Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2839/08.0YXLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERESSE EM AGIR
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
AÇÃO INIBITÓRIA
EFEITOS
Data do Acordão: 02/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS - INSTÂNCIA (EXTINÇÃO) - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, I, 268.
- Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10, 63.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 226.
- Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Beleza, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. 182, 186 e 189.
- Castro Mendes, Lições Policopiadas de 1971-72, II, 168.
- João Alves, Revista do CEJ, 2007, 1.º Semestre, 76.
- Manuel de Andrade, NEPC, 79 e 80.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 48.
- Pinto Monteiro, RLJ, Ano 140.º, 141.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 138.º, 287.º, ALÍNEA E), 472.º, N.º2, 662.º, N.º2.
DL N.º 171/2007, DE 8.5: - ARTIGO 3.º.
DL N.º 240/2006, DE 22.12: - ARTIGO 7.º, N.ºS 1 E 3.
LCCG (N.º 446/85, DE 25.10, NA REDAÇÃO, DEPOIS DE VÁRIAS ALTERAÇÕES, RESULTANTE DO DECRETO-LEI N.º 323/2001, DE 17.12): - ARTIGOS 25.º, 30.º, 32.º, 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.6.1999, PROCESSO N.º 99B1228, 25.11.2008, PROCESSO N.º 08A2603, 16.9.2008, PROCESSO N.º 08A2210 E 6.9.2011, PROCESSO N.º 660/07.1YLSB.L1.S1., TODOS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1 . A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

2 . Já o interesse em agir não deve ser encarado em termos absolutos, antes pressupondo uma apreciação por parte do juiz, em ordem a ter como existente interesse do autor idóneo para justificar o recurso à tutela judiciária.

3 . Visando a ação inibitória a proibição de cláusulas contratuais gerais relativas a arredondamento dos juros que uma entidade bancária inseriu em contratos, o disposto nos artigos 32.º e 33.º da LCCG determina a existência sempre de alguma utilidade, pelo que fica afastada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

4 . Mas, tendo vindo a lume disposições legais que proíbem tal arredondamento, sancionando-o mesmo contra-ordenacionalmente, tendo-se provado que a entidade bancária abandonou tais cláusulas nos contratos a celebrar e considerando-se, em interpretação daquele artigo 32.º, que eventual decisão de proibição não alcançava os contratos já findos, deve-se considerar que não existe interesse em agir por parte do autor, com a consequente absolvição do réu da instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Nos Juízos Cíveis de Lisboa, o M.ºP.º intentou a presente ação declarativa sumária contra:

O Banco AA S.A.

Sustentou serem nulas as cláusulas contratuais gerais (doravante ccg) que refere, abaixo precisadas, integrantes dos contratos entre a ré e seus clientes.

Pediu, em conformidade:

Que se declarem nulas tais cláusulas;

Que se condene a ré a:

Abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição

Dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, de tamanho não inferior a ¼ de página.

Contestou a ré, sustentando não se verificar a pretendida nulidade.

II – Na devida oportunidade, foi proferida sentença em que se declararam nulas, em parte, três cláusulas contratuais gerais usadas pelo Banco, se condenou este a abster-se de utilizá-las nos contratos atualmente e no futuro celebrados com os clientes, nos termos referidos naquela decisão, em contratos como os em apreço, se condenou ainda o mesmo Banco a publicitar a decisão nos dois jornais de maior tiragem de Lisboa e Porto, e se determinou a comunicação da decisão ao Gabinete do Direito Europeu.

III – Apelou a ré e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:

“Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

(a) Alteramos a redação da alínea a) da sentença recorrida, que passa a ser a seguinte:

a) Declarar nulas nas cláusulas contratuais gerais seguintes:

a. No contrato denominado: "Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel sem Condutor" (Doc. n° 2, fls. 27), a seguinte parte do terceiro período do ponto 4-i:

"sendo o seu resultado arredondado para 1/4 de ponto percentual superior".

b. No contrato denominado "Contrato de Locação Financeira" (Doc. n° 3, fls. 32), a seguinte parte do terceiro período do ponto 2-k:

 "sendo o seu resultado arredondado para 1/4 de ponto percentual superior".

c. No contrato denominado "Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito" (Doc. n° 4, fls. 39), o n° 3 da cláusula 4.ª", com a seguinte redação:

"3. A taxa atualizada será arredondada ao 1/4 de ponto percentual igual ou superior".

(b) No mais, confirmamos a decisão recorrida”

IV – Pediu revista excecional a ré.

V – A formação a que alude o artigo 721.º- A, n.º3 do Código de Processo Civil entendeu que não estávamos perante um caso de dupla conforme, pelo que decidiu não admitir a revista excecional, sem prejuízo de os autos serem sujeitos a distribuição como revista normal.

VI – Ultrapassada, pela formação, esta questão de saber se estamos perante um caso de dupla conforme, foi decidido pelo Relator nada obstar ao conhecimento como revista normal.

