Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
765/16.8T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ERRO
ILICITUDE
LEGES ARTIS
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER ACESSÓRIO
BOA -FÉ
PROTEÇÃO DA SAÚDE
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
CONFLITO DE DEVERES
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - No âmbito de um contrato de prestação de serviço médico, assente em procedimento cirúrgico de extracção, o profissional médico assume uma obrigação de resultado quanto à referida extracção com anestesia local, e uma obrigação de meios, quanto à aplicação da técnica adequada e conveniente a esse resultado, assim como no que respeita à actuação envolvente a essa técnica, de acordo com as regras da medicina aceites e seguidas no universo da especialidade (leges artis) à data da intervenção e a conjugação dessas regras com os específicos conhecimentos científicos exigidos ao médico e à sua experiência acumulada.
II - Às obrigações típicas da parte contratual médico aplica-se o princípio geral da responsabilidade contratual, tal como prevista no art. 798.º, n.º 1, do CC, bem como a presunção de culpa, estatuída no art. 799.º, 1, do CC. Registando-se ofensa de direito subjectivo absoluto da contraparte (art. 70.º, n.º 1, CC; arts. 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP) ou norma legal de protecção de interesse alheio na execução desse contrato, estamos perante um concurso de responsabilidade civil negocial/contratual - incumprimento ou cumprimento defeituoso - e de responsabilidade civil extra-negocial/contratual (abrangida na previsão do art. 483.º, n.º 1, do CC). No caso do contrato de prestação de serviço médico, esta última responsabilidade deve ser, em princípio, absorvida ou consumida pela responsabilidade contratual, se a esta houver lugar (e, nesse sentido, houver esse concurso de responsabilidades de diferente natureza, inclusive para o ressarcimento de danos não patrimoniais), sem prejuízo de se poder convocar (em método híbrido de conjugação) as regras jurídicas da responsabilidade delitual sempre que tal se verifique mais adequado à vertente de não cumprimento estrito do contrato e à sua singular ilicitude não negocial (a começar pela consideração do art. 486.º do CC). Indagar a responsabilidade contratual quanto à execução da obrigação (de resultado e de meios) por parte do profissional médico é sindicar a falta de realização integral da prestação devida (arts. 762.º, n.º 1, e 763.º, n.º 1, CC) ou a sua realização defeituosa e/ou a prática de erro de tratamento imputável ao médico nos instrumentos e técnicas utilizados (em razão da conformidade com as regras de leges artis) para a obtenção do resultado acordado para o tratamento/intervenção.
III - A essas obrigações típicas de e na realização do acto médico acresce, em razão de um dever lateral de conduta abrigado nas obrigações secundárias em relação ao cumprimento da prestação principal, ainda que dela se autonomize, imposto pela boa fé objectiva e pela lealdade e confiança que dela derivam para tutela e protecção das posições jurídicas das partes (art. 762.º, n.º 2, do CC), a obrigação de protecção e conservação da integridade física e saúde do paciente (em ultima ratio, a própria vida), que, pela natureza personalista do contrato demandante do serviço médico, não pode deixar de integrar o respectivo âmbito de obrigações exigíveis na esfera de protecção do contrato, no interesse de prevenir consequências indesejáveis decorrentes da prossecução do seu fim e da relação intersubjectiva estabelecida; a lesão da pessoa tutelada - o paciente - deve considerar-se ilícito na forma de violação contratual (positiva, enquanto defeito de cumprimento), resultante do dever de cuidado necessário para evitar esse dano pessoal, susceptível de ser desencadeado pela actividade que a parte devedora está obrigada a executar ou legitimada para realizar contratualmente. O "erro médico" consiste na consecução dessa obrigação de meios com descaracterização e desadequação aos fins do procedimento ou tratamento, numa acção ou omissão reveladas numa tríptica perspectiva comportamental: imprudência, imperícia e negligência.
IV - A referida obrigação de meios, integrada num quadro abstracto, típico e comum de actuação onde se subsume a situação concreta, exige que o profissional médico realize e concretize os procedimentos que, com a certeza possível e adquirida de acordo com as práticas médicas estabelecidas e disponíveis (não sendo a medicina uma ciência dotada de exactidão plena) e as evidências conhecidas e cognoscíveis à data da intervenção e/ou da tomada de decisão, sejam aptos a evitar e a impedir as lesões ou as perturbações da incolumidade física e psicológica do paciente, para além daquela ou daquelas que são inerentes à própria intervenção em que consiste o acto médico "invasivo" (se assim for). Não é de exigir que se adoptem procedimentos que se destinam a evitar cenários que se colocam no domínio da anormalidade (absoluta ou relativa) e/ou da imprevisibilidade manifesta - enquanto inibições para actuar em ordem à evitabilidade objectiva do resultado -, à luz de um padrão de tratamento aceite pela comunidade científica no momento da intervenção médica, a seguir pelo agente médico medianamente competente, prudente, informado e sensato, acrescido da exigência adicional que é de solicitar a um profissional com a qualidade de especialista, com maior grau esperado de conhecimento, perícia e competência, agindo nas mesmas e análogas circunstâncias. É com este conteúdo e densidade que se constrói um verdadeiro dever objectivo de cuidado ou de diligência, mais ou menos qualificado, no cumprimento das regras aceites e conhecidas da ciência da medicina e da arte traduzida na prática médica como critério de ilicitude. Assim densificado, só com a violação do dever de cuidado - avaliado em função de um padrão médio de comportamento, mediatizado pelas referidas legis artis - é que, independentemente das consequências, mais ou menos graves, para o doente, e numa análise neutra a posteriori, teremos um erro juridicamente relevante, base para um ilícito de natureza pessoal e uma responsabilidade subjectiva e com conteúdo ético, averiguando-se no plano de uma ilicitude de conduta de acordo com o cânone exigível a esse profissional medianamente considerado.
V - A averiguação de "erro médico" coliga a averiguação deste dever objectivo de conduta (contrapartida da obrigação de meios quanto aos deveres de conduta profissionais) com o cumprimento do dever lateral de protecção da integridade e da saúde (que também se assimila a um dever de cuidado). Nessa averiguação, não subsiste erro de tratamento se o método cirúrgico e a sua envolvência e preparação são aceites como válidos e adequados numa operação sem complexidade especial, à luz do padrão aceite â data da escolha e da execução do tratamento, para aquela situação em concreto, comunicados (esclarecimento terapêutico) e consentidos pelo paciente de forma livre e esclarecida, sem conhecimento pelo médico de especialidades que ditassem adaptações (leges artis ad hoc) e sem indicação de alternativa cientificamente comprovada de técnica e procedimento que fossem cautelarmente preventivos do evento ocorrido no organismo da paciente, antes surgindo a convicção probatória que o insucesso do acto médico e os danos resultantes se deveram a circunstâncias incontroláveis e indiferentes à aplicação da técnica adequada e da sua preparação anterior (álea relativa às condições pessoais do doente e das suas particularidades biológicas endógenas, no domínio da anormalidade e da imprevisibilidade).
VI- A ilicitude no incumprimento do contrato de prestação de serviço médico é justificada quando se interrompe supervenientemente a execução para cumprimento do dever lateral de preservação da integridade física e corporal, seja por cumprimento de dever imposto por lei relativo a direito absoluto com eficácia erga omnes (v. arts. 25.º, n.º 1, da CRP, e 70.º, n.º 1, do CC) - que afasta a ilicitude do incumprimento contratual (violação do direito de crédito correspectivo) em face do cumprimento de dever de eficácia superior ao dever obrigacional de realização da prestação contratual devida -, seja porque o cumprimento do dever lateral acessório inserido no contrato, relativo à tutela dessa mesma integridade e saúde, assume dignidade axiológico-normativa superior em relação a esse dever de cumprimento da prestação devida (art. 335.º, n.º 2, do CC). Mais do que isso: se ocorre uma circunstância superveniente, não imputável ao devedor médico, assente em facto involuntário e não culposo do credor paciente, que levou a que se frustrassem as condições para o devedor, naquele momento e naquele contexto contratuais, realizar o comportamento devido, tal implica a impossibilidade objectiva (não temporária) da prestação e à consequente extinção da obrigação (arts. 790.º e 792.º, n.º 1, do CC).
VII - O nexo de causalidade adequada, que o art. 563.º do CC impõe como pressuposto da responsabilidade, exige causa jurídica e não causa médica, que integra e se conexiona com a própria determinação do carácter ilícito do comportamento devido. Para esse efeito, é causa adequada o facto (activo e/ou omissivo) se e quando os danos são uma sua consequência normal, típica e ordinária segundo a regra comum, e, por regra, previsível na esfera concreta do sujeito lesante, desde que, para além das situações de certeza inequívoca, o critério da probabilidade medeie a causalidade médica em termos positivos. Não é causalmente adequado o facto se não era de todo provável a sua ocorrência, de acordo com a posição do "observador experimentado" médio e, no caso, dotado dos conhecimentos médicos exigíveis ("médico normal"), colocado na posição concreta (pessoal, espacial e instrumental) do agente lesante médico, e em referência ao momento de verificação do dano (aqui, originariamente, o incumprimento do contrato), não sendo de imputar ao comportamento médico o evento e o resultado lesivo subsequente, que se tornou indiferente ao processo causal enquanto conjunto de circunstâncias que pudessem aumentar ou condicionar essencialmente o risco de verificação do dano - logo, fora da "esfera de risco" que se assume aprioristicamente com o procedimento, pois esta é a esfera que dialoga com a previsibilidade e, por maioria de razão, com a probabilidade causal conducentes à responsabilidade.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 765/16.8T8AVR.P1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 1.ª Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, médico, pedindo a condenação do Réu em indemnização no valor de 193.588,13 €, acrescida de juros vincendos, à taxa legal prevista para os juros moratórios civis, desde a data da citação até integral pagamento, no contexto da prática de acto médico cirúrgico (“extracção de pólipo intestinal”) e suas consequências.

O Réu apresentou a sua Contestação, arguindo a excepção de prescrição quanto ao alegado em sede de responsabilidade extracontratual e impugnando uma parte substancial da factualidade alegada pela Autora. Juntou, em referência ao item 57.º, Parecer de Professor Catedrático de Cirurgia da FMU…. (“Caso de explosão cólica associado a excisão de papila hipertrófica com ansa diatérmica”), que consta a fls. 271 dos autos. Requereu a intervenção principal provocada (arts. 316º e 319º do CPC) da seguradora «Axa Portugal – Companhia de Seguros, S.A.», actualmente «Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.», em virtude de ter celebrado com a mesma um contrato de seguro com transferência da responsabilidade civil extracontratual e contratual pelos actos praticados no exercício da sua profissão de médico gastrenterologista. Em resposta, a Autora pronunciou-se no sentido da improcedência da invocada excepção de prescrição e sobre esclarecimento solicitado pelo Réu sobre a apólice do contrato de seguro, o que motivou a pronúncia do Réu a fls. 299 e ss.

Admitido o chamamento (fls. 279) e cumprido o art 319º do CPC com a citação da Interveniente, apresentou esta a sua Contestação, a fls. 314 e ss, arguindo as excepções de prescrição e de exclusão do dever de indemnizar, esta última em face das condições gerais da apólice do respectivo contrato de seguro (arts. 2º e 5º, j)). Ademais, impugnou a matéria de facto vertida no articulado inicial. Pugnou pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

2. Foi realizada audiência prévia em …… 2016, em que foi proferido despacho saneador (fls. 347 e ss), com identificação do objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Entre outros, foram proferidos despachos a solicitar ao colégio da especialidade da Ordem dos Médicos a elaboração de um parecer sobre os procedimentos adoptados no acto médico em discussão nos autos (que consta a fls. 403 e ss), que respondesse à questão identificada no despacho [“Se se mostra conveniente ou adequado para as finalidades da intervenção em causa (electro-coagulação de um pólipo hemorroidário) a realização de procedimentos prévios de preparação, designadamente, jejum e limpeza da parte distal do intestino”], e a determinar a realização de uma perícia médico-legal, com vista a avaliar os danos e sequelas que a autora apresenta (que consta a fls. 377 e ss, 383 e ss).

3. Tramitada a instância em matéria probatória, foi realizada audiência final de discussão e julgamento em sessões realizadas em …… e ……2018, …..2018 e ……2018.


4. O Juiz 0 do Juízo Central Cível …… (Tribunal Judicial da Comarca……) proferiu sentença em …… 2018, em que, depois de identificadas as questões a dirimir (“a) Responsabilidade (civil) inerente à realização do acto médico descrito nos autos; b) Prescrição do direito invocado pela autora e exclusão, em conformidade com o teor da apólice, do dever de indemnizar relativamente à ré seguradora, caso se entenda ser o réu responsável pelo ressarcimento dos danos que a demandante veio invocar.”), se julgou a acção improcedente por se ter concluído que o Réu não incorreu na obrigação de indemnizar a Autora, ficando prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição, com a consequente absolvição do Réu do pedido.

5. A Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……(TR…), concluindo pela procedência uma vez reconhecida e declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 615º, 1, b), c) e d), do CPC, a modificação invocada da matéria de facto provada e não provada e a revogação da sentença recorrida e condenação do Réu.

Em acórdão proferido em …… 2019, o TR…. julgou improcedentes todas as nulidades invocadas, modificou-se em parte a matéria de facto (provada e não provada) – alteração do facto provado 28.; aditamento do facto provado 87-A; eliminação dos factos não provados 36. e 37 – e julgou-se a acção parcialmente procedente e condenam-se solidariamente o Réu e a seguradora Interveniente a pagar à Autora a quantia de €100.405,15 (cem mil quatrocentos e cinco euros e quinze cêntimos) – (i) “dano decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica” = € 70.000; (ii) “danos não patrimoniais” = € 30.000; (iii) “reembolso de despesas médicas e medicamentosas” = € 405,15 –, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados, sobre € 405,15, desde a citação até à data do presente acórdão, e, sobre € 100.405,15, a partir da data deste acórdão e até ao pagamento[1].

6. Inconformado, o Réu interpôs recurso de revista para o STJ, visando o provimento tendo em conta a violação dos arts. 483º, 487º, 499º, 562º, 563º, 566º, 799º e 1154º, do CCiv., e 154º e 607º do CPC, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:

“(…)

2. O recorrente havia sido absolvido por ter sido entendido não ter praticado nenhum facto ilícito ou culposo.

3. Embora não o diga expressamente, depreende-se da fundamentação do acórdão
que este considerou estar-se perante um contrato de prestação de serviços gerador
de responsabilidade contratual.

4. Mais sustenta que nas intervenções cirúrgicas realizadas no canal anal deve ser considerada a possibilidade dos gases entrarem em contacto com o electrocutor,
provando explosão. E que o recorrente não adoptou qualquer procedimento com
vista a evitar tal contacto que, a ter sido utilizado, teria evitado a explosão e que não
actuou com os cuidados a que, como médico, estava obrigado e de que era capaz.

5. Ou seja, adoptou uma conduta omissiva, geradora de culpa, entendimento que o recorrente não pode aceitar.

6. Antes de mais, diga-se que, como está dado como provado, à recorrida foram explicados os procedimentos necessários ao tratamento que ela manifestou vontade de fazer e no qual consentiu, a explosão, que não é normal, nem usual, foi provocada pela presença de gases explosivos no intestino da recorrida, nos procedimentos realizados no canal anal não é obrigatório proceder-se a técnicas de limpeza ou preparação cólicas de molde a que os resíduos fecais não dificultem ou impeçam uma boa observação e realização dos respectivos procedimentos, a limpeza do recto não impede que os gases provenham de zonas mais a montante e o recorrente interrompeu de imediato o procedimento após a ocorrência da explosão.

7. Daí que o recorrente não tenha descurado nenhuma das suas obrigações, cumprindo escrupulosamente todos os procedimentos adequados à realização do tratamento.

8. A responsabilidade civil médica comporta habitualmente uma obrigação de meios em que o médico se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade para a obtenção de um determinado resultado, sem assegurar a sua produção, cumprindo as exigências das "legis artis".

