, 666°, nº 1, e 685° do CPC, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer o poder de apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas , ou após o prazo o prazo para reforma da decisão do processo em matéria de custas, ou após a notificação da conta de custas, é inconstitucional por violadora do princípio da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva (artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, e 20°, nºs 1 e 2° da C.R.P.), do princípio da legalidade fiscal (artigo 103.°, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), ao permitir a criação de um imposto não previsto na Lei, e do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa), visto que torna impossível uma plena consideração e ponderação das especificidades próprias de cada caso ou situação processual.

Mas, quanto a nós, não é assim.

E as razões desta nossa discordância já acima estão afloradas. Tudo começa com o pressuposto, que consideramos irrefutável, de que a Autora e o tribunal estavam em perfeitas condições de conhecer o montante da taxa de justiça devida antes do processo ser contado, e em função desse conhecimento podia a dispensa do pagamento da taxa remanescente ser requerida e sopesada. A seguir, temos o pressuposto de que a Constituição não tolhe ao legislador ordinário o uso de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, estando apenas impedido de estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo ou desproporcionada por via de obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma arbitrária o acesso à justiça. No caso, a lei (nº 7 do art. 6º do RCP) deixa claramente aberta a possibilidade da taxa de justiça ser reconduzida ao dispêndio judiciário, garantindo assim a exclusão de uma intolerável desproporção entre uma coisa e outra. E aqui chegados, resta concluir da seguinte forma: desde que (como pressuposto) o juiz e as partes estão perfeitamente em condições de conhecer o montante da taxa de justiça antes do processo ser contado, segue-se que, ao pretender que aquela possibilidade só possa ter lugar até ao momento da conta final, a lei não está a estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo nem a impor obstáculos deletérios ou arbitrários ao acesso à justiça. O que a lei está a fazer é simplesmente regular, com vista ao bom encadeamento do iter processual, sobre o tempo próprio para a prática do ato que partes e tribunal podem praticar sem quaisquer obstáculos.

Daqui que a interpretação do nº 7 do art. 6º do RCP (e demais normas que a Recorrente cita) no sentido de que qualquer requerimento ou qualquer decisão sobre a dispensa da taxa remanescente só poderem ter lugar até à contagem final do processo, não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, do direito de acesso à justiça e do direito de tutela jurisdicional efetiva. Da mesma forma que (é apodítico em face do que fica exarado) não pode ver-se no caso qualquer violação do princípio da legalidade fiscal em função da criação de um imaginado imposto não previsto na lei, ou a violação do princípio da igualdade (de resto, o princípio da igualdade não tem sequer, no contexto em que nos movemos, o sentido que a Recorrente lhe empresta, mas sim, como acima se evidenciou na transcrição a que se procedeu, o de obrigar a que não exista uma diferenciação no montante das custas simplesmente em função da natureza do processo, e não é disto que aqui se trata).

Mais sustenta a Recorrente (conclusão LV) que é materialmente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, a interpretação dos artigos 6°, nºs 1, 2 e 7, 31°, nºs 1 e 3, e Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, segundo a qual numa ação de condenação por incumprimento de um contrato-promessa, sem especial complexidade, o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, com o efeito de fazer ascender a conta de custas processuais a €105 985,25.

Também neste concreto particular se nos afigura que está carecida de razão.

Desde logo, importa observar que a Recorrente, ao vir agitar com o valor de €105.985,25, apresenta as coisas de forma visivelmente enviesada. É que o que releva para o caso é apenas a adequação (proporcionalidade) do montante da sua taxa de justiça (€42.381,00, de que foram previamente pagos €4.080,00, remanescendo €38.301,00) aos serviços de justiça que fez mobilizar em benefício da sua pessoa. Daqui que não pode a Recorrente trazer à discussão a taxa de justiça devida por serviços prestados à pessoa da Ré (desconhecendo-se, inclusivamente, se esta pagou efetivamente a respetiva taxa remanescente apurada na conta e se a reclamou depois da Autora). É certo que, em ultima análise, a Autora, como parte que ficou condenada nas custas totais, poderá ter que reembolsar a Ré (a título de custas de parte) pela taxa de justiça que esta tiver efetivamente pago, mas isto não tem a virtualidade de transformar esse reembolso numa taxa de justiça por serviços prestados à pessoa da Autora e por esta devida ao sistema de justiça. Pelo contrário, se a Autora tiver que arcar com os custos da taxa de justiça imputada à Ré, tal sucede simplesmente a título de compensação do que à mesma Ré compete pagar pelos serviços de justiça que lhe foram prestados a ela própria, não à Autora. De resto, e concordantemente com tudo isto, a Autora, no requerimento onde veio pedir a dispensa do pagamento da taxa remanescente, apenas pretendeu a dispensa do pagamento de €38.301,00 (a sua taxa de justiça remanescente), e não também a dispensa da taxa de justiça devida pela Ré (dentro deste enquadramento, vem a propósito dizer que carece de validade o que se mostra exarado no ponto 238 do corpo da alegação do recurso). E, como é óbvio, muito menos interessa ao caso o pagamento que a Autora tenha de fazer à Ré a outro qualquer título, nomeadamente a título de honorários de mandatário da Ré. Enfim, tudo isto para significar que a Autora, ao falar no referido montante de €105.985,25, está a colocar as coisas fora do estrito contexto em que devem ser equacionadas.