VII – A ré sugerira nas alegações que que fosse proferida revista alargada nos termos do artigo 732.º - A do mesmo código, não tendo tal sugestão sido acolhida pelo Ex.mo Presidente deste Tribunal.

VIII – Conclui ela as alegações do seguinte modo:

A. O presente recurso de revista excepcional é interposto numa acção proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ora Recorrente, "ao abrigo do disposto nos artigos 24.º e seguintes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro com as alterações introduzidas pelo DL n.º 220/95 e 249/99 e 323/2001, de 17.12) e art. 13.º, n.º 1, al. c) da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.7. com as alterações introduzidas pelo DL n.º 67/2003, na qual peticionou a declaração de nulidade de três cláusulas de arredondamento em alta predispostas nas minutas do Banco ora Recorrente (minutas dos Contratos de Aluguer de Veículos Automóveis sem Condutor; de Locação Financeira; de Financiamento para Aquisição a Crédito) e também a condenação na abstenção por parte do ora Recorrente de utilizar tal cláusula em contratos que de futuro venha a celebrar, pedindo a condenação do Banco Recorrente a dar publicidade à decisão, e a comprovar nos autos essa publicidade.

B. A partir da Reforma dos Recursos Cíveis de 2007 (Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) passou a existir o recurso de revista excepcional quando existe coincidência de decisões entre a primeira instância e a Relação (esta sem voto de vencido), o que constitui desvio ao princípio da dupla conforme;

C. No caso sub judicio, o acórdão da Relação confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância, sem voto de vencido, sendo aplicável ao processo o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que aditou o art. 721.º-A do CPC;

D. Diferentemente do que se passa com o comum das acções cíveis que versam sobre puros interesses patrimoniais das partes, num plano eminentemente individual, as acções inibitórias têm incidência sobre a entidade predisponente e um número indeterminado de pessoas, nomeadamente os destinatários das cláusulas e as entidades e pessoas que integram certo "mercado", pelo que se tem de entender que em tais acções estão em causa "interesses de particular relevância social" (alínea b) do n.º 1 do art. 721.º - A do CPC);

E. De facto, as acções de inibição de cláusulas contratuais gerais têm indesmentível relevância social, razão pela qual o legislador de 1985 lhes atribuiu um valor superior à alçada da Relação, para permitir sempre o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça.

F. Acresce que nesta concreta acção inibitória está em causa a aplicação no tempo do art. 4.° do Decreto-Lei n.º 240/2006, de 22 de Dezembro (aplicável por força da remissão do art.1.° do Decreto-Lei n.º 171/2007, de 8 de Maio) quanto à matéria do arredondamento da taxa de juro contratual nos contratos de concessão de crédito bancário, existindo pelo menos dois Acórdãos sobre a mesma questão, um que considerou que o Ministério Público carecia de interesse em agir para continuar a impulsionar a acção, visto o Banco ter alterado as suas minutas na sequência da publicação dos Decretos-Leis n.ºs 240/2006 e 171/2007, e outro que considerou nula a cláusula de arredondamento em alta predisposta por outro Banco recorrente, no que toca ao crédito hipotecário;

G. De facto, está em causa nos autos a interpretação do sentido preceptivo da uniformização do modo de arredondar a taxa de juros calculada a partir de um indexante relativamente aos contratos de concessão de crédito a consumidores, seja no âmbito do crédito à habitação, seja no âmbito do crédito ao consumo em geral, constante dos Decretos-Lei n.º 240/2006 e 171/2007, nomeadamente o juízo sobre se a proibição de certas cláusulas contratuais para o futuro implica ou não um juízo sobre a sua nulidade para o passado, por alegadamente revestirem carácter abusivo;

H. Esta questão tem óbvia relevância por afectar um número indeterminado de sujeitos de direito (instituições de crédito e, sobretudo, os consumidores que recorrem ao crédito) e a sua elucidação jurídica pela mais Alta Instância Judicial do Pais contribuirá seguramente para se firmar uma jurisprudência consolidada "claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

I. É, pois, admissível o presente recurso de revista excepcional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 721.º - A do CPC ou, a título subsidiário, ao abrigo da alínea a) do mesmo número e artigo;

J. Acresce que, tendo o douto Acórdão recorrido expressamente afirmado que o Ministério Público tinha interesse em agir e que acção não se tinha tornado supervenientemente inútil, está o mesmo em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2011, transitado em julgado e em que este Banco foi também parte (Proc. n.º 1593/08.0T JLSB.L 1), sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação (Decreto-Lei n.º 446/85, versão em vigor), razão por que este recurso de revista excepcional é também admissível ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art. 721.º - A do CPC, devendo mesmo ser julgado em plenário de secções cíveis (ex vi, art. 732.º - A do CPC);