9. Nessa medida, era à recorrida que competia provar que o recorrente violara os deveres objectivos de cuidado que sobre ele impendiam e que não agira em conformidade com as regras de actuação susceptíveis de, em abstrato, conduzirem à produção do resultado obrigado (não há aqui lugar à aplicação da regra de inversão do ónus da prova prevista no artigo 799º do Código Civil).

10. Apenas haveria incumprimento do recorrente se se tivesse provado o cometimento por ele de falha técnica, por acção ou omissão.

11. A ignição de gases eólicos provocadora das lesões da recorrida, não teve origem em má prática do recorrente, mas resultou antes de um acto natural incontrolável pela boa técnica médica do recorrente.

12. E se ao recorrente não é assacável qualquer responsabilidade no âmbito da responsabilidade extra contratual, a igual conclusão se chega em sede de responsabilidade contratual.

13. O acórdão recorrido "despacha" em três escassas páginas a fundamentação (exígua) da alegada responsabilidade do recorrente, apoiando-se num aresto do STJ que versa uma colonoscopia, procedimento distinto do dos autos,

14. Enquanto que no primeiro está em causa a perfuração do intestino no decurso de uma colonoscopia, o segunda versa uma polipectomia, procedimento médico minimamente invasivo, realizado no canal anal.

15. No caso do acórdão do STJ a perfuração resultou de má manipulação do aparelho por distracção, falta de destreza ou imperícia e no caso dos autos a perfuração teve origem numa explosão decorrente da existência de gases no canal anal da recorrida.

16. Nas colonoscopias a preparação intestinal é fundamental para a qualidade do procedimento e a explosão colónica no seu decurso, embora rara, é temida atenta a acumulação de gás com concentrações explosivas durante o preparo intestinal,

17. Já nas polipectomias, a preparação não é obrigatória e o recorrente não tinha possibilidade de evitar o evento, já que as hipóteses da ocorrência de explosão eram as mesmas com ou sem preparação.

18. Extrapolando de tudo quanto ficou provado, o acórdão recorrido considerou que nas intervenções cirúrgicas no canal anal (não é o caso dos autos) deve ser equacionada a hipótese dos gases entrarem em contacto com o aparelho de electrocoagulação e provocarem uma explosão.

19. Não há nenhum facto provado nos autos que autorize tal conclusão, nem são conhecidas na literatura médica casos de explosão na polipectomia por electrocoagulação.

20. Além de que, como está dado como provado, a limpeza da parte distal do recto não impede que os gases provenham de zona mais a montante pelo que mesmo que fosse obrigatório ou recomendável a realização de uma preparação prévia nem esse facto impediria a existência de gases.

21. Não é por isso possível afirmar que o recorrente deveria ter adoptado um procedimento destinado a evitar o contacto dos gases com o electrocautério, nem que se o recorrente tivesse realizado um qualquer procedimento (que o acórdão nem sequer especifica qual seja) a explosão não teria ocorrido.

22. E se o evento não é normal, usual e conhecido e se a preparação não é obrigatória não se vislumbra como é possível imputar ao recorrente um comportamento omissivo e culposo.

23. Mesmo que assim não se entendesse, nunca se poderia dizer que o recorrente agiu com culpa, definida nos termos do artigo 487º do Código Civil.

24. Num parênteses se dirá que foi mal alterada a resposta ao ponto 28 dos factos provados e que pode ser resposta por este Venerando Tribunal.

25. O acórdão recorrido diz que a explosão era previsível, sem suporte factual, competindo à recorrida provar esse facto, não sendo possível aqui julgar com base em juízos de probabilidade.

26. Quanto aos requisitos da responsabilidade civil, não foi alegado, nem provado, que estamos perante uma actividade perigosa.

27. E no caso dos autos, para além de não haver assim presunção de culpa, o recorrente provou que actuou da forma que a situação impunha.

28. Para responsabilizar o recorrente necessário seria provar-se que ele não empregou todas as providências exigidas para que não ocorresse o evento dos autos.

29. Outrossim, era fundamental que a recorrida tivesse provado a ocorrência de erro médico, violador do contrato de prestação de serviços celebrado.

30. Ilicitude e culpa no acto médico danoso constituem conceitos distintos, a primeira decorrente de erro médico e a segunda imputável a título de negligência.

31. Existe erro médico quando se verificam simultaneamente diversos pressupostos: existência de plano, intencionalidade no seu incumprimento, desvio da sequência das acções previstas, incapacidade de prossecução do objectivo proposto e causalidade.

32. A negligência ocorre quando o médico tinha obrigação de prever determinado resultado.

33. Situações que como resulta do anteriormente exposto não têm aplicação à conduta do recorrente.

34. Não podendo ser o recorrente responsabilizado civilmente com base em incumprimento ou cumprimento defeituoso contratual deve ser revogado o acórdão recorrido.

35. Mesmo que assim não se entendesse, sempre as indemnizações arbitradas a título de dano patrimonial e não patrimonial estariam excessivamente computadas.
36. O acórdão recorrido não refere qual o critério utilizado para o cálculo da primeira.

37. O recorrente entende ajustado aplicar a tabela financeira a uma taxa de juro de 3%, que, considerando a idade, o rendimento, o grau de incapacidade e a expectativa de vida da recorrida, aponta para uma indemnização de € 30.000,00.

38. No que respeita ao dano moral, embora inexistam critérios concretos para o seu cômputo, devem ser considerados vectores sociais, culturais e económicos, balizados por juízos de equidade.

39. Com base nesse critério, a indemnização por dano moral nunca poderia ser fixada em montante superior a € 15.000,00.”

           

7. Por seu turno, a Chamada e Interveniente Principal «Ageas Portugal» interpôs igualmente recurso de revista para o STJ, tendo em vista revogar o acórdão recorrido e absolver do pedido os recorrentes ou, se assim não for, reduzir os montantes indemnizatórios, delimitando-o nas seguintes Conclusões:

“1. A douta sentença recorrida, violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483º, 562º, 563º,566º, 496º, todos do Código Civil.

2. Inexiste, de acordo com a prova produzida, no modesto entender da aqui recorrente, ilicitude na atuação do médico, que conduza à responsabilidade deste e da interveniente e consequente obrigação de indemnizar.

3. Entende a interveniente recorrente que, atenta a prova produzida em sede de audiência, o desfecho que se impõe para a presente ação terá de ser a absolvição.

4. Efetivamente, estamos perante responsabilidade civil médica que comporta uma obrigação de meios e não de resultado.

5. A atuação do médico perante o doente/paciente pode, nuns casos, reconduzir- se às obrigações de meios e, noutros, às obrigações de resultado, dependendo o enquadramento numa ou noutra da ponderação casuística da natureza e do objetivo do ato médico.

6. É de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios – o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução do ato médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e atuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente.

7. Considerando a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas e, portanto, sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento.

8. O que pressupõe que se demonstre, previamente, o incumprimento ou cumprimento defeituoso.

9. O doente terá assim que demonstrar o erro médico que pode resultar de uma observação descuidada do paciente, de um diagnóstico errado ou da prestação de cuidados técnicos desadequados, respondendo o médico por violação de um contrato de prestação de serviços (art. 1154º do CC).

10. É ao paciente lesado por uma intervenção médica que incumbe a alegação e prova do facto, dos danos, do nexo de causalidade entre facto e danos e da ilicitude na atuação dos profissionais de saúde, competindo a estes, em sede de responsabilidade contratual, ilidir a presunção de culpa que sobre eles impende, conforme opinião doutrinal e jurisprudencialmente maioritária, nos termos infra expostos.

11. No que concerne à distinção entre ilicitude e culpa, a ilicitude traduz um juízo de censuraexterno,por contraposiçãoàculpa, entendidacomoum juízo de censura interno, significando que poderia e deveria ter havido uma atuação distinta por parte do agente.

12. Impunha-se à A. demonstrar que o dano que alega resultou de o réu não ter realizado a cirurgia a que estava vinculado de acordo com todos os cuidados que lhe eram exigidos.

13. Não o tempo feito, o réu médico não pode ser responsabilizado civilmente com base em incumprimento contratual ou cumprimento contratual defeituoso.

14. Para a procedência da ação impunha-se a demonstração de algum comportamento do médico que objetivamente considerado se mostrasse contrário ao Direito, com desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado.

15. Na opinião da interveniente, da prova produzida não se consegue descortinar o que o médico fez e não deveria ter feito ou o que não fez e deveria ter feito que consubstancie uma violação da arte médica.

16. Não é suficiente a alegação e prova do dano, isto é, da não obtenção de um dado resultado. É necessário provar a desconformidade objetiva entre os atos praticados pelo médico e os que lhe são exigíveis, atendendo à situação concreta do paciente. No campo da medicina, essa desconformidade objetiva que é a ilicitude, afere-se pela violação das leges artis. Significa, portanto, que a ilicitude na atuação do médico traduz-se no comportamento que aquele tenha tomado que contrarie as guide lines e standards de atuação clínicos, atendendo à situação concreta.

17. Ocorre que, no caso sub judice, não se demonstrou qualquer comportamento adotado pelo R. médico que traduza um desvio desse comportamento diligente.

18. Há que diferenciar os conceitos de culpa e de ilicitude.

19. O comportamento ilícito do R. médico traduz-se na falta de diligência e de cuidado na realização do tratamento a que estava vinculado.

20. O facto ilícito será o comportamento objetivo adotado pelo R. médico que, por contrariar as boas práticas médicas atendendo ao caso concreto, deu lugar aos danos que a lesada alega como causa do ressarcimento peticionado.

21. E este comportamento objetivo não foi provado.

22. Não resulta da matéria de facto provada nenhum comportamento que o R. devesse ter tomado em obediência às boaspráticas médicas atendendo ao caso concreto. O que vale dizer que não existe facto ilícito gerador do dever de indemnizar.

23. Não obstante a prova da ilicitude recair sobre a lesada, esta nada logrou provar nesse sentido.

24. No que concerne à culpa, esta consubstancia-se no juízo subjetivo de reprovação do comportamento adotado. Quer-se dizer que o comportamento do médico que contrarie as leges artis deverá ser alvo de um juízo de censura, seja pela sua vontade no resultado (dolo), seja pela falta de competência manifestada na assunção de tal comportamento (negligência).

25. Impõe-se concluir que não está demonstrada a ilicitude, isto é, o comportamento objetivo adotado pelo R. médico que, por contrariar as boas práticas médicas, deu lugar ao resultado adverso que a A. imputa à cirurgia.

26. O douto Acórdão do qual se recorre fundamenta no sentido da existência de responsabilidade sustentada numa alegada ofensa aos deveres de proteção da integridade física da recorrida, geradora de ilicitude.

27. Refere o mesmo que nas intervenções cirúrgicas realizadas no canal anal há que ser considerada a possibilidade de os gases entrarem em contacto com o aparelho que queima os pólipos por eletrocoagulação, provocando explosão.

28. Que o médico não adotou qualquer procedimento no sentido de evitar aquele contacto que, a ter sido adotado, teria evitado a explosão e, ainda, que o réu não atuoucomos cuidadosaque, comomédico, estavaobrigadoedequeera capaz, o que constituiria omissão que fundamentaria a sua culpa.

29. A recorrente interveniente não pode partilhar de tal errado entendimento.

30. Como está dado como provado (cfr. nos 12 a 22, essencialmente 13, 18 a 22 dos factos provados), foram explicados à autora os procedimentos necessários ao tratamento que ela manifestou vontade de fazer e no qual consentiu (não só o conhecimento das envolvências do procedimento como dos riscos).

31. Sustenta a Autora, fazendo apelo a um documento relativo a literatura médica que fez juntar aos autos, a existência e conhecimento de outras ocorrências como a que se verificou nos presentes autos, que não lhe terão sido esclarecidas.

32. Sem razão, já que o que resulta da referida literatura reporta-se, exclusivamente, a ocorrências verificadas em colonoscopias e não em procedimentos anuscópicos, como o que se discute nos autos.

33. Não se conseguiu demonstrar, quanto a este, qualquer referência, ainda que breve, na literatura médica conhecida, a este tipo de ocorrências surgidas no decurso de um ato médico como o que aqui está em apreço.

34. O que resulta apoiado, também, no Parecer do Colégio da especialidade de Gastroenterologia e no depoimento das testemunhas atrás mencionadas, com experiência nas áreas de Gastroenterologia e Cirurgia Geral.

35. E ainda que se entendesse ser um risco conhecido, na literatura médica, como relativo aos atos médicos como o que aqui está em apreço, o que não se aceita, continuaria a não assistir razão à autora

36. A doutrina que mais domina, na atualidade, e sustenta acervo jurisprudencial sobre a matéria do consentimento, se orienta no sentido da não exigência, em sede informativa, de uma referência à situação médica em detalhe nem referência aos riscos de verificação excecional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados, especialmente àquele tratamento, menos se poderia exigir tal exigência, no presente caso, em que o risco nem sequer era conhecido na literatura médica, em procedimentos como o que está aqui em apreço. Os riscos caraterizados pela extrema raridade, não carecem de ser transmitidos.

37. Não pode, pois, concluir-se, por comportamento ilícito, por parte do réu médico, em sede do consentimento informado.

38. Está também dado como provado (cfr. nos 12 a 22 dos factos provados), que a explosão foi ocasionada pela presença de gases explosivos no intestino da autora, que tal não é normal ou usual, que nos procedimentos realizados no canal anal não é obrigatório proceder-se a técnicas de limpeza ou preparação cólicas de molde a que os resíduos fecais não dificultem ou impeçam uma boa observação e realização dos respetivos procedimentos e que a limpeza do reto não impede que os gases provenham de zonas mais a montante.

39. Conforme resulta dos depoimentos dos médicos especialistas e experientes nas áreas da Gastroenterologia, Dr. CC e DD.

40. O recorrente médico cumpriu com o seu dever, tomando todas atitudes adequadas à realização do tratamento.

41. Está dado como provado, no decurso da anuscopia, realizada no exterior do intestino, para polipectomia anal sob eletrocoagulação, houve ignição de gases cólicos com subsequente explosão.

42. Ignição de gases cólicos não foi motivada por má prática do recorrente médico, mas comportando antes um ato natural incontrolável pela boa técnica médica do recorrente.

43. Nem resulta chamar à colação a literatura médica citada no parecer do Colégio da especialidade, a qual tem por objeto de análise incidentes surgidos no âmbito de intervenções realizadas no intestino, ou sejam as colonoscopias.

44. Inexiste, pois, qualquer responsabilidade do R. médico, não só na perspetiva extracontratual alicerçada na perspetiva da obrigação de meios, como se referiu, nem contratual, contrariamente ao que o douto Acórdão recorrido parece sustentar.

45. O que resulta, perentoriamente do parecer emitido pela Ordem dos Médicos (Colégio da Especialidade de Gastroenterologia) junto aos autos, onde se verifica, claramente, que o réu médico as regras ou procedimentos que estão indicados para o ato médico praticado, quer relativamente aos meios utilizados, quer no que respeita à ausência de preparação.

46. Não estando preenchido o requisito da ilicitude, não se pode concluir estar preenchido o requisito da culpa, existindo violação do disposto nos artigos 483.º, 798.º e 799.º, do Código Civil.

47. Pelo que, repete-se, andou bem o Meritíssimo Juiz de 1ª Instância ao decidir que não foi provado que o R. médico não tivesse observado as “legis artis” e também que não era obrigatória a realização de preparação prévia à intervenção efetuada.

48. O acórdão recorrido faz apelo ao Acórdão do STJ, de 01/10/2015 como espinha dorsal do seu raciocínio.

49. Esse Acórdão, porém, versa sobre um procedimento diferente do que está em discussão nestes autos.

50. No acórdão STJ, de 01/10/2015 cuida-se da apreciação de uma perfuração do intestino por força de má manipulação do aparelho, por distração, falta de destreza ou imperícia. No caso dos presentes autos, a explosão decorrente da existência de gases no canal anal da recorrida.

