Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
816/16.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
REQUISITOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / SUB-ROGAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, p. 30 ; Direito das Obrigações, II, p. 224, 343 a 345;
- Vaz Serra, RLJ, Ano 111ª, p. 67.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 592.º, N.º 1.
LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO, APROVADA PELA LEI N.º 100/97, DE 13-09: - ARTIGO 31.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-10-2004, IN CJSTJ, XII, 3º, P. 39;
- DE 07-02-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-07-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - No caso em apreço estamos na presença de um acidente que é simultaneamente um acidente de trabalho e um acidente de viação. As indemnizações consequentes a acidente de viação e simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

II - A responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade empregadora ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

III - Encontramo-nos, assim, em presença de um direito de sub-rogação legal (nos termos do n.º 1 do art. 592.º, do CC) invocado pela autora, o qual lhe confere o mesmo direito do credor, ancorado na circunstância de a seguradora ter procedido ao pagamento de indemnizações cuja satisfação incumbiria, prima facie, ao responsável pelo acidente, pelo que não pode ser considerado um direito nascido ex novo na esfera jurídica da demandante.

IV - Por esse motivo, e em consequência da sub-rogação legal, assiste à autora o direito a ser ressarcida, também, pelo pagamento das quantias de €38 816,81 e €16 159,90, nos moldes determinados pela Relação.
Decisão Texto Integral:          


I Relatório

1. AA– Companhia de Seguros, S.A. intentou contra Companhia de Seguros BB, S.A. ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação no pagamento da quantia global de €156 561,34, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a citação e até integral pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juro comercial, sobre o capital em dívida.

Alega, em síntese, que incorporou por fusão a sociedade CC, SA, a qual tinha celebrado com DD, S.A. contrato nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela, indicados nas folhas de salários; em dezembro de 2008 foi-lhe participado um acidente ocorrido com as trabalhadoras EE, FF, GG, HH e II, as quais, no dia 20 de dezembro de 2008, pelas 12h50, no regresso das mesmas às instalações daquela empresa após a pausa do almoço, foram colhidas pelo veículo automóvel matrícula ...-PJ, cuja responsabilidade do ramo automóvel fora transferido para a Ré.

Assumiu todas as despesas relacionadas com a recuperação das trabalhadoras, pagou indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária e as pensões; intentou contra a Ré ação sob o nº 2692/12.9TJVNF relativamente aos pagamentos que fizera até 14 de agosto de 2012, na qual foram fixados os factos provados e proferida sentença condenando esta a pagar-lhe a quantia de €355 782,81, acrescida de juros de mora.

Manteve a assistência às trabalhadoras EE e FF, nos montantes de €33 679,56 e €122 881,78, respetivamente, constituindo provisões matemáticas para garantia das pensões devidas de €93 589,51 para a primeira e €110 577,98, €117 976,25 e €17 075,26 para a segunda.

2. Citada, a Ré contestou, alegando que o direito emergente das prestações laborais deveria ter sido exercido pela Autora na ação anteriormente proposta, bem como invocou a prescrição do direito da demandante por já ter decorrido o prazo de três anos aplicável aos casos de responsabilidade civil por facto ilícito.

3. A Autora respondeu, referindo que nada a impede de, efetuados os pagamentos sucessivos no âmbito e por conta das garantias do contrato de seguro às duas trabalhadoras, diligenciar junto do responsável civil pelo seu reembolso judicial ou extrajudicial e defendeu que o prazo prescricional na relação seguradora do trabalho – seguradora do acidente de viação é de vinte anos; invocou também o prazo mais longo de cinco anos quando o facto ilícito constitui crime.

4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória inominada e julgou prescritos créditos invocados pela Autora no montante de €22 013,55, relativos a pagamentos realizados entre 23 de agosto de 2012 e 15 de fevereiro de 2013.

De seguida, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamação.

5. A Autora requereu a ampliação do pedido, o que veio a ser admitido, pedindo a condenação da Ré no pagamento, para além do anteriormente peticionado, da quantia de €59 684,80, acrescida de juros de mora à taxa legal, alegando que desde fevereiro de 2016 pagou €7 650,03 relativamente a assistência prestada a EE, a título de pensões e despesas com assistência vitalícia e €52 034,86 pela assistência prestada a FF, a título de pensões, prestação suplementar, pensão devida a ..., assistência vitalícia, despesas com assistência médica, internamentos, intervenções cirúrgicas e medicamentos.

A Ré contestou impugnando os factos alegados.

6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que decidiu julgar a ação parcialmente provada e procedente, em consequência do que condenou a Ré a pagar à Autora:

«a) a quantia de € 14.818,96, por referência aos pontos 7) e 9) da fundamentação de facto;

b) a quantia de € 111.948,68, por referência aos pontos 12), 13), 14), 16), 17) e 18) da fundamentação de facto;

c) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 14.518,96 e € 78.934,68 desde 15 de Fevereiro de 2016;

d) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 300,00 e € 33.014,00 desde de 16 Junho de 2017 até integral e efetivo cumprimento».