K. As cláusulas contratuais postas em crise pelo Ministério Público previam que a taxa de juros nominal, determinada a partir de um indexante (taxa Euribor) em certo período temporal de vigência do contrato de concessão de crédito seria "arredondada ao % de ponto percentual igualou superior" (cláusula 4.ª, n.º 3), acolhendo um método de "arredondamento em alta";

L. Numa dessas minutas contratuais, estava claramente explicitado que a "Taxa Anual de Encargos Efectiva Global - TAEG" era calculada com a fórmula matemática constante do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Dezembro (disciplina de crédito ao consumo) - diploma em vigor até 2009 - que tal taxa era variável, tendo a variação por indexante a referida taxa Eurib a 12 meses e que era arredondada pelo modo indicado;

M. Importa chamar a atenção que em qualquer das minutas contratuais impugnadas existe uma cláusula também de contrapartida na medida em que só autoriza a revisão dos alugueres, rendas ou taxas de juro quando a média de variação do indexante ultrapassa 1/4% de ponto percentual (00,25%) e só neste caso pode funcionar a cláusula de arredondamento em alta (precisamente, sendo tal arredondamento feito para o 1/4 percentual superior).

N. A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 171/2007, ocorrida em Junho desse ano, o Banco Recorrente alterou as suas minutas contratuais, substituindo a regra do arredondamento em alta pela regra de arredondamento legal constante do art. 4.° do Decreto-Lei n.º 240/2006;

O. Não obstante, o Ministério Público intentou a presente acção inibitória, sustentando que, antes de Junho de 2007, as antigas cláusulas já eram nulas por serem abusivas, ou seja, violadoras do princípio da boa-fé, aplicando, de um ponto de vista prático, retroactivamente o referido art. 4.° do Decreto-Lei n.º 303/2007;

P. Na base do seu raciocínio, acolhido pelas instâncias, está a ideia de que os Bancos se locupletavam à custa dos clientes, "ultrapassando" a taxa de juro convencionada e obtendo um enriquecimento ilícito;

Q. Este entendimento não é legalmente correcto porquanto vigora entre nós, desde 1993, um princípio de liberdade de estipulação de juros nos contratos bancários que não é incompatível com o chamado arredondamento em alta (sendo certo que só a partir de 2009, por força do art. 28.° do Decreto-Lei n.º 133/2009, foi introduzido um limite máximo à TAEG nos contratos de crédito ao consumo);

R. Os Decretos-Leis n.ºs 240/2006 e 171/2007 vieram conferir um nível mais elevado de protecção aos consumidores e visaram a uniformização das práticas bancárias em matéria de indexantes e arredondamento das taxas de juros, desse modo permitindo uma maior transparência das ofertas de crédito por parte dos Bancos, por reconhecerem que, sobretudo no crédito à habitação, a publicidade incidia sobre um dos elementos da formação da TAEG, o chamado spread, a que acresce a taxa nominal;

S. Não é sustentável a ideia do Ministério Público de que esses dois diplomas reconheceram a i1icitude ou o carácter abusivo das práticas, em matéria de indexante e arredondamento, para o passado;

T. Com efeito, da análise cuidada desses diplomas, verifica-se que os mesmos não consideram inválidas ou abusivas as cláusulas contratuais sobre indexantes e arredondamentos constantes dos contratos anteriormente celebrados;

U. Prova disso é que esses diplomas não determinam quaisquer correcções para o passado ou quaisquer restituições de valores aos mutuários, como deveria suceder se o legislador fizesse um juízo sobre a invalidade dessas cláusulas.

V. Daí que o ora Recorrente tinha sustentado - embora sem êxito - que devia extinguir-se a instância por inutilidade superveniente, pois, não tendo carácter abusivo a estipulação sobre arredondamento em alta, a sua ilegalização para o futuro implicara a alteração dessa cláusula contratual, não havendo interesse na acção inibitória;

W. E sustentou igualmente que o Ministério Público não tinha, por isso, interesse em agir;

X. De facto, antes da proibição de 2007, o arredondamento em alta, elemento de formação do TAEG, era válido, desde que claramente expresso em cláusula contratual, constando dos elementos publicitados pelos Bancos e das simulações por eles feitas;

Y. Tratava-se de uma prática admitida pelo Banco de Portugal - que impunha a divulgação do modo de arredondamento - porque era conforme com o princípio legal de inexistência de uma taxa de juro bancário máximo, a partir do qual haveria anatocismo;

Z. O Decreto-Lei n.° 240/2006 não teve eficácia retroactiva, não visando pôr termo a qualquer conflito interpretativo de uma norma legal; o mesmo sucedeu com o Decreto-Lei n.º 171/2007 que remete para aquele;

AA. Daí a validade das cláusulas no período anterior a entrada em vigor desses diplomas legais, ocorrido em 2007, na medida em que, pela cláusula do arredondamento (ainda que em alta), o aderente podia conhecer a elevação percentual permitida por acordo e ajuizar da legitimidade do arredondamento em concreto efectuado, uma vez que era explicitado o factor indexante e a percentagem de antemão acordada;