51. Mas, extravasando de toda a matéria dada como provada, o Acórdão recorrido vislumbrou forma, fazendo apelo a errada semelhança, de optar pela condenação.

52. Entende que nas intervenções cirúrgicas realizadas no canal anal deve ser considerada a possibilidade daqueles gases entrarem em contacto com o aparelho de eletrocoagulação e provocarem uma explosão.

53. Afirma-o sem qualquer rigor científico e à revelia da factualidade dada como provada.

54. Com efeito, não há nos autos nenhum facto que permita sustentar tal entendimento, nem existe na literatura médica nenhum caso conhecido de explosão na polipectomia por eletrocoagulação, mas somente na realização de colonoscopias – cfr. factos 30 a 32 dados como provados. Acresce que (facto provado 33) a limpezada parte distal do intestino (reto) não impede que os gases provenham de zonas mais a montante.

55. Quer isto dizer que mesmo que fosse obrigatório ou recomendável a realização de uma preparação prévia nem isso impediria a existência de gases.

56. Impossível, pois, considerar que o recorrente deveria ter adotado um procedimento destinado a evitar o contacto dos gases com o electrocantério.

57. Assim não é e não se vislumbra, face aos factos dados como provados, como poder concluir-se, como concluiu o Acórdão recorrido, pela responsabilidade do recorrente médico.

58. Ainda que assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite, continua a merecer reparo a sentença proferida, no que tange aos montantes indemnizatórios fixados.

59. Fixou, o douto Acórdão recorrido, a título de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, a indemnização de € 70.000,00.

60. Ainda que se entendesse pela obrigação de indemnizar, o que não se concede, sempre tal quantia, cujo cálculo não mereceu explicação pelos Senhores Juízes Desembargadores, se mostra excessiva, tendo em conta a factualidade dada como provada.

61. No cálculo, há que levar em conta, essencialmente, o grau de incapacidade permanente, o tempo provável da vida laboral do lesado, o salário auferido à data do evento e a depreciação da moeda.

62. Sendo que, se o lesado tem como único rendimento o proveniente da atividade exercida por conta de outrem, deverá atender-se, para o cálculo de eventual perda de ganhos futuros, à duração da vida laboral ativa até à reforma.

63. Está dado como provado nos autos que:
- À data da intervenção cirúrgica, a demandante tinha 36 anos de idade;
- Auferia, como professora, a remuneração média mensal de € 1.500,00;
- É portadora de um défice funcional permanente de 13 pontos:
- As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços ligeiramente acrescidos.

64. Ora, tendo por base tais factos provados e utilizando como auxiliar de cálculo a fórmula anexa à proposta razoável, alcança-se o montante indemnizatório que ronda os € 22.000,00.

65. E se tivermos por base a tabela financeira como auxiliar de cálculo, também se conclui por um númeroque poderá rondar cerca de metade do que foi fixado pelo Acórdão objeto do presente recurso.

66. Contas feitas, de acordo com os critérios habitualmente utilizados e jurisprudência atual, e a normal ponderação segundo a equidade, o montante justo para o caso em apreço, situa-se nos € 30.000,00.

67. É, também, excessivo o montante da indemnização fixado a título de dano não patrimonial.

68. Recorrendo a critérios de razoabilidade e à equidade e, enfim, ao que vai sendo a jurisprudência dos nossos tribunais neste domínio e tendo em conta o quadro factual apurado, constante dos factos dados como assentes, no que concerne à matéria de natureza não patrimonial, resulta exagerada a indemnização de € 30.000,00, a tal título arbitrada.

69. Entendemos, com efeito, que seria correta e suficiente a quantia indemnizatória de € 15.000,00.

70. A douta sentença recorrida, violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483º, 562º, 563º,566º, 496º, todos do Código Civil.”

8. A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido e, previamente, pela inadmissibilidade do requerimento de interposição do recurso, por inobservância do disposto no art. 637º, 1, do CPC, “no que concerne ao efeito e ao modo de subida do recurso interposto”

9. Ambos os recursos foram admitidos, por despacho proferido a fls. 1009, “com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo”.

           

Foram colhidos os vistos legais.

           

Cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS E FUNDAMENTAÇÃO

1. Admissibilidade e objecto dos recursos

1.1. Os recursos de revista preenchem os requisitos de admissibilidade, gerais e especiais: art. 629º, 1, 631º, 1, 671º, CPC.

*

Todavia, a Recorrida Autora, em sede de contra-alegações, invoca a falta de indicação, por parte da Recorrente Interveniente e Chamada (seguradora), do efeito e do modo de subida do recurso interposto, pedindo, em consequência e em face do incumprimento do disposto no art. 637º, 1, do CPC, que o mesmo não seja admitido.

Sucede que a conjugação dos arts. 637º, 1, e 641º, 2, do CPC, implica que a falta de indicação não constitui motivo de rejeição do recurso, podendo ser suprida e/ou determinada pelo tribunal. Ademais, mesmo nos casos em que o recorrente dá cumprimento ao disposto no art. 637º, 1, do CPC, tal não vincula o tribunal a quo, nem o tribunal ad quem, devendo a errada indicação dos efeitos ou do regime de subida do recurso ser oficiosamente corrigida pelo tribunal ou determinada a título próprio (arts. 641º, 5, 652º, 1, a), 653.º e 654.º do CPC)[2]. O que foi feito pelo despacho do Senhor Juiz Relator do tribunal a quo, como consta do Relatório supra, ponto 9.

1.2. Vistas as Conclusões de ambos os recursos, que delimitam o objecto de apreciação nesta sede (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), as questões a dirimir são:

— a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil indemnizatória por acto médico para o efeito de condenação do Réu, em especial visando sindicar a adequação e a preparação do procedimento cirúrgico durante o qual acontece o evento gerador dos danos na esfera da Autora;

— subsidiariamente, no caso de resposta afirmativa à questão precedente,  decidir sobre os montantes indemnizatórios, fixados pela Relação a título de dano patrimonial resultante do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (dano biológico) e a título de danos não patrimoniais.

2. Factualidade

De acordo com as instâncias, ficaram definitivamente provados e não provados os seguintes factos:

2.1. Factos considerados provados:

1 – A autora é casada com EE, em regime de comunhão de bens adquiridos (art. 1º da petição inicial).

2 – A autora é professora …… (art. 2º da petição inicial).

3 – O réu, por sua vez, é médico, especialista em gastrenterologia (art. 3º da petição inicial).

4 – Em …… 2006, a autora foi mãe da sua primeira filha, FF (art. 4º da petição inicial).

5 – E, em ……2012, a autora foi mãe da sua segunda filha, GG (art. 5º da petição inicial).

6 – Na sequência do parto da sua segunda filha, a autora iniciou um quadro de retorragias (art. 6º da petição inicial e art. 20º da contestação do réu).

7 – Motivo pelo qual, em …… 2012, a autora deslocou-se à ……. a fim de ser consultada pelo réu (art. 7º da petição inicial).

8 – Conforme havia sido aconselhada pela sua médica de família, Dra. HH, do Centro de Saúde ……, Unidade …… (art. 8º da petição inicial).

9 – Nessa ocasião, o réu prescreveu à autora, a realização de uma retosigmoidoscopia (art. 9º da petição inicial).

10 – Que se realizou no dia …. 2012, na …… (art. 10º da petição inicial).

11 – O exame revelou a presença no canal anal (trajecto de cerca de 2,5 cms entre a pele e a parte mais distal do intestino grosso ou recto) de um “pólipo hemorroidário” - ou papila hipertrófica - localizado a meio do canal anal, ou seja, a 1/2 cms do orifício anal (art. 11º da petição inicial [Com a rectificação operada em sede de audiência prévia.] e art. 23º da contestação do réu).

12 – Depois da realização do primeiro exame, o réu informou a autor que se estava perante uma lesão sem qualquer gravidade, de prognóstico benigno (art. 24º da contestação do réu).

13 – Mais lhe foi explicado que o tratamento é realizado em ambulatório e consiste na destruição do pólipo por electrocoagulação, através de um anuscópio, após ser ministrada uma anestesia local (art. 26º da contestação do réu).

14 – Tratamento que não poderia ser efectuado na clínica……, por ausência de material, mas sim no consultório do réu (art. 28º da contestação do réu).

15 – O réu indicou à autora o seu consultório particular, sito na Avenida …………, em ………, para nele realizar o acto médico, o que a autora aceitou (art. 16º da petição inicial).

16 – Comprometendo-se a realizar à autora esse mesmo acto médico (art. 17º da petição inicial).

17 – Alguns dias depois foi agendada, por acordo de ambas as partes, dia e hora para a realização do tratamento, ou seja, o dia ……….2016 (art. 34º da contestação do réu).

18 – Tratamento que a autora manifestou vontade de fazer (art. 35º da contestação do réu).

19 – A autora não assinou quaisquer documentos referentes ao consentimento para ser realizado o acto médico (art. 30º da petição inicial).

20 – A assistente do consultório do réu, II, explicou à autora que o tratamento não demandava qualquer preparação prévia, nomeadamente limpeza intestinal (art. 37º da contestação do réu).

21 – Tratando-se da destruição de um pólipo hemorroidório, por electrocoagulação, mediante pequena cirurgia em ambulatório e com aplicação dum anestético local (art. 38º da contestação do réu).

22 – A autora não se opôs à realização do procedimento cirúrgico de remoção do pólipo, tendo consentido que o tratamento fosse realizado (art. 42º da petição inicial e art. 42º da contestação do réu).

23 – Para a realização do acto de remoção, o réu mandou a autora posicionar-se de cócoras (posição genu peitoral) (art. 43º da petição inicial e art. 44º da contestação do réu).

24 – O réu procedeu então à injecção do anestésico local e introduziu o anuscópio (cilindro metálico oco) até que a lesão aparecesse exposta no interior do anuscópio (art. 45º da contestação do réu).

25 – Quando foi accionada a electrocoagulação com vista a queimar o pólipo que se situava em pleno canal anal, aconteceu uma explosão, tendo o réu, acto contínuo, interrompido o tratamento (art. 47º da petição inicial e arts. 46º e 47º da contestação do réu).

26 – A explosão foi ocasionada pela presença no intestino da autora de gases explosivos (metano e/ou hidrogénio) (art. 48º da petição inicial e art. 48º da contestação do réu).

27 – A autora foi violentamente impelida para frente, sentindo dores nos quadrantes inferiores do abdómen, de intensidade crescente (arts. 44º, 45º e 46º da petição inicial).

28 – A situação descrita em 25 não é normal ou usual (art. 49º da contestação do réu). [Alterado pela Relação.]

29 – O réu tem experiência neste tipo de tratamento, por electrocoagulação, sem qualquer tipo de complicações (art. 50º da contestação do réu).

30 – Existem casos relatados na literatura científica médica associados a procedimentos intra cólicos, isto é, no interior do intestino (art. 52º da contestação do réu).

31 – Na realização de colonoscopias, biópsias ou polipectomias intracólicas é obrigatório proceder-se a técnicas de limpeza ou preparação cólicas de molde a evitar que os resíduos fecais não dificultem ou impeçam uma boa observação e realização dos respectivos procedimentos (art. 54º da contestação do réu).

32 – Ao invés, nos procedimentos realizados no canal anal, como é o caso, não se está no interior do intestino mas antes em contacto directo com o ar ambiente, através do anuscópio (art. 55º da contestação do réu).

33 – A limpeza de parte distal do intestino (recto) não impede que os gases provenham de zonas mais a montante (art. 56º da contestação do réu).

34 – Logo após a ocorrência, o réu contactou o INEM para este proceder ao transporte urgente da autora para o hospital, sendo a autora conduzida de imediato serviço de urgência do Centro Hospitalar …… (CH.…) (art. 51º da petição inicial e art. 58º da contestação do réu).

35 – O réu também redigiu uma informação sobre o tratamento em causa, complicação surgida e provável diagnóstico (art. 59º da contestação do réu).

36 – A autora foi admitida nos serviços do CH.… pelas ….  do dia ……2012 (art. 52º da petição inicial).

37 – Apresentando quadro de dor hipogástrica (art. 53º da petição inicial).

38 – E náuseas (art. 54º da petição inicial).

39 – Na sequência da referida explosão (art. 55º da petição inicial).

40 – Ao exame objectivo, a autora apresentava abdómen doloroso à palpação dos quadrantes inferiores (art. 56º da petição inicial).

41 – Dor essa que era mais acentuada na fossa ilíaca direita (art. 57º da petição inicial).

42 – Inexistindo sinais francos de irritação peritoneal (art. 58º da petição inicial).

43 – Através de toque rectal, foi identificada a presença de pólipo do canal palpável e doloroso (art. 59º da petição inicial).

44 – Pólipo esse que o réu se comprometera a extrair (art. 60º da petição inicial).

45 – Não tendo, porém, logrado fazê-lo (art. 61º da petição inicial).

46 – Apresentava ainda fezes normais na ampola (art. 62º da petição inicial).

47 – E pequena quantidade de sangue vivo (art. 63º da petição inicial).

48 – A realização de radiografia do abdómen evidenciou a presença de ar livre em quantidade abundante (art. 64º da petição inicial).

49 – No mesmo dia, a autora foi submetida a laparotomia exploradora (art. 65º da petição inicial).

50 – A qual diagnosticou a presença de conspurcação fecal peritoneal e laceração extensa da ansa sigmóide (art. 66º da petição inicial).

51 – Foi então realizada à autora operação de Hartmann com colectomia segmentar de cerca de 15 centímetros de extensão (art. 67º da petição inicial).

52 – Tendo a autora permanecido internada no serviço de cirurgia geral do CH…. entre ……2015 e ……2012 (art. 68º da petição inicial).

53 – Durante o período de tempo que permaneceu no CH...., foram realizados à autora os exames complementares de diagnóstico e administrados os medicamentos discriminados nos documentos de fls. 140, 141, 144, 145, 153, 154, 155, 156, 158, 160 e 161, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (arts. 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 78º, 79º e 80º da petição inicial

54 – Em ……2012, a autora teve alta para o domicílio, portadora de colostomia temporária (art. 81º da petição inicial)

55 – Com indicação para fazer uma dieta geral, com refeições fraccionadas e boa hidratação oral (art. 83º da petição inicial).

56 – E para se apresentar em consulta externa da especialidade em ...…2012, data em que lhe seriam removidos os pontos de sutura (art. 85º da petição inicial).

57 – O estudo histopatológico da peça operatória (peça de colectomia com vinte centímetros de comprimento) revelou a presença de laceração/perfuração da parede cólica, medindo dois centímetros, distando dois centímetros do topo mais próximo da peça, cuja análise histológica confirmou a presença da referida lesão, associada a edema e infiltrado inflamatório polimórfico adjacente, sem sinais de malignidade (art. 87º da petição inicial).

58 – Em ……2013, a autora foi novamente internada no CH... (art. 88º da petição inicial).

59 – A fim de ser submetida a nova intervenção cirúrgica abdominal, para reconstituição da continuidade cólica após a operação de Hartmann por ruptura traumática do cólon sigmóide ocorrida em …… de 2012, ou seja, para encerramento da colostomia (art. 89º da petição inicial).

60 – Tendo tal intervenção cirúrgica ocorrido em …...2013 (art. 90º da petição inicial).

61 – O pós-operatório imediato decorreu sem intercorrências (art. 91º da petição inicial).

62 – Tendo a autora obtido alta para o domicílio em ……2013 (art. 92º da petição inicial).

63 – Com indicação para fazer repouso relativo (art. 93º da petição inicial).

64 – Para fazer dieta rica em fibras e hidratação oral abundante (art. 94º da petição inicial).

65 – E para retirar os agrafos em consulta externa de cirurgia geral, no dia ……2013 (art. 95º da petição inicial).

66 – Apenas em……. de 2013 a autora retomou a sua actividade profissional (art. 97º da petição inicial). VER

67 – Sendo certo que o fez ainda muito debilitada e apenas por não poder permanecer mais tempo sem leccionar, sob pena de perder lugar na lista de colocação de professores (art. 98º da petição inicial).

