Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19185/16.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
FUNDO DE RESOLUÇÃO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL COMUM
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / TRIBUNAIS / ORGANIZAÇÃO DOS TRIBUNAIS / TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 212.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONFLITOS:


- DE 14-02-2019, PROCESSOS N.º 031/18, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A causa de pedir da presente acção está claramente fundada na responsabilidade civil dos RR, por violação do dever de informação e regras da intermediação financeira (deveres de informação, diligência e lealdade), ou, caso aquele pedido não seja procedente, a declaração de nulidade dos contratos celebrados por inobservância de forma (vários artigos da PI, nomeadamente art.º 64.º, 99.º, 115.º.

II. Sendo demandado nessa acção o Fundo de resolução, atendendo à causa de pedir e ao pedido, é competente a jurisdição comum, como tem sido entendido pelo Tribunal de Conflitos.

III. Esta orientação não é inconstitucional, por violação do art.º 212.º, n.º3, da CRP.
Decisão Texto Integral:

 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA veio propor acção declarativa de condenação com processo comum contra Banco BB, S.A., Banco ..., DD Banco, S.A., Fundo de Resolução, CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e EE, pedindo:

a) Por responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM, sejam eles solidariamente condenados a pagar à A. a quantia de € 200.269,497, acrescida de:

i) € 50.209,15 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

Caso assim não se entenda:

b) Se declare a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de € 200.269,497, acrescida de :

i) € 50.209,15 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;

ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória.

Mais requer que sejam, ainda, os RR. condenados a ressarcir, solidariamente, à A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

Alegou, em síntese, que era cliente da 1ªR, sendo gestora da sua conta a 6ªR, detendo conta onde depositava poupanças, que eram canalizadas para aplicações que ofereciam juros por indicação da 6ªR; alega que transmitiu à 6ªR instruções de que não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, querendo ter a certeza de que tinha o seu capital garantido e disponível para qualquer eventualidade, tendo obtido como resposta desta R. que o dinheiro da A. seria aplicado em produtos sem qualquer risco, sendo que aqueles produtos eram “como depósitos a prazo”, pois que eram da titularidade do 1º R. e por isso eram totalmente garantidos. Mais alega: nunca recebeu do 1º R ou da 6ª R. qualquer prospecto em papel ou digital que lhe permitisse avaliar ou estudar os produtos nos quais estava a ser investido o seu dinheiro; não sabe nem nunca soube, ou lhe foi explicado, o que são “produtos estruturados”; sempre desconheceu que tinha um “perfil de investidor” atribuído pelo 1º R., pois que o mesmo lhe foi “atribuído” pela 6ª R., já após ter grande parte do seu dinheiro aplicado em produtos do 1º R.; não obstante as instruções dada, a 1ªR, através da 6ªR, aplicou o dinheiro da A. depositado no 1º R. na compra produtos que constam actualmente da sua “Carteira de Títulos ...” (que identifica no art. 36º da p.i.), sendo investido o montante total de €200.269,497 nesses produtos financeiros, em nome da A., que são produtos de alto risco e sem disponibilidade imediata. Alude ainda às explicações que lhe foram dadas pela 6ªR, quando em meados de 2012 ouviu a comunicação social falar dos problemas da 1ªR, tendo sido tranquilizada por esta; refere a decisão do Banco ..., 2º R., quando este optou pela aplicação da medida de resolução ao 1º R., criando assim o DD Banco, o 3º R., cujo capital social é inteiramente detido, pelo 4º R., o Fundo de Resolução;  a criação do fundo de resolução e a sua titularidade das participações sociais da 1ªR; indica as declarações públicas da 1ªR e 2ª R, das quais extrai a ilação de que praticaram estes RR. um conjunto de actos e declarações públicas que levaram o A. acreditar que iria, em curto espaço de tempo, obter o reembolso daqueles produtos.

2. Contestou o R. ... (fls. 114 e segs.) Contestou também a COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (“CMVM”), arguindo, à cabeça, a incompetência do Tribunal em razão da matéria, referindo, em síntese, que a A. parece indicar, como causa de pedir (muito embora o faça sem alegar factos passíveis de sustentar aquelas pretensões), a responsabilidade civil da CMVM por omissão de deveres de supervisão. O Banco ... contestou, defendendo-se por excepção e impugnação. Contestaram o DD Banco, S.A. e EE.

3. Contestou ainda o FUNDO DE RESOLUÇÃO, actual recorrente, que se defendeu por excepção e impugnação, sendo que, em sede de excepção, arguiu também a incompetência do Tribunal em razão da matéria, considerando, entre o mais, que é demandado na qualidade de accionista único do DD Banco e que, se a Autora pretendia demandar o Fundo de Resolução e o Banco ... (solidariamente) com os demais Réus, tivesse accionado não os tribunais cíveis, mas os tribunais administrativos, que, nos termos da citada disposição do art. 4º/2 do ETAF, são os juízos materialmente competentes para conhecer dos litígios que envolvam (solidariamente) entidades públicas e entidades privadas.

Concluiu o seu articulado, pedindo a procedência da excepção, ou, assim, não sendo, a improcedência da acção.

A A. veio responder às excepções, pugnando pela improcedência de todas elas.

4. Foi proferida, em 03-07-2017, decisão do seguinte teor:

«Os RR. CMVM, Fundo de Resolução e Banco ... deduziram a exceção da incompetência em razão da matéria, afirmando que os tribunais competentes para conhecer do pedido de indemnização deduzido contra eles são os tribunais administrativos.

A A., notificada nos termos ordenados a 9 de Fevereiro de 2017, respondeu à excepção.

Ao abrigo do disposto no art. 98º do C.P.C., passo a conhecer imediatamente da excepção.

Como é entendimento uniforme na jurisprudência, a competência afere-se pelo pedido formulado pelo A. e pelos fundamentos que este invoca.

Na presente acção, a A. pede, a título principal, a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe a quantia de €200.269,50, acrescida de juros, bem como os danos não patrimoniais a calcular em sede de liquidação de sentença.

Os RR. Banco ..., CMVM e Fundo de Resolução apenas poderão responder com base na responsabilidade civil extracontratual.

Nos termos do art. 4º nº 1 al. f) do ETAF, “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público”.

De acordo com a versão atual do ETAF, a distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada deixou de ter interesse.

Conforme resulta do disposto no art. 1º da Lei Orgânica do Banco ..., “o Banco ... é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio”.

Por força do disposto no art. 153º-B nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, “o Fundo de Resolução é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio”.

