Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3937/09.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
ERRO DE ESCRITA
RETIFICAÇÃO
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DAS PARTES ( ATOS DAS PARTES ) / RECURSOS / REFORMA DO ACÓRDÃO.
Doutrina:
- Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e caducidade, 2ª edição, Coimbra, 2014, pp. 30 - 32.
- Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4ª edição, pp.374, 376 459.
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, I, 3ª edição, Coimbra, 2014, p. 287.
- Oliveira Ascensão, Direito Civil - Teoria Geral, II, Coimbra Editora, 1999, p. 184 - 186.
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao NCPC, 2ª edição, Coimbra, p. 160.
- Vaz Serra, BMJ 107/191, 230.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 249.º, 295.º, 298.º, N.º2, 328.º, 331.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 146.º, 666.º, N.º 3, 667.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGO 416.º, N.º 2, 435.º, N.º 2.
D.L. N.º 495/88, DE 30-12: - ARTIGO 1.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03-06-1992, JSTJ00015195, DE 16-10-2002, JSTJ00002067, DE 10-07-2012, P. N.º 5245/07.0TVLSB.L1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT, E DE 12-12-2013, P. N.º 6013/07.4TBMTS.P1.S1.
-DE 27-05-2010, P. N.º 66/10.5YFLSB, E DE 15-09-2010, P. N.º 1920/07.7TTPRT.S1.
Sumário :
I - O NCPC, no seu art. 146.º, consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes que, para além da retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada, admite, mais genérica e latamente, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.

II - O primeiro destes enunciados normativos já se extraía do disposto na lei substantiva relativamente ao erro de cálculo ou de escrita, no mesmo sentido apontando também grandes princípios enformadores do anterior CPC, como é o caso dos do processo equitativo, do direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma, para além, num plano mais concreto, do disposto nos arts. 666.º, n.º 3, e 667.º, em matéria de correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos, regime que traduz o afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos atos processuais que deve considerar-se aplicável aos atos das partes.

III – Instaurada a ação contra a “TAP, Transportes Aéreos Portugueses SGPS, SA”, e não contra a “TAP, Transportes Aéreos Portugueses, SA”, se do contexto da petição inicial se extrai, com clareza, que o sujeito da relação jurídica emergente do contrato de trabalho é esta última sociedade (a quem a autora imputa os factos que constituem a causa petendi da ação), encontramo-nos perante um mero erro de escrita, impondo-se, para todos os efeitos, considerar a ação proposta na data em que a petição inicial, via citius, foi remetida ao tribunal.


IV – Notificada à autora a decisão do seu despedimento em 23.10.2008 e tendo a presente ação sido instaurada em 23.09.2009, não se mostra excedido o prazo de um ano estipulado pelo art. 435.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.


1. AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Transportes Aéreos Portugueses, SA, pedindo que seja considerado ilícito o seu despedimento e a R. condenada:

a) A reintegrá-la com a categoria de CAB V, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial;

b) A pagar-lhe o montante global de € 98.692,5 l, de créditos salariais em dívida, sendo € 232,30, a título de diferencial de vencimento base e vencimento de senioridade da categoria CAB V, contado desde Fevereiro de 2002 até à data da cessação do contrato; € 96.352,38, a título de prestação retributiva complementar; € 1.691,60, a título de acréscimos de subsídio de férias em dívida desde 2004; € 6 648,53, a título de descontos indevidos por faltas injustificadas, bem os juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde os vencimentos das referidas prestações até integral pagamento.

2. Foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação:

a) Declarou ilícito o despedimento da A.;

b) Condenou a R. a pagar-lhe uma indemnização por despedimento ilícito, correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, acrescida de juros legais a partir da data do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento;

c) Condenou ainda a R. a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir, desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 437.° do CT, acrescidas de juros legais, calculados nos mesmos termos;

d) Absolveu a ré dos demais pedidos contra ela formulados.

3. Interposto recurso de apelação por ambas as partes, concedendo provimento ao da R. e negando provimento ao da A., foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL):

a) Revogar a sentença recorrida, na parte respeitante à exceção da caducidade do direito de ação, invocada pela R.;

b) Julgar procedente essa exceção e, em consequência, absolver a R. dos pedidos formulados pela autora, relacionados com a ilicitude do despedimento;

c) Confirmar, no mais, a sentença recorrida.


4. A autora interpôs recurso de revista, pugnando pela revogação do decidido, quer no tocante à exceção da caducidade do direito de ação, quer quanto aos créditos laborais alegadamente decorrentes do seu posicionamento em categoria profissional inferior à devida.

