Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
389/14.4T8EVR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
LEGES ARTIS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADOS
DEVER DE DILIGÊNCIA
OMISSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ORDEM DOS ADVOGADOS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
CADUCIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / ADVOGADOS - DEONTOLOGIA PROFISSIONAL / RELAÇÕES COM OS CLIENTES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 297.º, N.º 2, 342.º, 1161.º, ALÍNEA A).
DECRETO-LEI N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA), ALTERADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 100.º, N.º 1, ALÍNEA B).
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA), APROVADO PELA LEI N.º 15/2005, DE 26 DE JANEIRO: - ARTIGOS 76.º, 95.º, N.º 1,AL. B).
LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGOS 5.º, N.º 4 E 5, 12.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-NA C.J., 5, 71.
*
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-6-2006, P. N.º 1504/06, NA C.J., AC. DO S.T.J., 119.
-DE 1-7-2014, P. N.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, DE 4-12-2012, P. N.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, DE 4-7-2013, P. N.º 298/10.6TBAGN.C1.S1, DE 11-7-2013, P. N.º 5030/04.0TBCSC.L1.S1, DE 27-2-2014, P. N.º 490/2002.E1.S1, DE 14-3-2013, P. N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1; TAMBÉM NA C.J., 2013, 1, 155.
-DE 5-5-2015, P. N.º 614/06.5TVLSB.L1.S1
Sumário :
I - O advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica; a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.

II - Não se deve considerar que o advogado incorre em falta do dever de diligência profissional nas situações em que ele assume, no exercício do seu múnus, opções de natureza jurídica, processual ou substantiva, que se inserem no âmbito da sua autonomia técnica em conformidade com os interesses do mandante que representa.

III - Importa atentar que os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional devem constituir conditio sine qua non do insucesso da ação ou da defesa, obstando per se a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance.

IV - Os comportamentos suscetíveis de integrar violação culposa do dever de diligência que a lei comete ao advogado nas relações com o cliente (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro e 100.º/1, alínea b) do EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) devem restringir-se, em regra, às atuações graves, quase sempre omissivas (v.g. injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante, de não interposição de ação antes do decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório etc.), situações estas que estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio.

V - A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou ação declarativa com processo comum contra BB e Companhia de Seguros CC pedindo que (a) seja declarado o direito do autor a ser indemnizado pelo Dr. BB; (b) que seja o réu condenado no pagamento da quantia de 34.596,19€ a título de danos patrimoniais; (c) que seja condenado no pagamento de 17.500,00€ a título de danos não patrimoniais; (d) que seja a ré seguradora condenada, nos mesmos termos, por força da transmissão de responsabilidade até ao limite da apólice n.º 28….

2. O pedido de indemnização por danos patrimoniais de 34.596,19€ é o resultado, de acordo com a petição, do somatório de 17.000,00€, entrada para aquisição do veículo, com 25.697,02€, empréstimo contraído para a compra da viatura mais juros e encargos, perfazendo-se 42.697,02€; a esta quantia o autor deduz 11.000,00€, valor atual do veículo, perfazendo-se 31.697,02€. O pedido resulta do somatório desta quantia com 2.899,17€ que resulta da soma de 102,31€, custo da bateria nova, com 166,34€, imposto de circulação que o autor suportou, mais 459,00€ de taxa de justiça face à improcedência da sentença e ainda 2.171,52€ de custas de parte.

3. O Autor alegou que mandatou o réu BB, enquanto advogado, para propor ação contra a vendedora e a fabricante de veículo que adquiriu tendo em vista fazer valer a resolução do contrato de compra e venda desse veículo considerando que, após a aquisição do veículo em outubro de 2007, este sofreu no dia 12-4-2008 uma avaria, sobreaquecimento resultante da mistura de óleo com combustível, que foi reparada em 29-4-2008; pouco tempo volvido, em 6-5-2008, o veículo voltou a avariar, dele emanando um intenso cheiro a queimado tendo sido o veículo de novo levado para as instalações da vendedora.

4. Reunindo-se o autor com o réu, seu advogado, foi acordado que este escreveria à DD e à EE exigindo a resolução do contrato, o que fez por cartas de 8-10-2008, respondendo a EE em 15-10-2008 que a avaria de 6-5-2008 estava relacionada com filtro de partículas, que foi reparada com a regeneração do filtro, estando a viatura em perfeitas condições de funcionamento, tendo o autor sido contactado para o levantamento em 7-5-2008, permanecendo indevidamente a partir dessa data a viatura nas instalações da DD, não existindo fundamento para a resolução do contrato.