68 – Em ……2013, a autora foi novamente internada no serviço de cirurgia geral do CH... (art. 99º da petição inicial).

69 – Onde foi submetida a hemorroidectomia de pedículo patológico, com excisão de pólipo hemorroidário associado (que o réu não logrou extrair à autora) (arts. 100º e 101º da petição inicial).

70 – Na sequência deste evento, a autora teve alta para o domicílio em ……2013 (art. 102º da petição inicial).

71 – Com medicação (art. 103º da petição inicial). 72 – E indicação para comparecer em consulta externa em …… 2013 (art. 104º da petição inicial).

73 – Em virtude das lesões sofridas, a autora teve assim necessidade de fazer as seguintes despesas médicas e medicamentosas:

- Fármacos (paracetamol, klean, buscopan, esomeprazol, dermofix, tramadol, betadine, kelo cote, etc.) – €64,45 (sessenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos)

- Compressas, pensos, saco de colostomia, etc. – €161,95 (cento e sessenta e um euros e noventa e cinco cêntimos)

- Consultas e outros actos médicos (mudança de pensos, emissão de atestado, etc.) – €154,75 (cento e cinquenta e quatro euros, e setenta e cinco cêntimos)

- Exames complementares de diagnóstico (colonoscopia, retossigmoidoscopia, etc.) – €24,00 (vinte e quatro euros) (art. 105º da petição inicial).

74 – A autora teve necessidade de permanecer em repouso durante um período de 170 dias (arts. 106º e 115º da petição inicial).

75 – Tendo necessitado de auxílio na realização das actividades da vida diária (art. 107º da petição inicial).

76 – Incluindo os cuidados à sua bebé recém-nascida, que ainda amamentava (art. 108º da petição inicial).

77 – O que implicou a necessidade de pedir auxílio a familiares para ajudar a autora nas tarefas básicas do dia-a-dia, como tomar banho, cuidar das filhas, tratar das lides da casa, entre outras (art. 109º da petição inicial).

78 – Designadamente, o marido da autora, EE., teve necessidade de permanecer em casa, a fim de prestar auxílio à mesma, durante um mês, com subsequente perda de remuneração (art. 110º da petição inicial).

79 – Como consequência do incidente ora em causa, a autora encontra-se afectada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 13 pontos (art. 111º da petição inicial).

80 – À data do evento a que os autos se reportam, a autora auferia mensalmente um salário bruto de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) (art. 112º da petição inicial).

81 – A ausência (falta) ao trabalho implicou a perda do subsídio de alimentação auferido mensalmente (art. 116º da petição inicial).

82 – A autora nasceu em ……1977 (art. 120º da petição inicial).

83 – A filha mais velha da autora estava, à data do evento em discussão nos autos, prestes a entrar para a escola (art. 134º da petição inicial).

84 – Não tendo a autora podido acompanhar a sua preparação como gostaria (art. 135º da petição inicial).

85 – Como consequência directa e necessária do evento a que os autos se reportam, a autora sente-se desmotivada, perdendo agora mais facilmente a paciência com o marido e as filhas (arts. 138º e 139º da petição inicial).

86 – Cansando-se mais rapidamente e sentindo-se frequentemente desidratada (arts. 142º e 143º da petição inicial).

87 – Ainda na sequência do evento em análise, a autora apresenta as seguintes sequelas, ao nível do abdómen:

- Cicatriz longitudinal paramediana direita, de características cirúrgicas, estendendo-se da região supra-umbilical à região púbica, de contornos irregulares, ligeiramente hipertrófica e aderente aos planos profundos, na região umbilical, condicionando deformidade do mesmo e assimetria; dolorosa à palpação, acastanhada na metade inferior, medindo dezoito centímetros de comprimento por treze milímetros de maior largura;

- Cicatriz distrófica de aspecto queloide, disposta segundo um eixo horizontal na metade esquerda da região umbilical, ostentando um pequeno prolongamento medial, dolorosa à palpação, medindo quatro centímetros e meio de comprimento por cinco centímetros de maior largura. Cicatriz de características semelhantes e inferiormente situada em relação à atrás descrita, medindo cinco milímetros de comprimento por quatro milímetros de largura. No seu conjunto, tais cicatrizes situam-se em área saliente e deformada, medindo dez centímetros de diâmetro, traduzindo-se em ligeira assimetria da parede abdominal (arts. 151º, 152º, 153º, 154º e 155º da petição inicial).

87-A – Durante algum tempo após a 1ª intervenção cirúrgica a Autora ficou incapacitada de pegar na sua filha bebé, o que constituiu e constitui para si profunda mágoa, como mãe. [Aditado pela Relação.]

88 – Durante um período não concretamente apurado, a autora teve de suportar ter um saco pendurado no seu abdómen, para onde via as suas fezes serem depositadas (art. 160º da petição inicial).

89 – A autora sente-se triste, angustiada, desanimada, revoltada com toda a situação (art. 161º da petição inicial).

90 – Não consegue olhar para as suas cicatrizes, sentindo-se desfigurada por elas, pelo que anda sempre com as áreas onde as mesmas se encontram completamente tapadas (art. 165º da petição inicial).

91 – Sendo incapaz de se despir à frente de outras pessoas, o que a privou e priva de frequentar locais como a piscina (art. 166º da petição inicial).

92 – Na sequência do incidente em causa nos autos, a autora teve um défice funcional temporário parcial de 700 dias (arts. 171º e 173º da petição inicial).

93 – Tendo apresentado um défice funcional temporário total de 31 dias (art. 172º da petição inicial).

94 – O evento em causa nos autos implicou também um período de repercussão temporária na actividade profissional parcial que ascendeu a 561 dias (art. 174º da petição inicial).

95 – E um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 170 dias (art. 175º da petição inicial).

96 – O quantum doloris ascende ao grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 176º da petição inicial).

97 – O dano estético, resultante das cicatrizes supra descritas, ascende ao grau 4, também numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 177º da petição inicial).

98 – Ainda na sequência do evento em causa nos autos, a autora sofreu um prejuízo de afirmação pessoal quantificável num grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente (art. 178º da petição inicial).

99 – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº …………… o réu transferiu para a interveniente a responsabilidade civil decorrente de actos praticados no exercício da sua profissão de médico gastrenterologista, o qual se rege pelas cláusulas constantes dos documentos de fls. 228 a 246 e 324 a 328, cujo teor se considera integralmente reproduzido (arts. 1º a 3º da contestação do réu e arts. 17º e 18º da contestação da interveniente).

2.2. Factos considerados não provados [a subordinação destes factos a números não constava da sentença de 1.ª instância e foi feita pela Relação]:

1 – O réu informou a autora que se tratava de uma cirurgia sem riscos associados (art. 14º da petição inicial).

2 – E que a autora ficaria completamente bem e apta para retomar de imediato a sua vida normal (art. 15º da petição inicial).

3 – Não lhe tendo sido então prestados quaisquer esclarecimentos adicionais quanto a este acto de remoção, designadamente como se processava, se existiam alternativas, quais os riscos associados à sua realização, etc. (art. 19º da petição inicial).

4 – Não lhe tendo sido então dada oportunidade de colocar quaisquer questões que pretendesse ver esclarecidas (art. 20º da petição inicial).

5 – Nem tão-pouco lhe tendo sido então solicitado qualquer consentimento, oral ou escrito, para a realização de tal acto de remoção (art. 21º da petição inicial).

6 – No dia ……2012, a autora recebeu uma chamada telefónica, solicitando-lhe a sua comparência no consultório do réu, nesse mesmo dia, a seguir à hora de almoço (art. 22º da petição inicial).

7 – Cumprindo o solicitado pelo réu, a autora deslocou-se ao local, convencida que iria a uma mera consulta de esclarecimentos e eventual avaliação para preparação do acto cirúrgico (art. 23º da petição inicial).

8 – Porquanto não lhe foi dito qual o motivo da convocatória (art. 24º da petição inicial).

9 – Nem lhe foi feita qualquer advertência relativa à mesma (art. 25º da petição inicial).

10 – Não tendo sido informada dos métodos a aplicar, eventuais consequências e riscos para o seu corpo e saúde, eventuais complicações durante e/ou após a cirurgia, medicação utilizada durante ou após o acto cirúrgico, etc. (art. 28º da petição inicial).

11 – Nem prestou o necessário consentimento (art. 29º da petição inicial).

12 – Nesse dia ……2012, a autora fez a sua rotina diária normal, designadamente tendo almoçado, uma vez que não estava à espera de ser sujeita a qualquer intervenção, pois que não a agendou (arts. 31º, 32º e 33º da petição inicial).

13 – A autora não sabia se tinha ou não de fazer qualquer tipo de preparação, designadamente jejum (o que, como veio a perceber posteriormente, é fundamental para este tipo de intervenção) (art. 36º da petição inicial).

14 – Confiando no saber e experiência do réu, e confiando que este teria tomado todas as precauções necessárias e habituais para o tipo de procedimentos em causa, confiou que tudo iria correr bem (arts. 37º, 38º e 40º da petição inicial).

15 – O réu bem sabia que o acto cirúrgico a que submeteu a autora carecia de preparação, designadamente jejum, assim como sabia e sabe os riscos que poderiam advir da ausência dessa preparação prévia (art. 49º da petição inicial).

16 – O marido da autora teve uma perda de remuneração que ascendeu a um total de 642,98 € (seiscentos e quarenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) (parte restante do art. 110º da petição inicial).

17 – Como consequência do incidente ora em causa foi diagnosticada à autora uma incapacidade permanente global de 30% 2 (art. 111º da petição inicial).

18 – A incapacidade que foi diagnosticada à Autora implicará uma perda de rendimento de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros) por mês, ou seja, 5.400,00 € (cinco mil e quatrocentos euros) por ano (art. 113º da petição inicial).

19 – A esperança de vida activa cifra-se nos 65 anos, pelo que, até ao final da mesma, a incapacidade de que a autora ficou a padecer em virtude do incidente em causa nos autos traduzir-se-á numa perda de remuneração num total de 162.000,00 € (cento e sessenta e dois mil euros) (art. 114º da petição inicial).

20 – O subsídio de alimentação auferido pela autora ascendia a cerca de 90,00 € por mês (parte restante do art. 116º da petição inicial).

21 – Tendo a autora deixado de auferir, a título de subsídio de alimentação, o valor total de €540,00 (quinhentos e quarenta euros) (art. 117º da petição inicial).

22 – Devido ao período de ausência a que se viu forçada em consequência das lesões sofridas por causa do acto cirúrgico a que foi submetida, a autora viu ser afectada a sua posição na listagem de colocação de professores (arts. 123º e 124º da petição inicial).

23 – Aquando do evento a que os autos se reportam, a autora tinha colocação para o ano lectivo inteiro, mantendo-se numa escola a leccionar durante esse período de tempo (art. 125º da petição inicial).

24 – Enquanto agora se encontra colocada para fazer substituições mensais, nunca sabendo ao certo se terá lugar onde trabalhar no mês seguinte nem onde terá lugar (art. 126º da petição inicial).

25 – Antes do evento em causa nos autos, a autora levava uma vida activa, sendo pessoa alegre e positiva (arts. 129º e 130º da petição inicial).

26 – Desenvolta e auto-suficiente (art. 131º da petição inicial).

27 – Também com os seus amigos, colegas de trabalho e alunos, a autora vem demonstrando uma irritabilidade que nunca foi normal na sua pessoa, respondendo muitas vezes de forma ríspida, o que dá azo a mal-estar também com os seus amigos e no seu local de trabalho (art. 140º da petição inicial).

28 – Sendo que, neste último caso, um tal facto pode até ser susceptível de pôr em causa as avaliações da autora e, consequentemente, constituir mais uma ameaça à sua posição nas listagens de colocação de professores nos anos subsequentes (art. 141º da petição inicial). 

29 – A autora não tem vontade nem força anímica para prestar à família o apoio que sente que lhes é devido (art. 143º da petição inicial).

30 – O que significa para si grande frustração (art. 144º da petição inicial).

31 – Além de ter perdido a vontade de sair à rua (art. 145º da petição inicial).

32 – Para passear as filhas (art. 146º da petição inicial).

33 – Para estar com amigos (art. 147º da petição inicial).

34 – A autora sente dor forte localizada nas cicatrizes abdominais, que se agrava sempre que flecte o tronco ou se levanta mais rapidamente (art. 156º da petição inicial).

35 – Factor que a impede de fazer certas tarefas domésticas circunstância que a faz sentir tristeza, desmotivação e frustração (art. 157º da petição inicial).

36 – [Eliminado pela Relação.] 

37 – [Eliminado pela Relação.] 

38 – Sente-se um fardo para a família e os amigos, dada a sua incapacidade prolongada para realizar actividades básicas do seu dia-a-dia (art. 162º da petição inicial).

39 – Passou a sentir medo dos médicos, não conseguindo confiar neles com a mesma facilidade com que o fazia antes do sucedido (art. 163º da petição inicial).

40 – Mesmo em frente do seu marido, a autora sente pouco à vontade a tirar a roupa, temendo que as suas cicatrizes mudem o que ele sente por ela (art. 167º da petição inicial).

41 – O que tem afectado a sua vida íntima e tem sido motivo de algumas discussões, pondo em causa a harmonia familiar (art. 168º da petição inicial).

42 – No próprio dia do exame, e antes deste, o réu voltou a explicar à autora todos os procedimentos que ia efectuar ou realizar, bem como a informou que o grau de risco associado era muito diminuto e que uma das complicações possíveis, embora muito improvável, era aquela que veio a ocorrer (arts. 40º e 41º da contestação do réu).

3. O direito aplicável

3.1. Recordemos a posição antagónica das instâncias.

De acordo com a sentença de 1.ª instância, a acção foi julgada improcedente tendo em conta que, por um lado, não entendeu que tivesse sido demonstrada a obrigatoriedade de qualquer preparação (jejum e/ou limpeza intestinal) para a operação médica em questão, de modo que não tenha havido violação das leges artis por parte do Réu médico. Por outro lado, também não se lograva a sua responsabilização de acordo com o regime previsto no art. 493º, 2, do CCiv., uma vez que, ainda que se admitisse estar em causa uma actividade perigosa, não sendo o evento danoso qualificável como normal, usual, nem previsível, não era exigível ao Réu médico que tivesse adoptado qualquer outro procedimento diverso em face das circunstâncias.

Para a Relação …….., uma vez alterada a matéria de facto nos termos vistos[3], e fazendo de âncora o revelado nos Acórdãos do STJ de 01/10/2015 e de 28/01/2016, considerou-se que, não obstante a Autora e aqui Recorrida ter consentido na operação médica que visava a destruição de um pólipo, por electrocoagulação, através de um anuscópio, com anestesia local – a qual se realizava no âmbito de um contrato de prestação de serviços –, tal concordância se limitou à “pequena cirurgia” nos termos e com os efeitos que o médico tinha informado, não abrangendo esse consentimento a lesão que a mesma veio a sofrer em virtude da explosão que teve lugar durante a realização do referido procedimento cirúrgico. Assim, recaía sobre o Réu médico a obrigação de realizar a extracção do dito pólipo mas também o dever de não afectar qualquer outro bem da autora, no âmbito do cumprimento do dever acessório de protecção da integridade física na execução do contrato, que tem uma função auxiliar e conexa de realização positiva da sua finalidade, aplicando-se-lhe, por isso e ainda, o regime dos arts. 798º e ss (responsabilidade contratual) uma vez demonstrada a sua violação, enquanto incumprimento do próprio contrato. Conhecendo-se a possibilidade da existência de gases explosivos nos intestinos e não se podendo ignorar que os mesmos podem ser expelidos, devia ter sido ser considerada a possibilidade de os mesmos contactarem com o aparelho que queima os pólipos através de electrocoagulação e de, com isso, ser provocada uma explosão, a omissão por parte do Réu de medida tendo em vista evitar esse contacto traduz uma falta dos cuidados a que estava obrigado e de que era capaz. O que levou à conclusão de comportamento ilícito e culposo, seja para o efeito da referida responsabilidade contratual, seja para a violação da integridade física a ser sancionada cumulativamente pela indemnização fundada no art. 483º do CCiv. (responsabilidade extra-contratual).