Em síntese, nas conclusões da sua alegação, sustenta, designadamente, o seguinte:

- Nos termos do artigo 249.º do C.C, o mero erro material de escrita confere o direito à sua retificação;

- Quem a recorrente quis identificar como ré na PI foi a sua entidade patronal, Transportes Aéreos Portugueses, SA, e não a TAP, Transportes Aéreos Portugueses SGPS, entidade para quem nunca trabalhou;

- Se assim não fosse, não teria indicado corretamente quer a sede, quer o NIF, da sua entidade patronal, apenas cometendo o lapso da sigla do respetivo tipo de identificação societário;

- O mero lapso de escrita não pode ser fundamento para a preclusão do direito de ação.

A autora juntou aos autos um parecer jurídico.

5. A R. contra-alegou.


6. Por despacho do relator, transitado em julgado, foi decidido não se conhecer do objeto do recurso, na parte relativa aos créditos laborais, por se verificar, nesse segmento da decisão, dupla conformidade.

7. Quanto ao mais, o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em parecer a que as partes não responderam.

8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente, em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir[1] é a de saber se deve julgar-se (im)procedente a exceção de caducidade do direito de ação (de impugnação do despedimento).

E decidindo.

II.


9. Com relevo para a decisão, resulta ainda dos autos o seguinte:

9.1. Da “ACTA DE AUDIÊNCIA DE PARTES”, datada de 05.03.2010 (fls. 336 – 337), consta, nomeadamente: 

“(…) O    ilustre mandatário da A. pediu a palavra e no uso dela disse:

Verificou-se (…) um erro de escrita que induziu em erro sobre a identificação da sociedade Ré.

Requer-se a retificação pela eliminação do termo “SGPS”, porquanto a firma da Ré, parece apenas ser “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SA”, com morada e nº de contribuinte indicados na petição.

Esclareça-se que a Autora não tem dúvidas sobre a titularidade da relação controvertida e que a mesma não é a da Sociedade Gestora de Participações Sociais.

Retificado o erro, requer-se (…) a citação da entidade patronal da Autora, a Sociedade acima identificada e cujo nome é o do número a que corresponde o nº de pessoa coletiva.

Dada a palavra ao ilustre mandatário da Ré, pelo mesmo foi dito que a citação foi recebida pela “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, SA”, pessoa coletiva distinta da “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SA”, pelo que, sem prejuízo da posição que vier a ser adotada por esta sociedade nos autos, nada tem a opor ao requerido
(…)
Seguidamente (…) foi proferido o seguinte despacho: Atentos os motivos invocados (…) e dada a não oposição da Ré, defiro a retificação da petição inicial, nos termos requeridos.
(…)“

9.2. Efetuada a citação da sociedade “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SA”, esta contestou, excecionando a “caducidade da ação de impugnação do despedimento”.

9.3. A autora foi notificada da decisão do seu despedimento pela ré em 23.10.2008.

9.4. A petição inicial foi remetida, via citius, a tribunal em 23.09.2009.

9.5. Em 21.10.2009, teve lugar a notificação judicial avulsa da “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, SA”, na sequência do requerimento de notificação judicial avulsa cuja cópia consta de fls. 307 a 310, correspondente à certidão cuja cópia consta de fls. 311 e 312.

9.6. Como preliminar dos presentes autos, a ora A. instaurou, em 30.10.2008, o apenso procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no qual interveio, como requerida, a “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SA”.

III.


10. Preceituando o art. 435.º, n.º 2, do CT/2003, que “a ação de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento (…)”, sustentou a R. na contestação que, apesar de interposta em 23.09.2009 contra a “TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S.G.P.S., S.A”, a ação apenas produziu efeitos relativamente a si em 05/03/2010, data em que foi requerida a respetiva citação pela autora, pelo que caducou o direito à impugnação do despedimento.

A 1ª Instância decidiu no sentido da improcedência do assim excecionado.

O TRL decidiu em sentido contrário, ponderando essencialmente:

- “Se é certo que a instância se inicia com a propositura da ação, (…) não é menos verdade que a instância só se pode considerar iniciada contra quem é proposta e não contra qualquer outra sociedade”;

- “A instância só se estabiliza (…) com a citação da sociedade demandada, tal como é identificada pelo demandante na petição inicial, e não contra qualquer outra sociedade”.