7. Não se conformando com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

8. O Tribunal da Relação de Guimarães veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

a) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 38.816,81 (trinta e oito mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável aos créditos titulados por empresas comerciais, a contar de 15.02.2016 e até integral cumprimento;

b) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 16.159,90 (dezasseis mil, cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora a contar de 16.06.2017 e até integral cumprimento;

c) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida”.

9. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O tribunal a quo equivocou-se, num juízo apriorístico que o levou a inflectir a decisão comarcã, ignorando a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-rogação legal, que mantém a obrigação incólume quanto aos direitos/obrigações recíprocas entre credor e/ou devedor – v. arts. 498º/2 e 593º/1 Cód. Civil;

2ª. No caso dos autos, estamos perante uma sub-rogação legal, pelo que não pode o credor dissentir da posição do lesado, ou credor originário, que é pré-existente à própria sub-‑rogação ou transferência de direitos in casu;

3ª. Não podem repetir-se indemnizações por um só e mesmo dano, ou danos, em responsabilidade civil, como sucede, dada a inflexão de juízo trazido ao caso pela decisão inovatória assumida na Relação e de que se discorda;

4ª. Com a inflexão assumida no Tribunal a quo, em relação à sentença da 1ª instância a propósito da não duplicação de danos e da necessidade, para atender à mesma, da exibição e comprovativo dum efectivo prévio pagamento dos danos originários e que são tidos ora em sub-rogação legal (e não em direito de regresso algum, nota bene) e que não se querem ver duplicados nesta acção, pela inadmissibilidade absoluta dessa mesma dita duplicação na responsabilidade civil por facto ilícito, foram violados os preceitos e/ou princípios relativos às figuras jurídicas em questão;

5ª. E isso por função da violação directa de quanto resulta, ou se acha contido, nos já mencionados arts. 497º/498º e 592º/593º do Código Civil Português.

E conclui que “deve esta revista ser julgada procedente e, em consequência, deve vir a repreistinar-se a decisão da 1ª instância, absolvendo-se a Ré na acção dos pagamentos de €38.816,81 + 16.159,90 a que ora foi condenada na Relação de Guimarães”.

10. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

11. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se o Tribunal da Relação ignorou a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-‑rogação legal, aplicável ao caso presente.

III. Fundamentação.

1. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

1.1. Por sentença proferida a 26 de junho de 2014, transitada em julgado a 19 de março de 2015, no processo nº 2692/12.9TJVNF, a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de €355.782,81, acrescida de juros de mora, às taxa legais acima referidas, desde 06.09.2012, inclusive, até integral e efectivo pagamento [alínea A) dos factos assentes e documento de fls. 92 a 138].

1.2. Na sentença identificada em 1) foram elencados os seguintes factos julgados assentes no saneador (art. 659º, nº 3, do CPC, redacção anterior):

A. A sociedade “CC, SA”, com sede na ..., foi incorporada, por fusão, na "AA- Companhia de Seguros, SA", por escritura pública de fusão, aumento de capital e alteração parcial do contrato de sociedade outorgada no dia 31 de Dezembro de 2009, lavrada de fls. 50 a fls. 58 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 80-B do Cartório Notarial de ....

B. A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora.

C. No exercício da sua actividade, a, à data, “CC, SA” celebrou com a sociedade “DD, SA”, o contrato de seguro titulado pela apólice n° 10/071356, nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários.

D. Em Dezembro de 2008, a referida sociedade participou à Autora um sinistro ocorrido às 12.50 horas do dia 29 de Dezembro de 2008 com as trabalhadoras ao seu serviço, EE, FF, GG, HH e II.

E. O acidente de trabalho deu-se quando, na data e horas mencionadas, as referidas trabalhadoras regressavam às instalações da Segurada da Autora, após a pausa do almoço, para retomarem a sua actividade.

F. O percurso efectuado pelas trabalhadoras sinistradas era o percurso habitual a ligar os dois referidos pontos.

G. A Autora verificou que as aludidas sinistradas constavam das folhas de salários que a sua Segurada lhe havia apresentado.

H. Na mencionada oportunidade, cerca das 12.50h no dia 29 de Dezembro de 2008, ocorreu um acidente de viação na Rua..., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PJ, à data conduzido por JJ, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-QF, à data conduzido por LL e as trabalhadoras supra identificadas.

I. No local do sinistro, a estrada configura uma recta, com boa visibilidade.

J. No referido local, existe um parque de estacionamento em terra, do lado direito da via, atento o sentido de marcha ...-E.N. 14, junto à entrada para as instalações da fábrica da Segurada da Autora.