3.2. A operação médico-cirúrgica foi realizada em execução de um contrato de prestação de serviço: art. 1154º do CCiv. («aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição»)[4]. O Réu médico vinculou-se e aceitou executar um acto de anuscopia, para extracção do referido “pólipo hemorroidário” com recurso a electrocução, com ministração de anestesia local, e dar a conhecer o seu resultado clínico, no exercício da medicina a título privado e em regime de profissional liberal – cfr. factos provados 12., 13., 14., 16.; a Autora paciente vinculou-se e aceitou submeter-se a esse acto, depois de um exame de diagnóstico anteriormente feito (“retossigmoidoscopia”) – cfr. factos provados 9., 10., 11 – e consentimento dado em face dos esclarecimentos previamente fornecidos pelo Ré médico e pela sua assistente de consultório – cfr. factos provados 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 20., 21., 22.; e factos não provados 5., 10. e 11.
Assumindo aqui a dicotomia usualmente discutida na relação jurídica com este objecto, vista a natureza e escopo do acto, associados à técnica utilizada, o profissional médico assumiu uma obrigação de resultado[5], quanto à extracção do pólipo detectado em exame de diagnóstico feito previamente[6], e uma obrigação de meios[7], quanto à aplicação da técnica adequada e conveniente a esse resultado, assim como no que respeita à actuação envolvente a essa técnica, de acordo com as regras da medicina aceites e seguidas no universo da especialidade (“leges artis”) e a conjugação dessas regras com os específicos conhecimentos científicos do médico e à sua experiência acumulada[8].
Às obrigações típicas da parte contratual médico aplica-se o princípio geral da responsabilidade contratual, tal como prevista no art. 798º, 1, do CCiv.: «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor.» Bem como a presunção de culpa, estatuída no art. 799º, 1, do CCiv. Registando-se ofensa de direito subjectivo absoluto da contraparte (art. 70º, 1, CCiv; arts. 25º, 1, e 26º, 1, da CRP) ou norma legal de protecção de interesse alheio na execução desse contrato, estamos perante um concurso de responsabilidade civil negocial/contratual – incumprimento ou cumprimento defeituoso – e de responsabilidade civil extra-negocial/contratual (abrangida na previsão do art. 483º, 1, do CCiv.). No caso do contrato de prestação de serviço médico, esta última responsabilidade deve ser, em princípio, absorvida ou consumida pela responsabilidade contratual, se a esta houver lugar (e, nesse sentido, houver esse concurso de responsabilidades de diferente natureza, inclusive para o ressarcimento de danos não patrimoniais), por ser a mais adequada ao princípio geral da autonomia privada e, em regra, mais favorável aos interesses do lesado – como se consolidou dominantemente na jurisprudência do STJ relativa às acções de responsabilidade civil por acto médico[9] –, sem prejuízo de se poder convocar (em método híbrido de conjugação) as regras jurídicas da responsabilidade delitual sempre que tal se verifique mais adequado à vertente de não cumprimento estrito do contrato e à sua singular ilicitude não negocial (a começar, como bem se adequa, pela consideração do art. 486º do CCiv.)[10]. 
Indagar a responsabilidade contratual quanto à execução da obrigação por parte do profissional médico é, assim, sindicar a falta de realização integral da prestação devida (arts. 762º, 1, 763º, 1, CCiv.) ou a sua realização defeituosa – como é o caso, embora se tenha generalizado (ainda que com vozes críticas) que não seja típico das intervenções médicas com funções de cura ou melhoria do estado de saúde a obrigação de resultado, antes precipitam-se em obrigação ou obrigações de meios para a realização do tratamento ou intervenção adequados[11] – e/ou a prática de erro de tratamento imputável ao médico nos instrumentos e técnicas utilizados (em razão da conformidade com as regras de “leges artis”) para a obtenção do resultado acordado para o tratamento/intervenção.
A essas obrigações típicas de e na realização do acto médico acresce, em razão de um dever lateral de conduta – abrigado nas obrigações secundárias em relação ao cumprimento da prestação principal, ainda que dela se autonomize, imposto pela boa fé objectiva e pela lealdade e confiança que dela derivam para tutela e protecção das posições jurídicas das partes, acauteladas jusnormativamente na cláusula geral do art. 762º, 2, do CCiv. e incorporadas nesse amplo “guarda-chuva” da relação jurídica obrigacional complexa – destinado à “função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes”, resultante de tais “tais bens patrimoniais ou pessoais” poderem “ser afectados em conexão com o contrato[12]. Referimo-nos à obrigação de protecção e conservação da integridade física e saúde do paciente (em ultima ratio, a própria vida), que, pela natureza personalista do contrato demandante do serviço médico[13], não pode deixar de integrar o respectivo âmbito de obrigações exigíveis[14], no interesse de prevenir consequências indesejáveis decorrentes da prossecução do seu fim e da relação intersubjectiva estabelecida[15]. Fazendo parte da esfera de protecção do próprio contrato, a lesão da pessoa tutelada – o paciente – deve considerar-se ilícito na forma de violação contratual (positiva, enquanto defeito de cumprimento) por força de “comportamento danoso na actuação ou execução do contrato” e, em conexão com ela, resultante do dever de cuidado necessário para evitar esse dano pessoal, susceptível de ser desencadeado pela actividade que a parte devedora está obrigada a executar ou legitimada para realizar contratualmente[16]

3.3. Estamos perante um erro médico na consecução dessa obrigação de meios desde que o acto da “competência funcional de um profissional de medicina” se revele “descaracterizado e desadequado aos fins que a ciência e a arte da medicina injungiam para a debelação ou minoração de um padecimento previamente diagnosticado e reconhecido pela cognoscibilidade da ciência médica” – tal como definido no Ac. do STJ de 7/3/2017[17]. Que desenvolve em conformidade:
“Afastando os casos e situações em que a acção ou omissão de um profissional da medicina pode ser qualificada como intencional ou dolosa, o erro médico soe revelar-se numa tríptica perspectiva comportamental: imprudência, imperícia e negligência.
(…) a negligência, consistiria em levar a efeito uma acção, ou abster-se de realização de uma conduta positiva, que, segundo as regras, metodologias e conhecimento da ciência médica (relativamente ao caso), deveriam ter sido encetadas, processadas e concretizadas na situação concretamente reconhecida e avaliada.
Já no caso de uma acção ou omissão imprudente, o autor leva a efeito, ou omite, uma acção que, tendo presente a avaliação do caso concreto, não deveria, segundo a arte da medicina, ser levado a cabo ou omitido.
No que concerne à perícia, ou ausência de um adestramento e manuseamento das técnicas da ciência médica, ajustadas e adequadas à situação diagnosticada e conhecida, a acção, ou omissão, de um profissional de medicina deve ser aferido pela inconveniente e inapropriada administração de meios de diagnóstico para avaliação do estado de morbidez do paciente e/ou, malgrado uma correcta avaliação e reconhecimento da doença uma intervenção desviada, descompassada e desconchavada do correcto e reconhecido meio para fazer cessar ou minorar o estado de doença do sujeito passivo.
Naturalmente que, tratando-se a medicina de uma ciência tendencialmente exacta – ao que é possível constatar cada vez menos exacta –, o erro médico não pode ser confundido com a imprevisibilidade – que pode resultar da acção médica, da deficiência ou incorrecta extensão da doença, da impossibilidade de terem sido detectadas elementos desconhecidos e não abrangidos, por exemplo pelos exames de diagnóstico, etc. – ou com factores estranhos e/ou desconhecidos da ciência da medicina.”
Em suma (finaliza o aresto):
“O erro médico resulta quase sempre de uma inadequado e incorrecto exercício, manuseamento de conhecimentos, teórico-práticos, da ciência médica e de que, naturalmente, resulta, na maior parte das situações em que se precipita, num dano para o corpo, para a saúde e para a vida das pessoas que o repercutem na sua esfera vivencial”.

Daqui resulta que a referida obrigação de meios, integrada num quadro abstracto, típico e comum de actuação onde se subsume a situação concreta, exige que o profissional médico realize e concretize os procedimentos que, com a certeza possível e adquirida de acordo com as práticas médicas estabelecidas e disponíveis (não sendo a medicina uma ciência dotada de exactidão plena) e as evidências conhecidas e cognoscíveis à data da intervenção e/ou da tomada de decisão, sejam aptos a evitar e a impedir as lesões ou as perturbações da incolumidade física e psicológica do paciente, para além daquela ou daquelas que são inerentes à própria intervenção em que consiste o acto médico “invasivo” (se assim for).
Não é de exigir que se adoptem procedimentos que se destinam a evitar cenários que se colocam no domínio da anormalidade (absoluta ou relativa) e/ou da imprevisibilidade manifesta – enquanto inibições para actuar em ordem à “evitabilidade objectiva do resultado”[18]–, à luz de um padrão de tratamento aceite pela comunidade científica no momento da intervenção médica, a seguir pelo agente médico medianamente competente, prudente, informado e sensato, acrescido da exigência adicional que é de solicitar a um profissional com a qualidade de especialista, com maior grau esperado de conhecimento, perícia e competência[19] (como no caso: cfr. factos provados 3. e 29.), agindo nas mesmas e análogas circunstâncias[20]. Como se resumiu no Ac. do STJ de 26/4/2016[21], “a responsabilidade médica (…) por violação das leges artis tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção”.

É com este conteúdo e densidade que se constrói um verdadeiro dever objectivo de cuidado ou de diligência, mais ou menos qualificado, no cumprimento das regras aceites e conhecidas da ciência da medicina e da arte traduzida na prática médica (leges artis), como critério de ilicitude – o que joga com a conformidade e respeito de “deveres de conduta profissionais”[22]. Sendo essas leges artis resultantes em grande parte das regras do código deontológico médico, que conformam (mesmo sem dignidade de lei) a conduta médica, mas também de “protocolos, guidelines, reuniões de consenso e de normas legais especialmente atinentes à actividade médica”, bem como da concretização que a lei (especialmente a criminal: arts. 150º, 156º e 157º do CPenal) faz das “regras da profissão médica”, sem prejuízo de uma situação concreta ditar uma solução específica que faça o profissional médico afastar-se, justificadamente, do procedimento commumente aceite, indicado e realizado pela comunidade médica[23]. Assim densificado, só com a violação do dever de cuidado – avaliado em função de um padrão médio de comportamento, mediatizado pelas referidas “legis artis” – é que, independentemente das consequências, mais ou menos graves, para o doente, e numa análise neutra a posteriori, teremos um erro juridicamente relevante, base para um ilícito de natureza pessoal e uma responsabilidade subjectiva e com conteúdo ético – o médico “não se compromete a evitar todas as complicações possíveis, mas vincula-se (…) ao uso de todo o empenho e cuidado no desempenho de uma actividade rodeada de riscos, entre os quais se contam riscos constantes que são os que estão associados (…) ao estado pré-operatório do doente”; levando em conta a obrigação de meios, averigua-se desta forma, e logo no plano de uma ilicitude de conduta[24], “se existe uma desconformidade da concreta actuação do médico com o padrão de conduta profissional exigível a um profissional medianamente considerado, ou seja, se subsiste um desvalor da conduta[25].

É também de acordo com esse critério de observância de “leges artis” que se analisa o aconselhamento médico prévio (em particular depois de diagnóstico), de uma banda, e, em regra, o conteúdo da informação fornecida ao paciente/doente para o escopo de obtenção do seu consentimento livre, consciente e esclarecido. Assim como é com ele que se norteia a averiguação do cumprimento pelo médico de uma obrigação acessória de antecipação dos factores de risco e consequências secundárias adversas inerentes à intervenção médica. Sempre tendo em conta os “elementos relevantes (…) que uma pessoa média, no quadro clínico que o paciente apresenta, julgaria necessários para tomar uma decisão (o chamado padrão do doente médio)”[26].

Por fim, note-se que, em sede de distribuição do ónus da prova perante obrigações de meios, incumbe ao doente-paciente lesado, na qualidade de credor, provar a falta de cumprimento do referido dever objetivo de cuidado na actuação técnica como fundamento de ilicitude na responsabilidade contratual médica (art. 342º, 1, CCiv.) – nele incluindo a obrigação omissiva de não afectar a sua integridade física e saúde –, naturalmente assistido em regra por prova pericial, que complemente e supra a falta de conhecimentos técnico-científicos do paciente onerado, e sem prejuízo de facilitações de prova em benefício do lesado (como o recurso à prova de “primeira aparência”, sem abdicar da valência da “presunção judicial”); sobre o médico, na qualidade de devedor, recai o ónus de (contra-)provar (arts. 342º, 2, 346º, CCiv.) a inexigibilidade de comportamento contrário ao adoptado, em actuação conforme com as leges artis, a fim de afastar a responsabilidade (actuação não ilícita ou justificada; actuação sem ser causa do dano ocorrido; ilidir a presunção da culpa, nos termos do art. 799.º do CCiv.), sendo logicamente mais reforçado este ónus – em contrabalanço do aligeiramento probatório a cargo do credor paciente – nas situações de dano desproporcionado à natureza da intervenção[27].


3.4. No caso em concreto, aconteceu que, no decurso da intervenção, registou-se um evento que determinou a interrupção da execução do contrato (factos provados 25., 43., 44. e 45.): após a “injecção do anestésico local” e de ter introduzido “o anuscópio (cilindro metálico oco) até que a lesão aparecesse exposta no interior do anuscópio” – cfr. facto provado 24. –, “accionada a electrocoagulação com vista a queimar o pólipo que se situava em pleno canal anal, aconteceu uma explosão”, “ocasionada pela presença no intestino da autora de gases explosivos (metano e/ou hidrogénio)” – cfr. factos provados 25. e 26. Em rigor, portanto, essa interrupção desencadeou uma situação de incumprimento definitivo (ou de falta definitiva de cumprimento) do contrato de prestação de serviço médico – ilicitude decorrente da não realização da prestação como resultado devido ao convencionado entre as partes e da concomitante insatisfação do interesse do credor[28] (cfr. ainda o facto provado 69, parte final). O efeito consiste na obrigação ex lege de indemnizar os prejuízos causados ao credor, condicionado, em função da aplicação do art. 798º do CCiv., pela reunião cumulativa dos vários pressupostos constitutivos da responsabilidade civil (devidamente adaptados): o facto objectivo do não cumprimento (comissão ou omissão); a ilicitude; a culpa; o prejuízo sofrido pelo credor; o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

3.5. A ilicitude resulta da “relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado”[29].
No entanto, esta ilicitude encontra-se excluída em razão da ocorrência de uma causa justificativa e legitimadora de não cumprimento: a necessidade de, confrontando-se o devedor com um evento superveniente no decurso da sua prestação debitória, dar prevalência ao interesse da tutela da personalidade da contraparte e, portanto, cumprir o dever de preservação da sua integridade física e corporal (em primeira linha), seja por ser cumprimento de dever imposto por lei relativo a direito absoluto com eficácia erga omnes (v. arts. 25º, 1, da CRP, e 70º, 1, do CCiv.) – que afasta a ilicitude do incumprimento contratual (violação do direito de crédito correspectivo) em face do cumprimento de dever de eficácia superior ao dever obrigacional de realização da prestação contratual devida –, seja porque o cumprimento do dever lateral acessório inserido no contrato, relativo à tutela dessa mesma integridade e saúde, assume, na economia interna do contrato de prestação de serviço médico, dignidade axiológico-normativa superior em relação a esse dever de cumprimento da prestação devida[30], sempre tendo por base o critério geral do art. 335º, 2, do CCiv.[31] (colisão de direitos convolada em “colisão de deveres”, extrapolável para a responsabilidade obrigacional[32]). Naturalmente que este conflito surge durante a execução do contrato mas o critério da resolução implicou que o cumprimento integral – quanto à prestação convencionada do acto médico – não se lograsse obter (gerando-se a convocação do art. 798º do CCiv.), sem prejuízo de se verificarem, em execução do contrato, danos na integridade física e saúde da paciente.
Nesta órbita, portanto, a execução parcial do contrato – ainda que não resultando na obtenção do fim contratual – teve um efeito violador da integridade física contemporâneo ou ulterior à interrupção do acto médico, traduzido num dano – ou em vários danos de verificação simultânea ou sucessiva. Tal implica sindicar – como vimos – a (i)licitude da conduta quanto ao cumprimento (ou não) do dever objectivo de cuidado, imposto pelas leges artis[33], na relação da execução contratual com a tutela (em sentido amplo) do corpo e da saúde do paciente[34] e, concomitantemente, quanto ao cumprimento do dever lateral de protecção da integridade física e da saúde (que não deixa de ser e se assimila neste caso a um dever de cuidado[35]).