Resulta do disposto no art. 1º nº 1 dos Estatutos da CMVM que “a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio”.

Nos termos do art. 4º nº 2 do ETAF, “pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade”.

A A. pediu a condenação solidária de todos os RR., pelo que a incompetência material estende-se aos RR. BB, DD Banco e EE (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 30 de março de 2017, processo 146/16.T8AVR-8; Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães proferidos a 26 de janeiro de 2017, processo 1358/16.5T8BRG.G1, e a 9 de fevereiro de 2017, processo 6194/15.8T8BRG.G1)

Assim, julgo procedente a excepção da incompetência em razão da matéria e, consequentemente, absolvo os RR. Banco ..., Fundo de Resolução, CMVM, BB, DD Banco e EE da instância, nos termos dos arts. 99º nº 1 e 278º nº 1 al. a) do C.P.C.»

5. Inconformada com esta decisão, dela apelou a A..

O Tribunal da Relação de Lisboa conheceu do recurso e, concedendo parcialmente a apelação, decidiu:

- Mantém-se a decisão recorrida quanto à absolvição da instância dos RR.  Banco ... e Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM), por serem competentes, no que lhes respeita, os Tribunais Administrativos;

- Revoga-se a decisão no que se refere à absolvição da instância dos RR.  Banco BB, S.A., DD Banco, S.A., Fundo de Resolução e EE, com o consequente prosseguimento dos autos relativamente a eles.

6. Inconformado recorreu de revista o Fundo de Resolução, nos termos dos arts. 629/2, alínea a), e 671º/2, alínea a), todos do Código de Processo Civil, culminando o recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
“a. O presente recurso de revista tem como objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos, o qual, revogando parcialmente a sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa, decidiu serem os Tribunais judiciais
materialmente competentes para conhecerem do pedido aqui formulado pela
Autora também em relação ao Fundo de Resolução.

b.            A revista deduzida é admissível nos termos da alínea a) do art. 671º/2 e da alínea a) do art. 629º, ambos do Código de Processo Civil, pois tem como objecto, precisamente, a violação pelo Tribunal da Relação a quo, na perspectiva do ora Re­corrente, de normas aplicáveis em matéria de competência jurisdicional, nomea­damente do art. 212º/3 da Constituição, do art. 19/1, bem como das alíneas a) e o) do art. 4º/1 do ETAF e, ainda, do respectivo n.º 2.
c.   A decisão impugnada baseou-se numa recente linha jurisprudencial do Tribunal dos Conflitos produzida no contexto de processos muito semelhantes ao presente - concretamente no Acórdão nº 046/18 desse Tribunal, que vem citado no Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa e cuja fundamentação faz sua -, que, especificamente quanto ao Fundo de Resolução, invoca que "conside­rando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do DD Banco - e o uniformemente decidido nos precedentes arrestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tri­bunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo".
d.    Porém, embora venham demandados solidariamente todos os Réus, o certo é que a causa de pedir da acção é complexa, sendo diferentes as fontes (e os títu­los) de responsabilidade imputada aos vários Réus, como acima se explicitou, no capítulo 11.1. destas alegações.
e.    Acontece que o Tribunal dos Conflitos, na mencionada jurisprudência - e, por­tanto, o Tribunal a quo na decisão recorrida -, se limitou a ter em consideração a causa de pedir invocada em relação ao Réu BB (e admita-se, ao DD Banco), sem cuidar de ponderar a causa de pedir invocada para justificar a demanda do Fundo de Resolução.
f.    Causa de pedir essa que, no caso dos autos - como também nos casos levados ao Tribunal dos Conflitos - reside no facto de o Fundo deter "inteiramente" o capital social do DD Banco (cf. art. 64º da petição inicial).
g. Por outro lado, em consequência disso, o Tribunal dos Conflitos (e o Tribunal a quo) limitou-se a excluir a aplicação a casos como este da alínea f) do nº 1 do art. 4º do ETAF, bem como do respectivo n.º 2, sem ponderar quaisquer outras nor­mas de atribuição da competência à jurisdição administrativa, nomeadamente as da alínea a) e, em qualquer caso, da alínea o) desse art. 4º/1.
h. Ora, como se procurou demonstrar nestas alegações, a qualidade de "accionista único" do DD Banco - além de não ter qualquer vestígio literal e funcional na lei, nomeadamente no RGICSF, que, como vimos, se refere sempre ao Fundo co­mo o detentor ou titular do capital dos bancos de transição, recusando-lhe, de um lado, e retirando-lhe, do outro, quaisquer direitos e deveres atribuíveis societariamente à qualidade de accionista -, qualidade que, a existir, lhe adviria de normas e de actos de direito administrativo (não de normas e de actos de direito privado).
1.    A começar logo pelo art. 145º-G/4 do RGICSF e pelo art. 4º do Anexo 1 da Medi­da de Resolução do BB, de 3 de Agosto de 2014, a qual configura um acto jurídico-público, um acto administrativo, do Banco ....
j.     Por outro lado, a dotação de capital dos bancos de transição (como o Novo Ban­co) pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização exorbitante do direito privado, que lhe impõem normas de direito administrativo do RGICSF e o acto jurídico-público de criação do DD Banco pelo Banco de Por­tugal, não derivando a criação e a capitalização do DD Banco de qualquer acto voluntário e formal de accionista fundador praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do (Código Civil ou do) Código das Socieda­des Comerciais.
K.   Toda a organização, funcionamento, actividade e responsabilidade do Fundo encontram-se extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF (e nos regulamentos emitidos ao seu abrigo), como é o caso, nomeadamente, da alínea c) do nº 1 e do nº 3 do respectivo art. 145º-B.
l.    Dele resulta, é certo, o dever jurídico-público do Fundo responder pelas dívidas e obrigações (mas só) dos bancos resolvidos, do BB, portanto - não dos bancos de transição, como o DD Banco, note-se - e apenas nos casos e na medida aí expressamente fixados, como se mostrou.
m.   Aliás, todas as restantes normas do RGICSF citadas nestas contra-alegações de recurso, seja em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, seja quanto à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Reso­lução, são manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disci­plina de relações jurídicas em que simples particulares não podem estar constitu­ídos - isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco ...) e os bancos de transi­ção.
n.    Por esse motivo e por todos os restantes acima avançados, o Fundo de Resolu­ção não é, portanto - nomeadamente para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491º e 501º do CSC às sociedades comerciais com domínio total - ac­cionista único do DD Banco.
o.    É, sim, um mero detentor público do seu capital social e credor público dos ban­cos de transição - credor, repete-se -, como resulta claramente da alínea a) do n.º 3 do art. 145.º-1 do RGICSF.
p.    E, como já se disse, estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco ..., através da realização do capital dos bancos de transição, o Fundo de Resolução não está, porém, em parte alguma, constituído na responsabilidade de responder pelas obrigações a que tais bancos estejam vinculados.
q.    Conclui-se, por tudo, que a parte do presente litígio que respeita à alegada res­ponsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de cré­dito da Autora, enquanto detentor do capital social do DD Banco, se subsume claramente na alínea a) do art. 4º/1 do ETAF.
r.    Mesmo que assim não se entendesse, essa parte do presente cairia sempre na alínea o) desse mesmo art. 4º/l do ETAF - para não falar já, também, na alínea f) do art. 2º/2 e na alínea f) do art. 37º/1 do CPTA.
s.    Assim, a circunstância de não vir imputada ao Fundo de Resolução a prática de quaisquer factos, supostamente ilícitos, e de os contratos dos autos não serem contratos de direito público, não afasta a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa.
t.    E foram essas duas circunstâncias, e apenas elas, que fundamentaram o juízo do Tribunal dos Conflitos e, consequentemente, do Tribunal a quo para atribuir a competência material aos Tribunais da jurisdição comum, como se as normas de delimitação do âmbito da competência material dos Tribunais administrativos se esgotasse, que manifestamente não esgota, nas alíneas e) e f) do art. 4º/1 do ETAF.
u.    Por último, concluiu-se ainda nestas alegações que, de acordo com as regras processuais aplicáveis, nomeadamente o art. 4º/2 do ETAF, subsumindo-se a causa de pedir invocada contra um dos Réus solidariamente demandados (o Fundo de Resolução) em alguma das alíneas do anterior n 1, então, para efeitos de determinação do Tribunal materialmente competente, é a natureza jurídico-administrativa dessa causa de pedir que contamina ou contagia a totalidade do litígio, inclusive, portanto, a sua componente jurídico-privada. Sendo certo que, uma vez que estamos em sede de apreciação do pressuposto processual da competência do tribunal - ou seja, num contexto em que releva apenas o que vem efectivamente alegado e pedido na petição inicial e não já a sua bondade ou acerto jurídico -, não é juridicamente acertado o afastamento pelo Tribunal dos Conflitos (nos Acórdãos citados pelo Tribunal a quo) da aplica­ção do art. 4º/2 do ETAF por, alegadamente, a alegação da petição inicial ser in­suficiente na demonstração de uma relação de solidariedade entre as entidades privadas e as entidades públicas demandadas.
w.    Para a respectiva aplicação, interessa apenas que o autor configure a sua acção nesses termos - como, de resto, acontece nos presentes autos, vindos os Réus (públicos e privados) demandados solidariamente.
x.    Em conclusão, ao ter julgado que os Tribunais da jurisdição comum são materi­almente competentes para conhecerem da parte do pedido respeitante ao Fun­do de Resolução, o Tribunal da Relação a quo violou o art. 212º/3 da Constitui­ção, o art. 1º/1 e as alíneas a) e o) do art. 4º/1 do ETAF, bem como o subsequen­te n.º 2.
Nestes termos, sempre com o mui douto supri­mento de V. Exas., que respeitosamente se ro­ga, deve a presente revista ser julgada proce­dente, revogando-se o Acórdão recorrido na parte aqui impugnada.
Requer-se ainda, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 6469/l do CPC, que o recur­so seja instruído com as seguintes peças do pro­cesso:
i) a petição inicial apresentada pela Autora (ref. 356290622);
ii) a contestação deduzida pelo Réu Fundo de Resolução (ref. 23941132);
iii) a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 3 de Julho de 2017 (ref. 367514980);
iv) o recurso de apelação interposto pela Auto­ra (ref. 26852272);
v) as   contra-alegações   apresentadas    pelo Fundo de Resolução (ref. 27196773) e (vi) o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em  4  de  Abril  de  2019  (ref. 14334107).”