K. O referido parque de estacionamento tem uma largura de cerca de 5 metros.

L. Ainda no local do sinistro, junto à entrada para as instalações da “...” e imediatamente antes do parque de estacionamento existe um ilhéu em terra.

M. A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida em duas hemifaixas de rodagem em cada um dos sentidos, separadas entre si por linha longitudinal descontínua.

N. O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e molhado uma vez que se encontrava a chover.

O. A via tem uma largura de cerca de 7 metros,

P. Sendo ladeada por bermas.

Q. O veículo PJ, conduzido por JJ, seguia na Rua ..., no sentido ...-E.N. 14.

R. Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o acidente, ao aperceber-se da presença no QF, o condutor do veículo PJ tentou contorná-lo.

S. O veículo PJ foi projectado para uma ribanceira aí existente, onde se veio a imobilizar.

T. O embate nas trabalhadoras ocorreu a cerca de 9 metros do local em que o veículo PJ embateu no veículo XV.

U. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada GG sofreu diversos ferimentos, designadamente fractura do colo do úmero direito, fractura da tíbia direita e contusão da mão esquerda.

V. Que lhe provocaram Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde 30.12.2008 a 02.05.2010, data em que lhe foi atribuída alta médica com uma Incapacidade Permanente Parcial de 16,18%.

W. A trabalhadora sinistrada foi assistido em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Hospital da ... e Serviços Clínicos da Autora (Hospital de ... e Casa de Saúde da ...).

X. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.

Y. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, no qual a ora Autora foi Ré.

Z. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por conciliação homologada por sentença, as partes acordaram no pagamento pela Autora: da quantia de € 13.491,99, a título de capital de remição; da quantia de € 17,50, a título de despesas com transportes.

AA. Com fundamento na aludida sentença, a Autora procedeu ao pagamento à trabalhadora sinistrada da quantia de € 13.491,99 a título de capital de remição.

BB. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 47.746,31, correspondente às seguintes importâncias parcelares: € 7.469,66, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 02.05.2010; € 13.491,99, a título de capital de remição; € 3.000,00, a título de despesas com assistência de 3.ª pessoa; € 8.693,69, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 10.401,43, a título de despesas com assistência médica; € 17,66, a título de despesas com medicamentos; € 4.545,78, a título de despesas com transportes; € 11,00, a título de despesas com alimentação; e € 132,60, a título de despesas judiciais.

CC. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada EE sofreu graves e diversos ferimentos, designadamente traumatismo cervical e da hemi-face direita, designadamente fractura do colo do úmero esquerdo, fractura do fémur direito, fractura da grade costal com perfuração pulmonar e fractura da bacia.

DD. Que lhe provocaram Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde 30.12.2008 a 28.02.2010, data em que lhe foi atribuída alta médica com uma Incapacidade Permanente Parcial de 62,13% com IPATH.

EE. A trabalhadora sinistrada foi assistida em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Centro Hospitalar do ..., Hospital Privado da ... e Serviços Clínicos da Autora.

FF. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.

GG. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelo Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, sob o nº 831/09.6TTVNF, no qual a ora Autora foi Ré.

HH. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por sentença transitada em julgado foi a Autora condenada a pagar: uma pensão, anual e vitalícia, de € 4.967,86; subsídio por elevada incapacidade no montante de € 5.112,00; a quantia de € 100,00 a título de despesas com transportes; e juros.

II. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 65.197,64, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 6.365,97, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 28.02.2010; € 12.633,94, a título de pensão; € 92,43, a título de acertos de indemnizações; € 5.112,00, a título de subsídio de elevada incapacidade; € 11.932,35, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 250,00, a título de despesas de médicos e enfermeiros; € 148,57, a título de subsídios; € 16.741,89, a título de despesas com assistência médica; € 331,63, a título de despesas com medicamentos; € 7.913,07, a título de despesas com transportes; € 82,60, a título de despesas com alimentação e alojamento; € 112,04, a título de despesas diversas; € 180,00, a título de despesas com juntas médicas; € 994,05, a título de juros; e € 2.307,10, a título de despesas judiciais.

JJ. A Autora constituiu provisões matemáticas para garantia do pagamento dessas pensões, ascendendo, actualmente, a provisão matemática destinada a assegurar o pagamento da pensão a € 80.270,68.

KK. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada sofreu graves e extensos ferimentos, FF, designadamente traumatismo na coluna, fractura de D6 e D7 e consequente paraplegia, fractura no ombro esquerdo, traumatismo nas regiões torácica e abdominal.

LL. Que lhe provocaram Incapacidade Permanente Absoluta de 100%.

MM. A trabalhadora sinistrada foi assistida em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Hospital de ..., Hospital de ..., Hospital de... e Serviços Clínicos da Autora (Hospital de ... e Casa de Saúde da ...).