3.6. Essa sindicação desemboca, em ambas as perspectivas – coligando-as –, na tarefa de averiguar se houve ou não erro médico na conduta seguida para a realização do acto médico-cirúrgico adoptado pelo médico, no que respeita ao meio escolhido de extracção do pólipo e à inerente actuação quanto à preparação antecedente da paciente, erro esse ao qual será de imputar, ou não, os prejuízos físico-corporais decorrentes dessa execução. A saber:
— “dores nos quadrantes inferiores do abdómen, de intensidade crescente”, imediatamente após a interrupção do acto médico (facto provado 27.);
já no hospital para onde foi conduzida por indicação e informação do médico, “dor hipogástrica”, “mais acentuada na fossa ilíaca direita”, e “náuseas” (factos provados 37., 38., 40. e 41., em relação com os factos provados 34., 35., 36.); “conspurcação fecal peritoneal” e “laceração extensa da ansa sigmóide”/“laceração/perfuração da parede cólica, medindo dois centímetros, distando dois centímetros do topo mais próximo da peça [“de colectomia com vinte centímetros de comprimento”] (…), associada a edema e infiltrado inflamatório polimórfico adjacente, sem sinais de malignidade” (factos provados 50. e 57.), que motivou a realização da “operação de Hartmann com colectomia segmentar de cerca de 15 centímetros de extensão” (facto provado 51.); “colostomia temporária” após alta do hospital para o domicílio (facto provado 54.);
numa segunda estadia no hospital, “reconstituição da continuidade cólica após a operação de Hartmann por ruptura traumática do cólon sigmóide (…), para encerramento da colostomia” (facto provado 59.);
para além das despesas médicas e medicamentosas resultantes da necessidade de acudir às lesões sofridas (facto provado 73.) e das consequências patrimoniais e não patrimoniais relatadas nos factos provados 74. a 79., 83. a 98.
Em suma: pretende saber-se, no essencial, se era ou não de exigir, no âmbito do procedimento cirúrgico de extracção clínica, uma preparação do acto médico que, por exemplo, fosse equiparável à seguida em procedimentos com invasão do cólon, para impedir ou evitar a “explosão” ocorrida nos intestinos em razão da presença de gases, facto esse responsável pela interrupção do tratamento e consequências seguintes na esfera da paciente. 
            Para esse juízo, é fulcral atentar nos seguintes factos provados:

— “A assistente do consultório do réu, II, explicou à autora que o tratamento não demandava qualquer preparação prévia, nomeadamente limpeza intestinal” (facto provado 20.);

— “Quando foi accionada a electrocoagulação com vista a queimar o pólipo que se situava em pleno canal anal, aconteceu uma explosão, tendo o réu, acto contínuo, interrompido o tratamento” (facto provado 25.);

— “A situação descrita em 25 não é normal ou usual” (facto provado 28.);

— “O réu tem experiência neste tipo de tratamento, por electrocoagulação, sem qualquer tipo de complicações” (facto provado 29.); 

— “Existem casos relatados na literatura científica médica associados a procedimentos intra cólicos, isto é, no interior do intestino (facto provado 30.);

— “Na realização de colonoscopias, biópsias ou polipectomias intracólicas é obrigatório proceder-se a técnicas de limpeza ou preparação cólicas de molde a evitar que os resíduos fecais não dificultem ou impeçam uma boa observação e realização dos respectivos procedimentos” (facto provado 31.); 

— “Ao invés, nos procedimentos realizados no canal anal, como é o caso, não se está no interior do intestino mas antes em contacto directo com o ar ambiente, através do anuscópio” (facto provado 32.); 

— “A limpeza de parte distal do intestino (recto) não impede que os gases provenham de zonas mais a montante” (facto provado 33.).

Também se assinala relevante atender a alguma da factualidade não provada, a saber:

— “O réu bem sabia que o acto cirúrgico a que submeteu a autora carecia de preparação, designadamente jejum, assim como sabia e sabe os riscos que poderiam advir da ausência dessa preparação prévia” (15.);

— “No próprio dia do exame, e antes deste, o réu voltou a explicar à autora todos os procedimentos que ia efectuar ou realizar, bem como a informou que o grau de risco associado era muito diminuto e que uma das complicações possíveis, embora muito improvável, era aquela que veio a ocorrer (42.).

Pois bem.

Não estamos perante um erro de diagnóstico, uma vez que a patologia clínica existia realmente – cfr. factos provados 11., 43., 69. Nem sequer estamos perante um erro de técnica, pois não se provou – nem foi levado a base instrutória – que o procedimento cirúrgico fosse inadequado, incorrecto ou desaconselhado para o propósito terapêutico em causa.

Discutimos se houve erro de tratamento, nomeadamente quanto à omissão da preparação antecedente à intervenção, realizada em regime de ambulatório e com recurso a anestesia local.

Sabendo que o procedimento não logrou obter o resultado acordado e pretendido por ambas as partes, não se pode asseverar que, naquele universo factual, o evento interruptivo do tratamento e desencadeador dos actos médico-cirúrgicos ulteriores, sanadores ou recuperadores – a referida “explosão de gases” no canal anal, ocorrida no decurso da electrocoagulação, enquanto método de extracção aceite como válido e adequado numa operação sem complexidade especial e como tal comunicado ao paciente[36] (cfr. factos provados 12., 13. e 21.) –, tenha sido uma decorrência de negligência ou imprudência do médico especialista, que estariam enraizadas na falta da adopção, exigível à luz do cânone de tratamento a atender na situação em concreto, de “técnicas de limpeza ou preparação cólicas”. Mobilizando a factualidade provada:

— por um lado, na medida em que, ao invés de outros exames (como “colonoscopias, biópsias ou polipectomias intracólicas”), tal não é obrigatório, tendo em conta que, “nos procedimentos realizados no canal anal, como é o caso, não se está no interior do intestino mas antes em contacto directo com o ar ambiente, através do anuscópio”;

— por outro lado, “a limpeza de parte distal do intestino (recto) não impede que os gases provenham de zonas mais a montante”, pelo que a adopção de tais procedimentos prévios não assegurariam que o evento, mesmo que fosse de prever, não ocorresse.

Assim: não se pode concluir que o procedimento seguido exigisse diligência diferenciada e prudência de outro quilate e medida, acrescendo que “o réu tem experiência neste tipo de tratamento, por electrocoagulação, sem qualquer tipo de complicações”, logo, sem que se permita identificar uma prática incipiente, inexperiente ou eivada de problemas e incertezas.

Ademais, não dispomos no complexo factual de qualquer indicação para que esse cânone técnico procedimental, entendido na sua globalidade, tivesse que ser alterado no caso concreto deste paciente, de modo que “as especificidades deste” pudessem “ditar adaptações à regra geral” (a chamada leges artis ad hoc, enquanto “especificação da regra abstrata ao caso específico da vida”)[37]. Situação contrária poderia ser aventada se o paciente tivesse informado o médico de alguma sua característica biológica, constitutiva ou funcional (por ex., quanto ao seu trânsito intestinal) – nos termos do art. 1167º, a), do CCiv., ex vi art. 1156º –[38], que levasse à necessidade e exigência de o médico alterar – adaptando-se à singularidade do paciente – o procedimento habitual e padronizadamente seguido para a extracção visada no acto médico. Não foi o caso, de acordo com a factualidade assente.

Por fim, também não se detecta na factualidade qualquer elemento que nos indique a razoabilidade de se assumir a posteriori que outra técnica de extracção deveria ter sido utilizada, eventualmente inibidora do evento ocorrido – nem sequer nos aparece como indicada, em alternativa cientificamente comprovada, qual seria essa técnica e o seu procedimento, que fossem cautelarmente preventivos do evento ocorrido no organismo da paciente. E que, por isso, nos conduzisse a uma desconformidade com as boas práticas médicas avaliadas à data da escolha e da execução do tratamento, ou seja, um tratamento contra legem artis; por outras palavras, que fosse uma técnica minoritariamente aceite e, por essa razão, arriscada, com danos possíveis ou previsíveis e susceptíveis de serem prevenidos[39].

Em suma:
Cabendo o onus probandi à Autora lesada da ilicitude da conduta, como vimos e nos termos vistos, não se logrou reunir uma base factual sólida para que se conclua no sentido do incumprimento da obrigação de meios exigida pelas leges artis, enquando diligência conveniente e adequada à satisfação do interesse do credor, imediatamente com vista ao resultado visado, e, mediatamente, à protecção da sua integridade física e saúde, e da obrigação lateral concomitante. Por outro lado, estando nós perante um dano anormal e desproporcionado neste tipo de intervenções, julgamos que o médico conseguiu lograr que a base factual contivesse elementos suficientes – reiteramos os factos provados 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32. e 33. – para se concluir que o insucesso do acto médico se deveu a circunstâncias incontroláveis, indiferentes à aplicação da técnica adequada e da sua preparação anterior. E sabemos que a matéria de facto provada e não provada, competência das instâncias e da sua respectiva motivação[40], vem delimitar o quadro disponível para a formulação do escrutínio técnico-jurídico – e só deste aqui curamos – sobre os pressupostos da responsabilidade, nomeadamente a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Pois bem.
Nesse quadro factual, torna-se claro e rigoroso salientar que, no que toca à diligência devida na conduta realizada, não curamos de se saber se o acto médico-cirúrgico foi ou não concretizado, mas sim sindicamos saber se, não sendo concretizado e tendo sido interrompido por evento lesivo, tal se deveu à violação das leges artis.
A resposta é negativa. Só haveria ilicitude se o médico tivesse executada a operação a que se vinculou à revelia das leges artis vigentes, em particular no que respeita à preparação clínica do paciente. Daí que só “a alegação e ulterior demonstração, por um lado, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como sendo as apropriadas à execução da intervenção cirúrgica em causa, considerando o estado de doença (…) e, por outro, da sua não utilização com perícia e diligência” por parte do médico permitiriam que se afirmasse a ilicitude da conduta[41]. Ao invés, portanto, a conduta do médico é lícita “se um médico cuidadoso daquela especialidade e categoria teria, pelo menos como possível, seguido o mesmo caminho”, nomeadamente tendo em atenção os chamados índices de evidência na boa prática médica[42]. É ainda (também) lícita se não houve comprovação de qualquer desconhecimento negligente na observância de certo procedimento, seja porque não foi subestimado determinado método ou acto preventivo, seja porque não foi desprezada a evolução do conhecimento da literatura e da prática médicas neste tipo de intervenção[43].  Julgamos que este é o juízo que – não obstante os danos físicos e psicológicos da Autora paciente que os autos nos oferecem – resulta do quadro factual submetido nesta sede ao julgador.

Como se afere, o risco de ocorrência do que se passou em concreto não seria de considerar como previsível no campo da verosimilhança razoavelmente aceite no procedimento típico da intervenção, uma vez atento que “existem casos relatados na literatura científica médica associados a procedimentos intra cólicos, isto é, no interior do intestino” (facto provado 30.), mas não aplicáveis ao caso do acto médico em causa (factos provados 32. e 33.). De uma forma simples, o evento sofrido pela paciente resulta de uma álea relativa às condições pessoais do doente e das suas particularidades biológicas que não era esperada e condicionou irreversivelmente a sua execução. Logo, o evento sofrido pela paciente situou-se no domínio da anormalidade e da imprevisibilidade – v. facto provado 28.* –, sem o inerente preenchimento de comportamento erróneo e potencialmente lesivo (pois nem sequer, na visão apriorística do agente médico, se poderia considerar o evento como consequência e gerador de lesões como remotamente admissível). 

É certo que esse facto provado 28.* não inclui a imprevisibilidade, por alteração feita pela Relação em relação ao segmento final do facto provado pela 1.ª instância. Nem teria que estar. Interessa, nesta sede e em apreciação da questão de direito submetida, tirar relevância da anormalidade e afirmar que, conclusivamente e para efeitos de aferir erro médico por violação de dever objectivo de cuidado, não pode deixar de ser imprevisível – e, assim, não evitável um resultado por antecipação – algo que não é esperado por ser anormal e inusual, sob pena de tudo ser previsível ainda que não seja normal e usual acontecer. Acresce que a imprevisibilidade não está só associada à prática do médico, mas também se relaciona com a forma como determinado doente reage a uma patologia ou a um tratamento[44]. A falta do médico consiste na não mobilização do “risco previsível”, que varia mas pode ser determinado dentro do limite dos conhecimentos (anatómicos, fisiológicos, biológicos) adquiridos; o erro ilícito não se pode mover no “risco imprevisível”, “que se desliga da lição dos factos, inseparável da fatalidade que se cruza cegamente com o destino dos homens”[45].

Por isso, exclui-se, também aqui e ainda no requisito da ilicitude contratual (independentemente de considerações sobre a culpa), um juízo de imputação objectivo que revele incumprimento do contrato de prestação de serviço médico pelo Réu, na perspectiva da obrigação de meios e da obrigação lateral de defesa da integridade física e da saúde da paciente Autora, uma vez que não se verifica inobservância das regras da medicina aplicáveis ao acto médico-cirúrgico, que se demandariam, segundo o estado da arte médica vigente à data, para um acto feito com o cuidado exigível a um médico daquela especialidade e experiência, valorando as circunstâncias do caso em que actou.
Se assim é, poderemos até concluir que, no que respeita à prestação típica e principal do contrato de serviço médico, acabou por ocorrer uma circunstância superveniente, não imputável ao devedor médico, assente em facto involuntário e não culposo do credor paciente, que levou a que se frustrassem as condições para o devedor, naquele momento e naquele contexto contratuais, realizar o comportamento devido, assim como se epilogasse o interesse (primário) do credor nesse comportamento. O que conduziu à impossibilidade objectiva (não temporária) da prestação e à consequente extinção da obrigação (arts. 790º, 792º, 1, CCiv.)[46].
*

Por fim, não se demonstrou que tenha havido intervenção não consentida (que poderia levar a que se concluísse ser ilícita a intervenção em execução do contrato: art. 340º, 1, 3, CCiv,), sendo certo que as informações prestadas para um consentimento livre e esclarecido não implicam que se transmita ao paciente o conjunto de riscos ou efeitos adversos que não sejam típicos – conhecidos e previsíveis –, graves e – ainda –, a não ser que sejam sérios e graves, de forte grau de improbabilidade de ocorrência (em esp., v. os arts. 157º do CPenal; arts. 44º, 2 e 5, e 50º, 1 e 2, do Código Deontológico da Ordem dos Médicos; Norma n.º 15/2013 da Direcção-Geral de Saúde, de 3/10/2013, actualizada em 4/11/2015, ponto 4., als. e), f), g)[47])[48] – v. factos provados 12., 13., 20. e 22.

De outra banda, quanto à preparação antecedente do acto médico, não deixou de se verificar esclarecimento próprio sobre a actuação da paciente antes do exame, de acordo com o dado como conhecido e adquirido na experiência do Réu médico – cfr. facto provado 20. Em rigor, não se tratou de informação adequada ao consentimento; antes de esclarecimento terapêutico, que não tutela a auto-determinação do paciente mas sim o seu corpo e saúde, sendo, portanto, a sua omissão discutida – como já foi – em sede de erro na execução do acto médico[49] – com resposta negativa.