7. A A./recorrida apresentou contra-alegações, onde conclui (transcrição):

“1. A Autora e Recorrente louva, desde já, a Douta decisão ao determinar o prosseguimento dos autos relativamente aos RRs. Banco BB S.A., DD Banco S.A., Fundo de Resolução e EE,

2. Uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, julgando os tribunais da jurisdição comum materialmente competentes em relação ao Fundo de Resolução, ao DD Banco, ao Banco BB SA, e EE, ordenando-se que o Tribunal da primeira instância conheça do mérito da causa.

Ora,

3. AA veio propor acção declarativa de condenação em processo comum contra Banco BB S.A:, Banco CC, DD Banco.S.A, Fundo de Resolução, CMVM e EE, alegando que,

4. A A. e Recorrente é uma cidadã portuguesa emigrante na ... desde há já vários, apenas se deslocando a Portugal para visitar a sua família;

5. A Autora e Recorrente é cliente do 1o Réu (Banco BB SA) desde há cerca de 15 anos;

6. A relação existente entre a A. e o 1.º R. materializa-se na existência da conta bancária n° ... EURO de que a A. é titular e que se encontra sediada no departamento de Private Banking do 1o R., também denominado por Sucursal Financeira Exterior -Madeira Branch;

7. Foi por critério e exclusiva determinação do 1.º R. que a conta bancária da Autora, desde há cerca de 10 anos, passou a ser sediada e tratada pelo denominado Private Bank, exercido pelo 1.º R. na ...;

8. Desde então que à Autora foi atribuída uma gestora de conta, EE, 6..ª Ré;

9. Assim, e desde que se tornou cliente do 1.º R. que a A. aí deposita a quase totalidade do seu dinheiro e das suas poupanças, confiando-lhe o seu património financeiro.

10. Mais, todos os assuntos relacionados com aquela conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas foram tratados pela A. com a 6.ª R, com quem a A., sempre teve uma grande relação de confiança e proximidade, sendo que foi sempre a 6.ª R. quem sempre aconselhou a A. a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1.º R. lançava em carteira.

11. No entanto, a A. nunca solicitou nem à 6.ª Ré, nem tão pouco a outro qualquer colega, nunca a A. recebeu qualquer informação ou prospeto sobre os produtos financeiros no qual estava ser investido o seu dinheiro!

12. E mais ficou demonstrado e provado que 1.º R e 6.ª R. sabiam que a A. apenas queria confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com a disponibilidade;

13. Em 3 de Agosto de 2014 o Banco ..., 2.º R. decidiu-se pela aplicação de uma medida de resolução ao 1.°R!

14. Mais foram proferidas declarações na comunicação social de confiança na manutenção da solvabilidade e estabilidade do 1.ºR.!