NN. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.

OO. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, sob o nº 422/10.9TUMTS1, no qual a ora Autora foi Ré.

PP. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por conciliação homologada por sentença, as partes acordaram no pagamento pela Autora: da pensão anual actualizável de € 6.364,20, acrescida da pensão anual de € 795,53, para a filha ...; do subsídio de elevada incapacidade no valor de € 5.112,00; do subsídio de assistência de 3ª pessoa, no montante de € 6.790,00; do valor para obras de readaptação de € 5.112,00; dos valores devidos pelas ajudas técnicas; das despesas de transporte, do valor de € 40,00.

QQ. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 245.523,36, correspondente às seguintes importâncias parcelares: € 11.529,70, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 20.03.2011; € 20.459,15, a título de pensões; € 809,08, a título de subsídios; € 5.112,00, a título de subsídio por elevado grau de incapacidade; € 21.263,19, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 60.632,27, a título de despesas com assistência médica; € 40,00, a título de despesas com honorários de médicos e enfermeiros; € 200,00, a título de assistência vitalícia com honorários médicos e enfermeiros; € 117.207,46, a título de despesas de assistência vitalícia com despesas de assistência médica; € 371,64, a título de despesas com assistência vitalícia com próteses e ortóteses; € 4.664,20, a título de despesas com transportes; € 1.403,45, a título de despesas com assistência vitalícia de transportes; € 1.587,52, a título de despesas diversas; e € 244,80, a título de despesas judiciais.

RR. A Autora constituiu provisões matemáticas para garantia do pagamento dessas pensões, ascendendo, actualmente, a provisão matemática destinada a assegurar o pagamento da pensão a € 115.529,32.

SS. O proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PJ havia transferido o risco emergente da circulação do mesmo para a ora Ré “Companhia de Seguros BB, SA”, através do contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice 5070/789919 [alínea B) do despacho em referência documento de fls. 92 a 138].

1.3. Na sentença identificada em 1) foram elencados os seguintes factos da Base Instrutória e articulados submetidos a julgamento:

3.1. O local caracteriza-se como uma localidade, sendo a estrada ladeada por edificações com acesso à estrada.

3.2. Encontrando-se a velocidade máxima instantânea limitada a 50 km/h.

3.3. Junto à entrada para as instalações da “...” existe uma passagem destinada à circulação de peões.

3.4. Nas circunstâncias descritas, momentos antes da ocorrência do acidente, o veículo QF, conduzido por LL, seguia na Rua LLL, no sentido ...-E.N. 14.

3.5. Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o sinistro, e pretendendo estacionar o referido veículo no parque de estacionamento supra referido a condutora do veículo QF accionou a luz indicadora de mudança de direcção à direita ("pisca").

3.6. Reduziu a velocidade que lhe imprimia.

3.7. Imobilizando o veículo QF próximo à entrada para as instalações da “...”, junto à berma de terra, em parte em cima da mesma (tal com se configura no croquis de fls. 567/veículo 2).

3.8. E manteve-se nesse local a aguardar a passagem de peões que passavam na referida berma.

3.9. A condutora do veículo QF sinalizou a presença daquele.

3.10. Face à velocidade imprimida ao veículo PJ e a desatenção da distância deste em relação ao QF o condutor do veículo PJ permitiu (na manobra referida supra em 2.1.R.) que este embatesse naquele e perdeu o seu controlo.

3.11. Nesse momento embateu com a sua frente e lateral esquerda na lateral (espelho retrovisor esquerdo) e frente lateral esquerda, mais precisamente na roda esquerda da frente, do veículo QF.

3.12. Ato contínuo entrou em despiste, para a direita, atento o seu sentido de marcha, e embateu num veículo automóvel que se encontrava estacionado no parque de estacionamento (XV-04-22).

3.13. Face à violência do embate o veículo XV rodopiou sobre si mesmo.

3.14. O veículo PJ prosseguiu a sua marcha desgovernada, “colhendo” 5 trabalhadoras que circulavam na berma direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha ...-E.N. 14.

3.15. A Ré já pagou, por acordo extrajudicial, uma indemnização por danos sofridos pela sinistrada EE.

3.16. O veículo seguro na Ré seguia a uns 70-80 kms/hora.

3.17. O QF tinha a roda dianteira esquerda saída para fora da cava do guarda-lamas respectivo.

3.18. O QF foi embatido nesse pneu.

3.19. E, pela torção do pneu, deslocando-o do seu eixo, ocorreu a quebra e arrancamento da suspensão dianteira e do pára-choques, num movimento de trás para diante do seu canto ou aba imediatamente adjacentes ao pneu.