5. Face ao teor da carta, o réu em 18-10-2008, posto perante o respetivo conteúdo, considerou que não havia outra solução senão a de propor ação, aconselhou o autor a não ir buscar o veículo à DD tendo em conta que pretendia a resolução do contrato e no dia 12-10-2009 o réu propôs ação contra DD e a EE em que pede que se declare a resolução do contrato de compra e venda, condenando-se as rés a pagar ao autor 32.900,00€ e a restituir todas as quantias pagas a título do crédito contratado para aquisição do veículo, acrescido de juros contratuais e legais, vencidos e vincendos, ainda por contabilizar.

6. Nessa ação foi referido que no dia 29-4-2008 o autor se deslocou ao stand "para levantar o automóvel alegadamente reparado", comprometendo-se a enviar o relatório da avaria, o que ainda não aconteceu e que recebeu o veículo "alegadamente reparado no dia 30-4-2008".

7. Foi ainda referido que, verificando-se nova avaria do veículo em 6-5-2008, o autor entregou o veículo na DD, exigindo a resolução do contrato fundada no defeito da coisa, não suprido pelas reparações de que o automóvel foi alvo.

8. Mais referiu o autor que no dia 21-1-2009 a EE emitiu um comunicado no qual assume um defeito de fabrico do modelo em causa, desconhecendo o autor o que a marca fez ao seu veículo automóvel.

9. O autor pretende a resolução porque a reparação efetuada não corrigiu o defeito do veículo, implicando a devolução de todas as quantias pagas.

10. Essa ação foi contestada, suscitando a ré a exceção de caducidade, considerando que a ação, proposta no dia 12-10-2009, já o foi para lá do prazo legal de 6 meses a contar da denúncia, pois o defeito consistia na falta de regeneração do filtro que carece de uma circulação com velocidades superiores, estando a situação resolvida com a regeneração efetuada ao filtro.

11. Na réplica o autor sustentou que "o decurso dos prazos suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa", verificando-se esta situação pois desde 6-5-2008 que o veículo se encontra na oficina da DD para reparação " uma vez que, perante a posição do autor, lhe afirmaram que iriam reparar o carro e enviar relatório da avaria que não se devia - segundo a ré - a qualquer defeito de fabrico, permanecendo o veículo na DD".

12. A exceção de caducidade foi relegada para final e, face à prova produzida, a exceção foi julgada procedente.

13. Na referida ação deu-se como provado que a primeira avaria (de 12-4-2008) se tratava de uma avaria do motor, comprometendo-se a DD a enviar relatório dessa avaria; considerou-se que esse relatório foi enviado em 15-5-2008 posteriormente à segunda avaria de 6-5-2008; considerou-se que no dia 7-5-2008 a viatura estava em perfeito estado de funcionamento e o autor foi contactado para proceder ao seu levantamento.

14. O tribunal proferiu sentença julgando procedente a exceção de caducidade, como se disse, porque entre a data da denúncia 6-5-2008 e a data de propositura da ação mediou um lapso de tempo superior a 6 meses, não se verificando a suspensão do prazo invocada na réplica porque logo desde 7-5-2008 o autor foi contactado para levantar o veículo na DD, estando em perfeito estado de funcionamento, não se encontrando, por isso, desde então na posse do vendedor.

15. Ora, segundo o autor, o réu, enquanto advogado, ao intentar a ação no dia 12-10-2009, mais de seis meses decorridos desde a data da denúncia ocorrida 6-5-2008 e sabendo já desde 18-10-2008, por via do relatório de 15-10-2008 de que então teve conhecimento, a natureza da avaria que fora reparada, omitiu a diligência que lhe seria exigível de acordo com as leges artis que devem nortear o advogado no exercício do mandato.

16. Sucede ainda, segundo o autor, que a sentença transitou em julgado por culpa do réu pois, além de omitir ao autor a decisão do Tribunal que absolveu as rés do pedido pela procedência da exceção de caducidade, considerou, quando se reuniu com o autor na véspera da data do trânsito em julgado, que só tinha um dia para elaborar o recurso, o que era impossível, por nada haver já a fazer.