3.6. Quanto aos pressupostos da responsabilidade, é ainda avisado enfatizar que o nexo de causalidade que o art. 563º do CCiv. impõe não se verifica, ainda como efeito do que antes ficou considerado. A questão que se colocaria seria a de sindicar se a omissão da preparação clínica da paciente, no contexto do processo global do acto médico, constitui causa adequada para o dano que efectivamente se verificou.

Causa jurídica para determinação de responsabilidade, bem entendido, e não causa médica[50].

E causa que integra e está em íntima conexão com a própria determinação do carácter ilícito do comportamento devido que se avalia[51].
            Vejamos, partindo do quadro da disciplina geral[52] para a aplicação na responsabilidade médica.
*

Para que surja a obrigação de indemnizar, é sempre necessário afirmar que os prejuízos que se pretendem indemnizar sejam causados pelo facto – nexo de causalidade. Este verdadeiro requisito constitutivo da responsabilidade civil (contratual ou delitual) tem uma “função dupla”: “limitar (sendo pressuposto) e fundar positivamente (sendo também medida) a indemnização”[53].

O conceito de causa juridicamente relevante está consagrado positivamente no art. 563º do CCiv.: «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». O que significa que, em termos simples e de acordo com a melhor interpretação, só temos causa adequada se, para além de, em concreto, uma certa causa ter sido condição de um determinado efeito, também em abstracto, pela sua “natureza geral” e “segundo o curso normal das coisas”, se revele apropriada para produzir esse efeito, de acordo com um juízo de probabilidade na imputação do dano. A condição não será imputável à esfera ou âmbito de responsabilidade do agente lesante quando era de todo indiferente para o surgir de um tal dano e se tornou uma condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias ou anormais (formulação negativa da “causalidade adequada”); a inadequação “existirá quando o evento, segundo o normal decurso das coisas e a experiência da vida, não eleva ou favorece, nem modifica o círculo de riscos da verificação do dano”[54]. E, nesse contexto, o julgador tem de se referir “ao momento da prática do facto, considerando não apenas as circunstâncias eventualmente conhecidas pelo (eventualmente) obrigado à indemnização, mas igualmente todas aquelas que, nessa altura, eram cognoscíveis ou reconhecíveis a um observador experimentado, ou com cuja existência ele tinha de contar de acordo com a experiência da vida (é a chamada ‘prognose posterior objectiva’ (…)”, na medida do “conhecimento de circunstâncias que não foram ao tempo reconhecíveis pelo agente, mas que o seriam para um qualquer terceiro”[55].

Em face dos factos considerados provados e não provados, não era de todo provável, de acordo com a posição do “observador experimentado” médio e, no caso, dotado dos conhecimentos médicos exigíveis – “médico normal”, “sensato, razoável e competente, situado no mesmo espaço temporal (os conhecimentos científicos variam muito temporalmente), da mesma categoria daquele médico e a atuar nas mesmas condições” (art. 487º, 2, do CCiv.)[56] –, colocado na posição concreta (pessoal, espacial e instrumental) do agente lesante médico, e em referência ao momento de verificação do dano (aqui, originariamente, o incumprimento do contrato), que houvesse de imputar ao facto da falta de preparação clínica da paciente e àquele procedimento cirúrgico de extração o evento que veio a ocorrer e o resultado lesivo subsequente.

O que se exige é que o facto seja objectivamente uma causa adequada para a produção lesiva tendo em conta o processo factual que conduziu ao dano, pois é este que “há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano”[57]. Por outras palavras: é causa adequada o facto – neste caso, activo e, acima de tudo, omissivo – se e quando os danos são uma sua consequência normal, típica e “ordinária” segundo a “regra comum”[58] (e, por regra, previsível na esfera concreta do sujeito lesante[59]), desde que, para além das situações de certeza inequívoca, o critério da probabilidade medeie a causalidade médica em termos positivos.

Não foi o caso, pois foram circunstâncias anómalas que, sem intervenção da vontade de médico e paciente, acabaram por proporcionar que o acto médico, na sua execução e incumprimento contratual, fossem condição de verificação do dano.

Neste contexto, também não se prova que o procedimento cirúrgico foi o responsável por desencadear a reacção biológica no organismo da paciente, ou seja, que tenha gerado outra condição posterior que, esta sim, causasse directamente o dano (causalidade indirecta, desde que esta segunda condição se mostre consequência também adequada do facto que deu origem à primeira)[60].

Numa perspectiva global, olhando para os factos, uma eventual consequência de “explosão de gases” no decurso da intervenção era indiferente ao processo causal descrito, na medida em que levar a cabo a referida acção médica e realizá-la sem tal preparação, não exigível pelo dever objectivo de cuidado naquele tipo de procedimento médico, não aumentou nem condicionou essencialmente o risco de verificação do dano que se intenta ressarcir, num juízo exclusivamente feito no momento da intervenção.

Numa outra visão (superadora e imputacional): não se pode dar como uma acção incluída na "esfera de risco encabeçada pelo lesado, pelos terceiros que compõem teluricamente o horizonte de actuação daquele, e ainda com a esfera de risco geral da vida" e a “esfera de risco titulada pelo lesado” (role responsability), isto é, na esfera de risco que se assumiu com aquele procedimento, na qual se encaixasse o dano enquanto evento a evitar – ou que seria de evitar – com o cumprimento do dever de cuidado, desde logo porque é com essa esfera que dialoga a previsibilidade (enquanto “cognoscibilidade do potencial lesante da esfera de risco que assume, que gera ou que incrementa”)[61] e, por maioria de razão, a probabilidade causal, conducentes à responsabilidade.

Pelo contrário: o infeliz e dramático resultado lesivo não se registou por ausência de um procedimento que as leges artis impusessem ou obrigassem (dever de cuidado), de forma a imputá-lo ao médico enquanto responsabilidade no círculo de riscos inerente a este preciso e concreto acto médico-cirúrgico executado no contrato não cumprido. Ocorreu – no plano da “particular constituição e fisiologia” do doente[62] – por circunstância de verificação “anormal e não usual”, após uma acção biológica endógena ocorrida no organismo do paciente durante a intervenção, sem relação de necessidade e de probabilidade com a intervenção e a sua preparação – cfr., em especial, factos provados 32. e 33. (“A limpeza de parte distal do intestino (recto) não impede que os gases [responsáveis pela explosão no canal anal: facto provado 26.] provenham de zonas mais a montante.”]. E, assim, geradora, para o médico, da perda do domínio da situação prevista e à interrupção, devida a facto do próprio lesado paciente, do nexo causal de imputação do dano ao acto médico e ao seu círculo de risco.[63]

Em suma, o facto facto omissivo antecedente do acto médico – em rigor, o acto médico sem preparação – e o método/procedimento cirúrgico escolhido de extracção não foram causalmente adequados – numa perspectiva jurídica, repita-se – a produzir os danos verificados em momento contemporâneo e/ou ulterior a esse acto médico, não se preenchendo, também por esta via, o art. 798º, 1, por não se lograr aplicar o art. 563º do CCiv.

*
Em conclusão:
Quer por ausência de ilicitude, quer por ausência do nexo de causalidade entre o facto médico (nomeadamente na ausência de preparação para o acto) e os danos sofridos, não se verifica viável a atribuição de qualquer responsabilidade – sem necessidade de se discutir qualquer outro pressuposto constitutivo da responsabilidade ex art. 798º do CCiv. – pelas despesas e situações de dano físico e psicológico que a Autora sofreu em momento contemporâneo e posterior àquele em que o Réu executou (sem realização da prestação devida) a sua obrigação no contrato acordado com a Autora. Resulta daqui o provimento das Conclusões do Réu e da Interveniente Principal.
*

            Fica, assim, prejudicado o tratamento das questões suscitadas pelos Recorrentes nas alegações de recurso, dependentes, subsidiariamente, da responsabilidade civil indemnizatória ao Réu (art. 608º, 2, 1.ª parte, CPC).

           

III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, repristinando-se o disposto pela sentença de 1.ª instância, ainda que com fundamentação adicional e diversa.
*
Custas pela Recorrida (art. 527º, 1 e 2, CPC).


STJ/Lisboa, 15 de Dezembro de 2020


Ricardo Costa (Relator)



Ana Paula Boularot



Fernando Pinto de Almeida
(Com declaração de voto de Vencido)

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)



_____________________

Declaração de voto:

Não obstante a extensa e douta fundamentação que fez vencimento, não posso deixar de referir um aspecto que me parece essencial: não encontro fundamento para a afirmação de que a preparação (limpeza) da intervenção médica aqui discutida não fosse exigível ou, pelo menos, aconselhável, por adequada a prevenir um risco que, não sendo usual, poderia ocorrer.

Com efeito, apenas se provou que a mesma não é feita habitualmente, o que se justificaria por a limpeza do canal anal (rectal) não impedir que os gases provenham de zona mais a montante. O que me parece é que essa razão não é determinante, já que não exclui que a limpeza dessa zona mais a montante (colon) não pudesse eliminar a presença de gases.

A meu ver, se existe o risco de o evento danoso se produzir – como o próprio réu admitiu (arts 41 e 42 da contestação) e a Relação confirmou ao excluir que fosse imprevisível –, como veio efectivamente a verificar-se, não concebo que se sujeite o paciente a esse risco, sem se adoptarem medidas adequadas a evitá-lo.

Em suma, entendo que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade – o facto voluntário, a ilicitude (violação da integridade física da autora), a culpa (por não terem sido adoptados os cuidados necessários para evitar a ocorrência do evento danoso), o nexo de causalidade (a intervenção foi condição do dano, não tendo concorrido para este qualquer circunstância estranha e extraordinária) e, evidentemente, o dano – pelo que, aderindo aos respectivos fundamentos, confirmaria o acórdão recorrido.

F. Pinto de Almeida

_______________________________________________________


[1] Deve entender-se a existência de lapso de escrita no dispositivo decisório do acórdão recorrido, na medida em que resulta do texto do acórdão que os juros devidos, a partir da prolação da decisão, são os que incidem sobre as quantias indemnizatórias fixadas a título de dano decorrente do défice funcional permanente (€ 70.000,00) e de danos não patrimoniais (€ 30.000,00), que perfazem a quantia de € 100.000,00, em detrimento, portanto, da quantia referida.
[2] V. ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 637º, pág. 133, sub art. 641º, págs. 180, 185.
[3] Destaque-se a modificação do facto provado 28., que passou de “A situaçãso descrita em 25 não é normal ou usual, nem previsível” para “A situação descrita em 25 não é normal ou usual”, em referência ao facto provado 25. (“Quando foi accionada a electrocoagulação com vista a queimar o pólipo que se situava em pleno canal anal, aconteceu uma explosão, tendo o réu, acto contínuo, interrompido o tratamento.”).
[4] Aceite há muito na doutrina, seguindo a tradição dominante do direito estrangeiro: v. J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, “A responsabilidade civil do médico e o seu seguro”, Scientia Iuridica, 1972, págs. 329, 337, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, CJ, 1983, I, págs. 341, 343, JOÃO ÁLVARO DIAS, “Breves considerações em torno da natureza da responsabilidade civil médica”, Revista Portuguesa do Dano Corporal, 1993, n.º 3, págs. 27 e ss, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis de prestação de serviço médico”, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, Lisboa, 1996, págs. 82 e ss, em esp. 85 e ss; ÁLVARO GOMES RODRIGUES, “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos”, Direito e Justiça – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2000, pág. 180; RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico. Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 56 e ss, em esp. 60-61, 70 e ss; PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Responsabilidade civil por acto médico ou omissão do médico. Responsabilidade civil médica e seguro de responsabilidade civil profissional”, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Volume II, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 462 e ss, 465-466, VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico ao problema jurídico. Breves notas sobre o acolhimento da responsabilidade civil e criminal na jurisprudência nacional, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 39, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, págs. 665 e ss, em esp. 671 e ss.
[5] V., por todos, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 1040: “quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um certo efeito útil”
[6] Estamos perante um procedimento de aleatoriedade reduzida e finalidade garantida previamente ao paciente: v. RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., págs. 98 e ss. Também ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direito dos pacientes… cit., págs. 717 e ss, para a identificação de uma obrigação “intrinsecamente de resultado”, sem, à partida, “carácter aleatório”.
[7] V. ainda ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 1039: “(…) em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza (ex.: a obrigação contratual do médico de empregar a sua ciência na cura do doente (…)”.
[8] V., para confirmação, apenas para amostra, JOÃO ÁLVARO DIAS, “Breves reflexões…”, loc. cit., págs. 49-51, RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., pág. 119.
[9] V., como exemplo de uma pronúncia depois seguida em variados arestos, o Ac. do STJ de 22/9/2011, processo n.º 674/2001.PL.S1, Rel. BETTENCOURT DE FARIA, in www.dgsi.pt. Em geral, na doutrina, v., para a defesa de um sistema de não cúmulo, assente num “concurso aparente, legal ou de normas, (…) em que só «aparentemente se pode falar de um concurso, já que nos deparamos com uma única conduta ilícita – a merecer, portanto, uma só indemnização”, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., págs. 548 e ss. ­
A questão está claramente em aberto e é de discussão farta e plural no que toca à responsabilidade médica, como se pode verificar, entre outros, em ÁLVARO GOMES RODRIGUES, “Reflexões…”, loc. cit., págs. 191 e ss; VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico… cit., págs. 35 e ss; NUNO PINTO OLIVEIRA, “Ilicitude e culpa na responsabilidade médica”, (I) Materiais para o Direito da Saúde n.º 1, Instituto Jurídico da FDUC/Centro de Direito Biomédico, Coimbra, 2019, págs. 19 e ss, partindo da assunção de que “[e]ntre os deveres contratuais e os deveres extracontratuais dos médicos não há nenhuma dife­rença fundamental” e optando por uma combinação diferenciada dos regimes concorrentes (págs. 32-33, 36 e ss).
[10] Para argumentos ponderosos, v. ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., págs. 749-753, FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, “Responsabilidade civil médica: breves reflexões em torno dos respectivos pressupostos”, CDP n.º 43, 2013, págs. 63-65.
[11] V. RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., págs. 90 e ss, 115 e ss, “Da tutela do doente lesado – Breves reflexões”, Revista da FDUP, 2008, págs. 444 e ss, com relativização das obrigações de meios e transmutação em resultado (mediato) de não destruição das chances de atingir o fim pretendido com o acto médico (cura, sobrevivência, a não consumação de uma deficiência ou de uma incapacidade); convergente: PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Responsabilidade civil por acto médico…”, loc. cit., págs. 476-478 (distingue “resultado último de uma intervenção médica do resultado concreto da actividade desenvolvida pelo médico). Antes, desvalorizando e dissolvendo a obrigação de meios no resultado do “tratamento”, em adequação ao art. 1154º do CCiv., v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis…”, loc. cit., págs. 110 e ss.
Elucidativos sobre a construção que se generalizou, na jurisprudência, entre muitos outros, v. os Acs. do STJ de 17/1/2013, processo n.º 9434/06.6TBMTS.P1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, e de 2/6/2015, processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1, Rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, sempre in www.dgsi.pt.
[12] CARLOS MOTA PINTO, Cessão da posição contratual, Almedina, Coimbra, 1982 (reimp.), pág. 339 (em continuidade das prévias 337-338) e nt. 2, ss, 402 e ss; sublinhado nosso. Convergente: ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 552, no contexto da defesa da consumpção da responsabilidade extracontratual pela contratual, que permite a convocação da “relação obrigacional complexa, concebida como um todo e um processo dirigidos à tutela dos interesses globais das partes nela envolvidos” e, nesse aproveitamento, a determinação de “deveres de protecção e cuidado para com a pessoa e o património dos intervenientes”. 
[13] Por exemplo, RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., pág. 71: “relação firme de confiança”, “contrato intuitus personae” (para esta configuração do contrato de prestação de serviço médico, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis…”, loc. cit., págs. 84, 89).
[14] Neste sentido, a comungar, os Acs. do STJ de 1/10/2015, processo n.º 2104/05.4TBPVZ.P.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, e de 28/1/2016, processo n.º MARIA DA GRAÇA TRIGO – seguidos pelo acórdão recorrido nesta aceitação do conteúdo obrigacional do contrato –, sempre in www.dgsi.pt. Na literatura da responsabilidade médica, convergentes, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis…”, loc. cit., pág. 113,  ÁLVARO GOMES RODRIGUES, “Reflexões…”, loc. cit., pág. 184, 197, RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., págs. 79 e ss, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., pág. 744.
Note-se que estes deveres (e os outros deveres secundários acessórios) “avultam sobretudo nas relações obrigacionais que (…) comprometem especialmente a personalidade dos contraentes no correcto cumprimento dos deveres contratuais”: ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10.ª ed., 2000 (reimp. 2005), pág. 126; também RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações, FDUC, Coimbra, 1983, pág. 67. Para a configuração do contrato de prestação de serviço médico como sendo celebrado intuitu personae, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis…”, loc. cit., págs. 84, 89.
[15] CARLOS MOTA PINTO, Cessão… cit., págs. 348-349.
Os deveres laterais com finalidade negativa, onde se poderá integrar o que acabámos de identificar, são crismados e aceites como “deveres de protecção”, inspirado na dogmática de Hans Stoll, por MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Contrato e deveres de protecção, Separata do Volume XXXVIII do Suplemento ao BFDUC, Coimbra, 1994, págs. 41-43 (em esp. nt. 71), 44 e ss, 143 e ss (onde se autonomizam os deveres a que se devem observância durante a execução do contrato, no que toca aos riscos que a própria prestação deficiente potencie em relação a bens do credor), em crítica à tese da sua irrelevância na responsabilidade e enquadramento directo na cláusula do art. 483º, 1, do CCiv, a cargo de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no direito civil, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 603-604, 639-640.
[16] Seguimos ainda CARLOS MOTA PINTO, Cessão… cit., págs. 404 e ss, em esp. 409-410.