3.20. Com esse impacto na roda dianteira esquerda do QF, o segurado na Ré torceu à direita e foi, já desgovernado, invadir a berma respectiva, atropelando aí os peões, nos termos acima expostos.

3.21. GG intentou contra a Ré acção emergente de acidente de viação acima descrito, em 09.05.2011.

3.22. ...intentou o mesmo tipo de acção, por causa do mesmo acidente, contra a Ré, em 04.11.2011 [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 92 a 138].

1.4. As ajudas técnicas referidas em PP) são as contantes do auto de exame médico do IML, a fls. 287 do processo de acidente de trabalho nº 816/16.6T8GMR, dizendo respeito, designadamente, a tratamentos fisiátricos, cadeira de rodas, colchão anti-escaras [documento de fls. 737 a 740, aditado nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil].

1.5. Na pendência da acção identificada em 1) e após o trânsito da sentença, a Autora manteve a assistência prestada às trabalhadoras EE e FF e os pagamentos em conformidade com as decisões referidas em 2. HH. e PP. [resposta ao artigo 21º da petição inicial].

1.6. Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora EE, a título de pensão referida em 2. HH., o valor global de € 16.916,16 [resposta aos artigos 22º da petição inicial e 56º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.7. No período referido em 6) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada EE:

- € 5.394,27 respeitante a ITA e subsídios;

- € 10,00 respeitante a alimentação e alojamento;

- € 4.915,59 respeitante a consultas, cirurgia e internamento na Casa de Saúde ...;

- € 2.328,00 respeitante a consultas e tratamentos fisiátricos;

- € 954,28 respeitante a medicamentos;

- € 210,82 respeitantes a transportes;

- € 353,00 com outras consultas e meios complementares de diagnóstico;

- € 765,00 com honorários de Advogados [resposta ao artigo 22º da petição inicial e 56º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.8. Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora EE, a título de pensão referida em 2. HH., o valor global de € 7.348,50 [resposta ao artigo 2º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.9. No período referido em 8) a Autora pagou, ainda, o montante de € 300,00 a título de fisioterapia da trabalhadora EE [resposta ao artigo 2º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.10. A Autora constituiu reservas matemáticas de montante não concretamente apurado para pagamento da pensão referida em 2. HH. [resposta ao artigo 23º da petição inicial].

1.11. Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título da pensão referida em 2.PP., o valor global de € 21.900,65 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.12. Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão suplementar de terceira pessoa referida em 2. PP., o valor global de € 20.770,00 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.13. Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou a título de pensão da filha menor da trabalhadora FF, ..., o valor global de € 2.554,98 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.14. No período referido em 11) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada FF:

- € 4.287,44 respeitante a consultas, meios complementares de diagnóstico e tratamentos;

- € 4.871,46 respeitantes a próteses e ortóteses;

- € 7.544,00 respeitante a fisioterapia;

- € 19.186,70 respeitante a transportes para consultas e tratamentos;

- € 6.980,10 referente a medicamentos;

- € 12.740,00 respeitante a intervenções cirúrgicas, internamentos, consultas e meios complementares de diagnóstico prestados pela Casa de Saúde ... [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].

1.15. Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão referida em 2. PP, o valor global de € 8.811,40 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.16. Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão suplementar de terceira pessoa referida em 2. PP., o valor global de € 9.775,32 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.17. Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou a título de pensão da filha menor da trabalhadora FF, ..., o valor global de € 1.101,42 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.18. No período referido em 15) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada FF:

- € 6.523,50 respeitante a fisioterapia;

- € 4.932,98 respeitante a transportes para consultas e tratamentos;

- € 39,52 referente a análises clínicas;

- € 8.256,26 a título de cirurgias, internamentos, consultas, medicamentos, ortóteses prestados pela Casa de Saúde ...;

- € 2.385,00 respeitante a cadeira eléctrica [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].

1.19. A Autora constituiu reservas matemáticas de montante não concretamente apurado para pagamento da pensão referida em 2. PP [resposta ao artigo 25º da petição inicial].

1.20. Por sentença proferida a 28 de Outubro de 2014 no processo nº 3548/11.8TJVNF, rectificada por despacho de 1 de Dezembro de 2014, transitados em julgado a 20 de Janeiro de 2015, a Ré foi condenada a pagar à ali Autora FF, com base no acidente identificado em 2):

1. a quantia de € 407.427,87, sendo:

1.1. a quantia de € 232.427,87 a título de danos patrimoniais, à qual será subtraída a quantia de € 135.988,47 se e quando a sentença proferida no processo nº 2692/12.9TJVNF transitar em julgado e a Ré Allianz proceder ao respectivo pagamento à AACompanhia de Seguros, S.A.;

1.2. a quantia de € 175.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

2. todas as despesas que a Autora vier a suportar relativamente a assistência médica, medicamentos, fisioterapia, dispositivos médicos, roupa adequada à própria e concreta situação de paraplegia da Autora, bem como de todos os custos de manutenção dos equipamentos de ajuda técnica adquiridos ou a adquirir pela Autora;

3. a assistência de terceira pessoa, correspondente a um custo salarial anual igual a catorze meses de retribuição mínima garantida [resposta ao artigo 6º da contestação].