17. A presente ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, a quantia de 2.732,83€ - correspondente ao somatório de custas de parte (2171,52€), taxa de justiça (459,00€) e bateria nova (102,31€) decaindo o autor no pedido de pagamento do imposto de circulação de 166,34€ - somado ao valor que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença correspondente ao valor total despendido pelo autor para a aquisição do veículo de matrícula …-DV-..., deduzido da quantia de 11.000,00€ (valor do veículo em 31-7-2014 - facto 40 provado) tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento; mais condenou a ré Companhia de Seguros CC,SA nos mesmos termos decididos pelo réu BB com a dedução da quantia de 5 mil euros relativa a franquia e até ao limite de 150.000,00€; julgou improcedente, quanto ao mais, o pedido do autor, dele absolvendo os RR, ou seja o pedido de indemnização por danos morais no montante de 17.500,00€ e o já referido montante respeitante ao imposto de circulação.

18. Da sentença foi interposto recurso de apelação pela ré seguradora que sustentou que o prazo para propor a ação era de dois anos por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, que entrou em vigor no dia 21 de junho, aplicando-se ao prazo em curso para a instauração da ação; mais alegou que o pedido de indemnização pelo prejuízo que resulta da eventual caducidade da ação judicial, correspondente ao valor total despendido pelo autor com a aquisição do veículo, consubstancia perda de chance, dano não patrimonial grave autónomo que tem de ser determinada com base em juízos de equidade, não podendo ser relegada para liquidação ulterior.

19. Na apelação sustentou ainda a ré seguradora que o autor não invocou ou provou, como lhe competia, que tinha hipóteses ou probabilidade de procedência contra o vendedor, ou seja, não está provado minimamente a perda de oportunidade ou chance de que o autor teria sido lesado, absolutamente essencial para apurar a responsabilidade dos réus, faltando, assim, o requisito dano imprescindível para imputação da responsabilidade civil em causa.

20. O Tribunal da Relação revogou a sentença absolvendo os réus do pedido.

21. Considerou-se, no acórdão recorrido, que "conforme consta dos factos dados como provados (facto 7, 8, 12, 13, 14, 16, 17), verificamos que o réu entendeu propor tal ação, pois no seu entendimento, seria a mais idónea, tanto que o réu replicou, requerendo a improcedência da exceção com base no nº 5 do artº 5º do Decreto-Lei nº 67/2003. Tal decisão era suscetível de recurso para o Tribunal Superior, o que não foi feito, pois o autor não deu essas ordens ao réu, conforme resulta do provado em 17 e 18. Também não resultou provado qual o valor que o autor pagou pela compra do veículo, nem se essa compra foi em estado de novo (v. facto não provado constante da al. b), apurou-se, sim que o valor do veículo, era de 11.000,00€, em 31/07/2014. Nas obrigações decorrentes do mandato forense, não basta para a prova ou demonstração do facto ilícito a mera perda da causa ou a mera improcedência da defesa invocada (pois que o advogado, por força das contingências processuais e legais, não pode, em caso algum, assegurar o ganho da causa ou da defesa que deduz em juízo), sendo suposto, pelo menos, demonstrar-se (ónus de prova que cabe ao lesado) que o advogado não agiu com a prudência, o zelo, o cuidado e os conhecimentos técnicos específicos que era suposto no âmbito da profissão que exerce. A obrigação de indemnizar surge não em decorrência da perda da causa ou da defesa suscitadas em juízo, mas antes se a sua atuação for ilícita (violadora de deveres deontológicos decorrentes do contrato de mandato forense), culposa e causadora de dano.- vide Acs. STJ de 14/04/2015; de 5/05/2015, in respetivamente proc. 203/11.2TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt e revista nº 614/06.5TVLSB.L1.S1-6ª sec, in sumários do STJ; Ac R.P. de 3/12/2015,proc.2080/13.OTBVCD.P1, n www.dgsi.pt. Por isso, o advogado não responde pela não verificação do resultado, sendo certo que, ainda que no caso em apreço tivesse intentado a ação a pedir a apreciação judicial da legalidade de resolução já operada, sempre, por força das contingências processuais do julgamento, não é possível prefigurar, em abstrato, qual a sorte do litigio e se, ainda, assim, não viria o ali autor a obter ganho de causa. É perante este quadro, em que alguém invoca, para efeitos indemnizatórios, a perda de chance, ou a perda de oportunidade de realizar um ganho, ou de evitar um prejuízo, sem que seja possível, porém, apurar se esse ganho teria sido realmente realizado ou se esse prejuízo tinha sido evitado, que a doutrina e a jurisprudência têm defendido a indemnização a titulo de perda de chance, isto é enquanto dano próprio e autónomo, distinto do dano final, sendo este ultimo o dano correspondente ao que poderia hipoteticamente vir a ser obtido ou evitado. Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 14/03/2013, (proc 78/09.ITVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há de ser elevada”. Importa, pois, apreciar se existe a obrigação de indemnizar o autor. Pensamos contrariamente ao decidido pela Mºma Juiz do tribunal “a quo” que o autor não tem direito a qualquer indemnização. Ainda que se viesse a demonstrar que o réu violou, nas circunstâncias apontadas, qualquer dos seus deveres profissionais para com o autor, ou seja, que se pudessem vir a revelar nesta ação quaisquer factos que, eventualmente, permitissem afirmar que o réu se teria sujeitado a um juízo de reprovação com a conduta que adotou no cumprimento da prestação decorrente do mandato judicial, tal não conduziria, evidentemente, à responsabilização do mesmo, com fundamento em cumprimento defeituoso do mandato. Não é sequer configurável a possibilidade de vir a ser reconhecido o exercido direito e a correspondente obrigação de indemnização (artºs 562º a 572º, do C.C.), pois não se preenchem os pressupostos, uma vez que não se comprovou a existência efetiva dos alegados danos em consequência de conduta do réu. O autor não logrou provar que comprou o veículo mencionado pelo valor de 32.966,94€, nem outro valor foi considerado provado, sendo a ele que competia tal prova (art.º 342º n.º 1 do CC). Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados na presente ação não permitem concluir que, caso tivesse sido interposta a ação pedindo a apreciação judicial da legalidade de resolução do contrato já operada, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito por parte do autor e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial para o autor. Temos, assim, que não cabem no ressarcimento a título de perda de chance, conforme foi solicitado pelo autor, os demais valores considerados nesse âmbito pelo Tribunal “a quo”, referentes à aquisição de uma bateria para o veículo, a custas de parte encargos e taxa de justiça e alegado diferencial do valor do veículo. Nestes termos, impõe-se a procedência da apelação, e a revogação da sentença na parte que condenou a ré a ressarcir o autor, ficando assim prejudicada o conhecimento da 2ª questão, pelo que dela não se passará a conhecer.

