Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
738/12.0TBCVL.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
OBJECTO DO RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRAPROVA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 346.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29 DE JUNHO DE 2004, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 04A1459;
-DE 27 DE SETEMBRO DE 2007, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07B2028 E JURISPRUDÊNCIA NELE CITADA, OU AINDA O ACÓRDÃO DE 16 DE JANEIRO DE 2014, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 695/09.0TBBRG.G2.S1;
-DE 8 DE ABRIL DE 2010, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 3501/06.3TVLSB.L1.S1;
-DE 8 DE MAIO DE 2013, WWW.DGSI.PT , PROC. Nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 E JURISPRUDÊNCIA INDICADA;
-DE 24 DE OUTUBRO DE 2013, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 1673/07.9TJVNF.P1.S1;
Sumário :
I - Não cabe no âmbito do recurso de revista apreciar se a prova produzida por uma das partes foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgador, nos termos da chamada contraprova (art. 346.º do CC).

II - Só a prova bastante, ou seja, a prova sem valor tabelado é que cede perante a simples contraprova; apreciar a contraprova significa controlar a livre apreciação da prova, feita pela instância anterior.

III - O regime especial de invalidade das cláusulas contratuais gerais constantes do DL n.º 446/85, de 25-10, tem por referência cada uma das cláusulas proibidas e não abrange, necessariamente, o contrato na sua totalidade.

IV - A imposição dos deveres de comunicação e de informação a quem se limita a aderir a cláusulas contratuais pré-definidas justifica-se pela habitual desigualdade fáctica dos contraentes e pela consequente inadequação do regime geral da relevância da falta e vícios da vontade aos casos em que o aderente vem a verificar que o conteúdo concreto do contrato que assinou, afinal, não corresponde ao que lhe atribuía.

V - O objectivo do consentimento esclarecido por parte do aderente só se alcança se as cláusulas lhe tiverem sido adequadamente comunicadas (quanto ao modo e ao tempo da comunicação por confronto com a complexidade da concreta cláusula) e acompanhados das informações exigidas pelas circunstâncias, solicitadas ou não pelo aderente.

VI - A imposição destes deveres pretende possibilitar o conhecimento completo e efectivo das cláusulas pelo aderente “que use de comum diligência”; significa isto que o contraente que as pretende usar deve ter em conta as circunstâncias concretas do aderente, nomeadamente a capacidade e o nível cultural do interessado – em função do qual se determinará a comum diligência a que identicamente estará vinculado – e a extensão e complexidade das cláusulas contratuais em causa.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 



1. AA instaurou uma acção contra a Caixa BB, Instituição de Crédito, pedindo

– que fossem “declarados nulos os contratos a que se refere a presente acção e as suas renovações, nomeadamente:

1 – Contrato de cláusulas gerais denominado «Crédito à tesouraria das empresas – Crédito integrado flexível» datado de 24 de Março de 2006.

2 – Um «termo de penhor autónomo de depósito» datado de 24 de Julho de 2008.

3 – Contrato datado de 30 de Junho de 2010 – relativo a alterações contratuais”;

– que fosse declarado “nulo o aval numa livrança em branco com o nº 37/100023.0”;

“consequentemente”, que a ré fosse condenada “a devolver à autora a quantia de 60.215,56 € (…), acrescido de juros desde a data da citação até efectivo e integral devolução do mesmo”.

Segundo alegou, os contratos referidos em 1, 2 e 3 “são integralmente constituídos” por “cláusulas contratuais gerais” e em nenhum deles “houve (…) um comportamento activo da R. (…) que possibilitasse à ora Autora o conhecimento adequado, completo, efectivo” das cláusulas, tendo-lhe sido negados os mais elementares direito de informação e comunicação”. O mesmo vale em particular para a cláusula relativa ao aval. A autora não conhecia o significado do que assinou, nem para tanto tinha condições.

Assim, “todas as cláusulas dos documentos (…) em que houve intervenção ou obrigam a Autora devem ser excluídos dos respectivos contratos, sobrevivendo apenas aquelas que somente obrigam os restantes intervenientes nos referidos contratos por violação do disposto nos arts. 5º e 6º e de acordo com o disposto no art. 8º todos do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro”.