1.21. A quantia de € 232.427,87 referida em 20) 1.1. corresponde à dedução do montante de € 100.000,00 anteriormente pago pela Ré e às seguintes componentes:

- € 5.100,00 por perdas na produção agrícola entre Janeiro de 2009 e Outubro de 2011;

- € 5.488,83 por perdas salariais do seu trabalho na Rincon;

- € 210.000,00 por dano patrimonial futuro decorrente do défice permanente funcional de 83%;

- € 20.241,93 por danos em roupas, telemóvel, óculos e jóias que usava no momento do acidente e despesas de saúde;

- € 14.278,85 relativo a aquisição de equipamentos de ajudas técnicas;

- € 94.769,04 para obras de readaptação na sua habitação [resposta ao artigo 6º da contestação].

1.22. O montante de € 135.988,47 referido em 20) 1.1 diz respeito a € 20.459,15 de pensões e € 115.529,32 de reservas matemáticas referidas em 2. QQ. e RR. [resposta ao artigo 6º da contestação].

1.23. O montante de € 210.000,00 referido em 21) foi calculado tendo por base um rendimento global de € 9.489,50, sendo € 1.800,00 de proveitos anuais na actividade agrícola [resposta ao artigo 6º da contestação].

2. E considerou como não provado:

«não se provaram os factos alegados:

- No artigo 7º da contestação.

A alegação contida nos artigos 26º a 33º da petição inicial, 1º a 4º, 8º a 13º e 16º da contestação,1º e 2º, 4º a 7º do articulado de ampliação do pedido constitui matéria conclusiva ou de Direito.

A alegação contida nos artigos 14º e 15º da contestação e 1º a 3º do articulado de exercício do contraditório da ampliação do pedido diz respeito ao cumprimento do ónus da impugnação especificada.

A alegação contida nos artigos 1º a 54º do articulado apresentado pela Autora em 10 de Janeiro de 2017 relaciona-se com o exercício do contraditório relativo às exceções invocadas pela Ré na contestação.

Os demais factos alegados apenas foram julgados provados na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto».

3. Da violação da sub-rogação legal

O Tribunal de 1ª instância condenou a Ré a pagar à Autora:

«a) a quantia de € 14.818,96, por referência aos pontos 7) e 9) da fundamentação de facto;

b) a quantia de € 111.948,68, por referência aos pontos 12), 13), 14), 16), 17) e 18) da fundamentação de facto;

c) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 14.518,96 e € 78.934,68 desde 15 de Fevereiro de 2016;

d) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 300,00 e € 33.014,00 desde de 16 Junho de 2017 até integral e efetivo cumprimento».

Interposto recurso de apelação pela Autora, o Tribunal da Relação de Guimarães veio a decidir:

“a) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de €38.816,81 (trinta e oito mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável aos créditos titulados por empresas comerciais, a contar de 15.02.2016 e até integral cumprimento;

b) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de €16.159,90 (dezasseis mil, cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora a contar de 16.06.2017 e até integral cumprimento;

c) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida”.

Contra esta decidiu se insurge agora a Ré, pretendendo que se revogue esta decisão do Tribunal da Relação e se repristine a decisão da 1ª instância, referindo que se ignorou a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-rogação legal, que mantém a obrigação incólume quanto aos direitos/obrigações recíprocas entre credor e/ou devedor.

Vejamos.

No caso presente, a Autora pretende que a Ré lhe pague as importâncias que pagou a trabalhadoras (por força de um seguro de âmbito laboral que havia celebrado com a entidade patronal das trabalhadoras), sendo que a Ré tinha celebrado um contrato de seguro automóvel e o condutor do veículo que colheu as trabalhadoras foi considerado o único culpado do acidente de viação.

Assim, estamos em presença de um acidente que é simultaneamente um acidente de trabalho e um acidente de viação.