11. Quid juris?

Como se sabe, a divergência não intencional entre a vontade real e a declarada pode consistir, entre outras modalidades, no erro-obstáculo ou erro na declaração, realidade que compreende, nomeadamente, o erro de cálculo ou escrita.

Nestes casos, no dizer de Carlos Alberto da Mota Pinto[2]:

“O declarante emite a declaração divergente da vontade real, sem ter consciência dessa falta de coincidência. Trata-se de um lapso, de um engano, de um equívoco. É o caso que se nos apresenta quando o declarante incorre num lapsus linguae ou lapsus calami, ou quando o declarante está equivocado sobre o verdadeiro nome de um objeto, dando-lhe uma denominação que, na realidade, corresponde a outro objeto”.

Nos termos do art. 249º, do C. Civil, “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”.

Aliás, segundo Oliveira Ascensão[3], em qualquer caso de erro ostensivo (i.e., aquele que se revela por si) ou objetivamente comprovável, o sentido da declaração é (em princípio) o querido pelo declarante, na medida em que um declaratário normal, nas mesmas circunstâncias, a teria entendido dessa forma, conclusão a que chega com base no preceituado no art. 236.º, n.º 1, do mesmo diploma: “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

No âmbito processual, não suscita dúvida a aplicabilidade aos atos das partes do regime do erro material no âmbito do negócio jurídico.

Na verdade:

Com grande amplitude, o NCPC, no seu art. 146º, consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes que, para além da “retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” (n.º 1), admite mesmo, mais genérica e latamente, “o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa” (n.º 2).

É certo que este artigo é novo e que às vicissitudes processuais em análise se aplica o anterior regime processual.

Todavia, o primeiro destes enunciados normativos (pelo menos esse) já se extraía do disposto na lei substantiva relativamente ao erro de cálculo ou de escrita (citado art. 249.º, CC)[4], sendo certo que, de acordo com o art. 295.º, do mesmo diploma, “aos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente”.

No mesmo sentido também já apontavam grandes princípios enformadores do anterior CPC, como é desde logo o caso dos do processo equitativo, do direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (cfr., em especial, art. 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, e arts. 265.º, 265.º-A e 266.º-A, CPC); bem como, num plano mais concreto, o disposto nos arts. 666.º, n.º 3, e 667.º, em matéria de correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos, regime que constitui “lugar paralelo”[5] daquele novo art. 146.º e traduz afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos atos processuais, o qual, até por maioria de razão, deve considerar-se aplicável aos atos das partes.

Ora:

É patente, à luz da simples leitura da petição inicial e documentos que a acompanham, que não é a TAP, Transportes Aéreos Portugueses SGPS, SA (mas a TAP, Transportes Aéreos Portugueses, SA), o sujeito da relação jurídica emergente do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ora recorrida, tal como não é a pessoa a quem a autora imputa os factos que constituem a causa pretendi da presente ação: para além de os representantes de qualquer das empresas que usam a denominação “TAP” não poderem deixar de saber perfeitamente qual delas tem a qualidade de “empregador” em tal relação, é sabido que as sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto/fim a gestão de participações sociais noutras sociedades (art. 1º, nº 1, do DL 495/88, de 30/12), pelo que nunca poderia ser a entidade patronal da A.

Acresce que o número de identificação de pessoa coletiva referenciado na petição inicial é o da “TAP SA”, e não o da “TAP SGPS”, sendo a mesma sede de ambas (cfr. supra nº 9.1.); e que, como preliminar dos presentes autos, a ora A. instaurou, em 30.10.2008, o apenso procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no qual interveio, como requerida, a “TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SA”.

Neste circunstancialismo, não pode deixar de entender-se que o erro de escrita em que a autora incorreu se revela – objetivamente e sem qualquer dificuldade – no próprio contexto da petição inicial.

Tendo ainda em conta que tal erro, nos termos acima descritos, foi reconhecido e retificado em 05.03.2010, em sede de “Audiência de partes”, impõe-se, por conseguinte, para todos os efeitos, considerar a ação proposta na data em que a petição inicial, via citius, foi remetida ao tribunal (23.09.2009), nos termos do art. 267.º, n. º 1, do CPC então vigente.

12. É certo, como enfatiza o acórdão recorrido, que a propositura da ação “não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição em contrário”, como preceitua o art. 267.º, n.º 2, do CPC; o que significa que só com a citação o réu fica constituído como parte, ou seja, que só a partir desse momento se estabelece entre as partes – e se estabiliza (art. 268.º) – a relação jurídica processual.