BB. Deve notar-se que, como se salienta no Parecer do Prof. CALVÃO DA SILVA e foi decidido pelo Supremo Tribunal Inglês em 2009, num caso sobre comissões e juros cobrados por Bancos em situações de descobertos não contratados previamente, o art. 4.°, n.º 2, da Directiva n.º 93/13/CEE não permite aos Tribunais o controlo do modo como se fixa a remuneração, preço ou contrapartida nos contratos (a circunstância de não ter sido transposta esta regra para o direito português é irrelevante, porque a mesma vigora no direito interno, como é demonstrado pelo Prof. CALVÃO DA SILVA no mesmo Parecer);

CC. Contrariamente ao sustentado na douta decisão recorrida, o Banco recorrente não agiu de má-fé, tendo acordado livremente com o seu cliente o modo de determinação dos alugueres, rendas e taxas de juros;

DD. Não existe, pois, nulidade, não tendo as cláusulas, para o passado, qualquer carácter abusivo;

EE. Afigura-se desproporcional face ao caso dos autos, a condenação do Recorrente em proceder à publicação da decisão em 2 jornais diários, não sendo esta a forma mais correcta para atingir o fim de informar os consumidores da não aplicação da dita cláusula, até porque encontra-se demonstrado nos autos que a minuta de contrato em que tal cláusula se inseria há muito que não é utilizada pelo Recorrente, não sendo igualmente aplicada nos contratos ainda em vigor, existindo actualmente um regime imperativo quanto ao modo como se efectuam os arredondamentos das taxas de juro;

FF. A lesão à imagem do Recorrente pela aplicação das medidas previstas no n.º 2 do artigo 30.° da LCCG, corresponde a um erro na interpretação do mesmo artigo, imputando às mesmas uma função punitiva que estas claramente não têm;

GG. O Acórdão em recurso é, por isso, ilegal, mostrando-se violados os arts. 12.°,15.°,16.° e 30° da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, versão em vigor), bem como a norma transitória constante do Decreto-Lei n.º 171/2007.

Termos em que, não subsistindo a declaração incidental de nulidade - por as cláusulas impugnadas serem válidas até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 171/2007 -, e admitido que seja este recurso de revista excepcional pela Formação Especial prevista no art. 721.º-A, n.º 3, do CPC (por se verificarem os requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 deste preceito), deverá ser absolvido da instância o Banco Recorrente por falta de interesse em agir do Recorrido Ministério Público ou julgada extinta a presente acção por inutilidade superveniente ou, quando assim se não entenda, deverá ser julgada improcedente, revogando-se o douto Acórdão recorrido…

Contra-alegou o Ex.mo Procurador- Geral Adjunto, concluindo que:

1.º - A utilização pelo Recorrente de clausulados dos quais não constam as cláusulas declaradas nulas de todo não retira utilidade à declaração de nulidade de tais cláusulas.

2.° - Por um lado, somente essa declaração terá a virtualidade de sanar eventuais efeitos danosos já produzidos em contratos celebrados com a inclusão de tais cláusulas, permitindo aos prejudicados exigir da Ré valores que se apurem devidos, nos termos dos arts. 32.º n. º2 e 33. º, ambos da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

3.° - Por outro, para o legislador é bastante a possibilidade de utilização das cláusulas, "independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares", só com a decisão judicial do mérito da causa é possível garantir que não voltará a inserir em contratos futuros tal clausulado.

4. ° - Aliás, na presente Acção, a Ré foi condenada "a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais supra referidas nos contratos nos termos definidos nesta decisão) em contratos como os em apreço ".

5.° Nesta demanda, foram as cláusulas declaradas nulas por força do art. 15.9 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, pelo que, tal declaração não significa a aplicação retroactiva do Decreto-Lei n.º 240/2006.

6.° - O recurso aos referidos Decretos-Lei n.ºs 240/2006 e 171/2007 justifica-se designadamente em termos de interpretação sistemática, de consideração pela "unidade do sistema jurídico" em consonância com o imposto pelo art. 9° n° 1 do Código Civil.

7.° - E concretamente quanto ao princípio da boa fé, é de referir ser "de um nexo de supra-ordenação entre duas regulamentações (a legal) ou inferível do sistema) e a unilateralmente preformulada)) não do afastamento desta por factores particulares) que resultam verdadeiramente os limites cuja observância é objecto de controlo".

8.° Nesta esteira, o carácter abusivo das cláusulas em apreço infere-se desde logo quer do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 240/2006 quer da Directiva n.º 93/13/ CE do Conselho, de 5 de Abril, que aquele pretende respeitar e que havia já sido transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 220/95 que alterou a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

9.º - Com efeito, esta Directiva apresenta como princípio orientador a aproximação das legislações dos Estados - membros relativas a cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

10.º - É óbvio e surge claro no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 240/2006, serem independentes as questões da livre negociação das taxas de juro entre as instituições de crédito e os clientes e da prática do arredondamento incidente sobre aquelas, nomeadamente, quanto ao juízo relativo às respectivas validades.