Ora, constitui entendimento uniforme e reiterado que as indemnizações consequentes a acidente de viação e simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

E a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade empregadora ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

- cfr. Acórdão do STJ, de 6 de julho de 2017, consultável em www.dgsi.pt

Por outro lado, prescrevia o artigo 31º da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº100/97, de 13 de setembro), aplicável ao caso presente, atenta a data da ocorrência do acidente – 29 de dezembro de 2008 – que:
1. Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos da lei geral.
2. Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3. Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante.
4. A entidade empregadora ou seguradora que houver pago a indemnização do acidente tem direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5. A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal, no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 9 de março de 2010, tem vindo a ser entendido pela doutrina e pela jurisprudência que o direito que se pretende exercer, previsto no citado nº4, apesar da letra do preceito, não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas antes de sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização (Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, pág. 30; Vaz Serra, RLJ, Ano 111ª, pág. 67; Acórdão do STJ, de 4/10/2004, CJ/STJ, XII, 3º, pag.39)
- consultável em www.dgsi.pt
- neste sentido, Acórdão do STJ, de 7 de fevereiro de 2017, consultável em www.dgsi.pt
                 
                 Como ensina Antunes Varela, “a sub-rogação pode definir-se, segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento (…).
Trata-se de um fenómeno de transferência de créditos, que a lei regula no capítulo da “transmissão de créditos e de dívidas...os direitos do sub-rogado medem-se sempre em função do cumprimento (art. 593º, 1)
- Direito das Obrigações, II, pág. 224 –
E referindo-se às figuras de sub-rogação e direito de regresso, ensina: “é que, embora haja certa afinidade substancial nas suas raízes, a sub-rogação e o direito de regresso constituem, no sistema legal português, realidades jurídicas distintas e, em determinado aspeto, mesmo opostas (…)
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.
O direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquela à custa de quem a relação foi considerada extinta (…).
A sub-rogação envolve um benefício concedido (umas vezes, por uma ou outra das partes; outras, pela lei) a quem, sendo terceiro, cumpre por ter interesse na satisfação do direito do credor. O direito de regresso, no caso da solidariedade passiva, é uma espécie de direito de reintegração (ou direito à restituição) concedido por lei a quem, sendo devedor perante o accipiens da prestação, cumpre, todavia, para além do que lhe competia no plano das relações internas. (…) A natureza das situações donde emerge o direito de regresso parece explicar assim o facto de ao respectivo titular se não transmitirem, na falta de estipulação em contrário, nem as garantias, nem os acessórios da dívida extinta”
(obra citada, págs. 343 a 345)

Deste modo, estamos em presença de um direito de sub-rogação legal (nos termos do disposto no nº1 do artigo 592º do Código Civil) invocada pela Autora: é conferido ao sub-rogado o mesmo direito do credor, ancorado na circunstância de a seguradora ter procedido ao pagamento de indemnizações cuja satisfação incumbiria, prima facie, ao responsável pelo acidente, pelo que não pode ser considerado um direito nascido ex novo na esfera jurídica da demandante.

No caso presente, e como se referiu anteriormente, a Ré/Recorrente insurge-‑se contra a decisão do Tribunal da Relação, pretendendo que se repristine a decisão da 1ª instância, tendo invocado que a Relação ignorou que estamos em presença de sub-rogação legal.

O Tribunal da Relação não tomou qualquer posição expressa sobre se se trata de sub‑rogação ou de direito de regresso aquele que a Autora (Apelante) pretendia vir exercer, tendo, contudo, alterado a decisão do Tribunal de 1ª instância.
E fê-lo de forma, não a colocar os princípios de direito em que o Tribunal de 1ª instância fundamentou a sua decisão (colocando-se, contudo, em sintonia, como se pode concluir pela leitura do acórdão recorrido), a corrigir a decisão com os factos que o Tribunal de 1ª instância tinha considerado como provados.

E essa correção ocorreu em dois pontos, que conduziu, posteriormente, na decisão em que o Tribunal da Relação veio a condenar a Ré/Recorrente:
Assim, o Tribunal de 1ª instância afirma que: “ora, como expusemos anteriormente, estando a Autora a exercer o direito de sub-rogação apenas lhe assiste receber os montantes que efectivamente tenha pago, pelo que não pode estar compreendido qualquer montante relativo a provisões matemáticas. Por não ter sido esse o entendimento na anterior ação, constatamos que a Ré adiantou o montante global de €195 800 por conta das pensões devidas futuramente às duas trabalhadoras.
Na presente ação ficou provado que, entre Março de 2013 e Junho de 2016, a demandante pagou à sinistrada EE €24.264,66 a título de pensões.
Temos de concluir que a demandante suportou o montante mencionado no anterior parágrafo no período compreendido em apreciação na presente ação com fundos que a Ré adiantou em consequência da condenação no processo nº2692/12.9TJVNF. Assim, a Autora nada pode exigir a título de pensões da referida trabalhadora”.