A ré contestou, sustentando que, contrariamente ao alegado, a autora conhecia perfeitamente o significado dos actos que praticou; e que cumpriu os deveres de informação e de comunicação a todos os intervenientes nos contratos em causa.

A acção foi julgada procedente, pela sentença de fls. 98, nestes termos:


Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, por totalmente provada e, ao abrigo das supra referidas normas, decido:

1. declarar nulos os contratos e as suas renovações celebrados entre a autora AA e a ré Caixa BB, S.A., nomeadamente:

a) Escrito denominado Crédito à tesouraria das empresas – Crédito Integrado Fléxivel, datado de 24 de Março de 2006;

b) Verso da livrança em branco com o n.º …;

c) Escrito denominado “TERMO DE PENHOR AUTÓNOMO DE DEPÓSITO”, datado de 24 de Julho de 2008.

d) Escrito denominado "carta/contrato", datada de 30 de Junho de 2010.

2. Declarado nulo o aval numa livrança em branco com o nº …; e, consequentemente, condenar a ré Caixa BB, S.A. a devolver à autora AA a quantia de 60.215,56€ acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral devolução da mesma.”


Em síntese, a sentença considerou: que o contrato designado por “Crédito à tesouraria das empresas – Crédito integrado flexível”, datado de 24 de Março de 2006, era constituído por cláusulas relativamente às quais não houve (nem sequer havia margem para tanto) negociação, sendo abrangido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; que, ainda que não fosse, “sempre o regime aplicável seria o emergente do artº 227º do Código Civil”; que a ré não cumpriu o “dever de informação e esclarecimento cabal e eficaz do conteúdo das cláusulas constantes” desse contrato; que, por isso, o contrato é nulo (artigo 12º respectivo); que este “raciocínio é igualmente válido mutatis mutandis para os restantes contratos celebrados uma vez que todos os três são consequentes e subsequentes do primeiro dos contratos celebrados, inclusive a letra na qual foi aposta, por terceiro que não a autora, bom para aval, “violando desta forma as próprias regras atinentes à Lei Uniforme das Letras e Livranças (…) sem, deixar de referir que chega a tocar a burla a conduta da ré que, em conluio com os sobrinhos da autora, obtiveram na prática, de uma forma absolutamente ilícita, as assinaturas por esta apostas, servindo-se do facto de a autora ter pouca instrução e depositar toda a confiança na ré".

Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 155, que considerou ter ficado provado que a ré cumpriu os deveres de informação e comunicação que lhe incumbiam.

Para assim concluir, o acórdão recorrido começou por observar que a sentença “não identifica, nem concretiza, as cláusulas do contrato que não terão sido alvo de negociação e que estão por isso sujeitas ao regime estabelecido” no Decreto-Lei nº 446/85, sendo portanto nulas se não tiverem sido “devidamente comunicadas e informadas. O regime em questão aplica-se apenas relativamente às cláusulas pré-estabelecidas (…) e não ao contrato no seu todo”. Ora o contrato de crédito à tesouraria concretamente em causa é “individualizado”, pelos menos em certos pontos, como sejam “o valor do crédito, prazo do contrato e forma de pagamento”; além disso, a prova revela que a iniciativa da sua celebração partiu da autora e dos seus sobrinhos CC e mulher, e que a ré, “depois de aceitar dar resposta à solicitação de empréstimo que lhe foi apresentada pelo sobrinho da A. e por esta, houve o cuidado de informar a A. relativamente aos contratos que a mesma estava a assinar, dando-lhe conta das garantias que a mesma estava a assumir, sendo além do mais tais informações e explicações, quanto aos termos e condições do contrato, prestadas em reunião com a A. e o seu sobrinho, aí se esclarecendo a necessidade de serem constituídas garantias adicionais pela A. mediante a prestação de aval e constituição de penhor autónomo do depósito, tendo sido explicado, em especial à A., em que consistiam tais garantias e o que implicava o penhor do depósito e que o mesmo responderia pelo incumprimento, caso tal se viesse a verificar. Nessa reunião a A. prontificou-se a intervir nesse financiamento, por forma a que o mesmo pudesse vir a ser aprovado.