11.º - A alusão a este princípio no art. 15.9 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais possibilita, na prática, que o julgador intensifique a defesa do consumidor, não lhe sendo fornecida "uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, exigindo a sua mediação concretizadora ",

12.º - Desempenhando, na intervenção do juiz, "um papel fundamental a ideia de um adequado equilíbrio contratual de interesses ", que é colocado em causa se o proponente procura alcançar, através do contrato, os seus próprios objectivos, sem considerar, de modo minimamente razoável, os interesses legítimos do cliente.

13.º - O arredondamento da taxa de juro não se integra nos elementos essenciais do contrato: enquanto que aquele configura uma cláusula contratual geral, estes correspondem a cláusulas particulares, concretas e individuais, sendo o seu preciso alcance medido e interiorizado e, por regra, decisivo para a constituição da vontade de contratar.

14.º O Recorrente aceita esta distinção, não questionando a natureza de cláusula contratual geral da cláusula respeitante ao arredondamento, por um lado e, por outro, excluindo os elementos essenciais do contrato do "controlo do conteúdo das cláusulas gerais ", o que necessariamente significa que não se tratam de cláusulas gerais.

15.º - Atentas as palavras empregues na cláusula, parece-nos óbvio que, por regra, o consumidor comum, leigo na matéria, não irá consciencializar sequer, aquando da celebração do contrato, o conteúdo, o significado do arredondamento da taxa de juro para 1/4 de ponto percentual superior.

16.º - Mais do que não participar na conformação da estipulação relativa ao arredondamento, os aderentes irão aceitá-la cegamente, sem que dela possuam um conhecimento cabal.

17. º - Atrevemo-nos a qualificar de notório o despertar da consciência social para o significado do arredondamento em alta das taxas de juro praticado pelas instituições bancárias, surgindo como consequência da divulgação feita pela comunicação social na ocasião, devida à entrada em vigor da já mencionada Lei n.º 240/2006.

- Deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmado, integralmente, o acórdão recorrido.

IX – Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam consistem em saber se:

Vista a evolução legislativa e o que se apurou nos pontos 18.º a 21.º da enumeração factual que a seguir se transcrevem:

Deve ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente de lide;

Respondendo-se negativamente, deve ser a ré absolvida da instância por se considerar não ter o autor interesse em agir.

Não procedendo qualquer dos itens anteriores, as cláusulas julgadas nulas pela Relação, assim devem ser julgadas.

X – Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. A Ré é uma sociedade anónima, encontrando-se matriculada sob o NIP C000000000 e com a sua constituição inscrita na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - conforme documento junto a fls. 15 a 25, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

2. Tem por objecto social a "Realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos"

3. No exercício de tal actividade, a Ré procedia à celebração do contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor.

4. Para o efeito, a Ré apresentava aos interessados que com ela pretendiam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título:  "Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel sem Condutor" - conforme documento junto a fis. 27 a 31, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

5. O referido clausulado contém uma primeira página impressa, com o subtítulo "Condições Particulares", com espaços em branco destinados à identificação dos contraentes, do local de entrega do bem, do bem, do prazo, das datas de início e de termo do contrato, da modalidade de pagamento, das garantias do contrato, do seguro, do valor dado em penhor, do valor dos alugueres e outras retribuições, do indexante e da taxa anual de encargos efectiva global.

6. As quatro páginas impressas seguintes têm o título de "Condições Gerais".

7. No ponto 4 do contrato, sob a epígrafe "Condições do Contrato", alínea i) das mencionadas "Condições Particulares", consta:

"Indexante: Euribor 3 meses Periodicidade da reindexação: No Mínimo Trimestral

Os montantes dos alugueres do contrato serão recalculados, desde que se verifiquem variações superiores a 00,25 entre a taxa do indexante utilizado na última indexação e a do penúltimo dia útil do trimestre em análise. Caso ainda não tenha ocorrido qualquer indexação, deverá ser considerada a taxa do indexante fixada no início do contrato.

Apurada a variação, esta será adicionada ou subtraída à taxa em vigor no contrato com efeitos a partir do período subsequente à correspondente alteração, sendo o seu resultado arredondado para 1/4 de ponto percentual superior, donde resultará a taxa a utilizar no recalculo dos alugueres".

8. A Ré, no exercício da sua actividade, procedia à celebração do contrato de locação financeira.

9. Para o efeito, a Ré apresentava aos interessados que com ela pretendiam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título: "Contrato de Locação Financeira" - conforme documento junto a fls. 32 a 37, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

10. O clausulado contém uma primeira página impressa com espaços em branco destinados à identificação do locatário e, na parte intitulada "Cláusulas Particulares", do fornecedor, do bem, do preço de aquisição e da periodicidade, da data de vencimento e do valor das rendas.