Desmistificado este ponto, importa afirmar que o que se disse acima a propósito da refutação das demais inconstitucionalidades invocadas pela Recorrente vale também para a presente acusação de inconstitucionalidade, de sorte que inexiste a apontada inconstitucionalidade material.

Isto só não deveria ser assim, se acaso estivéssemos perante uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à Autora. Efetivamente, não repugna aceitar que em casos-limite a parte possa requerer e o juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final. Estes casos-limite deverão, porém, corresponder a situações de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada. Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado. Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será o último subsídio para o evitamento de graves injustiças.

Nesta perspetiva, julgamos que diz bem o acórdão recorrido quando observa que “decisão contrária à lei ordinária só se justificaria se (…) os valores cobrados (…) ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário (…): cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça (sem considerar a devida pela parte vencedora), em ação, com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor (TC 421/2013, de 15.7.2013); cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28.3.2007); cobrança de € 15 204,39 (sem consideração das custas das outras partes) de taxa de justiça pela mera interposição de recurso de decisão interlocutória por terceiro por ela afetado, em ação com o valor tributário de € 2 334 408,57”.

Este Supremo Tribunal de Justiça teve já oportunidade de abordar, no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 2017 (proferido no processo n.º 1105/13.3T2SNT.L1.S1, relator Júlio Gomes, inédito)[1], a questão de que estamos a falar (dispensa do pagamento da taxa remanescente quando exista uma desproporção gritante entre a taxa e o serviço prestado). Na espécie sobre que incidiu o acórdão estava em causa uma taxa de justiça de €92.029,50 imputada ao autor por um processo que não passou praticamente da sua liminaridade: os atos praticados reconduziram-se apenas à junção de uma petição inicial tendente a uma declaração de insolvência, à citação do devedor (que não deduziu oposição), a um despacho logo a seguir a ordenar a suspensão da instância e a um outro despacho proferido pouco depois (cerca de um mês) a determinar a extinção da instância. Face a uma tão flagrante desproporção entre a taxa de justiça a pagar e o serviço de justiça realizado, o tribunal entendeu que, apesar de formulado depois da conta final do processo, não podia deixar de ser atendido o pedido de dispensa da taxa remanescente, Ponderou-se, a propósito, o seguinte (sublinhados nossos):

«[A]figura-se que a questão do prazo deve ser resolvida atendendo à função do Juiz e à intervenção que ao mesmo é exigida pelo n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

Este preceito dispõe que “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e se o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como é sabido, o Tribunal Constitucional afirmou recentemente “a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo”, afirmação esta que, aliás, constitui, em rigor, uma reafirmação do que já fora dito em Acórdãos anteriores. Em conformidade, muito embora o Tribunal Constitucional tenha reconhecido não existir propriamente uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, destacou também que é necessário que “a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe”. O Tribunal Constitucional sublinhou ser esta matéria, dos critérios do cálculo da taxa de justiça, uma “zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (arts. 2.º e 18.º n.º2 da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de tal direito”.

É a esta luz que deve interpretar-se o n.º 7 do artigo 6.º do RCP: o mesmo consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar aquele equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade a que o Tribunal Constitucional se refere, entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.

Existe, pois, um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão. (…). Não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida – aliás reconhecida tanto pelo Acórdão recorrido, como pelo próprio Ministério Público nas suas contra-alegações – deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo.