Com esta conduta da R. não pode deixar de concluir-se que a mesma prestou à A. todo o dever de informação a que estava obrigada, relativamente aos contratos em questão e concretamente no que se refere não só à comunicação, mas também à informação e esclarecimento das garantias que a A. estava a assumir, em cumprimento do que impõem o artº 5º nº 1 e nº 2 e 6º nº 1 do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro. Realça-se até que as informações relativas ao contrato e suas garantias foram prestadas não só à A., mas a todos os intervenientes no contrato, e mais, em reunião com esta e o seu sobrinho, pessoa da confiança da A.

Refira-se também que, dos factos provados não resulta que a A. tenha pedido quaisquer esclarecimentos adicionais, ou que os mesmos lhe tenham sido recusados, nem decorre ainda, contrariamente ao que refere a sentença recorrida, que a A. não tenha compreendido o conteúdo daquilo que assinou. Pelo contrário, os factos provados dão-nos conta de que houve não só uma comunicação das condições dos contratos à A., mas ainda que lhe foi dada uma explicação das mesmas, porventura por a R. saber que a A. tinha pouca instrução, ainda que viesse acompanhada de sobrinho da sua confiança. Em face dos factos apurados, não pode deixar de concluir-se que a R. fez prova de que deu cumprimento ao dever de comunicação previsto no artº 5º nº 1 e nº 2 do diploma mencionado.”


2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:


1ª Dos factos dados como provados, supra citados, resulta que a Recorrente é praticamente analfabeta, recorrendo ao apoio de amigos e familiares para a ajudarem na administração do seu património mobiliário e imobiliário e lhe explicarem com muita paciência e tempo os meandros dos depósitos, aplicações e aquisições que foi fazendo ao longo da sua vida.

2a Mais resulta que não foi devidamente informada das condições e clausulado dos contratos que assinou, nem posteriormente lhe foi fornecida em tempo útil a informação sobre os mesmos que com o apoio de familiares solicitou.

3a contratos esses cujas cláusulas foram pré-determinadas sem que a ora Recorrente pudesse previamente influenciar ou negociar o teor das mesmas.

4a factos provados estes que põe em dúvida os factos provados pela ora Recorrida, também supra citados sobre quem recaía o ónus da prova previsto no n.o 3 do art.º 5 do DL 446/85 de 25 de Outubro, quanto a comunicação e informação dos contratos constituídos por clausulas contratuais gerais

5a Devendo por isso mesmo ter o Acórdão em causa ter aplicado o disposto no art.° 346 do Código Civil e decidir a causa contra a parte que detinha o ónus da prova por força da contraprova efectuada pela ora Recorrente.

6ª Ao não decidir deste modo violou disposição de lei substantiva

7a Por outro lado o Acórdão em causa ao decidir como decidiu fê-lo em violação do disposto no art.º 13 do Constituição da República Portuguesa.

8ª Ao considerar que os deveres e o esforço desenvolvido pela entidade Recorrida no presente caso, em que a Recorrente é praticamente analfabeta, facto que não desconhecia, podem ser idênticos aos esforços que desenvolve para informar e comunicar clausulado de contratos de clausulas gerais a qualquer outro cidadão médio, munido uma escolaridade média e que use de comum diligência, viola o principio da Igualdade.

9ª Salvo melhor entendimento o Acórdão ora em causa violou o disposto no art.° 346º do Código Civil e o disposto no art.° 13 da Constituição da República Portuguesa, disposições de lei substantiva que devidamente aplicadas dariam provimento às razões da ora Recorrente, como aliás resultou da douta sentença obtida na 1ª Instância”.


A ré veio sustentar a extemporaneidade do recurso; mas contra-alegou, concluindo assim:


“a) O Recurso em apreciação não cumpre o disposto no artº 671°, n° 1 do C.P.C. em função do que deverá, desde logo, ser sancionado e rejeitada a sua admissão

b) - O douto Acórdão Recorrido não viola qualquer normativo legal nem se encontra em contradição com qualquer dispositivo legal, muito menos com a Constituição da Republica Portuguesa, não merecendo qualquer censura e em tudo deverá ser mantido.”


O recurso foi admitido, pelo despacho de fls. 219.


3. Vem provado o seguinte:


“A. DD e CC (este sobrinho da autora) em 2005, propuseram à autora que os ajudasse no desenvolvimento de um novo projecto que iam lançar – donde surgiu a EE, tendo a autora aceite ajudar tais mas tendo-lhes sempre dito que não pretendia emprestar-lhes qualquer quantia e que a ajuda ficaria circunscrita a exercer a sua influência na obtenção pelos mesmos de um empréstimo.