15. Sendo que o 1.°R assumiu a obrigação de reembolso dos produtos que vendeu aos seus clientes e que são dívida emitida pelas diversas entidades que compõe o universo do denominado Grupo BB (GES), criando, para o efeito, uma provisão.

16. Tendo pedido, e sumariamente, a responsabilidade civil dos RRs. enquanto intermediários financeiros por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art. 304.- A do CVM, sejam solidariamente condenados a pagar à A. a quantia de €200.269,497, acrescida de juros vencidos, no valor de € 50.209,15, e juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

17. Nessa medida, e no que ao Acórdão em concreto diz respeito, vieram os RRs. DD Banco E EE defender-se por excepção e impugnação: excepção peremptória de ilegitimidade substantiva;

18. Veio o Tribunal de 1.ª Instância julgar procedente esta excepção, nos termos do art.º 99.º e 278.º do CPC;

19.       A Autora apelou, e sumariamente, alegando que a decisão de 1.ª instância omitiu os seus fundamentos e a sua apreciação crítica quanto à Ré EE;

20.       Ora, a sentença, e conforme resulta do art.º 613° do CPC é nula quando o Tribunal deixe de conhecer de questões que devesse apreciar!

21.      O que não se verificou, e bem, a Autora apelou consequentemente.

22.      Mais, e como ensina Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotados) deve "o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 660, n.°2 CPC), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado peio anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não constituindo a omissão de consideração linhas de fundamentação jurídica da sentença que as partes hajam invocado".

23.      Nessa medida, entendemos, que os Venerandos Desembargadores, e na sequência dos dois acórdãos do Tribunal de Conflitos de 14 de Fevereiro de 2019 e de 22 de Março de 2018, que a atribuição da competência, em razão da matéria para conhecer do objecto da ação aos tribunais administrativos, quanto ao Banco ..., Comissão de Valores Mobiliários, e aos tribunais, quanto aos restantes RR, decidiram e bem,

24. Pelo que, e bem devem os tribunais judiciais comuns "conhecer do objecto do processo em relação aos restantes RR."

25. E nesse sentido, os Venerandos Desembargadores, decidiram no sentido de se prosseguirem dos autos relativamente aos RRs. BB S.A, DD Banco S.A:, e FdR e EE.

Nestes termos e nos mais de Direito que vossas Excelências mui doutamente suprirão, devem os presentes autos prosseguir contra os RRs., não se admitindo a revista excepcional interposta, pois só assim se fazendo a tão costumada justiça!”

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

8. O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

A única questão que se coloca é a de saber se os tribunais judiciais são competentes para conhecer do litígio, tal como apresentado pela A. – pedido e causa de pedir – ou se o mesmo deve ser da competência dos tribunais administrativos (tese da recorrente) – para a análise desta questão o recorrente invoca como argumentos a violação de lei: “de normas aplicáveis em matéria de competência jurisdicional, nomea­damente do art. 212º/3 da Constituição, do art. 1.º/1, bem como das alíneas a) e o) do art. 4º/1 do ETAF e, ainda, do respectivo n.º 2.”

9. Relevam para a boa decisão do recurso os elementos constantes do Relatório supra.

10. Entrando no conhecimento da questão suscitada no recurso, em matéria de violação da competência dos tribunais administrativos, vejamos.

10.1. O tribunal recorrido ao decidir que a competência para analisar a acção – pedido e causa da pedir identificados pela A. – era dos tribunais comuns no que se reporta ao R., Fundo de Resolução, disse o seguinte:

Conforme resulta dos ensinamentos de Manuel de Andrade, na definição da competência em razão da matéria (ratione materiae) «a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1979, pp. 94-95).

Estabelece-se  no art. 40º, nº1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26-08:

«Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

Dispõe o art. 4º, nº1, als. f) a h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF):

«1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

(…)

f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público».

E no nº 2 deste artigo vem previsto:

«2. Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.»

No caso que nos ocupa, extrai-se da petição inicial que a A. alega factos que se prendem com a existência de uma conta aberta no BB, de que era cliente há alguns anos, sendo a A. aconselhada na aplicação das respectivas poupanças pela 6ª Ré, a sua gestora de conta, à qual a A. sempre deu instruções no sentido de não haver aplicação do seu dinheiro em qualquer produto de risco. Ocorreu, porém, o investimento nos produtos aludidos na p.i., que a 6ª R. identificava como não oferecendo risco, como se fossem depósitos a prazo. Veio a verificar-se que o dinheiro foi, afinal, aplicado pelo 1º R. e pela 6ª R. em produtos de alto risco, à revelia da A. e sem lhe ser prestada a devida informação.

A A. refere que, em 3 de Agosto de 2014, o Banco ... (2º R.) decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1º R., criando assim o DD Banco, o 3º R., cujo capital social é inteiramente detido, pelo 4º R., o Fundo de Resolução.

 Com essa medida, o 2º R. decidiu pela transferência da gestão de um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais que se encontravam sob domínio do 1º R. (BB) para o 3º R., o DD Banco.

Para além de referir que o Banco ... emitiu declarações de confiança na manutenção da solvabilidade e estabilidade do 1º R, a A., no art. 114º da petição, relativamente, ainda, ao Banco ... e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, referiu o seguinte:

«Ainda neste quadro de actuação ilegal do 1º R. junto dos seus clientes não podemos esquecer os deveres de supervisão que legalmente competem ao 2º R. e à 5ª R., cujo incumprimento deverá resultar na sua co-responsabilidade naquela obrigação de devolução dos montantes investidos, recorrendo, crê-se aos montantes sob tutela do 4º R.».

Há Acórdãos muito recentes do Tribunal de Conflitos sobre esta matéria.

É o caso do Acórdão de 14-02-2019, Rel. Alexandre Reis, Proc. 046/18, publicado em www.dgsi.pt.

O quadro aí descrito é similar ao dos presentes autos:

«A…intentou acção declarativa no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa contra: 1ª Banco BB SA; 2ª B…; 3ª DD Banco SA; 4° Fundo de Resolução; 5° Banco ...; e 6ª CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. Pediu a condenação (solidária) dos RR a pagarem-lhe a quantia de […], acrescida de juros, para reparação dos danos que alegou resultarem do não cumprimento de contrato de intermediação financeira e, subsidiariamente, a declaração de nulidade desse contrato com a consequente restituição do capital investido, acrescido dos juros remuneratórios e de mora, bem como a ressarci-lo dos danos não patrimoniais que lhe foram causados, a liquidar posteriormente.