11. As restantes quatro páginas impressas têm o título de "Cláusulas Gerais".

12. No ponto 2, sob a epígrafe "Periodicidade, data de vencimento e valor das rendas", alínea k) das mencionadas "Cláusulas Particulares", consta:

"Indexante: Euribor 3 meses Periodicidade da reindexação: No Mínimo Trimestral.

Os montantes das rendas do contrato serão recalculados, desde que se verifiquem variações superiores a 00,25% entre a taxa do indexante utilizado na última indexação e a do penúltimo dia útil do trimestre em análise. Caso ainda não tenha ocorrido qualquer indexação, deverá ser considerada a taxa do indexante fixada no início do contrato.

Apurada a variação, esta será adicionada ou subtraída à taxa em vigor no contrato com efeitos a partir do período subsequente à correspondente alteração, sendo o seu resultado arredondado para 1/4 de ponto percentual superior, donde resultará a taxa a utilizar no recalculo das rendas "

13. No exercício da sua actividade, a Ré procedia à celebração do contrato de financiamento para aquisição a crédito.

14. Para o efeito, a Ré apresentava aos interessados que com ela pretendiam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título: "Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito" - conforme documento junto a fls. 38 a 41, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

15. O clausulado contém uma primeira página impressa com espaços em branco destinados à identificação do adquirente, do bem ou serviço financiado e do fornecedor, assim como à indicação do valor do financiamento, dos encargos, da TAEG e da forma de pagamento.

16. As restantes três páginas impressas, das quais constam parte da cláusula 3.ª e das cláusulas 4.ª à 19.ª, não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção do reservado ao valor do imposto de selo e dos destinados à data e às assinaturas dos adquirentes e dos financiados.

17. A cláusula 4.ª, sob a epígrafe "Taxa Anual de Encargos Efectiva Global - TAEG", preceitua:

1. A referida taxa indicada no n.º 3 da cláusula 2.ª, foi calculada em conformidade com o disposto no D.L. 359/91 de 21 de Setembro.

2. Esta taxa será variável, tendo por indexante a Eurib. 12 meses fixada para o primeiro período, sendo revista sucessivamente por iguais períodos, no penúltimo dia do período de referência findo, desde que o indexante tenha sofrido uma variação superior a 00,25%.

3. A taxa actualizada será arredondada ao 1/4 de ponto percentual igual ou superior ".

18. A Ré, a partir de finais de Agosto de 2007 procedeu a alterações no "Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel sem Condutor" - conforme documento junto a fls. 59 a 64, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

19. A Ré, a partir de finais de Agosto de 2007 procedeu a alterações no "Contrato de Locação Financeira" - conforme documento junto a lis. 70 a 75 a 31, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

20. A Ré, a partir de finais de Agosto de 2007 procedeu a alterações no "Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito” - conforme documento junto a fls. 65 a 69 a 31, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

21. Os contratos identificados em 4, 9 e 14 foram descontinuados em Agosto de 2007.

XI – A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide está prevista no artigo 287.º, alínea e) e traduz uma emanação do princípio geral consignado no artigo 138.º, ambos do Código de Processo Civil (Diploma a que pertencem os demais preceitos que se vão referir, se menção de inserção).

Este segundo preceito refere-se a “actos inúteis” e, a respeito destes, já avisava Alberto dos Reis que “uma coisa são actos absolutamente inúteis, outra actos supérfluos ou desnecessários, mas que podem ter alguma utilidade” (Código de Processo Civil Anotado, I, 268). Quanto a estes, valia e vale o regime de custas, então do artigo 457.º e agora do artigo 448.º.

Compreende-se muito bem, quer o regime de proibição dos atos absolutamente inúteis – não faz sentido o trabalho da máquina judicial para nada – quer a tolerância relativamente a atos supérfluos ou desnecessários, mas com alguma possível utilidade, nestes casos apenas com consequências a nível de tributação.

Do regime segundo o qual a inutilidade determinadora da proibição da prática dos atos é uma realidade absoluta, pode-se retirar, com segurança uma ideia importante para o nosso caso: A inutilidade superveniente da lide que determina a extinção da instância também é uma realidade absoluta. Não se pode extinguir esta nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

No presente caso, existe uma utilidade mínima, ainda que – como vamos ver a seguir - de efeito muito pouco provável: no caso de procedência, a ré ficaria sujeita ao regime, quer do artigo 32.º, quer do artigo 33.º da LCCG (n.º 446/85, de 25.10, na redação, depois de várias alterações, resultante do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17.12).

Não há que extinguir a instância por aqui.

XII –  O interesse em agir consiste em o “direito do demandante estar carecido de tutela judiciária.” (Manuel de Andrade, NEPC, 79).

Não se trata do interesse na procedência do pedido que o traz a tribunal, mas do interesse em que esse pedido seja objeto de tutela pelo órgão soberano.