Analisando esta questão (sem colocar em crise o que em termos gerais é afirmado pelo tribunal de 1ª instância), o Tribunal da Relação afirma “esta conclusão não tem sustentação na matéria de facto provado e, sobretudo, nenhuma correspondência tem com a sentença proferida no processo nº2692/12.9TJVNF, onde aqui Recorrida, e ali também Ré, foi condenada na quantia global de €355.782,81, correspondente à soma de €47.613,71, €62.890,54 e €245.278,56. Nessas três parcelas não estão incluídos quaisquer montantes a título de provisões matemáticas, designadamente €80.270,68 de provisões para fazer face à pensão de EE e de €115.529,32 para a pensão de FF.
Por esse motivo, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 31º da Lei nº100/97, de 13 de Setembro, em consequência da sub-rogação legal, assiste à Autora o direito de ser reembolsada dos valores por si despendidos com o pagamento de pensões à trabalhadora EE, no valor global de €24.264,66.”

Ora, analisando os factos provados, bem como procedendo à leitura da decisão proferida no processo nº2692/12.9TJVNF, só se pode concluir pelo bem decidido pelo Tribunal da Relação, portanto, no processo identificado a Ré não foi condenada a pagar as reservas matemáticas.
Dos factos provados somente consta que “a Autora constituiu provisões matemáticas para garantia do pagamento dessas pensões, ascendendo, atualmente, a provisão matemática destinada a assegurar o pagamento da pensão a €80.270,68”
- cfr, ainda, a sentença proferida e constante de fls.92/112 –

Assim, a afirmação contida na decisão da 1ª instância não tem correspondência com os factos provados.

Deste modo, bem andou o Tribunal da Relação em alterar a decisão do tribunal de 1ª instância.

Quanto às pensões pagas pela Autora a FF.

Como se refere no Acórdão recorrido:

“A sinistrada FF intentou contra a Ré acção que correu termos sob o nº 3548/11.8TJVNF, tendo esta sido condenada, por sentença transitada em julgado a 20.01.2015, a pagar-lhe, com base no acidente em identificado em 2):

1. A quantia de € 407.427,87, sendo:

1.1. A quantia de €232.427,87 a título de danos patrimoniais, à qual será subtraída a quantia de €135.988,47 se e quando a sentença proferida no processo nº 2692/12.9TJVNF transitar em julgado e a Ré Allianz proceder ao respectivo pagamento à AA Companhia de Seguros, S.A.;

1.2. A quantia de €175.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

2. Todas as despesas que a Autora vier a suportar relativamente a assistência médica, medicamentos, fisioterapia, dispositivos médicos, roupa adequada à própria e concreta situação de paraplegia da Autora, bem como de todos os custos de manutenção dos equipamentos de ajuda técnica adquiridos ou a adquirir pela Autora;

3. A assistência de terceira pessoa, correspondente a um custo salarial anual igual a catorze meses de retribuição mínima garantida [resposta ao artigo 6º da contestação].

A quantia de € 232.427,87 referida em 1.1. corresponde à dedução do montante de € 100.000,00 anteriormente pago pela Ré e às seguintes componentes:

- € 5.100,00 por perdas na produção agrícola entre Janeiro de 2009 e Outubro de 2011;

- € 5.488,83 por perdas salariais do seu trabalho na ...;

- € 210.000,00 por dano patrimonial futuro decorrente do défice permanente funcional de 83%;

- € 20.241,93 por danos em roupas, telemóvel, óculos e jóias que usava no momento do acidente e despesas de saúde;

- € 14.278,85 relativo a aquisição de equipamentos de ajudas técnicas;

- € 94.769,04 para obras de readaptação na sua habitação [resposta ao artigo 6º da contestação].

O montante de € 135.988,47 referido em 1.1 diz respeito a € 20.459,15 de pensões e € 115.529,32 de reservas matemáticas referidas em 2. QQ. e RR. [resposta ao artigo 6º da contestação].

O montante de € 210.000,00 referido em 1.1. foi calculado tendo por base um rendimento global de € 9.489,50, sendo €1.800,00 de proveitos anuais na actividade agrícola [resposta ao artigo 6º da contestação]”.

Ora, no processo nº3548/11.8TJVNF, decidiu-se que a Ré poderia subtrair a quantia de €135 988,47 à quantia de €232 427,87 (um dos montantes em que a Ré foi condenada a pagar a FF) – indemnização por danos patrimoniais-, “se e quando a sentença proferida no processo nº2692/12.9TJVNF transitar em julgado e a Ré ... proceder ao respectivo pagamento à AACompanhia de Seguros, S.A.”.

Como se refere no Acórdão recorrido não se encontra provado esse pagamento por parte da Ré e a esta caberia fazê-lo nos termos do nº2 do artigo 342º do Código Civil.

Assim, também nesta parte o Acórdão recorrido não merece censura.

                  Por todo o exposto, o recurso terá de improceder.

                 

IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.



As custas ficarão a cargo da Recorrente.

Lisboa, 27 de junho de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

 (Pedro de Lima Gonçalves)


                 

 (Fátima Gomes)

          

 (Acácio das Neves)