Deste modo, consegue-se realizar a justiça material, face a uma questão em que a contraparte não sofre qualquer prejuízo, sendo certo que, nas palavras do Tribunal Constitucional, “a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado reclama, pois, (…) que se censure (…) o critério normativo que permitiu um tal resultado”.

Passando ao caso vertente, pergunta-se: existe alguma flagrante ou gritante desproporção entre a taxa de justiça imputada à Autora e os serviços de justiça que lhe foram dispensados, e que deva levar a um juízo como o que acaba de ser exposto?

Claro que não.

A Autora veio suscitar na sua petição inicial a resolução de um diferendo de significativa envergadura e importância, tal como manifestadas na expressão económica que o pedido representava (bem refletida, por sua vez, no valor que a própria Autora atribuiu à ação: €2.370.325,31). Os serviços de justiça foram mobilizados a favor da Autora durante mais de três anos, isto tanto no plano dos interesses discutidos na ação como no plano dos interesses discutidos na oposição que deduziu à reconvenção. Foram produzidos pela Autora articulados extensos (basta ver que só a petição inicial apresentava quase trezentos artigos). Tiveram que ser criados seis volumes processuais, que totalizavam mais de mil e quinhentas folhas. Foram realizadas quatro audiências (audiência preliminar e audiências de julgamento). Foram esgotados os recursos possíveis, tendo a Autora, inclusivamente, arguido a nulidade do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça e requerido a sua reforma. As questões jurídicas submetidas pela Autora à apreciação do tribunal (incumprimento de um contrato-promessa e responsabilidade pré-contratual) ou subjacentes à sua oposição à reconvenção nada tinham de simples e de expeditas. Ao invés, apresentavam a sua complexidade (claro que não era uma complexidade transcendental - e se o fosse estaríamos aqui por certo a falar da taxa de justiça agravada a que se reportam os art.s 530º, º 7 do CPCivil e 6º, nº 5 do RCP - mas sempre era uma complexidade!) e exigiram - para uma adequada resolução judicial - proficiência técnica, aturado estudo e largo dispêndio de tempo. E percorrendo-se as diversas decisões tomadas, vemos que só mediante o cumprimento destes requisitos poderiam ter sido levadas a cabo tal como se mostram exaradas. E tanto essas questões jurídicas nada tinham de simples ou de expedito, que as respostas que as diversas instâncias decisórias (1ª instância, Relação e Supremo) deram às pretensões das partes foram todas elas diferentes. Mais: como se aponta no acórdão recorrido, a própria circunstância da Autora se ter sentido na necessidade de fazer juntar aos autos um parecer jurídico, desmente por completo a ideia, que a ora Recorrente sempre quis fazer passar, de que as questões jurídicas sob equação não apresentavam complexidade. Foram mobilizados sete juízes (um na 1ª instância, três na segunda instância e três no Supremo, sendo que neste último tribunal a mobilização foi até em regime de reverberação).

Tudo isto visto e ponderado, não encontramos - com toda a subjetividade que o tema em apreço sempre implica (mas repetindo-se que não tem de haver uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da taxa de justiça a prestar pela parte) - que a taxa de justiça imputada à Autora pelos serviços de justiça que lhe foram dispensados seja realmente desproporcionada a esses mesmos serviços. Mas mesmo que, porventura, se entenda que existe alguma desproporcionalidade, esta sempre estará muito longe de ser flagrante, gritante ou intolerável, de modo a justificar qualquer correção excecional em nome dos apontados princípios constitucionais.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

E pelo que fica dito, resta concluir que o acórdão recorrido não é passível das censuras que a Recorrente lhe dirige, não tendo violado as disposições legais citadas pela mesma Recorrente.

Improcedem pois as duas revistas interpostas pela Autora.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em:

- Julgar improcedente a primeira revista interposta pela Autora;

- Julgar improcedente a segunda revista interposta pela Autora,

E, em consequência,

- Negam as revistas e confirmam as decisões recorridas.

Regime de custas:

A Autora é condenada:

- Nas custas da primeira revista;

- Nas custas da segunda revista.

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Sumário:

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Lisboa, 3 de Outubro de 2017

José Rainho - Relator

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] De observar que o respetivo recurso foi admitido como revista excecional, com o fundamento de que “o legislador deixou, em absoluto, ao intérprete a fixação do momento até ao qual pode ser requerida a mencionada dispensa”, e que “tudo isto gera no cidadão comum que tenha de lidar com esta situação uma justificada insegurança que só a intervenção deste Supremo Tribunal pode afastar ou, pelo menos, atenuar”.