Não é pacífico o entendimento de que o interesse em agir constitua um pressuposto processual. O disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil parece apontar para a sua relevância apenas em sede de custas e honorários, mas já o artigo 472.º, n.º2 o erige, quanto a obrigações futuras não constituídas (reportando-se, no melhor entendimento, o outro preceito às obrigações constituídas, mas não vencidas) a pressuposto processual. Só pode vir a terreiro judicial o titular de “prestações futuras” nos casos ali previstos. Nos demais (abstraindo agora do que vamos referir a seguir) falece o interesse em agir.

XIII – A lei processual geral não deve, todavia, ser entendida como impedidora de que leis especiais admitam a tutela judicial relativamente a obrigações futuras nela previstas.

É o caso do artigo 25.º da LCCG:

As cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.

XIV – Ou seja, relativamente a cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura e independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares, a lei especial consignava aqui um caso especial de interesse em agir.

A lei especial derroga a geral, pelo que não vale a proibição que “a contrario sensu” resulta do artigo 472.º, n.º2 referido.

Não era precisa a inclusão efetiva nos contratos.

XV – A abertura deste caminho pela lei não afasta, contudo, a nosso ver, o que de essencial subjaz ao conceito de interesse em agir. Não era preciso que o banco incluísse tais cláusulas em contratos – diz a lei - mas terá de haver sempre, nas ações de simples apreciação, uma incerteza objetiva e grave sobre o comportamento daquele contra quem se pretende agir e, nas ações de condenação, pelo menos uma previsão de violação do direito do autor (cfr-se A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Beleza, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. 182 e 186 e Manuel de Andrade, ob. cit. 80).

Exigência que tem sido reiterada pela Jurisprudência deste Tribunal, podendo ver-se, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 22.6.1999, processo n.º 99B1228, 25.11.2008, processo n.º 08A2603, 16.9.2008, processo n.º 08A2210 e 6.9.2011, processo n.º 660/07.1YLSB.L1.S1.

A própria natureza desta exigência afasta o conceito do interesse em agir do da inutilidade superveniente da lide. Enquanto nesta, como vimos, se impõe a ideia de absoluto, naquela há que fazer um juízo em ordem a ter como existente interesse do autor idóneo para justificar o recurso à tutela judiciária.  

Se se considerasse o interesse em agir em termos absolutos (falecendo, nomeadamente, a prognose em favor da certeza), desapareceria a relevância do conceito, porquanto ninguém pode dizer que a pessoa demandada não venha a pôr em perigo ou violar o direito de que o autor se arroga. Na verdade, não se pode dizer, com absoluta segurança, que uma pessoa aleatoriamente escolhida numa lista telefónica não venha a violar ou a pôr em perigo o direito de propriedade dum bem que nem sequer sabe que existe. Como refere Castro Mendes (Lições Policopiadas de 1971-72, II, 168) “resistência eventual (uma eventualidade de resistência) há sempre… “Em rigor nenhuma ação é inútil.”

XVI – Ora, no caso presente, falecendo a certeza que, existindo, determinaria a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, tem lugar legitimamente, a nosso ver, um juízo de prognose, que apontando em sentido antagónico relativamente ao interesse em agir, afasta este.      

                        Para se concluir pelo interesse em agir, havia de se perfilar no horizonte a ideia de que o banco viria ou poderia, com alguma probabilidade, vir a incluir as cláusulas aqui em crise nos contratos que iria celebrar.

À partida, esta ideia até nem careceria de grande demonstração porque a normalidade da situação apontaria para a inclusão. Se foram elaboradas minutas de contratos incluindo-as, era para que viesse a ter lugar a sua utilização.

  XVII – Todavia, interpuseram-se normas e subsequente comportamento do banco que infirmam categoricamente esse normal evoluir.

A questão do arredondamento dos juros que as entidades bancárias inseriam em contratos de crédito e de financiamento não passou despercebida ao legislador que trouxe a lume dois Decretos-Leis.

Um, o n.º 240/2006, de 22.12, com entrada em vigor 30 dias após esta data;

Outro, o n.º 171/2007, de 8.5, com entrada em vigor também 30 dias após a data da sua publicação.

O primeiro reporta-se apenas aos contratos de crédito à habitação e o segundo determina a extensão do regime daquele aos demais contratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito e sociedades financeiras.

Do texto de ambos consta a sua aplicação “aos contratos de crédito e de financiamento … que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor e aos contratos que se encontrem em execução…”

Corolariamente, a ré – está nos factos provados – a partir de Agosto de 2007, abandonou tais cláusulas nos contratos a celebrar e descontinuou os que tinha celebrado, referidos nos demais factos provados.

 Despareceu não só a ideia, até então legítima, de que as cláusulas ora em crise iam ser utilizadas, como veio a lume a ideia contrária, desaparecendo, consequentemente os requisitos do interesse em agir, da incerteza ou de previsão de violação a que aludimos.