Todavia: é inequívoco (e indiscutido nos autos) que o prazo (de propositura de ação) estipulado no art. 435.º, n.º 2, do CT/2003, é um prazo de caducidade (cfr. art. 298.º, n.º 2, C. Civil)[6]; e, para à mesma obstar, basta propor a ação, mediante a mera entrega da petição inicial na secretaria (art. 267º, n.º 1, CPC), uma vez que o mero exercício do direito (prática do ato) constitui impedimento da caducidade, nos termos do art. 331.º, n.º 1, C. Civil.

De facto, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal, a caducidade não se suspende, nem se interrompe (art. 328.º, C. Civil), pelo que não lhe são aplicáveis as regras neste âmbito aplicáveis à prescrição (v.g. arts. 323º a 327.º, C. Civil).

Estando em causa um ato de natureza judicial, é a propositura de ação (em si mesma, sem mais), e não a citação do réu, o ato impeditivo da caducidade; nesta matéria, não releva a data da citação, mas, apenas, a data em que a ação foi instaurada.[7] 

Como já referia o Prof. Vaz Serra:[8]

«[S]e a lei pretende que a situação se defina dentro do prazo que fixa, seria incompatível com esse objetivo que o titular pudesse interromper o curso do prazo pelos atos com que poderia interromper a prescrição. O que ele pode é praticar, dentro do prazo, o ato a que a lei sujeita a caducidade: então é que o direito se não extingue. Não se trata aí, porém, verdadeira interrupção, mas antes daquilo a que se chama “impedimento” da caducidade».

Compreende-se que assim seja porque na caducidade, ao contrário do que se verifica no tocante à prescrição, “só o aspeto objetivo da certeza e segurança é tomado em conta”[9], prescindindo-se, por conseguinte, da negligência do titular[10]; para além disso, a caducidade tem por objeto típico direitos exercitáveis mediante a prática de um ato único (como é o caso do direito de ação e, em geral, dos direitos potestativos[11]) e que, por isso mesmo, ao ser exercitados, esgotam totalmente o respetivo conteúdo (já a prescrição tem paradigmaticamente por objeto direitos de crédito[12]).

13. Em suma: notificada à autora a decisão do seu despedimento em 23.10.2008 (cfr. supra n.º 9.3. e art. 416.º, n.º 2, do CT/2003) e tendo a presente ação sido instaurada em 23.09.2009 (cfr. fls. 139), não se mostra excedido o prazo de um ano estipulado pelo art. 435.º, n.º 2, do mesmo diploma, procedendo, pois, a revista.

IV.

14. Em face do exposto, concedendo a revista (na parte que foi conhecida), acorda-se em revogar o acórdão recorrido, determinando-se a devolução do processo à 2.ª Instância, para conhecimento dos pedidos formulados pela autora relacionados com a ilicitude do despedimento (cfr. supra n.º 3).

Quanto à mesma parte, custas da revista a cargo da R., em proporção que se fixa em 1/4, sendo as atinentes às instâncias suportadas na proporção do vencido.

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 03 de junho de 2015

Mário Belo Morgado (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Pinto Hespanhol

_____________________
[1] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente (cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, NCPC), questões que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[2] Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4ª edição, p. 459.
[3] Direito Civil - Teoria Geral, II, Coimbra Editora, 1999, p. 184 - 186.
[4] Neste sentido, v.g. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao NCPC, 2ª edição, Coimbra, p. 160.
[5] Na expressão de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, I, 3ª edição, Coimbra, 2014, p. 287.
[6] Neste sentido, v.g. os Acs. desta Secção Social do STJ de 27-05-2010, P. n.º 66/10.5YFLSB (Sousa Grandão), e de 15-09-2010, P. n.º 1920/07.7TTPRT.S1 (Mário Pereira).
[7] Cfr. Acs. do STJ de  03-06-1992 (Joaquim de Carvalho), JSTJ00015195, de 16-10-2002 (Mário Torres), JSTJ00002067, de 10-07-2012, P. n.º 5245/07.0TVLSB.L1.S1 (Gregório Silva Jesus), disponíveis em www.dgsi.pt, e de 12-12-2013, P. n.º 6013/07.4TBMTS.P1.S1 (Abrantes Geraldes).
[8] BMJ 107/230.
[9] Mota Pinto, ob. cit., p. 376.
[10] Cfr. Vaz Serra, BMJ 107/191.
[11] Cfr. Mota Pinto, ibidem, p. 374.
[12] Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e caducidade, 2ª edição, Coimbra, 2014, pp. 30 - 32.