22. Interposto recurso de revista, o recorrente finalizou a minuta com as seguintes conclusões:

1 - O réu BB incumpriu o contrato de mandato, tendo grosseiramente violado o disposto nos artigos 83.°, 92.° 93.° e 95.° n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei N.° 15/2005 de 26 de janeiro, versão atual.

2 - Incorreu o réu BB em responsabilidade civil profissional, sendo responsável pelo ressarcimento de todos os danos causados.

3 - A conduta ilícita do réu BB, ao interpor a ação de resolução do contrato de compra e venda de viatura automóvel, para a qual foi mandatado em maio de 2008, apenas em outubro de 2009, ou seja 11 meses após a caducidade do exercício do direito à resolução, inviabilizou o sucesso da ação.

4 - A referida ação de resolução de contrato de compra e venda, caso tivesse sido devida e atempadamente instaurada, tinha uma forte probabilidade de ganho de causa, visto tratar-se de resolução por defeito da viatura vendida, devidamente denunciado, defeito esse não superado por reparação efetuada 3 semanas antes, defeito muito grave que comprometia a integridade física e saúde de todos os utilizadores da viatura, bem como de todos os terceiros que circulassem na via pública.

5 - Os defeitos da viatura ficaram provados, sem sobre os mesmos ter havido impugnação por parte das então rés, nos dois processos, Proc. N.° 2215/09.7TBEVR, ação declarativa de condenação, que correu termos no 1.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora e Proc. N.° 389/14.4T8EVR, de cujo acórdão proferido em sede de recurso de apelação ora se recorre.

6 - Não era de todo exigível, nem mesmo expectável, que perante a gravidade dos defeitos da viatura e o espaço curto de tempo decorrido entre as duas avarias, cerca de 3 semanas, o comprador se conformasse com estes e não exigisse a resolução do contrato de compra e venda.

7 - Ao ser confrontado com a invocação da caducidade por parte das então rés, o réu BB replicou de forma completamente displicente, pugnando pela aplicação da suspensão da contagem do prazo de caducidade por estar a viatura em reparação, sabendo que, de acordo com a oficina da marca, a viatura se encontrava reparada desde 7 de maio de 2008, tendo o proprietário sido avisado para a levantar, conforme consta dos factos provados nos dois processos acima referidos.

8 - Tendo assim, por negligentemente e com total desrespeito pela salvaguarda dos interesses do seu cliente e pelo bom exercício do mandato que lhe havia sido conferido, não ter pesquisado, estudado e informado sobre as formas ou meios de fazer improceder a exceção de caducidade, nomeadamente por aplicação do disposto no artigo 297.° n.º 2 do Código Civil, optado com replicar da forma que lhe dava menos trabalho, não obstante ter consciência que comprometia definitivamente o bom sucesso da ação.

9 - A condenação do Réu BB não se cingiu à questão da perda de chance, mas antes a um conjunto de comportamentos que determinaram o incumprimento do contrato de mandato, por violação grosseira do disposto nos artigos 83.°, 92.° 93.° e 95.° n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei N.° 15/2005 de 26 de janeiro, versão atual.

10 - Incorrendo, por isso em responsabilidade profissional por violação dos deveres de zelo e diligência, ficando responsabilidade pelo ressarcimento de todos os danos causados.

11. A ora recorrida, Companhia de Seguros CC, S.A., por força da apólice de seguros N.° 00…, celebrada entre esta e a Ordem dos Advogados de Portugal, ao abrigo do Decreto-Lei N.° 72/2008, de 16 de abril, responde pelos danos pelos quais o réu BB foi considerado responsável, deduzida a franquia no valor de 5.000,00€ e até ao limite máximo de 150.000,00€

Apreciando

23. A questão que se suscita é a de saber se o réu, advogado, e com ele a ré seguradora, esta nos limites da apólice, devem ser condenados a indemnizar o autor por ter improcedido a ação que o réu, mandatado pelo autor, propôs contra a vendedora e o representante do fabricante de veículo adquirido pelo autor e que foi julgada improcedente, ação em que este pretendia a resolução do contrato de compra e venda com a restituição de todas as quantias pagas a título de crédito contratado para aquisição do veículo.

24. O autor sustenta que a improcedência da ação resultou do facto de o advogado ter violado os seus deveres de diligência profissional considerando que, no exercício das suas funções, deve, "estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que esteja incumbido, utilizado para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade" (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, entretanto alterado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, que mantém idêntica redação no artigo 100.º/1, alínea b)), devendo "exercitar a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável" (artigo 76.º do EOA/2005; ver artigo 12.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que, no artigo 12.º/3, acrescentou ao correspondente preceito do EOA/2005 que o advogado, no exercício das suas funções, se encontra "apenas vinculado a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão").

25. O autor sustenta que tais regras foram violadas a partir do momento em que o réu, enquanto mandatário do autor, propôs a referida ação ultrapassado o prazo de seis meses a contar da denúncia ocorrida em 6-5-2008, não relevando a contraexceção invocada na réplica que considera suspenso o prazo durante o período de tempo em que o consumidor se achou privado do uso dos bens em virtude da reparação da coisa (artigo 5.º/4 e 5 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril) pois, quando a ação foi proposta em 12-10-2009, há muito que o réu tinha conhecimento da comunicação da representante da marca EE em Portugal de que a viatura se encontrava reparada e em perfeitas condições.

26. O autor sustenta ainda que o réu violou as referidas regras ao não interpor recurso da sentença que absolveu do pedido a vendedora do veículo e a representante da marca com fundamento em caducidade com o argumento de que, "por estarem na véspera da data do trânsito em julgado da sentença, só havia um dia para elaborar o recurso, o que era impossível, pelo que já nada havia a fazer".

27. Importa recordar que o advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica e que a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.

28. Se ponderarmos a falta de diligência profissional à luz das opções assumidas pelo advogado, enquanto jurista e profissional prático do Direito, exclusivamente em função do insucesso final, podemos estar a ampliar o conteúdo do dever de diligência profissional a um ponto tal que a autonomia técnica e independência perdem expressão, passando o risco do insucesso a correr por conta do mandatário por via do excessivo empolamento das situações de facto que são subsumidas à falta de diligência; na verdade, a atuação ou omissão que traduzam falta de diligência profissional constituem conditiones sina qua non do prejuízo que se entenda ser indemnizado pelo insucesso da pretensão ou da defesa. Esse excessivo empolamento conduz a um princípio de responsabilização que, em si mesmo, independentemente da verificação dos demais pressupostos, afeta seguramente o exercício da atividade profissional do advogado que se deseja efetivamente independente no bom interesse da administração da justiça.

29. Há efetivamente muitas situações em que o advogado, no exercício do seu múnus, assume opções que não devem, a nosso ver, enquadrar-se no âmbito da violação de deveres de diligência, mas antes no âmbito dos riscos que sempre resultam das opções assumidas com autonomia técnica e independência.

30. Isto se diz porque, no caso vertente, considerou-se na sentença, como exemplo de falta de diligência passível de censura, o facto de o réu, na ação que propôs enquanto mandatário do autor, não ter pedido a apreciação judicial da resolução já operada, o que o livrava da invocação da exceção de caducidade, optando desnecessaramente por peticionar novamente a resolução do contrato, pois é certo que a Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, não estabelece uma hierarquia entre as pretensões de reparação, de substituição, de redução adequada do preço ou de resolução do contrato (artigo 4.º/1).

31. No entanto, para além de não ser certo que o contrato tenha sido extrajudicialmente resolvido porque na carta enviada em 8-10-2008 depois da segunda avaria apenas se "exige" a resolução, o que mais parece uma proposta no sentido de se obter uma revogação ou distrate do contrato, sucede que essa carta é enviada já depois de o veículo ter sido "alegadamente" (palavra utilizada na petição) reparado em 7-5-2008. Ou seja, o autor corria o risco de o Tribunal decidir que a resolução não tinha fundamento porque não se enquadravam tais avarias numa situação de falta de conformidade e porque a resolução se efetivara, já depois de o veículo ter sido objeto de reparação numa primeira vez e de ter sido entregue numa segunda vez na oficina da vendedora, obviamente para reparação, não manifestando o proprietário, quando entregou a viatura na oficina, que o fazia tendo em vista a resolução do contrato. Tal resolução extrajudicial seria abusiva porque contrariaria a atuação do autor cuja intenção apontava sempre no sentido da reparação.

32. Por isso, a ação foi proposta pedindo-se a resolução do contrato no pressuposto de que as reparações efetuadas não tinham suprido o defeito que tinha originado as avarias, não oferecendo, como se alegou, o automóvel qualquer garantia de segurança " não sendo admissível que a cada 170 km tenha uma avaria, conforme aconteceu".

33. Foi invocada a exceção de caducidade e o autor sustentou que o decurso do prazo se suspendeu durante o tempo em que o consumidor se achava privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa; é sustentável, na verdade, que, entregue o veículo para reparação, se esta não é realizada em termos de se eliminar de vez o defeito que origina a avaria - e esse seria ponto a tratar em sede de facto - o aludido prazo de seis meses se mantém suspenso, não sendo, nesse caso, a ação intempestiva.

34. Sucede, porém, de acordo com a prova produzida, que o veículo foi reparado, que o defeito era efetivamente o assinalado, estando o veículo em 7-5-2008 em perfeito estado de funcionamento. Ou seja, a versão da ré, que o autor não tomara por boa, confirmara-se após o julgamento e, assim sendo, o prazo de seis meses teria efetivamente decorrido quando a ação foi proposta em 12-10-2009. A discussão, no que respeita à falta de diligência, circunscrevia-se à questão de saber, prevenindo a possibilidade de ser verdadeira a alegação do representante do fabricante, se o autor devia ter proposto a ação de modo a que, independentemente da prova da reparação efetiva, os seis meses não tivessem decorrido desde a denúncia e, não o tendo feito, se tal atuação configurava grave falta de diligência.

35. Constata-se todavia que afinal o aludido prazo não tinha nessa data decorrido visto que o Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, que entrou em vigor 30 dias depois da sua publicação, alargou o prazo de caducidade para dois anos a contar da denúncia; assim, por força do disposto no artigo 297.º/2 do Código Civil, o prazo de seis meses que estava em curso no dia 21 de maio de 2008, ampliou-se para dois anos, ou seja, o autor podia propor a ação até 7 de maio de 2010.

36. Não pode, assim, considerar-se que o réu, quando propôs a ação, o fez intempestivamente, sujeitando-se à caducidade e, consequentemente, violando de modo grave os seus deveres de patrocínio diligente.

37. As situações que entram no perímetro da falta de diligência do advogado traduzem-se quase sempre em atos omissivos que implicam per se um desfecho desfavorável. Não se afigura que nele se devam incluir todas as situações que se reconduzem a ponderações e opções que fazem parte da autonomia técnica do advogado ainda que, ajuizadas após o desfecho final, se admita que pudessem não ter sido as mais corretas (v.g o advogado da parte vencedora não alarga o âmbito do recurso impugnando a matéria de facto que lhe foi desfavorável ou, face à prova produzida, prescinde de testemunhas faltosas ou, em sede de argumentação, não invoca determinados argumentos etc., etc.).

38. Na jurisprudência têm sido considerados integrativos de falta de diligência profissional casos como os de falta de contestação no prazo legal (Acórdão do STJ de 1-7-2014, rel. Fonseca Ramos, P.824/06.5TVLSB.L2.S1), omissão de interposição de recurso (Ac. do STJ de 4-12-2012, rel. Alves Velho, P. 289/10.7TVLSB.L1.S1, Ac. do STJ de 4-7-2013, rel. Hélder Roque, revista n.º 298/10.6TBAGN.C1.S1 - 1.ª Secção) ou da sua falta de tempestividade (Ac. do STJ de 11-7-2013, rel. João Bernardo, revista n.º 5030/04.0TBCSC.L1.S1 - 2.ª Secção), falta de dedução de pedido cível de indemnização (Ac. do STJ de 27-2-2014, rel. João Trindade, revista n.º 490/2002.E1.S1 - 2.ª Secção), omissão de apresentação de prova (Ac. do STJ de 14-3-2013 rel. Maria dos Prazeres Beleza, revista 78/09.1TVLSB.L1.S1; também na C.J., 2013, 1, pág. 155.

39. Ao longo de várias decisões tem sido afirmado que a constatação de tais atos omissivos não basta para que o lesado seja ressarcido dos danos que correspondam, no máximo atribuível, ao que deixou de ganhar com a improcedência da sua pretensão ou ao que perdeu com a procedência da ação quando seja ele o demandado.

40. Na verdade, e não sendo absolutamente certo, não obstante tais omissões (como se disse, os casos de omissão constituem as situações mais frequentes que estão na base da invocação de perda de chance) que a ação viesse a proceder ou que a procedência da ação pudesse ser afastada por defesa não admitida, impõe-se fazer um julgamento dentro do julgamento (ver Ac. da Relação de Lisboa, rel. Tomé Gomes, CJ, 5, pág. 71) no sentido de saber se a ação, face aos termos em que foi proposta, seria viável ou se existiam razões suscetíveis de ser invocadas pela defesa que pudessem afastar a procedência da ação; para haver indemnização a probabilidade de ganho há de ser "elevada" (Ac. do STJ de 14-3-2013 supra mencionado).  

41. Como se refere no Ac. do STJ de 5-5-2015, rel. Silva Salazar, revista 614/06.5TVLSB.L1.S1 "para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer: não basta invocar a omissão da obrigação de instaurar ação de despejo, com base em fundamento conhecido há mais de um ano, que teve como consequência impedir a sua procedência, por caducidade; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de vencer a ação omitida".

42. No Ac. do STJ de 1-7-2014, rel. Fonseca Ramos, revista 824/06. 5TVLSB.L2.S1, aresto com larga cópia de referências doutrinais e jurisprudenciais, salienta-se que, sendo a conduta ilícita adequada ao dano, ou seja, condição de dano por parte de quem agiu ilicitamente, o prejuízo deve recair por quem assim agiu ainda que haja conduta de terceiros a concorrer para o resultado ou, pelo menos, a não o evitar. Sendo assim as coisas, ou seja, considerando-se "que o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano" (ver Ac. do STJ de 20-6-2006, rel. Alves Velho, recurso n.º 1504/06 também na CJ, Ac. do STJ, pág. 119) afigura-se que, tratando-se de indemnização fundada na perda de chance, as situações que configurem grave lesão do dever de diligência profissional e que levem a que a pretensão do autor, a defesa do réu ou o recurso interposto não sejam atendidos, devem considerar-se causa adequada do dano salvo se se ajuizar que, não obstante a sua verificação, o resultado da ação seria o da improcedência ou a defesa que se pudesse apresentar inconsistente ou o recurso improcedente.