Para tanto, o A invocou uma causa de pedir complexa: no que concerne às 1ª e 2ª RR, alegou a violação de deveres contratuais e legais; à DD Banco SA, a transferência para a mesma da responsabilidade (originária) da BB SA; ao Fundo de Resolução, (apenas) o facto de ser o único detentor do capital da DD Banco SA; e ao Banco ... e à CMVM o incumprimento dos deveres de supervisão bancária, a prestação de informações erróneas ao mercado e, em especial, a sua actuação no contexto da resolução do ..., nomeadamente, nas deliberações adoptadas em 3-08-2014, no âmbito da medida de resolução, e subsequentemente. »

Depois da exposição do espectro legal atinente à problemática em apreço, referiu-se o seguinte:

«Este Tribunal de Conflitos pronunciou-se em acórdãos recentes, uniforme e reiteradamente, no sentido da atribuição da competência material aos tribunais da jurisdição comum em diversos autos em que os demandantes ofereceram à acção uma configuração muito idêntica à aqui exibida pelo A, ou seja, em que vinham formuladas pretensões ressarcitórias com fundamentos análogos aos alegados nos presentes, mas com a radical dissemelhança de naqueles não haverem sido demandados o Banco ... e a CMVM, ao invés destes [cf. acórdãos de 22-03-2018 (p. 56/17), 22-03-2018 (p. 50/17), 17-05-2018 (p. 52/17), 07-06-2018 (p. 61/17) e 08-11-2018 (p. 20/18), acessíveis na base de dados da dgsi.pt.].
Não pode deixar de ser aqui convocada essa orientação uniforme, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13° da CRP - que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8° nº 3 do CC). ».

Tratou-se de situações em que, embora tenha sido demandado o Fundo de Resolução (mas não, como in casu, o Banco ... ou a CMVM), foi-o na qualidade de único accionista do DD Banco, S.A..

Veja-se, por exemplo, o Acórdão proferido no Proc. 061/17 (Rel. Teresa de Sousa) de 07/06/2018, cujo sumário é do seguinte teor:

«É da competência dos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção intentada por depositante em banco intervencionado, contra aquele banco, o respectivo gestor de conta, o banco de transição e o Fundo de resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os réus, em que sejam imputados aos dois primeiros a violação de deveres bancários ou a mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado e o Fundo de Resolução apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.»

Este Acórdão reproduziu o que se expendeu no Ac. de 22-03-2018, Rel. Henrique Araújo, Proc. nº 050/17, no qual se ponderou, entre o mais, o seguinte:

«[…] é importante não esquecer que, como é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

Ora, se atentarmos no conteúdo da petição inicial, logo constatamos que os factos alegados se conexionam com os institutos da responsabilidade civil pré-contratual, contratual e extracontratual, incidindo sobre actuações, alegadamente ilícitas e culposas, de funcionários do Banco BB e do DD Banco. Não tem, pois, aqui cabimento nenhuma das previsões das mencionadas alíneas f) a h) - que se referem à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público ou de quaisquer servidores públicos -, bem como também se não aplica a previsão da alínea e), na medida em que estamos perante contratos regulados por normas de direito privado.

Será, porém, que o n.º 2 do artigo 4º impõe a intervenção, no caso, dos tribunais administrativos, por vir demandado o Fundo de Resolução, pessoa colectiva de direito público?

A única referência que na petição inicial vem feita ao Fundo de Resolução consta do artigo 87º (A medida de resolução vem também sumariamente alegada nos artigos 84º e 85º, ainda no mesmo capítulo da ‘legitimidade das partes’.), inserida no capítulo dedicado à legitimidade das partes, tendo os Autores aí alegado o seguinte:

"Por sua vez, o Fundo de Resolução é o único accionista do DD Banco, S.A., sendo igualmente o responsável máximo pelas relações jurídicas retiradas ao ... e entregues ao DD Banco, S.A., por força da supra aludida medida de resolução adoptada pelo Banco ...".

Tal matéria, que parece apenas querer justificar, no plano processual, a demanda do Fundo de Resolução, é claramente insuficiente para accionar a norma do n.º 2 do artigo 4º, na medida em que dela não resulta qualquer contributo desse Réu para a produção dos danos alegadamente sofridos pelos Autores.»

Retornando ao Acórdão de 14-02-2019, que recaiu, como se disse, sobre um caso com contornos semelhantes ao presente, constata-se que era, ali, pedida a condenação de todos os RR a pagar, solidariamente, ao A. uma indemnização estruturada, por um lado, na obrigação decorrente da violação de deveres contratuais e da prática de factos tidos por ilícitos (como aqui sucede em relação ao BB e a EE), enquanto em relação ao DD Banco SA apenas na alegada transferência para este da responsabilidade (originária) do ..., SA e, por sua vez, assentando o fundamento da responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação de tal obrigação do facto de, por força da medida de resolução adoptada pelo Banco ..., ser ele o único detentor do capital do DD Banco. Por outro lado, conforme se refere no Acórdão, «o alargamento dessa suposta responsabilidade solidária ao Banco ... e à CMVM […] já se estribaria, muito diferentemente, no incumprimento dos deveres de supervisão bancária, na prestação de informações erróneas ao mercado e nos actos cometidos no contexto da resolução do BB, nomeadamente, nas deliberações adoptadas, logo em 3-08-2014 (medida de resolução) e subsequentemente.»

Assim, em relação aos primeiros (ou seja, excluindo o Fundo de Resolução, o Banco ... e a CMVM), concluiu-se que o conhecimento do pedido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, competia à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa, sendo que, relativamente ao DD Banco SA tal é explicado porque o A., embora sem o envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR (in casu, o 1º R. e a 6ª R.), estruturou (como na presente situação) a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessor nos direitos e obrigações do 1º R (..., SA).

Quanto aos demais RR, Banco ..., Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, todos pessoas colectivas de direito público, ponderou-se o seguinte:

«Ora, relativamente às entidades públicas BdP e CMVM, dada a configuração da acção feita pelo A, suscita-se, claramente, a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, radicando os danos que, alegadamente, o mesmo sofreu e que fundam os direitos que pretende exercer - consistentes no ressarcimento de tais danos - em actos cometidos no exercício de funções públicas ou na prossecução de um interesse público, uma vez que, sem a invocação de qualquer relação contratual com eles estabelecida, se fundamentam na falta de cumprimento dos deveres - essencialmente de supervisão - que sobre eles impendiam, tendo em conta as funções determinadas pela lei.»