Na realidade, a lei já proíbe – sancionando até com contra-ordenação, nos termos dos artigos 7.º, n.ºs 1 e 3 do primeiro daqueles Decretos-Leis e 3.º do segundo, a inclusão de tais cláusulas – o que se pretende agora declarar nulo.

E, sabemo-lo, o banco vem acatando a proibição legal.

XVIII – A falência do interesse em agir não relevaria se se entendesse que a presente ação inibitória tinha contornos que iam para além do que aqueles Decretos-Leis dispõem e do que vem sendo acatado pela ré.

Quer a lei, quer este acatamento deixam de fora os contratos já findos em que tivessem sido incluídas tais cláusulas. Reportam-se a contratos futuros e aos ainda em execução.

Mas aqueles não estão contidos no círculo de abrangência da presente ação.

Repare-se no texto do artigo 32.º da mencionada LCCG:

Artigo 32.º

1 . As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.

2 . Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória.   

No que aqui nos importa, a expressão “nos termos referidos no número anterior” pode ser entendida de dois modos:

Um como reportando-se a todas as ccg objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado;

Outro como referindo-se às ccg objeto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, mas que sejam incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar.

Na primeira interpretação, os titulares de contratos extintos à data da entrada em vigor dos referidos Decretos-Leis e da mudança de comportamento do banco, poderiam fazer-se valer da eventual declaração de nulidade de tais cláusulas pretendida no presente processo.

Na segunda já não.

Almeida Costa e Menezes Cordeiro (Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, página 63) são claros no sentido da segunda interpretação (ainda que sem discutirem a opção entre as duas).

Ainda que a discussão se não situasse nesta opção, também Pinto Monteiro (RLJ, Ano 140.º, 141) escreveu:

 “Na verdade, quando o n.º2 desta norma remete para o n.º1 (“nos termos referidos no número anterior”) pressupõe-se que está aqui consagrada a proibição de o demandado incluir, nos contratos que venha a celebrar, c.c.g. proibidas na acção inibitória”.

Almeida Costa no Direito das Obrigações, 6.ª ed. 226, distingue dois caminhos quanto às ccg iníquas:

Um quanto a cláusulas já integradas em contratos singulares;

Outro da “verificação judicial, a título preventivo, da legalidade das cláusulas contratuais gerais ainda não integradas em contratos singulares ou independentemente dessa integração.”

Do mesmo modo, Menezes Leitão (Direito das Obrigações, I, 48) escreve que:

“Caso seja julgada procedente, a acção inibitória determina a proibição da inserção das cláusulas contratuais gerais em contratos que no futuro venham a ser celebrados ou a continuação da sua recomendação.”

Repare-se que a própria designação de “ação inibitória” aponta para a exclusão dos contratos findos. A ação inibitória pode ser preventiva ou repressiva, consoante se pretende a imposição da continuação da violação dum interesse ou a abstenção de futuras violações, mas trata-se sempre duma ação “voltada para o futuro” (João Alves, Revista do CEJ, 2007, 1.º Semestre, 76).

Ideia que emerge ainda dos contornos da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo seguinte.

Concluímos, assim, que a decisão que poderia vir a ser tomada nos presentes autos, mesmo que de procedência, não afetaria, de qualquer modo, os direitos dos titulares dos contratos já findos, não bolindo, por isso, com o juízo de prognose a fazer para determinar a existência ou não existência do interesse em agir.  

XIX – O que vem sendo dito relativamente à míngua de interesse em agir, vale também quanto à sanção pecuniária compulsória já referida, a que ficaria sujeita a ré se não acatasse eventual proibição das cláusulas, nos termos do artigo 33.º da LCCG.

Só haveria interesse nesta sujeição se no horizonte se perfilasse a probabilidade de violação, quando o que se perfila é a sua não probabilidade.

XX – O que vem sendo dito também vale, mutatis mutandis, quanto à publicidade deixada ao critério do tribunal pelo artigo 30.º da mesma Lei.

Aqui até a probabilidade de o banco não levar a cabo mais arredondamentos releva mais intensamente, porque mesmo que se continuasse a ação e se julgasse procedente o pedido de declaração de nulidade das cláusulas, haveria justificação para se não dar publicidade ao que verdadeiramente já se encontrava ultrapassado no tempo.

XXI – Não é pacífico o entendimento sobre as consequências da falta do interesse em agir. No caso previsto especificamente no artigo 662.º, n.º2 do Código de Processo Civil, não há afetação do conhecimento de mérito, apenas havendo um regime específico quanto a custas e honorários. Mas, nos demais casos, cremos que vale a ideia de que falece um pressuposto processual da ação, com a inerente absolvição do réu da instância (cfr-se, A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Beleza, ob. cit., 189).

Chegamos, assim, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, à solução do Acórdão deste Tribunal de 12.5.2011, que se encontra certificado a folhas 501 e seguintes.

XXII – Face a todo o exposto, em provimento da revista, absolve-se o réu da instância.

Sem custas – artigo 28.º, n.º1 da LCCG.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2013

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista