Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
985/12.4T2AVR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
ASSEMBLEIA DE CREDORES
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES / EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.
Doutrina:
- Antunes Varela, na R. L. J., Ano 117º, p. 26 e segs., em anotação ao Assento – hoje, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – do Supremo, de 21.06.83.
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, p. 284, Vol. II, pp. 190/191.
- Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 2ª Ed., p. 310.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 238.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06.07.11, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Os fundamentos de indeferimento liminar previstos no art. 238.º, n.º 1, do CIRE, têm natureza impeditiva do direito à exoneração do passivo restante.

II - O correspondente despacho deverá ter lugar na assembleia de credores de apreciação do relatório do administrador da insolvência, com prévia audição deste e dos credores da insolvência, a não ser que o respectivo pedido seja formulado fora de prazo ou que conste já dos autos prova documental autêntica comprovativa dos factos consubstanciadores de algum dos fundamentos legais do mencionado despacho.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 985/12.4T2AVR.C1.S1[1]

              (Rel. 167)

                           Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA requereu, em 11.05.12, a declaração da respectiva insolvência, com o fundamento de se encontrar numa situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.

       Designadamente, era sócio de uma empresa do ramo da construção civil, a qual foi já declarada insolvente, tendo o requerente prestado avales para contrair empréstimos junto da banca, com vista a solver as dívidas daquela empresa, o que lhe originou um passivo de, pelo menos, € 52 080,58.

       Por sentença de 21.06.12 (Fls. 56 a 59), transitada em julgado, foi declarada a requerida insolvência, nos termos que, aí, melhor constam.

       Logo no requerimento inicial, o AA deduziu o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto nos arts. 235º e segs. do CIRE por, nos termos alegados, preencher todos os requisitos nos mesmos exigidos, designadamente, que: não prestou informações falsas ou incompletas com o intuito de obter crédito; não usufruiu de tal benefício nos 10 anos anteriores à data do início do presente processo de insolvência; apresentou-se ele próprio à insolvência; fez tudo o que estava ao seu alcance para fazer face à situação; nunca teve qualquer intenção de se eximir às suas responsabilidades e prejudicar quem quer que fosse; nem foi condenado por nenhum dos crimes previstos nos arts. 227º a 229º do CPen.

       Apenas se opôs a tal pretensão a credora “BB Limited” (Fls. 131 a 136), alegando que o requerente se encontrava numa situação de insolvência desde, pelo menos, 2005 e, não obstante isso, só se veio a apresentar à insolvência, em 2012, do que resultou não ter cumprido o prazo referido no art. 238º, nº1, al. d) do CIRE, obstando à estabilização do passivo e avolumar das quantias em dívida, designadamente, pelo vencimento progressivo dos juros e contraindo novas dívidas, bem sabendo que inexistia uma perspectiva séria de melhoria da sua condição económica, o que tudo acarretou prejuízos para os credores.

       Por sentença de 11.10.13 (Fls. 188 a 190), foi indeferido liminarmente o mencionado pedido de exoneração do passivo restante, com o fundamento de se verificarem as circunstâncias previstas nas als. d) e e) do nº1 do art. 238º do CIRE, designadamente, que a situação de insolvência do requerente existe desde, pelo menos, 2005 e, apesar disso, em 2009 e 2010, alienou o seu património, sem pagar as suas dívidas, com o que prejudicou os seus credores, sem que se perspectivasse uma melhoria da sua situação económica e resultando daquelas vendas a diminuição do seu património, que acabou por determinar a ausência de bens apreendidos para a massa insolvente, assim impedindo os credores de verem satisfeitos os seus créditos.

       A Relação de Coimbra, por acórdão de 11.02.14, julgou improcedente a apelação interposta de tal decisão pelo requerente, AA.

       Daí, e porque invocada a oposição mencionada no art. 14º, nº1 do CIRE, a presente revista interposta pelo mesmo AA, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                        /

1ª – O acórdão recorrido viola, por erro de interpretação, o disposto no artigo 238º, nº 1, alíneas d) e e), do CIRE;

2ª – Discordamos da fundamentação arrazoada no acórdão recorrido, já que este assenta em pressupostos, a nosso ver, incorrectos: em primeiro lugar, quando sustenta que a figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra no nosso ordenamento jurídico e, por outro lado, quando faz impender sobre o devedor insolvente o ónus de alegar e demonstrar que cumpre os requisitos para que seja proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante;

3ª – A interpretação ínsita no acórdão recorrido não é conforme à jurisprudência maioritária, a qual considera que o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE, competindo, antes, aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova, por constituírem matéria de excepção;

4ª – No caso sub judice, o único credor que se pronunciou sobre o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente foi a sociedade “BB L1MITED”, por requerimento junto aos autos, via CITIUS, em 15.08.12;

5ª – Se atentarmos nos fundamentos apresentados pelo credor supra identificado, verificamos que os mesmos se reconduzem ao seguinte: "Do que se vem de expor, é forçoso concluir que o insolvente não cumpriu o prazo a que se referem os artigos 18º e 238º, 1, alínea d) do CIRE, donde resulta claro o prejuízo para os credores, na medida em que, não se apresentando tempestivamente à insolvência, o devedor obstou à estabilização do seu passivo e contribuíram para o avolumar dos montantes em dívida. pelo vencimento progressivo dos juros sobre o respectivo capital e ainda custas judicias inerentes aos processo executivos em curso";

6ª – Nada foi alegado el ou provado pelo credor “BB L1MITED”, no sentido de que os negócios celebrados em 2009 e 2010 pelo insolvente e herdeiros lhe tivessem causado prejuízo concreto, pelo que não deve o Tribunal a quo, substituir-se aos credores na alegação e demonstração do referido prejuízo concreto;

7ª – Os requisitos enumerados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE não constituem factos constitutivos do direito do devedor requerente da exoneração do passivo, mas sim factos impeditivos desse direito a ser alegados pelos credores, que, para esse desiderato, deverão alegar e demonstrar o eventual prejuízo que tenham efectivamente sofrido em consequência do atraso do devedor na apresentação à insolvência, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil;

8ª – Com o produto da venda efectuada em 14/5/2009, no âmbito da qual o insolvente e demais herdeiros venderam os prédios urbanos 1842 e rústico 161, ambos da ..., Ílhavo, o insolvente fez face ao pagamento de dívidas às Finanças, no montante de, aproximadamente, € 60 000,00 e a outros credores;

9ª – Em 2010, o insolvente vendeu, ainda, o prédio urbano 3429, da mesma freguesia, cujo produto da venda foi utilizado para pagamento ao credor Caixa CC, de uma dívida no montante de € 90 000,00, já que este credor detinha uma hipoteca sobre o imóvel objecto da transacção;

10ª – Assim, não existem, nos autos, quaisquer elementos que nos permitam concluir pela ocorrência de quaisquer comportamentos conducentes a causarem prejuízo aos credores, o qual não se reconduz ao mero vencimento de juros moratórios;

11ª – Nada tendo sido provado pelos credores neste sentido, não poderá o Tribunal a quo concluir pela existência de culpa grave na ignorância de inexistência de uma perspectiva séria de melhoria da situação económica do devedor;

12ª – Na verdade, o Tribunal “a quo” não faz menção, no douto acórdão ora posto em crise, aos factos da actuação do devedor, que seriam passíveis de serem subsumidos no conceito de culpa grave e era mister que o fizesse, sob pena de violação de lei;

13ª – Competindo a alegação e prova dos factos constantes nas diversas alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, aos credores e administrador de insolvência, na sua ausência, deve ser proferido despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, porquanto não existem nos autos elementos de prova que permitam ao Tribunal decidir pelo indeferimento liminar;

14ª – Ao contrário do entendimento espelhado no douto acórdão da Relação de Coimbra, somos da opinião de que o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante deve assumir carácter excepcional, tendo em conta as consequências gravosas que tal decisão assume na esfera jurídica dos insolventes;

15ª – Na verdade, na ausência de um verdadeiro fresh start, os insolventes terão de suportar o peso do seu passivo anterior, durante toda a sua vida, sendo-lhes negado o acesso a uma vida condigna se o estado de asfixia económica perdurar ad aeternum, facto que a legislação de 2004 pretendeu evitar com a criação deste instituto;

16ª – Note-se, ainda, que se trata apenas de um despacho de admissão liminar, já que, durante o período de cinco anos após o encerramento do processo, o insolvente ficará adstrito ao cumprimento das imposições legais constantes do artigo 239º do CIRE, nomeadamente, a de ceder uma parte dos seus rendimentos aos credores, sob pena de, a final, não lhe ser concedido o perdão das dívidas que não hajam sido pagas até à data;

17ª – Os negócios que o insolvente realizou, em 2009 e 2010, tiveram como objectivo o pagamento de dívidas aos credores, com o intuito de minorar a sua situação de endividamento e consequente incapacidade generalizada para fazer face às suas obrigações;

18ª – Não existem, nos autos, indícios de que os negócios que o insolvente realizou, em 2009 e 2010, constituíram actos de dissipação dolosa do seu património, com intenção de prejudicar os credores;

19ª – Efectivamente, os credores não lograram provar que o devedor sabia e queria prejudicá-los com a realização destes negócios, até porque os mesmos tiveram como objectivo pagar às Finanças e a um credor hipotecário, a fim de evitar o que veio a suceder: a situação de insolvência do devedor;

20ª – Em suma, não se encontram preenchidos os pressupostos constantes das alíneas d) e e), do nº 1 do artigo 238º do CIRE, para que seja proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

       Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja revogado o despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito, com as legais consequências.

       Inexistem, nos autos, contra-alegações.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                  *

2 – A Relação, de forma não totalmente clara, teve como provados os seguintes factos:

                                                  /

1 – O requerente apresentou-se à insolvência, em 11.05.12 (fls. 34);

2 – Para o efeito, invocou a existência de dívidas resultantes do exercício da actividade de sócio e gerente da empresa “DD – Obras Públicas”, declarada insolvente na sequência de processo instaurado, em 2009 (fls. 4ss);

3 – Tais dívidas, de valor superior a € 50 000,00, estão vencidas, desde 2002 e 2005 (fls. 41 e 120);

4 – Foram reclamadas, judicialmente, ao requerente, em execuções de 2003, 2005 e 2006 (fls. 42);

5 – A insolvência referida em 2) foi qualificada de culposa, com afectação do requerente (fls. 90ss);

6 – Com base nas referidas dívidas, a insolvência do requerente foi declarada, por decisão de 21.06.12 (fls. 56ss);

7 – Não foram identificados no processo bens susceptíveis de apreensão (fls. 118ss);

8 – O insolvente não compareceu à assembleia de credores (fls. 154);

9 – Através de escritura de compra e venda outorgada em 14.05.09, o insolvente e demais herdeiros venderam os prédios urbanos 1842 e rústico 161, ambos da ..., Ílhavo (fls. 161ss e 171ss);

10 – Em 2010, o insolvente vendeu, ainda, o prédio urbano 3429, da mesma freguesia (fls. 161ss e 171ss);

11 – O requerente reside, com a mãe, no imóvel indicado em 9), por contrato de arrendamento (fls. 161ss e 171ss);

12 – Notificado do requerimento de fls. 161ss e do despacho de fls. 168, o requerente nada disse (fls. 170) (Naquele requerimento, a credora “EE & Filhos, Lda” solicitou a notificação do insolvente para vir juntar aos autos cópia do contrato de arrendamento aludido em 11, o que foi deferido pelo despacho de fls. 168).

                                                    *

3 – Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, a questão que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se, como foi entendido no douto acórdão recorrido, em confirmação do perfilhado na 1ª instância, tem fundamento legal o decretado indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente-recorrente.

       Apreciando:

                                                   *

4I – No acórdão de 06.07.11, deste Supremo, de que fomos relator e acessível em www.dgsi.pt, aderiu-se, por unanimidade, a propósito da temática em apreço, ao seguinte entendimento:

       “…contra o entendimento perfilhado no acórdão recorrido e em sintonia com o decidido no sobredito Ac. de 21.10.10, deste Supremo, consideramos que os fundamentos de indeferimento liminar[2] previstos no art. 238º, nº1 do CIRE têm natureza impeditiva do direito à exoneração do passivo restante por parte do requerente-insolvente, sobre o qual, por isso (art. 342º, nº2, do CC), não impende o ónus processual de, desde logo, alegar e, subsequentemente, provar a inexistência, no caso, de tais fundamentos (numa das previsões constantes da al. e), tal exigiria, mesmo, a subsequente tramitação do incidente “até ao momento da decisão”, com dotes divinatórios que ao requerente não poderiam, obviamente, ser exigidos…).

       No sentido propugnado, pensamos dever entender-se o expendido por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[3], os quais, sobre a temática, assim dissertam: “Quanto ao conteúdo do requerimento de exoneração, manda o nº3 do art. 236º que o devedor, além de formular, como é evidente, o correspondente pedido, declare expressamente que: a) – se verificam todos os requisitos de que depende a exoneração; b) – se dispõe a observar todas as condições referidas no art. 239º, que sejam impostas no despacho inicial…” Sendo para nós elucidativo o total silêncio assim demonstrado – na linha, aliás, do que, antes, expendem sobre a matéria –  quanto ao pretenso ónus que se pretende fazer impender sobre o requerente.

       Mas se dúvidas subsistissem sobre a matéria, elas teriam de dissipar-se se tido em consideração o correspondente ensinamento do saudoso e insigne Mestre Antunes Varela, na R. L. J., Ano 117º, pags. 26 e segs., em anotação ao Assento – hoje, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – deste Supremo, de 21.06.83.

       Aí, após se estabelecer a clara distinção entre factos constitutivos e factos extintivos do direito ou da pretensão, pondera-se: “A mesma facilidade se não encontra já na aplicação prática da destrinça entre os factos constitutivos e os factos impeditivos do direito ou da pretensão relativamente à repartição do ónus da prova (…) Ambas as categorias se referem a ocorrências ou situações imputadas ao mesmo momento ou período temporal: o da formação do direito ou da pretensão (…) Mas enquanto os factos constitutivos são essenciais à criação do direito ou pretensão, os factos impeditivos obstam, pelo contrário, à formação de um ou de outra”.

       E, após considerar que “o critério da normalidade ou anormalidade do facto (solto de qualquer outro elemento ou ponto de referência) não pode, pela extrema imprecisão do seu subjectivismo, servir de base a uma distinção tão importante, do ponto de vista prático, como a fixada no art. 342º do CC”, continua, na linha do sustentado, na Alemanha, por ROSENBERG (aí citado): “…a repartição do ónus da prova entre as partes tem que processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas (teoria da norma) (…) Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. O autor terá assim o ónus de provar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão (…) Ao réu incumbirá, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva (do efeito jurídico pretendido pelo autor) por ele (réu) invocada. Compete-lhe, portanto, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada (…) Cada uma das partes terá, em suma, de alegar e provar, sobre o terreno da situação concreta em exame, os pressupostos da norma que lhe é favorável”. Apontando, em jeito de conclusão, que “…a distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo autor se deve procurar na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes”.

       Não restando, pois, dúvidas, a esta luz, que têm natureza impeditiva da pretensão formulada pelo requerente do benefício de exoneração do passivo restante os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art. 238º do CIRE, bastando-se aquela pretensão com a alegação da qualidade de insolvente e do que exigido se mostra no art. 236º, nº3 do mesmo Cod.”

                                                  /

II – No caso dos autos, como emerge do teor de fls. 7 e 8, o insolvente-requerente deu plena satisfação ao ónus processual sobre si impendente, nos termos que acabam de ser acentuados.

       Também em sintonia com o exposto, sobre o administrador e credores da insolvência impende o ónus processual de alegar e provar a verificação, “in casu”, de factualidade integrante de qualquer dos fundamentos do indeferimento liminar previsto no art. 238º, nº1 do CIRE, o que, em nosso entender e salvo o devido respeito, não pode bastar-se com a distanciada factualidade que foi tida por provada, na sequência da simples alegação, sem subsequente observância e garantia de contraditório, por parte, apenas, de uma credora da insolvência. Sendo, pelo menos, dignas de atenção as justificações adiantadas pelo insolvente, nas alegações do presente recurso, para possíveis ilações precipitadas que possam decorrer da simples contemplação, sem garantia de contraditório, da prova documental invocada para a fixação dos factos havidos por provados.

       Acresce que, exceptuando a formulação do pedido de exoneração fora do prazo – o que, aqui, não ocorre –, ou a prévia e inequívoca aquisição processual, mediante prova documental autêntica, de factos que determinam o necessário indeferimento daquele pedido – o que também não se configura –, o questionado despacho de indeferimento liminar tem de ser proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência, na assembleia (de credores) de apreciação do relatório do administrador da insolvência (art. 238º, nº2 e citada obra de L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, 2005, Vol. II, pags. 190/191).

       Tudo impondo, pois, a conclusão da precocidade da prolação do impugnado despacho de indeferimento liminar, o qual não poderá, pois, subsistir.

       Procedendo, assim, as conclusões formuladas pelo recorrente.

                                                    *

5Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC):

                                                      /

   I – Os fundamentos de indeferimento liminar previstos no art. 238º, nº1, do CIRE têm natureza impeditiva do direito à exoneração do passivo restante.

  II – O correspondente despacho deverá ter lugar na assembleia de credores de apreciação do relatório do administrador da insolvência, com prévia audição deste e dos credores da insolvência, a não ser que o respectivo pedido seja formulado fora de prazo ou que conste já dos autos prova documental autêntica comprovativa dos factos consubstanciadores de algum dos fundamentos legais do mencionado despacho.

                                                     *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido e a sentença pelo mesmo confirmada, para ter lugar a normal e subsequente tramitação dos autos.

      Custas, aqui e nas instâncias, pela massa insolvente.

                                                    /

                                       Lx       17/    6 /  2014   /                                                            

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

__________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (13/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  O Prof. Menezes Leitão adverte (in “Direito da Insolvência”, 2ª Ed., pags. 310) não julgar “correcto falar-se neste caso em indeferimento liminar, dado que normalmente há que produzir prova dos fundamentos de indeferimento”.
[3]  In “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, pags. 284.