É o que se passa também no presente caso, pois não há invocação de qualquer relação contratual entre a A. e tais entidades, cuja actuação é situada, essencialmente, no âmbito da supervisão, no exercício de funções públicas, na prossecução do interesse público, uma actuação que teve a mesma natureza ou cariz relativamente a um amplo universo de interessados, não bastando para se sair dessa realidade a conclusiva afirmação de que violaram deveres de informação, diligência e lealdade, associando-os aos demais RR. (à excepção do Fundo de Resolução).

No que concerne ao Fundo de Resolução, considerou-se no mesmo Acórdão:

«Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «DD Banco» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco ..., como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco ... concernentes à medida de resolução tomada em relação ao BB no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.

Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do DD Banco - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.»

É também o que se passa neste caso, pois o que se alegou em relação ao Fundo de Resolução foi apenas facto de deter o capital do DD Banco.

Acrescentou-se no Acórdão mencionado (com destaque nosso a negrito):

«É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254]refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).

Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»

É uma reflexão que, mutatis mutandis, poderemos aplicar ao nosso caso, pois também aqui não se alegam factos que permitam configurar uma participação do Banco ... e da CMVM nos factos ilícitos imputados ao 1º e à 6ª RR., não bastando deduzir um pedido de condenação solidária para tanto.

Concluiu-se, naquele aresto, pela atribuição de competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto da acção aos tribunais administrativos, quanto a Banco ... e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e aos tribunais judiciais, quanto aos restantes RR..

No Ac. do Tribunal de Conflitos datado de 14-02-2019, Rel. Maria da Graça Trigo, Proc. nº 031/18, publicado em www.dgsi.pt, tratou-se de um caso também semelhante ao presente, em que foram demandados Banco BB, S.A., Banco ..., DD Banco, S.A., Fundo de Resolução, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para além de uma pessoa singular (6ª R.), aí se pedindo que que fosse reconhecida "a responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304°-A do CVM, e que, em consequência, os RR. fossem solidariamente condenados a pagar ao A., a quantia de […], "acrescida de […] a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.", e de "juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento».

Neste douto aresto, concluiu-se nos mesmos termos do que acima citámos, declarando-se ser competente a jurisdição administrativa e fiscal para conhecer apenas dos pedidos deduzidos contra os RR. Banco ... e Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.

Entende-se, na linha dos dois citados Acórdãos do Tribunal de Conflitos, que, também no caso presente, de contornos similares aos que foram tratados nesses Acórdãos, há que concluir pela competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais relativamente ao Banco ... e Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, sendo os tribunais judiciais competentes para conhecer do objecto do processo em relação aos restantes RR..”

10.2. A recorrente contrapõe vários argumentos[1], a que procuraremos responder[2], mas pode desde já dizer-se que, não tem razão, salvo o devido respeito.

10.3. Em primeiro lugar, não tem razão pelos fundamentos acima indicados pelo Tribunal da Relação, que reproduziu as diversas posições (uniformes) decididas pelo Tribunal de Conflitos.

Tendo o tribunal de conflitos sido chamado a pronunciar-se sobre situações perfeitamente paralelas à dos presentes autos (o acórdão relativo ao processo 031/18 é exemplo disso), participando na resolução do litígio juízes do STJ e do STA (em paridade), definindo-se uma orientação que mereceu acordo de todos, não havendo questões novas que se imponha serem de reapreciar, deve o STJ decidir na mesma linha jurisprudencial que foi delineada, também pelos motivos indicados em várias decisões do tribunal de conflitos: “Não pode deixar de ser aqui convocada essa orientação uniforme, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13.° da CRP - que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8.°, n.º 3 do CC).”

A causa de pedir da presente acção está claramente fundada na responsabilidade civil dos RR, por violação do dever de informação e regras da intermediação financeira (deveres de informação, diligência e lealdade), ou, caso aquele pedido não seja procedente, a declaração de nulidade dos contratos celebrados por inobservância de forma (vários artigos da PI, nomeadamente art.º 64.º, 99.º, 115.º.

A relatora deste acórdão votou já acórdão do Tribunal de Conflitos onde defendeu a indicada posição, não encontrando motivos para a rever: cf. CONFLITO N.º 1/19, de 11/04/2019, disponível em www.dgsi.pt.

Mais ainda se diga.

10.4. Também não assiste razão à recorrente por alguns argumentos adicionais: desde já é importante recordar que o recurso vem fundamentado em ilegalidade e inconstitucionalidade; ilegalidade por violação dos art.º1.º, n.º1 e art.º 4.º, n.º1, al.a) ou al.o) ou n.º2 do ETAF; inconstitucionalidade por violação do art.º212.º, n.º3 da CRP.

Contudo, a questão da competência dos tribunais não é questão que não fosse já controversa nos autos, como se verifica pelo relatório, tendo o recorrente pugnado, em sede de contestação (mas não com a totalidade dos argumentos e disposições legais que agora invoca em recurso), pela declaração de incompetência dos tribunais comuns, posição que mereceu apoio da 1ª instância. O processo não terminou com a sentença, porque a A. apelou. Contudo, na apelação a ora recorrente não apresentou contra-alegações, não tendo aproveitado o momento processual para procurar influenciar o tribunal, oferecendo a sua posição e os seus argumentos. É certo que não podia recorrer – por não ter ficado vencida na decisão da 1ª Instância – mas tal não obsta a que adoptasse outra atitude processual, nomeadamente a de indicar porque na sua opinião a decisão da 1ª instância estava correcta; porque razão entendia ser de aplicar ao caso as normas jurídicas que agora invoca para fundamentar a sua posição.

Poder-se-ia aqui indicar que ao suscitar agora no recurso a não aplicação da correcta (na visão da recorrente) norma jurídica estaria a colocar uma questão nova – ficando este tribunal impedido de a analisar (nos recursos trata-se de analisar decisões proferidas e não se tomar partido sobre novas questões).

Ainda assim seja nada impede este Tribunal de, em obiter dictum, procurar fundamentar a decisão recorrida analisando, ou ensaiando uma análise, de – alguns – dos argumentos trazidos ao processo na alegação de recurso e no âmbito da questão suscitada[3].

Assim,

As normas jurídicas do ETAF convocadas pelo recorrente são as seguintes:

art.º1º (versão de 2015)

“1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”

art.º 4º (versão de 2015)

“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

(…)

o)  Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.

2. Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.”