B. No âmbito do referido em A., CC e DD por si e enquanto sócios da sociedade EE contactaram a Ré e solicitaram um empréstimo para desenvolverem a sociedade EE.

C. A Autora apôs a sua assinatura nos seguintes documentos:

1. Escrito denominado “Crédito à tesouraria das empresas – Crédito Integrado Flexível “, datado de 24 de Março de 2006;

2. Verso da livrança em branco com o n.º …;

3. Escrito denominado “TERMO DE PENHOR AUTÓNOMO DE DEPÓSITO”, datado de 24 de Julho de 2008.

4. Escrito denominado carta/contrato, datada de 30 de Junho de 2010.

D. As cláusulas do escrito referido em C.1 foram pré-determinadas pela Ré sem que à Autora fosse permitido influenciar ou negociar o teor das mesmas.

E. Datado de 24 de Julho de 2008, a Autora assinou um escrito denominado Termo de Penhor Autónomo de Depósito, o qual se destinava a garantir todas as responsabilidades descritas no mesmo documento (C.1.).

F. Em 30 de Junho de 2009 foi enviada apenas para a sede da sociedade EE a carta referida em C.4.

G. O texto bom para aval à firma subscritora foi escrito por outra pessoa que não a Autora.

H. A Autora recebeu por correio uma carta datada de 13 de Julho de 2011 através da qual a Ré procedia à denúncia do Contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º … celebrado com a EE – Lda.

I. A Autora, em 21 de Março de 2011, apresentou aos serviços de provedoria do cliente da Ré, uma reclamação relacionada com dúvidas sobre a razão de se encontrar cativo, como garantia, o depósito a prazo constante do escrito identificado em E., onde apresentava soluções para regularizar a dívida garantida por esse depósito.

J. Em resposta à reclamação referida em I., a Ré informou a Autora das razões pelas quais o depósito a prazo não podia ser movimentado e que estavam em curso negociações para a reformulação do crédito concedido à empresa EE.

K. A autora mal sabe ler e escrever não vai além do seu nome, recebeu a instrução básica já de adulta, depois dos 65 anos.

L. A autora sempre dependeu dos seus familiares e uns poucos amigos para a ajudarem na administração do seu património mobiliário e imobiliário e lhe explicarem com muita paciência e tempo os meandros dos depósitos, aplicações e aquisições que foi fazendo ao longo da sua vida.

M. Após 2009, a autora, sempre que necessitou de tratar de assuntos bancários, pediu ajuda nos negócios que estabeleceu com os bancos a FF e GG, pessoas da sua confiança.

N. Os documentos referidos em C.1. e C.2. foram assinados pela Autora, em sua casa, e apenas na presença dos seus sobrinhos DD e CC.

O. Após o referido em N., os sobrinhos DD e CC recolheram os documentos e ausentaram-se da casa e só voltaram a estar com a Autora em 2008, altura em que necessitaram da assinatura da Autora no documento referido em E.

P. O documento referido em C.4. foi assinado em casa da Autora, levado pelos sobrinhos DD e CC.

Q. Desde 2009 que a Autora é ajudada por um seu vizinho, FF e pelo sobrinho GG nos assuntos relacionados com Bancos.

R. No dia 18 de Julho de 2009 a Autora, acompanhada do seu sobrinho GG, deslocou-se ao Balcão Covilhã – Centro (191) da Ré para que lhes fosse explicado qual era efectivamente a relação existentes entre a Autora e a Ré, tendo o GG de imediato solicitado cópia dos documentos referidos em C., o que lhes foi negado.

S. Somente em 16 de agosto de 2011 o solicitado e referido em R. foi fornecido pela ré à Autora.

T. A Ré fez-se pagar das obrigações decorrentes dos escritos referidos em C.1., C.2. e C.4., através da utilização dos depósitos que foram dados em penhor através do escrito referido em C.3., no montante de 60.000€.

U. A autora à data da assinatura dos escritos referidos em C.1., C.2. e C.3. dirigia-se sempre sozinha aos balcões da ré para aí tratar quer das suas contas à ordem, quer das suas aplicações financeiras.

V. Sempre que a Autora sentia necessidade de proceder a novas aplicações financeiras e/ou renegociação/reaplicação das já aplicadas, deslocava-se pessoalmente ao balcão da Ré e pelo gerente era atendida.

W. Foi a autora quem apresentou pessoalmente ao Gerente da ré no balcão da Covilhã-Centro o seu sobrinho, CC.

X. Foi ainda a Autora, juntamente com aquele seu sobrinho, quem, então, reuniu com o mesmo indicado gerente a fim de exporem as necessidades de financiamento da sociedade EE, de que aquele era sócio-gerente.

Y. Dado que a referida sociedade se encontrava em início de actividade e carecia de fundo de maneio foi entendido que o empréstimo necessário revestiria a forma de um contrato de abertura de crédito em conta corrente – designado CTE (crédito tesouraria a empresas) – Crédito Integrado Flexível –, cujos termos e condições foram, desde logo, explicados pelo gerente da ré quer ao CC, quer à própria autora tendo também nessa mesma reunião sido explicado que, atento o facto de a sociedade em questão ser de recente constituição, haveria necessidade de serem constituídas garantias adicionais por parte da autora, nomeadamente mediante prestação do seu aval e constituição do penhor autónomo do depósito o que, de igual modo, foi explicado aos intervenientes, incluindo a autora, em que consistiam tais garantias e, em especial, quanto ao penhor de depósito, que o mesmo implicava a impossibilidade de movimentação do respectivo saldo enquanto o contrato se mantivesse em vigor e que o mesmo responderia pelo incumprimento, caso tal se viesse a verificar.

Z. A A., na reunião referida em Y. desde logo, se prontificou a intervir nesse financiamento por forma a que o mesmo pudesse vir a ser devidamente aprovado.

AA. No seguimento, e após devida formalização do pedido de financiamento, veio o escrito denominado Crédito à tesouraria das empresas – Crédito Integrado Flexível a ser assinado.

BB. Chegado ao respectivo termo, e vencido no decurso da execução contratual, o prazo das aplicações da autora que serviam de garantia ao financiamento concedido à EE, a ré solicitou a presença da autora nas suas instalações, onde a mesma se deslocou, mais uma vez sozinha, aí lhe tendo sido explicada a necessidade de subscrever novo documento de penhor já que a identificação/designação/numeração do que fora constituído inicialmente se encontrava, por isso, desactualizada, o que a autora fez.

CC. Os demais intervenientes, que não a autora, tiveram conhecimento prévio do escrito referido em C.1. e todos foram informados dos seus termos e condições.

DD. Só após o referido no artigo anterior a Autora e os demais intervenientes assinaram o referido escrito, não tendo qualquer deles colocado qualquer objecção.

EE. O escrito denominado Termo de penhor referido em E. foi assinado pela Autora só depois lhe ter sido explicado o seu conteúdo e consequências da assinatura do mesmo.

FF. A Autora e o seu sobrinho GG, no dia 12 de Julho de 2009 deslocaram-se ao balcão da Ré para tentar alterar as condições insertas no escrito referido em C.1. para uma outra modalidade contratual que permitisse a amortização gradual de capital porque o referido GG, gerente de uma outra instituição bancária da cidade da Covilhã, tinha contactado o gerente da sociedade EE no sentido de transferir para a sua instituição o crédito que fora concedido a esta pela Ré.

GG. A ré veio a aceder ao pedido de alteração contratual que lhe foi formulado, para um contrato a médio e longo prazo, sempre com a manutenção de garantias prestadas pela autora, e disso deu conhecimento à EE e à autora.

HH. O contrato que contemplasse o referido em GG não chegou a ser subscrito pela EE.

II. O escrito referido em C.4. foi dado a conhecer a todos os intervenientes no mesmo e explicado o respectivo teor, em especial no respeitante às taxas de juro, comissões de imobilização, gestão e renovação aplicáveis.

JJ. Em Março de 2011, os serviços de provedoria do cliente da Ré foram contactados pela Autora através do documento referido em I., em referência à posição contratual da Autora sobre as responsabilidades em causa nos presentes autos.

KK. Em datas entre Março e Julho de 2011, a Autora dirigiu-se ao balcão da Ré com o sobrinho GG, com vista a negociar alteração das obrigações decorrentes dos escritos referidos em C.


4. Cumpre conhecer do recurso, começando por apreciar os obstáculos suscitados pela recorrida.

No requerimento de fls. 207, a recorrida sustentou que o recurso é extemporâneo.

No entanto, e pelas razões constantes do despacho de fls. 219, que se transcreve na parte relevante – “O recurso está em tempo. O registo do correio de fls. 170 revela que a 17/11/2014 foram enviadas as alegações de recurso, com interposição do mesmo. Tal aconteceu, por isso, no 3º dia útil para além do prazo legal de 30 dias, tendo a recorrente liquidado a multa a que alude o art. 139º nº 5 c) do CPC.” – entende-se que o recurso foi oportunamente interposto.

Nas contra-alegações, a recorrida afirmou que o recurso “não cumpre o disposto no artº 671º, nº 1 do C.P.C.”, devendo por isso ser rejeitado. Quer com isto dizer que, segundo a recorrida, o que a recorrente verdadeiramente pretende “não é mais do que alterar o sentido da matéria factual dada como provada no douto acórdão o que se lhe encontra impedido em sede de recurso de revista”.

Embora não conduza à rejeição liminar do recurso, esta observação é parcialmente procedente; mas apenas na parte em que a recorrente afirma que o acórdão recorrido “violou o disposto no artº 346º do Código Civil”, ao não decidir de acordo com a contraprova que fez relativamente à prova efectuada pelo réu, no que diz respeito ao cumprimento dos deveres de comunicação e de informação.

O acórdão recorrido não procedeu a nenhuma alteração da decisão de facto; apenas enquadrou juridicamente de forma diversa da que prevaleceu em 1ª Instância os factos que já vinham provados, considerando-os suficientes para ter como demonstrado o cumprimento daqueles deveres.

E não caberia no âmbito do recurso de revista apreciar se a prova produzida por uma das partes foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgador, nos termos da chamada contraprova (artigo 346º do Código Civil). É que só a prova bastante, ou seja, a prova sem valor tabelado é que cede perante simples contraprova; apreciar a contraprova significa controlar a livre apreciação da prova, feita pela instância anterior.

Como resulta hoje do nº 1 do artigo 674º do Código de Processo Civil (cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 27 de Setembro de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2028 e jurisprudência nele citada, ou ainda o acórdão de 16 de Janeiro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 695/09.0TBBRG.G2.S1), é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa” (acórdão de 27 de Setembro de 2007 cit. e acórdão de 8 de Maio de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 e jurisprudência indicada); não cabe no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova testemunhal, pericial, ou outra que esteja igualmente sujeita ao princípio da livre apreciação da prova; nem retirar presunções judiciais de factos provados, ou controlar presunções judiciais deduzidas da prova pelas instâncias, uma vez que ainda se situam no domínio dos factos (cfr. nomeadamente o acórdão de 24 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 1673/07.9TJVNF.P1.S1).

O Supremo Tribunal de Justiça não vai avaliar se a Relação respeitou ou não a contraprova efectuada pela recorrente; mas isso não implica que não conheça do recurso, até porque se entende que a Relação não valorou diferentemente a prova apreciada em 1ª Instância.


5. Resolvidas estas questões prévias, cumpre ter presente o seguinte:

– Na petição inicial, ao definir o pedido a apreciar nesta acção, a autora afirmou que os contratos cuja validade questiona “são integralmente constituídos” por “cláusulas contratuais gerais” e que, pelos motivos que invoca, “todas as cláusulas dos documentos (…) em que houve intervenção ou obrigam a Autora devem ser excluídos dos respectivos contratos, sobrevivendo apenas aquelas que somente obrigam os restantes intervenientes nos referidos contratos por violação do disposto nos arts. 5º e 6º e de acordo com o disposto no art. 8º todos do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro” (artigos 56º, 73º e 74º da petição inicial).

A sentença, no entanto, não se limitou a declarar a nulidade das cláusulas em que a autora interveio ou que a obrigam; julgou nulos “todos os contratos e suas renovações”, atendendo apenas à formulação do pedido, tal como consta da parte final da mesma petição inicial, sem fazer qualquer restrição às cláusulas respeitantes à autora ou aos efeitos relativos da declaração de nulidade e sem enquadrar a nulidade de quaisquer cláusulas no contexto do contrato.

Diga-se, aliás, que a autora haveria de ter individualizado quais as cláusulas que, em seu entender, lhe diziam respeito (nas quais interveio ou que a obrigavam), uma vez que lhe cabia determinar o pedido.

Como se observa no acórdão recorrido, o especial regime de invalidade das cláusulas contratuais gerais constante do Decreto-Lei nº 446/85 tem por referência ”cada uma das cláusulas proibidas e não abrange, necessariamente, o contrato na sua totalidade”. Aliás, basta ler os textos dos contratos efectivamente celebrados C.1, C3 e C4 para verificar que contêm cláusulas individualizadas, nomeadamente quanto ao montante do crédito ou aos prazos, apenas para dar os exemplos mais evidentes.

Não tendo havido essa discriminação, considerar-se-ão os termos gerais em que as questões foram colocadas e decididas, aceitando como bom o âmbito em que as instâncias apreciaram o alegado incumprimento dos deveres de comunicação e de informação, por parte da ré;

– Vem provado que as cláusulas do contrato identificado em C.1 “foram pré-determinadas pela Ré sem que à Autora fosse permitido influenciar ou negociar o teor das mesmas” (ponto D. dos factos provados); mas o mesmo se não disse quanto aos demais contratos (C3. e C4). No entanto, a relação entre estes e aquele conduz a que, se o primeiro for julgado nulo, os demais são afectados pela sua nulidade. Como se escreveu na sentença, que inclui a subscrição da livrança, “todos os três [contratos] são consequentes e subsequentes do primeiro dos contratos celebrados, inclusive a letra na qual foi aposta, por terceiro que não a autora, bom para aval (…)” (fls. 126);

– Não se pode considerar no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais a questão de não ter sido escrito pela autora “o texto bom para aval à forma subscritora”(ponto G dos factos provados); mas apenas a cláusula do contrato C1 na qual se previa a prestação de aval.

Está aliás assente que foi a autora que fez a assinatura que se segue, sendo certo que a circunstância de aquela expressão não ter sido escrita pela autora não provoca a respectiva nulidade (cfr. Ac do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 04A1459). De qualquer modo, não se coloca nas conclusões da alegação da recorrente nenhuma questão respeitante a qualquer eventual vício relativo à livrança.


6. O pedido de declaração de nulidade dos contratos identificados em C1, C3 e C4 teve como fundamento a violação dos deveres de comunicação e de informação impostos à ré pelos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85.

A imposição dos deveres de comunicação e de informação a quem que se limita a aderir a cláusulas contratuais pré-definidas justifica-se pela habitual desigualdade fáctica dos contraentes e pela consequente inadequação do regime geral de relevância da falta e vícios da vontade aos casos em que o aderente vem a verificar que o conteúdo concreto do contrato que assinou, afinal, não corresponde ao que lhe atribuía.

São dois deveres complementares; o objectivo do consentimento esclarecido por parte do aderente só se alcança se as cláusulas lhe tiverem sido adequadamente comunicadas (quanto ao modo e ao tempo da comunicação, por confronto com a complexidade da concreta cláusula, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 466/85) e acompanhados das informações exigidas pelas circunstâncias (artigos 6º e 8º, b)), solicitadas ou não pelo aderente.

Pretende-se com a imposição desses deveres possibilitar o conhecimento completo e efectivo das cláusulas pelo aderente “que use de comum diligência”; significa isto que o contraente que as pretende usar deve ter em conta as circunstâncias concretas do aderente, nomeadamente “a capacidade e o nível cultural do interessado – em função do qual se determinará a comum diligência a que identicamente estará vinculado – e a extensão e complexidade das cláusulas contratuais em causa”, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 3501/06.3TVLSB.L1.S1.

A 1ª instância teve tais deveres como não cumpridos e julgou nulos os contratos, nos termos já referidos, acentuando, por um lado, “as limitações de que a autora, como cidadã com pouca instrução, era portadora” e, por outro, o “facto de haver todo o interesse da ré na celebração de um contrato de mútuo”, “de (mais) um contrato de concessão de crédito”.

Mas desconsiderou toda a prova relativa às circunstâncias que precederam e rodearam a assinatura dos contratos, por parte da autora; prova essa que, tal como concluiu a Relação, permite ter como demonstrado que a ré cumpriu suficientemente os deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 466/85. Assim resulta claramente dos pontos B, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE, II, atrás transcritos; os pontos D, CC e G, apontados pela recorrente, não contrariam tal conclusão.

E a 1ª Instância desconsiderou igualmente a prova relativa à intervenção da autora nos contratos dos autos, em especial no contrato referido em C.1 – que, como se viu, é o contrato fundamental neste litígio. Basta ter presente que a autora se propôs influenciar a ré para que o seu sobrinho e a mulher obtivessem crédito (ponto A) e, nesse sentido, “apresentou pessoalmente ao Gerente da ré no balcão da Covilhã-Centro o seu sobrinho, CC” (ponto W); que a autora tratava pessoalmente dos assuntos relativos às suas contas bancárias e aplicações financeiras, no período em que assinou os contratos C.1 e C.3 e o verso da livrança, C.2; que, ainda assim, foi acompanhada pelo sobrinho na reunião que o precedeu (pontoY);  que só após 2009 passou a ser acompanhada por um outro sobrinho, gerente de uma outra instituição bancária, e por um vizinho de sua confiança (ponto M), sem que haja prova no sentido de que, ainda assim, a explicação que consta do ponto EE tenha sido insuficiente ou, sequer, de qual foi a razão que justificou que passasse a existir esse acompanhamento; note-se, aliás, que não há qualquer prova de ter ocorrido qualquer incompreensão dos actos que a recorrente assinou ou de, antes da assinatura ou no momento da conclusão dos contratos, ter havido qualquer pedido de esclarecimento não atendido.

É certo que vem provado que a autora “mal sabe ler e escrever não vai além do seu nome, recebeu a instrução básica já de adulta, depois dos 65 anos” (ponto K) e que “sempre dependeu dos seus familiares e uns poucos amigos para a ajudarem na administração do seu património mobiliário e imobiliário e lhe explicarem com muita paciência e tempo os meandros dos depósitos, aplicações e aquisições que foi fazendo ao longo da sua vida.” Mas estas afirmações, entendidas em conjunto com a prova relativa à forma como a autora se relacionava com a ré, não permitem que se conclua que as circunstâncias concretas da autora não foram consideradas, nos termos exigidos pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 466/85.

A recorrente afirma que a prova feita pela ré foi destruída pela contraprova que se encontra em D, CC e G. Mas o ponto D apenas permite aplicar o regime das cláusulas contratuais gerais; de CC apenas decorre que o escrito referido em C1 foi conhecido previamente pelos intervenientes que não a autora (que, conforme a própria frisa e ficou provado, “mal sabe ler”), sendo certo que da demais prova resulta que a autora teve conhecimento prévio do seu conteúdo; o ponto G nada releva para a questão da comunicação e da informação sobre o conteúdo dos contratos.

A prova positiva do cumprimento dos deveres em discussão torna irrelevante saber a quem incumbia o ónus respectivo, por não haver incerteza a resolver.


7. A recorrente, no entanto, sustenta que o acórdão recorrido não considerou as suas concretas limitações, e que portanto errou ao revogar a sentença. Em particular, afirma que o acórdão não teve com conta ser ela “uma pessoa de fraquíssima instrução e que por força disso os deveres de comunicação e informação da ré quanto a ela autora deveriam ser acrescidos e revelar especiais cuidados” (ponto 45 das alegações). Acusa-o mesmo de ter um entendimento violador do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, nos termos acima transcritos: “8ª Ao considerar que os deveres e o esforço desenvolvido pela entidade Recorrida no presente caso, em que a Recorrente é praticamente analfabeta, facto que não desconhecia, podem ser idênticos aos esforços que desenvolve para informar e comunicar clausulado de contratos de cláusulas gerais a qualquer outro cidadão médio, munido uma escolaridade média e que use de comum diligência, viola o principio da Igualdade.”

Estas afirmações da recorrente não têm suporte no acórdão recorrido, que em parte alguma adoptou um entendimento que se possa interpretar desta forma.

Caberia aliás à recorrente substanciar a alegação de violação do princípio da igualdade, no contexto específico dos contratos que estão em causa; o que não faz.

Não há pois que apreciar qualquer inconstitucionalidade.


8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)


Salazar Casanova


Lopes do Rego