[17] Processo n.º 6669/11.3TBVNG.S1, Rel. GABRIEL CATARINO, in www.dgsi.pt.
[18] MARIA PAULA RIBEIRO DE FARIA, “O erro em medicina e o direito penal”, Lex Medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde, 2010, n.º 14, pág. 24.
[19] Desenvolvidamente, v. JOÃO ÁLVARO DIAS, “Culpa médica: algumas ideias-força”, Revista Portuguesa do Dano Corporal, 1995, n.º 5, págs. 21 e ss, 29 e ss.
[20] V. Ac. do STJ de 28/5/2015, processo n.º 3129/09.6TBVCT.G1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt.
[21] Processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, Rel. SILVA SALAZAR, in www.dgsi.pt.
[22] ANDRÉ DIAS PEREIRA, “Breves notas sobre a responsabilidade médica em Portugal”, Revista Portuguesa do Dano Corporal n.º 17, 2007, pág. 17.
[23] V. VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico… cit., págs. 45-46, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., págs. 761 e ss.
[24] V., sobre a dicotomia com a “ilicitude do resultado”, JORGE SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 301 e ss.
[25] MARIA PAULA RIBEIRO DE FARIA, “O erro em medicina…”, loc. cit., págs. 11, 13-14, 18 e ss, 23 e ss.
[26] Embora se possa e deva ir mais longe em determinadas circunstâncias e atendendo a certos factores de esclarecimento mais qualificado e completo para ser suficiente: v. GUILHERME DE OLIVEIRA, “Estrutura jurídica do acto médico”, Temas de direito da medicina, 2.ª ed., Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 66 e ss, a quem pertence a citação, na sequência do seu anterior “Estrutura jurídica do acto médico, consentimento informado e responsabilidade médica”, RLJ n.º 3819, 1992, págs. 167 e ss.
[27] V., neste sentido e inequivocamente, os Acs. do STJ de 24/4/2016, processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, Rel. SILVA SALAZAR, e de 23/3/2017, processo n.º 296/07.7TBMCN.P1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.
Na doutrina, em geral e por todos, MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil. Responsabilidade civil. O método do caso, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 81-82 (“é (…) ao credor que compete identificar e fazer provar a exigibilidade de tais meios ou da diligência (objetivamente) devida. (…) se a falta de cumprimento carece sempre de ser positivamente demonstrada pelo credor lesado, esta exigência traduz-se aqui, em termos práticos, na demonstração da ilicitude da conduta do devedor. (…) Ele [credor] tem sempre de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios não foram empregues ao devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada.”), com confirmação na responsabilidade médica a pág. 116. Em particular, v. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, loc. cit., págs. 344-345, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Os contratos civis…”, loc. cit., págs. 117-118, JOÃO ÁLVARO DIAS, “Breves considerações…”, loc. cit., págs. 30-31, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Da prova na responsabilidade civil médica”, Revista da FDUP, 2004, págs. 115 e ss, 177 e ss, RUTE TEIXEIRA PEDRO, “Da tutela do doente lesado…”, loc. cit., págs. 421-423, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., págs. 701-702, 709 e ss, 776 e ss, 787 e ss, MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “Algumas considerações acerca da causalidade e da imputação objectiva ao nível da responsabilidade médica", Direito da Saúde – Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Guilherme de Oliveira, Volume 2, Profissionais de saúde e pacientes. Responsabilidades, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 48 e ss, NUNO PINTO OLIVEIRA, “Ilicitude e culpa na responsabilidade médica”, loc. cit., págs. 81 e ss, com vária jurisprudência, em esp. 87.
[28] Sobre o ponto, v. ANTUNES VARELA, Das obrigações, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997 (reimp. 2009), págs. 16-17, 60, 62, 63-64, 92.
[29] ANTUNES VARELA, Das obrigações, Volume II cit., pág. 94.
[30] V. PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1972, págs. 153 e ss (em esp. 163, 164-165, para o campo da responsabilidade obrigacional), 167 e ss (em esp. 174-175), ANTUNES VARELA, Das obrigações, Volume II cit., págs. 94-95 (o não cumprimento da obrigação pode constituir um acto lícito nas situações em que proceda do cumprimento de um dever), RABRINDANATH CAPELO DE SOUSA, O direito geral de personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, págs. 437-438, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997 (reimp. 2000), págs. 342-343, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 335º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord. A. Menezes Cordeiro, 2020, pág. 946.
[31] «Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.»
[32] Claramente neste sentido, v. PESSOA JORGE, Ensaio… cit., pág. 174 (acrescentando os arts. 336º, 3, 337º e 339º, 1, do CCiv.), ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., págs. 568-569, e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, II, Direito das obrigações, III, Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 485-486.
[33] V., nomeadamente, os arts. 4º da Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: convenção sobre os di­reitos do homem e a biomedicina («Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efectuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto.»; Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 19/10/2010, in DR, I Série-A, n.º 2, de 3/1/2011), 150º do CPenal, 135º, 1, 8 e 10 do Esta­tuto da Ordem dos Médicos e 4º, 1 e 8, 5º, 8º, 1, e 10º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 707/2016, de 20 de Maio (in DR, 2.ª Série, n.º 139, de 21/7/2016).
[34] V., eludicativo e rigoroso, o Ac. do STJ de 22/3/2018, processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, in www.dgsi.pt.
[35] Neste sentido, CARLOS MOTA PINTO, Cessão… cit., págs. 349, 407, 409, ID., Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, nt. 187 – pág. 187, RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações cit., pág. 68, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 77.
[36] ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., págs. 715-716, 724-725.
[37] VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico… cit., pág. 46.
[38] Neste sentido, quanto ao “dever de informação” do médico pelo mandante-paciente, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., pág. 675.
[39] VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico… cit., págs. 46-47, 94, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., págs. 772-773 (“os standards são, também eles, padrões de decisão jurídicos e jurisprudenciais para uma decisão de litígios legais que provêm da atividade médica”).
[40] Quanto à sentença de 1.ª instância, destaque-se a motivação referida ao “Parecer emitido pela Ordem dos Médicos (Colégio de Especialidade de Gastroenterologia) junto de fls. 403 a 405, o qual constitui um elemento fundamental no caso em discussão, uma vez que do seu teor, com toda a clareza, resulta que o réu observou as regras ou procedimentos que estão indicados para o acto médico que praticou no dia 12/9/2012, quer relativamente aos meios utilizados, quer no que diz respeito à ausência de preparação (jejum/limpeza intestinal) (…)”.
[41] V., neste sentido, o Ac. do STJ de 6/1/2000, processo n.º 700.16.3T8PRT.P1.S1, Rel. ROSA RIBEIRO COELHO, disponível in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/, ao qual pertencem as transcrições.
[42] Assim, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Direitos dos pacientes… cit., pág. 701.
ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, loc. cit., pág. 347, refere-se a “indícios suficientemente lógicos e fortes para corporizar uma legítima convicção da existência de uma falta do médico”.
[43] JOÃO ÁLVARO DIAS, “Culpa médica…”, loc. cit., págs. 29, 31.

[44] Assim, ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico/FDUC, volume 26, Petrony, Lisboa, 2019, págs. 135-136.
[45] ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, loc. cit., pág. 348.
[46] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II cit., págs. 74 e ss (situações que “escapam manifestamente à letra e ao espírito do n.º 2 do art. 795º” do CCiv.), ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., págs. 1072 e ss, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997 (reimp. 2014), págs. 361, 364.
[47] Disponível in https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0152013-de-03102013-pdf.aspx.
[48] Na doutrina, em abono, VERA LÚCIA RAPOSO, O ato médico… cit., págs. 225 e ss, NUNO PINTO DE OLIVEIRA, “Ilicitude e culpa na responsabilidade médica”, loc. cit., págs. 56 e ss, 60 e ss.  
[49] V., quanto a esta delimitação relevante, VERA LÚCIA RAPOSO, O ato médico… cit., pág. 215.
[50] RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., págs. 152 e ss.

[51] MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “Algumas considerações…”, loc. cit., pág. 42.

[52] Delineado recentemente por este Colectivo no Ac. do STJ de 7/9/2020, processo n.º 12651/15.4T8PRT.P1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.
[53] RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações cit., pág. 278.
[54] V., também para as transcrições, RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações cit., págs. 281-283, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I cit., págs. 887 e ss, 899-901, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., págs. 763-764.
[55] RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações cit., págs. 284-285; v. ainda ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I cit., págs. 892-893.
Desenvolvidamente, FRANCISCO PEREIRA COELHO, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 1998 (reimp. 1955), pág. 175: “o momento decisivo para a averiguação do nexo de causalidade (condicionalidade) entre o facto e o dano é, obviamente, o próprio momento em que o dano (real) se verifica. (…) É neste momento que deve ser proferido o juízo de adequação, pois aqui, como se sabe, supõe-se o efeito ainda não verificado e pergunta-se se a acção era capaz, segundo a sua natureza geral, de produzir um efeito danoso daquele género; é claro, porém, que se se trata de apurar a condicionalidade da acção para o efeito realmente verificado, o juízo de condicionalidade não pode ser proferido em momento anterior àquele em que o efeito danoso real se verifica. Mas também não deve ser proferido em momento posterior, pois o processo causal efectivo, como alguma coisa que aconteceu e atingiu, com a produção efectiva do efeito danoso, o seu termo, não pode, evidentemente, ser influenciado por circunstâncias futuras, quaisquer que sejam, hipotéticas ou mesmo reais. (…) não se compreende que o momento em que se julga sobre a relação de condicionalidade entre o facto e o dano real seja retardado para além do momento da verificação do dano, pois o dano real é uma entidade fixa e não se concebe como é que aquela relação de condicionalidade possa ser influenciada por factos posteriores.”
[56] VERA LÚCIA RAPOSO, O ato médico… cit., págs. 93-94, com elenco de factores de densificação deste “profissional médio”, e NUNO PINTO OLIVEIRA, “Ilicitude e culpa na responsabilidade médica”, loc. cit., págs. 78 e ss (“O comportamento do médico preencherá os requisitos da tipicidade e da ilicitude, desde que omita a mais elevada medida de cuidado exterior — desde que, no caso concre­to, o médico não preste ao paciente os cuidados ao alcance de um médico ideal, com as mais amplas capacidades e a mais completa experiência razoavelmente concebíveis.”); antes, JOÃO ÁLVARO DIAS, “Culpa médica…”, loc. cit., págs. 24 e ss, RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico… cit., págs. 111 e ss, 127 e ss.
[57] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I cit., págs. 896-897.
[58] Tal como sustentado no estudo referencial, ainda antes do CCiv. de 1966, de FRANCISCO PEREIRA COELHO, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, BFDUC, 1951, págs. 215-217.
[59] Para o diálogo entre a “probabilidade” e a “previsibilidade” da situação concreta do sujeito e das suas circunstâncias no nexo da causalidade, v. PEREIRA COELHO, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, loc. cit., págs. 218 e ss, CARNEIRO DA FRADA, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 318 e ss, NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 664 e ss.
[60] V. ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações cit., pág. 766.

[61] MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “Algumas considerações…”, loc. cit., pág. 68 (sublinhado nosso); “Novas perspetivas em torno da causalidade na responsabilidade médica”, Cadernos do CEJ, 2017, n.º 1, págs. 12, 36-37, 38-39 (“O julgador só deve recusar a imputação quando haja prova da efetiva causa do dano ou quando haja prova da elevada probabilidade de que a lesão se teria realizado mesmo sem o desvio na conduta.”); “Responsabilidade civil médica e nexo de causalidade. Tópicos de compreensão de um problema clássico do direito delitual”, Saúde, novas tecnologias e responsabilidades – Nos 30 anos do Centro de Direito Biomédico, Cadernos Lex Medicinae, Vol. II, Instituto Jurídico da FDUC, Coimbra, 2019, págs. 361-363. Para considerações mais desenvolvidas e delimitação de tal “nexo de imputação objectiva”, v. Lições de responsabilidade civil, Principia, Cascais, 2017, págs. 255 e ss, em esp. 265-274, e 426-427 (“ligação entre o não-cumprimento do contrato (entendido em termos amplos) e a referida lesão [de direitos e interesses] para, posteriormente, se ligar a lesão aos interesses que foram postos em causa” – “duplo nexo” em sede de responsabilidade contratual).
[62] ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, loc. cit., págs. 344, 346.

[63] Para apoio destas asserções conclusivas quanto ao requisito do nexo da causalidade na responsabilidade civil médica, devidamente adequado a um nexo de imputação objectiva, v., com aproveitamento no texto, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “A responsabilidade civil do médico”, loc. cit., pág. 348, 354; ÁLVARO GOMES RODRIGUES, “Reflexões…”, loc. cit., págs. 214 e ss; RUTE TEIXEIRA PEDRO, A responsabilidade civil do médico... cit., págs. 155 e ss, “Da tutela do doente lesado…”, loc. cit., págs. 429 e ss; VERA LÚCIA RAPOSO, Do ato médico… cit., págs. 49 e ss (em esp. 51 – “a aplicação dos princípios que regulam o nexo de causalidade no campo médico reveste-se de particular dificuldade, dada a imprevisibilidade do funcionamento do corpo humano, de tal forma que, e salvo raras exceções, é praticamente impossível afirmar com toda a certeza que se determinada conduta tivesse sido adotada, ou não tivesse sido adotada, o dano não se teria efectivado” –, 53-54), 76 e ss; MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “Novas perspetivas…”, loc. cit., págs. 29 e ss, “Responsabilidade civil médica…”, loc. cit., págs. 360 e ss (“Exclui-se a imputação quando o risco não foi criado (não criação do risco), quando haja diminuição do risco e quando ocorra um facto fortuito ou de força maior.”); ANA AMORIM, A responsabilidade… cit., págs. 133 e ss.

_______________________________________________________________

* Rectificação oficiosa por acórdão proferido em 2/3/2021.