10.5. Alguns dos argumentos mais relevantes da decisão recorrida e com a qual este STJ está de acordo - que não são tidos em consideração pelo recorrente são os que se indicam de seguida - , e aos quais se acrescentam os que permitem contradizer a argumentação do recorrente:
1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido;
2. Os factos alegados na PI, in casu, conexionam com os institutos da responsabilidade civil pré-contratual, contratual e extracontratual, incidindo sobre actuações, alegadamente ilícitas e culposas, de funcionários do Banco BB (actual) DD Banco;
3. Não é verdade que o tribunal recorrido, na sua adesão a decisões do Tribunal dos Conflitos se tenha limitado a ter em consideração a causa de pedir invocada em relação ao Réu ... (e admita-se, ao DD Banco), sem cuidar de ponderar a causa de pedir invocada para justificar a demanda do Fundo de Resolução (conclusão e da revista);
4. Não se crê que a conclusão h) das alegações da revista mude alguma coisa de relevante no que já se indicou – não é por se discutir (ou pretender discutir) se a titularidade de participações sociais do NB corresponde à qualidade de accionista ou se as atribuições e modos de funcionamento do Fundo de Resolução resultam da lei e de actos do CC que a situação dos presentes autos se altera, em termos de causa de pedir e de pedido (já sobejamente analisado); a argumentação apresentada poderá (ou não) relevar na procedência ou improcedência do pedido da A. contra o recorrente, matéria de que o presente recurso não tem de tratar;
5. A conclusão l) das alegações da revista da recorrente enferma do mesmo vício de raciocínio – não há que analisar aqui se a acção deve ou não proceder no pedido efectuado contra o Fundo de Resolução – pelo que não cabe analisar quais as responsabilidades (legais) do Fundo de Resolução, seja como responsável “pelas dívidas e obrigações dos bancos resolvidos (BB), seja como titular único do capital do banco de transição (DD Banco); não cabe analisar também as responsabilidades decorrentes de actos que se insiram em relações de natureza administrativa, mesmo que essas relações até possam existir e fundar acções judiciais, distintas da que aqui está em apreciação; também não releva, para excluir a competência dos tribunais comuns, a alusão à não aplicação do regime societário invocado - arts. 491º e 501º do CSC” - argumento que se reputa de ser usado em sede de argumentação para convencer, sendo caso disso, o tribunal a julgar não procedente a acção, mas já não para excluir a competência dos tribunais comuns;
6. O recorrente também não indica quais são os direitos fundamentais ou os outros direitos e interesses legalmente protegidos que poderiam estar em causa nesta concreta relação jurídica administrativa que defende existir, pressuposto essencial da aplicação da referida alínea a), limitando-se a considerações sobre a “sua responsabilidade legal” em face duma suposta relação jurídica administrativa;
7. Não tem cabimento, in casu, a previsão da alínea a) do art.º 4.º, n.º1 do ETAF.

10.6. A pouca convicção do recorrente na tese defendida é manifestada ainda quando entende que a não ser aplicável a alínea a) seria o caso concreto absorvido pela alínea o) do n.º1 do art.º 4.º do ETAF.

Contudo, a aplicação da alínea o) tem o mesmo pressuposto que já se encontrava na alínea a) – existência de uma relação jurídica administrativa – que, pelo pedido e causa de pedir, não encontram adesão na presente acção (salvo melhor opinião).

Não tem cabimento, in casu, a previsão da alínea o) do art.º 4.º, n.º1 do ETAF.

10.7. Não tem aqui cabimento nenhuma das previsões das alíneas f)[4] a h) - que se referem à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público ou de quaisquer servidores públicos – fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido, a que se adere e aqui se dá por reproduzida. Não tem aqui cabimento a previsão da alínea e), na medida em que estamos perante contratos regulados por normas de direito privado – fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido, a que se adere e aqui se dá por reproduzida.

10.8. O recorrente também discorda do entendimento que foi expresso sobre o sentido da solidariedade a que se reporta o art.º 4.º, n.º2, não havendo na sua alegação argumentos que não tenham sido rebatidos na fundamentação do acórdão recorrido (por adesão a acórdãos do Tribunal de conflitos, nomeadamente) – fundamentação essa que é explícita, clara e suficientemente detalhada, e à qual se adere também neste STJ (dando-se aqui por reproduzida).

Não tem aqui lugar a previsão do n.º2 do art.º 4.º ETAF.

As únicas referências que na petição inicial vêm feitas ao Fundo de Resolução aparecem nos art.º 64.º e 115.º da PI; estas referências justificam a demanda do Fundo de Resolução em termos de legitimidade processual, mas nada acrescentam em termos de indicação da causa da imputada responsabilidade que lhe é assacada; para que se pudesse accionar a norma do n.º 2 do artigo 4º, ter-se-ia de encontrar, na alegação da A, factos dos quais pudessem decorrer um qualquer contributo desse Réu para a produção dos danos alegadamente sofridos pela Autora; e da alegação só consta o relato descritivo da história do evento que deu origem ao surgimento do Fundo de Resolução e ao seu enquadramento legal (accionista único do DD Banco), do que parece concluir-se que a haver responsabilidade do Fundo de Resolução a mesma derivará do facto de, por força da medida de resolução adoptada pelo Banco ..., ser ele o único detentor do capital do DD Banco, i.e, não vem imputado ao Fundo de Resolução qualquer facto ilícito que justifique a sua demanda em tribunal administrativo – nem ilícito contratual, nem ilícito extracontratual.

O facto de o A ter formulado um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais, em nada altera o que foi decidido, porquanto é de entender que dos factos alegados não se consegue deduzir qualquer obrigação solidária do Fundo de Resolução, no sentido que se entende dever ser dado ao n.º2 do art.º 4.º do ETAF (“Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária»[5]) A solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513.° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes, e não da PI onde se demandam vários RR. pedindo a sua condenação solidária. Ora, in casu, não vêm indicados factos (ilícitos) que o sejam imputados ao Fundo de Resolução que permitam configurar uma participação sujeita a solidariedade legal nos factos ilícitos imputados ao 1º e à 6ª RR.

Não se crê que lhe assista razão quando procura descontextualizar o sentido de solidariedade que foi considerado como mais adequado na interpretação da norma – sempre que essa solidariedade esteja fundada numa relação (alegadamente, note-se) de cariz jurídico privado, pois é disso que a acção trata.