43. No caso vertente importa assinalar que o autor omitiu qualquer referência ao provável sucesso da ação proposta pelo réu enquanto advogado do autor; no entanto, já verificámos que a procedência da ação estava dependente da prova da falta de reparação do defeito do veículo e tal prova não se produziu; quer isto dizer que, tendo prosseguido a ação para julgamento com produção de prova, pode ajuizar-se com segurança e não numa base de probabilidade elevada que a ação seria sempre julgada improcedente, independentemente da caducidade, visto que o sucesso do pedido de resolução dependia da prova de que o defeito do veículo não tinha sido reparado.

44. Acresce que os factos provados no que respeita à omissão de interposição do recurso - factos 17 e 18 - não demonstram que o autor tivesse mandatado o réu para interpor recurso nem, diga-se, houve alegação nesse sentido; constata-se que o autor teve conhecimento da sentença pois esta foi-lhe entregue no escritório do réu no último dia do prazo para interposição do recurso, tendo cumprido o advogado o dever de informação sobre o estado do processo e a sentença.

45. Não se vê que tenham sido dados como provados ou não provados factos alegados pelo réu (ver artigo 25 e 26 da contestação onde o réu afirmou que " no último dia para recorrer, foi o autor que se dirigiu ao escritório do réu e afirmou não ter possibilidades financeiras para pagar as custas de um recurso ao que o réu respondeu que, perante a prova produzida, também não lhe seria recomendável interpor recurso da decisão, alegando ainda que " durante o prazo do recurso, tentou ligar várias vezes ao autor que lhe recuso umas chamadas (conforme se poderá demonstrar pelo registo das mesmas)"

46. Seja como for, não tendo sido alegado pelo autor que pretendia interpor recurso da sentença, também aqui não se pode considerar que houve qualquer omissão por parte do advogado pois não está provado que o seu mandante lhe haja dado instruções (artigo 1161.º, alínea a) do Código Civil). Cumpria ao autor o ónus de alegar e provar que pretendia interpor recurso da sentença (artigo 342.º do Código Civil) da qual lhe foi dado conhecimento e, por isso, não se reveste de qualquer interesse ampliação da matéria de facto tendo em vista a prova dos aludidos factos.

47. No acórdão recorrido considerou-se que o autor não comprovou a existência " efetiva dos alegados danos em consequência da conduta do réu. O autor não logrou provar que comprou o veículo mencionado pelo valor de 32.966,94€ nem outro valor foi considerado provado, sendo a ele que competia tal prova".

48. Este argumento decisório não foi posto em causa nas conclusões do recurso que delimitam os poderes de cognição do Tribunal (artigos 635.º/4, 639.º/1 do CPC/2013).

49. Refira-se apenas que na ação proposta pelo réu em representação do autor nada foi alegado no sentido de justificar o pedido de condenação em 32.900 euros e, por isso, o prejuízo a considerar pela pretendida resolução seria apenas o da não restituição das quantias pagas a título de crédito para aquisição do veículo; pois bem, na presente ação impor-se-ia provar não apenas o crédito, mas o respetivo montante, para se poder considerar se, na verdade, o autor teve prejuízo dado que nada se provou para além do facto de o autor ter adquirido, o veículo mediante empréstimo bancário (1 da matéria de facto); não se provou também se o autor pagou alguma quantia mais pelo veículo ou se o adquiriu em estado novo. Por isso, tem relevância a determinação do montante desse crédito, pois, provado que o veículo que ficou em poder do autor valia 11.000€ em 31-7-2014, se esse valor for efetivamente maior do que os montantes suportados pelo mútuo contraído nesta data, a improcedência da ação não teria determinado prejuízo.

Concluindo

I - O advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica; a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.

II - Não se deve considerar que o advogado incorre em falta do dever de diligência profissional nas situações em que ele assume, no exercício do seu múnus, opções de natureza jurídica, processual ou substantiva, que se inserem no âmbito da sua autonomia técnica em conformidade com os interesses do mandante que representa.

III - Importa atentar que os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional devem constituir conditio sine qua non do insucesso da ação ou da defesa, obstando per se a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance.

IV - Os comportamentos suscetíveis de integrar violação culposa do dever de diligência que a lei comete ao advogado nas relações com o cliente (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro e 100.º/1, alínea b) do EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) devem restringir-se, em regra, às atuações graves, quase sempre omissivas (v.g. injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante, de não interposição de ação antes do decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório etc.), situações estas que estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio.

V - A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.


Decisão: nega-se a revista

Custas pelo recorrente


Lisboa, 24-3-2017

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Vítor