11. O Fundo de Resolução vem invocar ainda a inconstitucionalidade do art.º 212.º, n.º3, preceito que diz:
“3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

A invocada inconstitucionalidade não tem fundamento no caso concreto, atento o que se entende por relação jurídica administrativa, conjugado o entendimento corrente com a situação dos presentes autos – na alegação da A., seus factos e pedidos – ainda que dos mesmos resulte uma situação complexa na identificação da causa de pedir, a qual, no entanto, em nenhum momento aparece conexionada com uma relação jurídica administrativa.

Não havendo relação jurídica administrativa configurada pelo A. na conjugação do pedido com a causa de pedir não há violação do art.º212.º, n.º3 da CRP sendo competente o tribunal comum para dirimir o litígio entre A. e Réu Fundo de Resolução.

A ter razão a recorrente – questão de que este recurso não trata – sendo a sua responsabilidade apenas legalmente possível nos casos em que indica (e não com os fundamentos invocados pela A), a acção improcederá, sem que isso afecte a sua demanda em tribunal comum.

III. Decisão

É negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custa da responsabilidade do recorrente, por ter ficado vencido no recurso (CPC e RCP)

Lisboa, 24 de Outubro de 2019

Fátima Gomes (Relatora)

Acácio Neves

Fernando Samões

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[1] No acórdão do Tribunal de Conflitos de 14/2/2019, proc. 031/18 - disponível em www.dgsi.pt - o Fundo de Resolução apresentou a sua posição defendendo os mesmos argumentos que veio a colocar no presente recurso.

Assim, disse ali:

“ (…) b. Na verdade, a suposta qualidade de "accionista único" do DD Banco - e é esse o único fundamento invocado pelo Recorrente para demandar aqui o ora Recorrido - é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe essa natureza e a capacidade jurídica de que dispõe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial;
c. Advêm-lhe tal qualidade e capacidade jurídicas, desde logo, do art. 145º-G/4 do RGICSF e do art. 4° do Anexo 1 da Medida de Resolução do BB, de 3 de Agosto de 2014, a qual configura um acto jurídico-público do Banco ... (um acto administrativo ou um acto normativo, é indiferente);
d. Por outro lado, a dotação de capital dos bancos de transição (como o DD Banco) pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização exorbitante do direito privado, que lhe impõem normas de direito administrativo
do RGICSF e o acto jurídico-público de criação do DD Banco pelo Banco ...;
e. Não deriva a criação e a capitalização do DD Banco de qualquer acto voluntário de accionista praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do (Código Civil ou do) Código das Sociedades Comerciais;
f. Toda a sua organização, funcionamento, actividade e responsabilidade encontram-se extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF (e nos regulamentos emitidos ao seu abrigo), como é o caso, nomeadamente, da alínea c) do nº 1 e do nº 3 do respectivo art. 145°-B;
g. Dele resulta, é certo, o dever jurídico-público do Fundo de Resolução de responder pelas dívidas e obrigações mas dos bancos resolvidos (não dos bancos de transição, note-se) e apenas nos casos e na medida aí expressamente fixados, como se mostrou;
h. Aliás, todas as restantes normas do RGICSF citadas nestas contra-alegações de recurso, seja em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, seja quanto à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Resolução, são manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disciplina de relações jurídicas em que simples particulares não podem estar constituídos - isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco ...) e os bancos de transição;
i. Por esse motivo e por todos os restantes avançados ao mesmo propósito nestas contra-alegações, o Fundo de Resolução não é, portanto - para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491º e 501º do CSC às sociedades com domínio total -, accionista único do DD Banco;
j. É sim, um mero detentor público do seu capital social e credor público - repete-se, credor - dos bancos de transição, como resulta claramente da alínea a) do n° 3 do art. 145º-1 do RGICSF;
k. Por outro lado, estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco ..., através da realização do capital dos bancos de transição, o Fundo de Resolução não está, porém, em parte alguma, constituído na responsabilidade de responder pelas obrigações a que tais bancos estejam vinculados;
l. Para além de que, por força das leis de organização judiciária portuguesa em matéria de repartição de competências jurisdicionais, é a causa de pedir invocada relativamente ao Fundo de Resolução - isto é, é a natureza da relação jurídica que o liga ao DD Banco (e "derivadamente" ao ora Recorrente) -, reportada a uma relação jurídica regulada, como abundantemente se procurou demonstrar, por normas e actos de direito administrativo, que contagia a totalidade do objecto da acção, inclusivamente no que respeita à eventual aplicação nela de normas jurídicas de direito privado;
m. Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de crédito do Autor, ora Recorrente, enquanto detentor do capital social do DD Banco, nas alíneas a) e f) do art. 4.º/1 do ETAF;
n. Mesmo que assim não se entendesse, essa parte do presente litígio subsumir-se-ia sempre na alínea o) desse mesmo art. 4.º/1 do ETAF - já para não falar, também, na alínea f) do art. 2.º/2 e na alínea f) do art. 37.º/1 do CPTA;
o. Julgou bem, também, o Tribunal a quo ao decidir, tendo em conta o disposto no art. 4.º/2 do ETAF, que a competência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, nos termos e com os fundamentos antes explicitados, se estende aos demais Réus, ... e DD Banco, com ele solidariamente demandados nesta acção;
p. Na verdade, como se viu e demonstrou, por força dessa disposição do art. 4.º/2 do ETAF, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, contaminando a competência material dos tribunais comuns e atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa.”

[2] No caso indicado na nota anterior, à argumentação apresentada respondeu o tribunal da seguinte forma:

“No que concerne à questão da competência material para conhecer dos pedidos do A. contra o Fundo de Resolução, de acordo com a jurisprudência constante deste Tribunal dos Conflitos nas acções em que o Fundo de Resolução foi demandado enquanto detentor do capital social do DD Banco (acórdãos de 22/03/2018 (proc. nº 056/17), de 22/03/2018 (proc. n° 050/17), de 17/05/2018 (proc. n° 052/17), de 07/06/2018 (proc. n° 061/17), de 08/11/2018 (proc. nº 020/18) e de 13/12/2018 (proc. nº 033/18), todos consultáveis em www.dsgi.pt), tal competência cabe aos tribunais judiciais, orientação que - respeitando o princípio ínsito no nº 3, do art. 8° do Código Civil - é de manter no caso dos autos.
Conclui-se que, no que ao R. Fundo de Resolução respeita, deve proceder a pretensão do Recorrente.”


[3] É entendimento uniforme que o tribunal tem de analisar questões e não argumentos.
[4] Ainda que o recorrente discorde e fundamente a sua opinião no ponto 37, p. 18 das alegações de revista.
[5] Acórdão do Tribunal de Conflitos de 22-03-2018.